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terça-feira, 30 de janeiro de 2018

LÚDICA III, por Mália Morgado (Poema)

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Eu deitei na areia,

Querendo contar nuvens.

Que besteira,

Era o entardecer e não se conta
nada,

Nada.

Um globo de Turner em aquarela,

Sem bordas,

Por que me limitar na contagem?

Eu também não quero mais divisas,

Eu sou o fogo, a lavanda, o chumbo.

E ao mesmo tempo eu sou
o que sempre fui. Ou mais.

Quero estar e obliterar.

Uma silhueta a mais 

Entre homens difusos como sonhos.

E quando vier a próxima crise financeira? por Walden Bello.

Há dez anos, bancos inundaram os parlamentos de dinheiro para “azeitar” decisões a seu favor e culpar sociedades e Estados pelo desastre. Mas há um segundo round em curso
Por Walden Bello, na Telesur  | Tradução: Eduardo Sukis, do Círculo de Tradutores Voluntários
Quando o chão se abriu sob Wall Street em setembro de 2008, muito se falou sobre dar aos bancos o que eles mereciam, prender os “banksters”, banqueiros gângster, e impor uma regulação draconiana. O então recém-eleito Barack Obama chegou ao poder prometendo uma reforma bancária e mandando um aviso a Wall Street: “Meu governo é a única coisa que separa vocês da ira popular”.
Porém, quase dez anos após a erupção da crise financeira global, é evidente que os responsáveis por ela conseguiram sair completamente impunes. E não foi só isso, eles conseguiram convencer os governos a mandar a conta da crise, e o fardo da recuperação, para as vítimas.
Como Wall Street venceu
Como eles tiveram êxito? A primeira linha de defesa dos bancos foi fazer os Estados resgatarem os bancos do desastre financeiro que eles haviam criado. Nos EUA, os bancos recusaram categoricamente a pressão do governo para montar uma salvaguardas coletivas com seus próprios recursos. Manipulando o colapso dos preços de ações, causado pela falência do banco Lehman Brothers, os representantes do capital financeiro conseguiram chantagear tanto os liberais quanto a extrema direita no Congresso para aprovar o programa TARP (Troubled Asset Relief Program) de US$ 700 bilhões. A nacionalização bancária foi descartada como sendo algo inconsistente com os “valores americanos”.
Depois conseguiram, em 2009 e 2010, estripar da lei Dodd-Frank os três itens principais vistos como necessários para uma reforma genuína: reduzir o tamanho dos bancos separando institucionalmente as instituições comerciais das de investimento; banir a maioria dos produtos financeiros derivativos e regular eficazmente o chamado “sistema bancário paralelo”, que havia provocado a crise.
Eles fizeram isso usando o que Cornelia Woll chamou de “poder estrutural” do capital financeiro. Uma dimensão desse poder foram os US$ 344 milhões gastos pela indústria com pressões sobre o Congresso norte-americano nos primeiros nove meses de 2009, quando os parlamentares estavam se dedicando à reforma financeira. Só o senador Chris Dodd, presidente do Comitê Bancário do Senado, recebeu US$ 2,8 milhões em contribuições de Wall Street em 2007 e 2008. Porém, talvez tão poderosa quanto a pressão de Wall Street entrincheirada no Congresso foram as vozes potentes da então novo governo Obama, que simpatizavam com os banqueiros. Destacaram-se principalmente o secretário do Tesouro, Tim Geithner, e o chefe do Conselho de Assessores Econômicos, Larry Summers, ambos ex-colaboradores próximos de Robert Rubin, que possuía sucessivas encarnações como copresidente da Goldman Sachs, chefe do Tesouro de Bill Clinton e presidente e conselheiro sênior do Citigroup.
Finalmente, o setor financeiro teve sucesso exercendo seu poder ideológico, ou talvez a descrição mais precisa seja atrelando sua defesa à ideologia neoliberal dominante. Wall Street foi capaz de mudar a narrativa sobre as causas da crise financeira, jogando a culpa totalmente no Estado.
Isso fica bem claro no caso da Europa. Assim como nos EUA, a crise financeira na Europa foi uma crise centrada na oferta de produtos financeiros. Os grandes bancos europeus procuraram substituir os lucros baixos, obtidos nos empréstimos à indústria e agricultura, por operações de alto lucro e retorno rápido, como crédito imobiliário e especulação em derivativos financeiros. Ou então, aplicaram seus fundos excedentes em títulos de alto rendimento vendidos pelos governos. Realmente, na busca por lucros cada vez maiores, provenientes do crédito imobiliário a governos, bancos locais e construtoras, os bancos europeus despejaram US$ 2,5 trilhões na Irlanda, Grécia, Portugal e Espanha.
O resultado foi o aumento da relação dívida/PIB da Grécia para 148% em 2010, levando o país à beira de uma crise da dívida pública. Pensando em proteger os bancos, a abordagem das autoridades europeias para estabilizar as finanças da Grécia não foi penalizar os credores pelo crédito irresponsável, mas colocar nos ombros dos cidadãos todo custo dos ajustes.
A narrativa construída, que via como causa da crise o “Estado gastador”, e não em um setor financeiro privado desregulado, chegou rapidamente aos EUA. Aí foi usada não só para descarrilhar a verdadeira reforma bancária, mas igualmente para impedir a sanção de um programa de estímulo efetivo à economia, em 2010. Christina Romer, chefe do Conselho de Assessores Econômicos de Barack Obama, avaliou que seriam necessários US$ 1,8 trilhões para reverter a recessão. Obama aprovou menos da metade, ou US$ 787 bilhões, acalmando a oposição republicana, mas impedindo uma recuperação rápida. Assim, o custo da insensatez de Wall Street recaiu não sobre os bancos, mas sobre os norte-americanos comuns. O desemprego atingiu quase 10% da mão de obra em 2011, e o desemprego entre os jovens superou os 20%.
Vitória do grande capital nos EUA e na Europa
O triunfo de Wall Street em inverter a revolta popular contra si, após a erupção da crise financeira, ficou evidente na disputa para as eleições presidenciais de 2016. As estatísticas norte-americanas eram claras: 95% dos rendimentos econômicos de 2009 a 2012 foram para as mãos do 1% mais rico; o rendimento médio anual das pessoas havia caído 4 mil dólares em comparação com 2000; a concentração de ativos financeiros aumentou após 2009, com os quatro maiores bancos detendo quase 50% do PIB. Regular Wall Street não havia sido uma questão debatida nas eleições primárias republicanas, enquanto nos debates dos democratas era uma questão secundária, apesar dos esforços do candidato Bernie Sanders de torná-la o ponto central.
As instituições políticas de uma das democracias liberais mais avançadas do mundo não foram páreo para o poder estrutural e recursos ideológicos do establishment financeiro. De acordo com Cornelia Woll: “Para o governo e para o Congresso, a principal lição da crise financeira em 2008 e 2009 foi que eles tinham uma influência muito limitada sobre o comportamento do setor financeiro em casos de necessidade urgente pela sobrevivência de todo o setor e da economia em geral”.
Na Grécia, as políticas de “austeridade” provocaram uma revolta popular, expressa no referendo de junho de 2015, em que mais de 60% do povo grego rejeitou o acordo com os credores. Porém, no final das contas, a vontade deles foi esmagada enquanto o governo alemão forçava o primeiro-ministro Alexis Tsipras a uma rendição humilhante. Está claro que o principal motivo era salvar a elite financeira europeia das consequências de suas políticas irresponsáveis, impondo o princípio de ferro de pagamento total da dívida e crucificando a Grécia a fim de dissuadir os outros, como os espanhóis, irlandeses e portugueses, de se revoltarem contra a servidão por dívida. Conforme admitiu há algum tempo Karl Otto Pöhl, um ex-chefe do Banco Federal Alemão, o exercício draconiano na Grécia se resumia a “proteger os bancos alemães, mas principalmente os bancos franceses, das anulações da dívida”.
Vitória de Pirro
Porém, é provável que a vitória dos bancos seja de Pirro. A combinação de uma profunda recessão induzida pela austeridade, ou de uma estagnação que engole grande parte da Europa e dos EUA, e a ausência da reforma financeira é fatal. A estagnação prolongada resultante e a perspectiva da deflação desencorajaram o investimento na economia real para expansão de bens e serviços.
Enquanto isso, durante a paralisação da ação para regular novamente as finanças, as instituições financeiras têm ainda mais motivos para fazer exatamente o que fizeram antes de 2008 e que disparou a crise atual: envolver-se em operações de muita especulação, criadas para gerar superlucros , antes que a lei da gravidade cause a quebra inevitável.
Atualmente, o mercado de derivativos não transparentes está estimado em um total de US$ 707 trilhões — consideravelmente superior aos US$ 548 bilhões em 2008, de acordo com o analista Jenny Walsh. “O mercado tornou-se tão incrivelmente vasto que a economia global está correndo o risco de prejuízos imensos, caso uma pequena porcentagem dos contratos não seja honrada. Seu tamanho e possível influência são difíceis de compreender, que dirá avaliar.” O ex-presidente da Comissão de Títulos e Câmbio dos EUA Arthur Levitt concordou, dizendo a um escritor que nenhuma das reformas pós-2008 “diminuíram consideravelmente a probabilidade de crise financeira”.
Por isso, a pergunta não é se outra bolha vai estourar, mas quando.
Vencendo o próximo round
A próxima pergunta é: será que a próxima crise bastará para conseguir o que a reação à crise financeira de 2008 não conseguiu — ou seja, limitar a ação do capital financeiro? Em seu livro clássico A Grande Transformação (Editora Campus, Rio, 2ª ed, 2000) Karl Polanyi falou sobre o “duplo movimento”, segundo o qual o excesso de capital cria um movimento contrário entre as pessoas, o que força o Estado a restringi-lo e regulá-lo.
Com relação a isso, podemos aprender com a experiência inédita na Islândia. Em outubro de 2015, o sistema judiciário islandês mandou para a cadeia os diretores dos maiores bancos do país, junto com 23 de seus principais assessores. A sentença foi a conclusão de um processo no qual a Islândia pegou um caminho diferente com relação aos EUA e ao resto da Europa. Ela deixou os bancos afundarem, em vez de resgatá-los com a desculpa de serem “grandes demais para quebrar”. Ela realizou operações de resgate sim, mas dos cidadãos comuns em vez de banqueiros, perdoando dívidas de hipoteca que ultrapassavam 110% do valor real da residência vinculada ao empréstimo.
A economia da Islândia não desmoronou quando permitiu que seus maiores bancos fracassassem. Conforme indicado por um artigo,
A Islândia retomou o crescimento econômico muito mais rápido do que os céticos esperavam depois de romper com a abordagem conciliatória para com os atores do setor financeiro usada pela maioria dos países após o colapso global. A taxa de crescimento da pequena economia ultrapassou a média dos países europeus em 2012. Ela congelou sua taxa de desemprego desde o pico da crise.
O país foi capaz de domar o setor financeiro graças a vários fatores. Um foi o tamanho relativamente pequeno de sua democracia. Com uma população de apenas 329 mil pessoas, a maioria delas na capital, Reykjavik, os políticos da Islândia estavam suscetíveis a uma pressão muito direta do eleitorado, que em grande parte havia sofrido perdas terríveis. Outro fator: não fazia tempo que o setor financeiro havia emergido como o principal condutor da economia, e a elite financeira não havia alcançado o imenso poder estrutural e ideológico que o capital financeiro alcançou nos EUA, no Reino Unido e no restante da Europa.
A Islândia pode ter sido a exceção à regra, mas demonstra que o controle democrático sobre os bancos é possível.
Para evitar outras crises com custos sociais trágicos, temos a tarefa urgente de trazer novamente o setor financeiro sob o controle democrático, para redesenhar a relação da sociedade com o capital financeiro — aliás, com o próprio Capital.

Churchill e seu sombrio lado B, por John Wight.

“O Destino de uma Nação” homenageia, com razão, um líder da luta contra o nazismo. Mas esconde governante racista, que usou armas químicas contra indianos, iraquianos e revolucionários russos
Por John Wight, no RT | Tradução: Mauro Lopes
“A verdade raramente é pura e nunca simples”. Assim escreveu Oscar Wilde –e a frase descreve perfeitamente a vida e o legado do líder mais famoso e reverenciado da Grã-Bretanha, Winston Churchill, um gigante político que tinha orgulho de seu racismo e do imperialismo.
Na sequência do lançamento de mais um filme hollywoodiano sobre Churchill, Darkest Hour (O Destino de uma Nação no Brasil), que está atraindo críticas favoráveis e caracteriza Gary Oldman como Churchill e Kristin Scott Thomas como sua estoica esposa Clementine, uma série de artigos sobre o homem e seu legado foi produzida, confirmando que seu lugar na história continua sendo objeto de disputa e conjecturas ao longo de meio século depois de sua morte em 1965.
O filme centra-se nas semanas da vida de Churchill nas quais talvez ele tenha sido mais famoso, quando, como primeiro-ministro, liderou a Grã-Bretanha durante o período mais sombrio de sua história, depois do desastre militar de Dunquerque em maio de 1940.
Antes de sua ascensão a primeiro ministro britânico, Churchill passara anos como um parlamentar sem maior expressão;  como uma Cassandra solitária, alertando sobre a ameaça representada por Hitler. Já em 1932, depois de retornar à Grã-Bretanha de uma viagem à Alemanha, ele se dirigiu assim à Câmara dos Comuns: “Todos esses bandos de jovens teutônicos, marchando pelas ruas e estradas da Alemanha, com a luz do desejo em seus olhos para sofrer por sua pátria não estão procurando status. Eles estão procurando armas”.
No final de maio de 1940, com os panzers de Hitler nos portos do Canal do norte da França, talvez tenha sido um pequeno conforto para Churchill saber que ele tinha razão, enquanto a maior parte do establishment político britânico, que nutrira profundas simpatias pelos nazistas ao longo da década de 1930, mostrou-se errada.
O filme descreve a luta seminal que ocorreu entre Churchill e aqueles que, dentro de seu gabinete e  liderados pelo ministro das Relação Exteriores, Lord Halifax (interpretado por Stephen Dillane), acreditavam não haver possibilidade de derrotar militarmente os alemães após Duquerque e que eram inflexíveis em defender um acordo com o ditador nazista, com o objetivo de salvar o império britânico.
Churchill, como a história revela, viu as coisas de maneira diferente. Isto é poderosamente representado no filme quando, exasperado pela repetidas pressões de Halifax de que chegara o momento de negociar, bateu na mesa: “Quando a lição será aprendida? Você não pode argumentar racionalmente com um tigre quando sua cabeça está na boca do animal! ”
O lado lastimável do legado de Churchill
Se 1940 foi a melhor hora de Churchill, houve também inúmeras horas de ignomínia e mentiras em sua vida, que sua legião de admiradores fez todo o possível para esconder em favor do mito.
Winston Spencer Churchill, nascido em 1874, era um descendente de uma classe privilegiada em uma sociedade britânica que sofria com o peso morto da aristocracia no final do século XIX. Desde muito jovem, foi cativado pela guerra e pela vida militar, desenvolvendo um apego nietzscheano ao conflito como campo de testes das chamadas virtudes masculinas de coragem, honra e disciplina. Ele experimentou a guerra de perto, quando, como um jovem oficial do exército, participou de combates na Índia, no Sudão e na Frente Ocidental durante a Primeira Guerra Mundial.
Isso o distingue dos líderes de guerra britânicos contemporâneos, como Tony Blair e David Cameron, que enviaram forças militares britânicas ao combate com o objetivo de estabelecer seu próprio legado “churchiliano”, resultando em desastres.
O lado lastimável do legado de Churchill é, como se disse no parágrafo inicial, o racismo e o imperialismo que sustentaram sua visão de mundo. Sua crença na hierarquia racial foi esboçada no testemunho que ele deu à Comissão Peel em 1937, criada para investigar a revolta árabe de 1936 contra o influxo de colonos judeus europeus para a Palestina, com a conivência dos britânicos.
Quando perguntado sobre os direitos dos palestinos, Churchill recusou-se a aceitar que tivessem algum: “Não admito, por exemplo, que tenha havido um grande erro em relação aos índios vermelhos da América ou ao povo negro da Austrália. Não admito que tenha havido qualquer erro pelo fato de uma raça mais forte, uma raça de grau superior, uma raça global mais sábia, para colocar nestes termos, ingressar no território e ocupar seu lugar”.
Anos antes, como secretário de Guerra da Grã-Bretanha, Churchill havia defendido o uso de armas químicas para derrotar revoltar na Índia e no Iraque, escrevendo assim em um memorando: “Eu sou fortemente a favor do uso de gás venenoso contra tribos incivilizadas”. Ele também foi responsável pelo uso de armas químicas na Rússia em 1919 com o objetivo, em conjunto com várias outras potências imperialistas, de esmagar a Revolução Russa.
Durante a Segunda Guerra Mundial, o desdém de Churchill pelos povos europeus não brancos foi posto a nu com a descoberta de sua culpa pela morte de três milhões de homens, mulheres e crianças na fome de Bengala de 1943.
Apesar da fome que havia varrido essa agitada província da Índia, Churchill ordenou o desvio de alimentos desesperadamente necessários para a Europa. O fato de que as 70 mil toneladas de alimentos arrancadas pelos britânicos da Índia nos primeiros sete meses de 1943 teriam mantido 400 mil pessoas vivas por um ano é assustador. “Odeio os indianos”, teria dito o primeiro-ministro mais venerado da Grã-Bretanha a um de seus subordinados. “Eles são um povo bestial com uma religião bestial”.
Veneração e vilipêndio em igual medida
A veneração a Winston Churchill por liderar um país de joelhos após o desastre militar de Dunquerque em 1940 deve balanceada com o exame de seu racismo nojento e imperialismo fanático. E apesar de o desafio de Churchill a Hitler e sua máquina de guerra nazista terem sido importantes, deve-se ressaltar que a prioridade militar e estratégica de Hitler nunca foi a guerra contra a Grã-Bretanha.
Pelo contrário, o ditador fascista era um admirador do império britânico, que ele procurava imitar na Europa Oriental, com a colonização e o saque de grandes territórios da Rússia. Como William L. Shirer escreve em seu trabalho histórico, Ascensão e queda do Terceiro Reich, depois da queda da França, convencido de que a Grã-Bretanha buscaria negociar a paz, Hitler expressou “sua admiração pelo império britânico e sublinhava a necessidade de sua existência. Tudo o que ele queria de Londres, ele disse, era ter a mão livre no continente “.
A resposta à questão sobre quem Winston Churchill era nunca poderá ser respondida em um filme feito com o objetivo de reforçar a reverência que lhe presta o Ocidente. Nascido com o sangue da aristocracia inglesa que atravessava suas veias, ele era um homem para quem o mundo estava dividido entre povos europeus brancos, racial e culturalmente superiores, e povos não-brancos  fadados a ocupar o papel dos hilotas [os desprezados e oprimidos servos do Estado em Esparta, na Antiguidade – NR].
Ivan Maisky, embaixador soviético em Londres entre 1932 e 1943, entendeu com precisão as contradições que definem Churchill, quando em seus volumosos diários ele anotou: “Com toda a sua seriedade, Churchill é um homem bastante divertido”.
Churchill, o grande líder do tempo de guerra ou Churchill, o racista e o imperialista? A resposta simples é que ele era ambos.

A Oxfam avisa: a desigualdade pode ser vencida, por Inês Castilho.

Mídia não enxerga a principal novidade do mais novo relatório sobre injustiça social. Há inúmeros caminhos para superar o problema – basta vontade e força política para adotá-los
Por Inês Castilho
“Nossa economia é construída nas costas
de trabalhadores mal remunerados, frequentemente mulheres,
que recebem baixos salários e são privados de direitos básicos.
É construída à custa de trabalhadoras como Dolores,
que trabalha em frigoríficos de frangos nos Estados Unidos
e desenvolveu uma deficiência permanente
que não lhe permite segurar seus filhos pela mão”
Do relatório da Oxfam
O trabalho perigoso e mal remunerado de muitos garante a riqueza extrema de poucos. As mulheres estão nos piores postos de trabalho e quase todos os bilionários do planeta são homens. Aumenta o abismo da desigualdade. Para reduzi-lo, empresas devem valorizar o trabalho e os sindicatos, eliminar as diferenças salariais por gênero, repartir lucros e não pagar dividendos milionários a executivos e acionistas. Já governos devem priorizar trabalhadores e pequenos produtores de alimentos, e não os super-ricos – que precisam pagar uma “cota justa” de impostos para que se aumentem os gastos públicos com saúde e educação.
Esse é o recado da Oxfam Internacional à elite empresarial e política planetária reunida a partir de hoje na cidade gelada de Davos, na Suíça, no 48º Fórum Econômico Mundial. Entre os 3 mil hipers da plateia encontram-se Trump e Temer, este tentando vender o país ao lado de Doria, Meirelles e a maior comitiva dos últimos tempos. O programa prevê a palestra “Moldando a nova narrativa do Brasil” justo pra amanhã, 24 de janeiro, quando Porto Alegre estará fervendo com o julgamento do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva.
Capital versus Trabalho
O estudo “Recompensem o trabalho, não a riqueza”, da Oxfam, revela uma concentração de riquezas sem limites. O ano de 2017 registrou o maior aumento de super-ricos da história – um a cada dois dias, somando 2043 pessoas pelo mundo, 90% deles homens, com riqueza superior ao PIB de 159 dos 193 países que habitamos. Só as riquezas criadas em 2017 seriam suficientes para acabar sete vezes com a pobreza extrema no globo, mas 82% delas foram para as mãos do 1% mais rico. Já a metade mais pobre da população mundial, 3,7 bilhões de pessoas, está de mãos vazias.
Toda essa riqueza não vem do trabalho, diz a Oxfam. Dois terços dessas fortunas resultam de heranças, monopólios (que “alimentam retornos excessivos para proprietários e acionistas à custa do restante da economia”) e clientelismo, ou seja, “a capacidade de interesses privados poderosos manipular políticas públicas para consolidar monopólios existentes e criar outros”.
Tudo isso compõe “uma ‘tempestade perfeita’” em que sindicatos perdem poder de negociação e “empresas usam a mobilidade dos seus investimentos para promover uma ‘corrida para trás’ entre países em termos de tributação e direitos trabalhistas”, afirma o relatório, que mostra o movimento regressivo dos direitos trabalhistas em vários países do mundo. Os dados são de instituições como a OIT (Organização Internacional do Trabalho), Banco Mundial, o banco Credit Suisse e a revista “Forbes”.
Mulheres, jovens, negros
Por aqui, onde é nossa a taça de campeões da desigualdade e o fantasma da fome volta a nos assombrar, cinco bilionários acumulam o mesmo valor que a metade mais pobre da população. O Brasil tem 12 bilionários a mais: eram 31 e agora são 43, no segundo maior aumento de sua história. E o patrimônio deles cresceu 13%: já alcança R$ 549 bilhões, mais de meio trilhão de reais. Já os 50% mais pobres tiveram sua fatia reduzida de 2,7% para 2% do bolo. A brasileira ou brasileiro que ganha um salário mínimo precisaria trabalhar 19 anos para conseguir o que ganha num mês alguém do 0,1% mais rico. Já os dividendos pagos em 2016 ao quarto homem mais rico do mundo, Amancio Ortega, pela matriz da rede de moda Zara, que distraidamente podemos frequentar, somaram aproximadamente 1,3 bilhão de euros [5,16 bilhões de reais].
Mulheres, jovens e negros são os mais impactados pelo desemprego, baixos salários e precarização do trabalho, afirma Kátia Maia, diretora da Oxfam Brasil. “As mulheres fazem jornada dupla, tripla de trabalho, um trabalho que não é remunerado. E esse trabalho não remunerado, quando contabilizado, chega a somar 10 trilhões de dólares anuais – se fosse computado teríamos outro desenho econômico. Vale ressaltar que o trabalho do cuidado é fundamental para a reprodução da própria sociedade”, diz ela. “Pensar soluções é pensar a liderança das mulheres.”
Além do que as mulheres sofrem assédio. “Em países da América Latina e do Caribe 94% das mulheres do setor hoteleiro são assediadas por hóspedes. Na Ásia mulheres não conseguem ver os filhos porque trabalham 12 horas por dia, 6 dias por semana, e o salário é tão baixo que não dá para pagar o transporte. Mulheres negras sofrem a desigualdade da desigualdade.” Mulheres estão em luta permanente, pela conquista da educação, por participação política. Assistimos a suas demonstrações no mundo todo, e no Brasil o movimento feminista tem sido um dos mais resistentes contra a volta do conservadorismo – diz ela.
Também os jovens estão entre os que recebem os salários mais baixos e recebem os maiores impactos do desemprego, mostra o estudo. Mas estão entre os que oferecem maior resistência, com mobilizações no mundo todo, lembra Kátia.  “No Brasil há muitos movimentos de jovens, o terreno é fértil para mudanças a partir da juventude.”
A desigualdade se reflete mais nos subalternizados, novamente, quando se pensa nas mudanças climáticas e desastres ambientais, pelo impacto na capacidade de recuperação e nas condições de vida e moradia nas áreas atingidas, lembra a diretora da Oxfam Brasil. “A questão ambiental é fundamental para a busca de soluções para a desigualdade. Ela nos ajuda a trazer para o debate outros elementos, o desafio e a responsabilidade de olhar para o futuro. Venho do movimento ambientalista, em 83 a gente ainda imaginava um futuro comum – o relatório ‘Nosso Futuro Comum’, de Gro Harlem Brundtland, mestre em saúde pública e ex-primeira ministra da Noruega – lembra?  E agora essa intensificação dos lucros nos distancia cada vez mais desse futuro.”
Se pretendemos incluir o conjunto dos 7 bilhões de habitantes do planeta, o padrão não pode ser o das elites, ressalta Kátia Maia. “Essa pressão sobre o clima, os rios, a terra, a água, os diversos elementos que formam o ambiente, é insustentável. Enfrentar as desigualdades passa necessariamente por rever o padrão de vida, que é altamente consumista.” E rever o padrão de vida passa necessariamente pela consideração do bem comum diante do bem individual. “Temos ainda uma grande reserva de práticas voltadas para a coletividade”, diz Kátia.
Depende de nós
Sustentar o otimismo, apesar de tudo. Kátia ressalta a importância da mobilização da sociedade “num mundo volátil, em que é um grande desafio enfrentar questões estruturais, que não acontecem num estalar de dedos, mas mais no longo prazo. A desigualdade foi construída por nossa sociedade, e pode ser modificada por nós. Se como sociedade a gente quiser, tem poder pra mudar.”
Mesmo porque a maioria quer igualdade. Ano passado a Oxfam fez uma pesquisa com 120 mil pessoas, de 10 países, que representam um quarto da população mundial, e o estudo mostrou que mais de três quartos dos entrevistados concordam em que o fosso entre ricos e pobres, em seu país, é muito grande. Os percentuais variam de 58% na Holanda a 89% na Nigéria; 60% concordam que é responsabilidade dos governos reduzir a lacuna. É urgente eliminar essa diferença, opinam quase dois terços dos entrevistados.
“No Brasil, a pesquisa de opinião ‘Nós e as Desigualdades’, feita pela Oxfam e o Datafolha em dezembro passado, mostrou que a população é contra essa desigualdade extrema, esse buraco que separa pessoas com e sem direito, de primeira e segunda categoria. Os brasileiros consideram que emprego é problema, falta de educação é problema, saúde é problema. As pessoas concordam quanto às soluções, mas não têm noção do tamanho da desigualdade. Estão preocupadas, e quanto mais a gente mostrar o tamanho da desigualdade, mais vão se preocupar.”
Daí os relatórios que a Oxfam, insistentemente, apresenta ano após ano em Davos. “Eles aumentam o debate, para que esse poder sinta a pressão, porque quando a gente pressiona tem passo atrás”. Ela dá exemplos recentes do poder que a gente tem.
“A Islândia acaba de aprovar lei afirmando que até 2022 não poderá mais existir diferença salarial entre homens e mulheres. Nós mesmas aqui no Brasil tivemos num certo período políticas públicas que davam aumento real no salário mínimo, que é muito importante no combate à desigualdade, além de outras políticas sociais inclusivas. Políticas que privilegiaram setores sociais que são maioria, mas são tratados como minoria, no quadro da desigualdade de gênero e raça.”
Katia aponta também as boas práticas de algumas empresas. “Há empresas que fazem maior repartição de lucros para seus trabalhadores, incentivam a organização sindical, empresas criadas por cooperativas de trabalhadores e que estão bem economicamente.” Lembra, contudo, que a grande maioria das corporações está operando com o máximo lucro, precarizando ainda mais o trabalho, empurrando as organizações sindicais para fora, pagando salários menores. “É uma corrida para aumentar os lucros, uma visão de curto prazo, um saque dos recursos naturais.”
No Brasil acontece um movimento contrário ao que a Oxfam indica como melhores práticas para a redução da desigualdade, reconhece a representante da organização no Brasil. “Nos últimos 15 anos houve ganhos, mas estes ganhos, apesar de positivos, não eram estruturais e estão sendo desmontados.”
Fórum de Davos
Este ano a elite mundial, ou operadores do Capital, brinca de democracia representativa e igualdade de gênero deixando a presidência do Fórum nas mãos unicamente de mulheres (que são 21% dos participantes).
De olhos bem abertos para a pollítica na América Latina. “O Brasil é um dos seis países latino-americanos que realizam eleições presidenciais em 2018”, lembra o programa do Fórum, ao indicar o debate “Quais são os principais conquistas atuais e qual visão têm líderes regionais e globais para o Brasil no futuro?”. O evento regional do Fórum, “A América Latina em um momento de virada”, será em São Paulo, em março.
O espaço aéreo de Davos é fechado durante a cúpula e cerca de 5 mil soldados e chefes do exército e da polícia farão a segurança local. Lá estarão “70 chefes de Estado e governo, 1.900 executivos de empresas, 900 representantes de ONGs, 80 jovens destacados, 40 líderes culturais, 35 empreendedores, 32 pioneiros tecnológicos, 70 responsáveis de sindicatos, organizações religiosas e da sociedade civil.”
Na pauta, aspas, “a discussão de formas de crescimento mais igualitário, questões climáticas, o impacto de novas tecnologias no mercado de trabalho, o combate às ameaças cibernéticas e assédio sexual”.

Pistas para um Brasil pós-golpe, por Samuel Pinheiro.


  1. Que projeto une Temer, o “mercado”, a mídia e a quase totalidade dos parlamentares? Mais importante: é possível identificar, desde já, eixos para o resgate do país e dos direitos?
    Um ensaio de Samuel Pinheiro Guimarães
    1. Há uma luta ideológica, política e econômica entre dois projetos para o Brasil, como Nação, como Sociedade, como Estado.
    2. Estes dois projetos decorrem de visões distintas da sociedade brasileira, de suas características, de seu potencial, de seu lugar no mundo.
    3. O primeiro projeto para o Brasil encontra-se articulado, e em acelerada execução, no programa econômico e político de Michel Temer e Henrique Meirelles, o qual decorre de uma visão do Brasil que pode ser assim resumida:
    • o principal desafio da economia e da sociedade brasileira seria a inflação;
    • a economia brasileira não poderia crescer a taxas superiores a 3 % ao ano, sob risco de gerar inflação, a qual poderia se tornar incontrolável ;
    • a principal causa da inflação seria o desequilíbrio fiscal, o desequilíbrio entre receitas e despesas do Estado;
    • somente a iniciativa privada, brasileira, mas em especial a estrangeira, seria  capaz de enfrentar e resolver todos os desafios da economia, e como consequência, da sociedade e do sistema político brasileiro;
    • o Estado constituiria o maior obstáculo ao funcionamento de uma economia capitalista eficiente;
    • a intervenção do Estado como empresário e regulamentador da atividade econômica afastaria e inibiria os investidores privados nacionais e estrangeiros;
    • a redução da dimensão e da competência do Estado, assim como de sua capacidade de intervir na economia como regulamentador e empresário, seriam objetivos indispensáveis para liberar as energias e a vontade de investir  da iniciativa privada;
    • o capital estrangeiro deveria ser o motor do desenvolvimento da economia capitalista no Brasil;
    • os custos do trabalho (salários, direitos etc.) seriam muito elevados no Brasil;
    • os impostos no Brasil, que constituem em seu conjunto a chamada carga tributária, seriam elevados e complexos;
    • o Brasil, pelas suas características e recursos, deveria ser um país produtor/exportador de matérias primas agrícolas e minerais e importador de produtos industrializados;
    • a atividade industrial no Brasil deveria estar limitada ao processamento de matérias primas e à produção de bens industriais de tecnologia simples;
    • a economia brasileira seria “fechada”, o que prejudicaria a inserção do Brasil na economia internacional globalizada;
    • o Brasil, devido a sua história, a seus valores e a seus interesses econômicos, deveria ter como aliados naturais, na política e na economia mundial, os Estados Unidos e os países europeus — o chamado Ocidente;
    • os países latino americanos, africanos e asiáticos não teriam maior contribuição a dar ao Brasil;
    • a política exterior brasileira deveria ser discreta, aceitar nossa pequena importância e Poder, e se ater a sua região, em aliança (informal) com os objetivos dos Estados Unidos.
    * * *
    1. Esta visão do Brasil, que é compartilhada, com entusiasmo, pelo chamado “mercado” — na realidade, constituído por uma ínfima minoria de proprietários e executivos de grandes empresas, basicamente multinacionais, e de megabancos e de acadêmicos de escola neoliberal — tem amplo apoio dos proprietários da grande mídia ortodoxa, que procuram apresentar esta visão como a única correta e as políticas dela decorrentes como a única solução para o Brasil evitar a catástrofe final.
    2. Seria possível afirmar que o “Mercado” é integrado pelos 71 mil brasileiros que declararam à Receita Federal terem rendimentos superiores a 160 salários mínimos, cerca de 160 mil reais por mês, e que são os indivíduos que determinam de fato os movimentos das Bolsas, as grandes operações com divisas e as decisões de realizar ou não investimentos especulativos ou produtivos.
    3. A síntese das politicas adotadas pelos formuladores e executores deste projeto para o Brasil, que é impulsionado por Michel Temer e Henrique Meirelles, é a seguinte:
    (a) congelamento dos gastos e investimentos públicos, em nível constitucional, durante vinte anos;
    (b) nenhum controle sobre as despesas do Estado com os juros da dívida pública que correspondem a um valor entre 40 e 50% do orçamento federal;
    (c) desregulamentação, privatização e desnacionalização dos sistemas públicos:
    • de educação;
    • de saúde ;
    • de previdência e assistência social.
    (d) desregulamentação total do mercado de trabalho:


    • prevalência do negociado sobre o legislado;
    • terceirização em todos os setores de atividade das empresas;
    • trabalho temporário;
    • fim do imposto sindical;
    • fragilização dos sindicatos;
    • revisão da fórmula de atualização do salário mínimo;
    • enfraquecimento da Justiça do Trabalho e sua eventual desaparição.
    (e) abertura total de todos os setores da economia para facilitar a aquisição de empresas brasileiras e a realização de investimentos pelas megaempresas de capital estrangeiro;
    (f) desregulamentação de todos os setores da economia e redução da   fiscalização do Estado sobre as atividades das empresas;
    (g) privatização (desnacionalização) de todas as empresas do Estado, em especial da:
    • Petrobras
    • Eletrobras
    • BNDES
    • Caixa Econômica
    • Banco do Brasil
    • Casa da Moeda
    • Eletronuclear
    (h) entrega, em condições excepcionais, a megaempresas multinacionais petrolíferas das enormes reservas do pré-sal.
    * * *
    1. Essas políticas reduziriam ao mínimo as dimensões e a competência do Estado como investidor; como promotor do desenvolvimento; como regulador e fiscalizador da atividade econômica.
    1. Essas políticas, de uma forma ou de outra, implementam o que os Estados Unidos e as potências capitalistas e industriais ocidentais vêm demandando do Brasil há varias décadas. De certa forma, estão todas previstas no Consenso de Washington, documento redigido por representantes do FMI, do Banco Mundial, do Departamento do Tesouro americano e acadêmicos, em 1989.
    1. Essas políticas vêm sendo executadas por um governo com escassíssima popularidade e elevadíssima rejeição, com o auxílio de um Congresso que se caracteriza por ter grande número de seus membros comprometidos por denúncias de corrupção e por ter uma larga maioria de representantes de setores empresariais, eleitos por contribuições financeiras de grandes empresas. A legislação, caracterizada por ser um retrocesso histórico, é aprovada de forma apressada e com pequeno debate público, apesar de sua enorme importância.
    1. A determinação em fazer aprovar essas políticas pelo Congresso e a necessidade de rejeitar as denúncias de corrupção apresentadas pela Procuradoria Geral da República fizeram com que o governo de Michel Temer “adquirisse” os votos das bancadas de parlamentares que representam os interesses mais conservadores, tais como a bancada da bala, as bancadas religiosas, a bancada ruralista etc.
    1. Os compromissos do governo com essas bancadas conservadoras levaram à adoção de leis, decretos e medidas administrativas que representam grave retrocesso nas áreas de direitos humanos tanto políticos, como econômicos e sociais, que se encontram protegidos pela Constituição em seus artigos 5º e 6º e por tratados internacionais subscritos pelo Brasil.
    1. Paralelamente, verifica-se uma politização do Poder Judiciário, da Polícia, do Ministério Público e do Tribunal de Contas da União, que se comprova pelo seu afã persecutório contra o PT, contra seu líder o Presidente Lula e contra os direitos dos trabalhadores, e por sua leniência e “ignorância” em relação a delitos cometidos por partidos e políticos conservadores.
    1. Essa politização do Judiciário em todos os seus níveis, desde as Varas de Primeira Instância ao Supremo Tribunal Federal (STF), dos procuradores individuais até a Procuradoria Geral da República (PGR) e da Polícia Federal leva a práticas e decisões que agridem os princípios fundamentais do Direito e violam os direitos dos cidadãos:
    • a tortura física ou psicológica (longas prisões, sem culpa formada) para extrair confissões e delações;
    • a desmoralização pública de acusados pela Polícia (condução coercitiva, uso de algemas, ostentação de força);
    • a intimidação, através da imposição de penas absurdas, àqueles que são acusados por delatores;
    • o vazamento seletivo de trechos de delações;
    • a “convicção de culpa” dos juízes como único fundamento para condenar acusados;
    • a não observância do princípio de presunção de inocência do início das investigações até o trâmite da sentença final em julgado;
    • a transferência para o acusado do ônus da prova;
    • não obediência ao principio de não retroatividade da Lei;
    • a aplicação incorreta da teoria do “domínio do fato”;
    • a criação de tribunais e juízes de exceção;
    • a violação da privacidade da família dos acusados;
    • a extensão da pena, na prática, à família do acusado;
    • a excitação da opinião pública contra indivíduos denunciados.
    * * *
    1. O governo Temer, com o auxílio, “remunerado”, de sua maioria no Congresso, e de integrantes do Poder Judiciário, desde a primeira instância até o Supremo Tribunal Federal, vem procurando tornar permanentes as políticas econômicas que implementa através de reformas que consolidem, no sistema político/judiciário, o poder das classes hegemônicas tradicionais, tais como:
    • a adoção do parlamentarismo (semi-presidencialismo etc.);
    • o financiamento privado, em especial empresarial, de campanhas;
    • o voto distrital, em suas diversas formas;
    • a adoção do voto voluntário;
    • a redução do tempo de campanha política;
    • o fim da reeleição.
    * * *
    1. A atitude, leniente e conivente, do governo Temer diante das violações de direitos humanos no campo e nas cidades contra os indivíduos mais pobres e vulneráveis, o silêncio diante das manifestações de racismo e das ações violentas de grupos de direita, em público e na Internet, leva a uma divisão ainda mais profunda da sociedade, com o aguçamento dos preconceitos raciais, de gênero, de orientação sexual, e ao antagonismo em relação à política e às instituições, criando uma situação propícia ao desenvolvimento de movimentos fascistas e conducente a regimes autoritários e à ditadura.
    * * *
    1. O segundo projeto para o Brasil parte da seguinte visão da realidade:
    • a primeira e principal característica do Brasil é seu extraordinário potencial que é definido por ter o país o quinto mais extenso território do mundo e, portanto, ampla gama de recursos minerais; por ter a quinta maior população do mundo, 207 milhões de habitantes e, portanto, amplo mercado interno potencial; e por ter um dos maiores parques industriais do mundo;
    • a segunda característica do Brasil é o subdesenvolvimento de sua força de trabalho, de seu capital e de seus recursos naturais;
    • a terceira característica do Brasil são as extraordinárias disparidades de riqueza; de renda; regionais; de gênero; de origem étnica; culturais; e políticas;
    • a quarta característica é a sua extrema vulnerabilidade externa, de natureza econômica, tecnológica, ideológica, militar e política;
    • a quinta característica é a fragilidade do Estado.
    1. Para enfrentar os múltiplos desafios que aquelas cinco características colocam é necessária uma estratégia de desenvolvimento que conjugue a ação da iniciativa privada nacional, do capital estrangeiro e do Estado.
    2. Os investidores privados e as empresas tendem a se concentrar, por definição, nas atividades em que há maior perspectiva de lucro, menor risco e menor concorrência interna e externa e, portanto, não são capazes, sozinhos, de enfrentar com êxito os desafios que as características da sociedade brasileira colocam.
    3. Os investimentos de longo prazo, em especial em infraestrutura e de menor rendimento são inibidos, pois o Estado, que tem competência constitucional por sua prestação, não tem capacidade para realizá-los, delegando-os à iniciativa privada que só os assume quando consegue obter, em contrato, condições excepcionais de remuneração, enquanto que as empresas muitas vezes descumprem, mais tarde, os compromissos que tinham assumidos.
    4. Para tais investimentos não há financiamento suficiente do sistema bancário privado, a juros e prazos adequados, o que cria uma dependência do BNDES, da CEF e do Banco do Brasil e a necessidade de sua existência.
    5. O Estado, sozinho, igualmente não é capaz de enfrentar de forma eficiente esses desafios e tem de se fortalecer financeira e tecnicamente para enfrentar a parte que lhe cabe desses desafios.
    6. O capital estrangeiro, também sozinho, não seria capaz de enfrentar esses desafios, múltiplos, complexos e inter-relacionados, até por não ter uma visão global e nacional do Brasil e nem competência legal para tal tarefa.
    7. A segunda característica do Brasil é o subdesenvolvimento, que pode ser definido como a utilização, com menor eficiência e plenitude, de seus fatores de produção, isto é, de sua força de trabalho, de seu capital e de seus recursos naturais.
    8. A população brasileira é de 207 milhões de indivíduos e a população adulta corresponde ao número de eleitores, que é de cerca de 140 milhões.
    9. Os brasileiros adultos que declararam rendimentos à Receita Federal em 2015 foram 27 milhões, que são aqueles que percebiam rendimentos mensais superiores a 2.200 reais por mês ou tinham algum imóvel.
  2. Assim, cerca de 110 milhões de brasileiros estariam fora do mercado devido a seu nível salarial mensal insuficiente (inferior a 2.200 reais mensais) para adquirir muitos dos bens que seriam produzidos pela iniciativa privada, tais como saúde (remédios, cirurgias, internações, etc.) educação de qualidade adequada em todos os níveis, transporte privado, moradia a preço de mercado, seguro de previdência privada etc.
  3. A organização e desenvolvimento da força de trabalho, essencial para que a maioria dos brasileiros possam se tornar mais produtivos e melhores cidadãos do ponto de vista cultural e político e, portanto, para ampliar o mercado para a iniciativa privada, exigem políticas no campo da educação, da saúde, da segurança pública, do saneamento, do transporte e políticas públicas de salários, previdência pública e assistência. Essas políticas são numerosas e complexas e serão mencionadas em princípio aquelas que poderiam ser consideradas essenciais e prioritárias em cada área.
  4. Na Educação:
  • ensino público, laico e gratuito para todos que assim desejarem;
  • implantação de horário integral em todas as escolas, do ensino fundamental e médio, públicas e privadas;
  • a organização da carreira de professor com salários dignos e atraentes.
Na Saúde:
  • uma política de prioridade à saúde preventiva e não à curativa;
  • a coleta regular de lixo, o abastecimento de água tratada e a coleta de esgoto em todas as comunidades;
  • o acesso gratuito de toda a população à assistência médica.
No Transporte:
  • gratuidade do transporte público de massa.
Na Moradia:
  • crédito público acessível para a aquisição de casa própria, digna e saudável.
Na organização pelo poder público do mercado de trabalho:
  • a formalização da situação dos trabalhadores, com fiscalização rigorosa da obrigação de carteira de trabalho;
  • política de valorização do salário mínimo;
  • aperfeiçoamento da Previdência Pública.
* * *
  1. A organização e o desenvolvimento do capital em suas três naturezas, financeira, física e empresarial, é indispensável para o desenvolvimento e a geração de empregos capaz de absorver a força de trabalho que chega todo ano ao mercado e os estoques de mão de obra subempregada e de baixa capacitação.
Quanto ao capital financeiro:
  • manutenção de baixas taxas de juros e redução do spread bancário;
  • desprivatização do Banco Central;
  • desprivatização das agencias reguladoras;
  • controle rigoroso de evasão de impostos;
  • controle da evasão de divisas para o exterior;
  • fortalecimento das instituições financeiras públicas.
Quanto ao capital em sua natureza física:
  • estimular a indústria de bens de capital instalada no país;
  • organizar programas de compras governamentais da produção brasileira;
  • estimular a nacionalização da indústria instalada no Brasil por políticas de conteúdo nacional, conjugadas a compras governamentais.
Quanto ao capital em sua natureza empresarial:
  • financiamento preferencial às empresas de capital nacional;
  • participação dos empresários produtivos, industriais, agrícolas e de serviços, nos conselhos de administração das instituições financeiras públicas.
* * *
  1. A organização e o desenvolvimento da exploração dos recursos naturais do território brasileiro é o terceiro desafio do subdesenvolvimento. As medidas prioritárias seriam:
No caso do solo:
  • a reforma agrária, com desapropriações com base no valor do imposto territorial declarado pelos proprietários;
  • o controle severo do desmatamento, pela tributação;
  • o zoneamento econômico do uso do solo;
  • o controle do uso da água.
No caso do subsolo:
  • o estimulo à formação de geólogos;
  • o mapeamento geológico de todo o território;
  • a limitação da propriedade do solo por empresas e por indivíduos estrangeiros;
  • controle da exploração do subsolo.
* * * 
  1. A terceira característica da sociedade e da economia brasileiras são as disparidades de toda ordem que entravam o desenvolvimento econômico, político e social brasileiro. As principais medidas em cada setor seriam as seguintes:
Disparidades de riqueza e de renda:
  • implantação de um sistema tributário progressivo com o fim das isenções de que gozam os indivíduos mais ricos e as grandes empresas;
  • o combate rigoroso à evasão de impostos.
Disparidades regionais e intra-urbanas:
  • tratamento diferencial tributário para investimentos em munícipios e distritos urbanos de baixa renda.
Disparidades de gênero:
  • controle e punição severa da violência contra as mulheres;
  • salário igual para funções iguais.
Disparidades de origem étnica:
  • controle e punição severa das manifestações racistas e das agressões de natureza étnica, inclusive na Internet;
  • libertação dos indivíduos que se encontram presos sem terem sido condenados.
Disparidades culturais:
  • ingresso gratuito para os trabalhadores sindicalizados em espetáculos culturais de excelência (concertos, exposições, etc.);
  • desconto de 50% na aquisição de livros por trabalhadores sindicalizados.
Disparidades de poder político:
  • fortalecimento das conferências nacionais;
  • aumento do tempo de campanha política;
  • adoção do sistema de revogação de mandato eletivo;
  • combate às manifestações de intolerância política e religiosa na Internet.
* * *
  1.  A quarta característica da sociedade brasileira é a vulnerabilidade a pressões, ameaças e agressões externas, nos campos econômico, tecnológico, ideológico, político e militar.
  2. A redução das vulnerabilidades depende do aumento da presença nacional nos diversos setores da sociedade em que se verifica a influência externa e na maior capacidade da sociedade de influir sobre esses setores no sentido de induzí-los a agir de acordo com os interesses gerais e não apenas em favor de seus interesses individuais, ou de interesses estrangeiros.
No campo econômico, as principais medidas e políticas que reduziriam a vulnerabilidade seriam as seguintes:
  • controle do endividamento das empresas privadas no exterior;
  • a diversificação das exportações, em especial de manufaturas;
  • a exigência às empresas estrangeiras de exportar para promover a modernização do parque industrial brasileiro;
  • não participação em acordos internacionais econômicos que reduzam a capacidade de realizar políticas de desenvolvimento.
No campo tecnológico, as principais medidas que reduziriam a vulnerabilidade seriam as seguintes:
  • organizar e reforçar centros de formação cientifica e tecnológica de excelência;
  • conceder bolsas de estudos vinculadas a resultados nas áreas de ciências exatas e aplicadas desde o ensino médio ao universitário, para estimular vocações cientificas;
  • conceder prêmios de excelência e de realizações nas áreas de ciências exatas e aplicadas.
No campo ideológico, as medidas e políticas que reduziriam a vulnerabilidade seriam:
  • impedir a formação de oligopólios de comunicação e a propriedade cruzada dos meios;
  • a democratização e desconcentração da alocação das verbas oficiais de propaganda;
  • o fortalecimento da mídia comunitária de rádio e televisão;
  • financiamento especial a rádios, televisões e editoras de acordo com sua programação de produtos culturais brasileiros;
  • financiamento de produção, da distribuição e da exibição da produção audiovisual brasileira.
No campo militar, as medidas e políticas que reduzem a vulnerabilidade externa seriam:
  • financiamento especial a empresas de defesa de capital nacional;
  • fortalecimento e diversificação das instituições de formação de oficiais superiores;
  • não adesão a tratados desiguais na área militar;
  • fortalecimento da capacidade dissuasória do país.
No campo político, a vulnerabilidade externa se reduziria:
  • por uma política de não intervenção e de respeito absoluto ao direito de autodeterminação dos países vizinhos sul-americanos;
  • pela cooperação econômica e financeira com esses vizinhos;
  • pelo fortalecimento de um bloco sul-americano de nações;
  • pela participação ativa no bloco dos BRICS;
  • pela campanha política permanente para inclusão do Brasil no Conselho de Segurança.
* * * 
  1. A quinta característica brasileira é a fragilidade do Estado em seus três Poderes.
As medidas prioritárias para enfrentar as fragilidades do Poder Legislativo seriam:
  • a adoção e fiscalização de sistemas efetivos de inscrição partidária, de contribuição partidária obrigatória e de realização de convenções periódicas para debate político e escolha das direções partidárias;
  • a proibição de troca de partido pelos representantes eleitos;
  • a atualização do número de representantes por Estado de acordo com sua população e extensão territorial;
  • a adoção do sistema de referendo revogatório para mandatos parlamentares;
  • financiamento público de campanhas eleitorais e limitação de gastos por candidato.
As medidas necessárias para reduzir as fragilidades do Poder Executivo seriam:
  • revogar a Emenda Constitucional 95 que congela as despesas primárias por 20 anos;
  • substituir o tripé da política macroeconômica (câmbio flutuante, meta de inflação, meta de superávit fiscal) por metas de desenvolvimento e de emprego;
  • utilizar o orçamento como instrumento para combater a recessão econômica e estimular o desenvolvimento;
  • estabelecer uma política de juros que estimule o investimento privado;
  • combater a sonegação e a evasão de impostos;
  • combater a evasão de divisas para paraísos fiscais;
  • realizar a auditoria da dívida pública;
  • combater o super e o sub faturamento no comércio exterior.
No Poder Judiciário, as medidas prioritárias seriam:
  • despolitizar o Judiciário, com a nomeação para o Supremo Tribunal Federal do mais antigo (no cargo) Ministro do Superior Tribunal de Justiça e a nomeação para os tribunais estaduais do mais antigo (no cargo) juiz de primeira instância;
  • garantir o cumprimento pelos juízes de primeira instância e pelos membros do Ministério Público dos direitos individuais, em especial: a presunção de inocência; o sigilo das investigações; a garantia da integridade física dos investigados; a não incitação da opinião pública contra investigados;
  • combater o abuso de poder por autoridades judiciárias, policiais e do Ministério Público;
  • garantir o julgamento dos processos nos Tribunais pela ordem cronológica de ingresso;
  • nomear para o Conselho Nacional de Justiça apenas membros de fora do Poder Judiciário.
* * * 
  1. A luta entre esses dois projetos para o Brasil é a luta entre:
  • de um lado, o projeto de Temer e Meirelles que é o projeto dos setores mais tradicionais das classes hegemônicas e mais vinculados aos interesses das classes hegemônicas das Grandes Potências, em especial da Potência Imperial, os Estados Unidos da América, com o objetivo de manter o Brasil como um país médio, apequenado, produtor e exportador de produtos primários, território de exploração desenfreada da mão-de-obra brasileira por megaempresas multinacionais, de pequeno mercado interno e sem capacidade política internacional e,
  • de outro lado, o projeto dos setores mais avançados das classes tradicionais, em aliança com as forças sindicais trabalhadoras, e setores modernos da classe média que desejam construir no Brasil uma sociedade e um Estado que, com base no desenvolvimento de seu enorme potencial humano e de recursos, sejam mais desenvolvidos, mais prósperos, mais justos, mais democráticos, mais includentes, mais tolerantes, mais soberanos, mais capazes de se defender a si mesmos e de contribuir para a Paz mundial

Esquerda precisa superar o lulismo”, por Vladimir Safatle.

O filósofo e professor da USP Vladimir Safatle
São Paulo – O filósofo Vladimir Safatle, professor da Universidade de São Paulo (USP) filiado ao PSOL, acredita que a esquerda brasileira “precisa superar o lulismo”, quer o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva seja candidato na eleição deste ano ou não.
A condenação de Lula foi confirmada pelo Tribunal Regional Federal (TRF4) na última quinta-feira, o que, em tese, o tornaria inelegível, mas ainda existem alternativas judiciais para garantir que ele participe do pleito.
Diante disso, os representantes e partidos da esquerda brasileira se encontram em uma situação peculiar: aliados (históricos e ocasionais) do PT anunciaram candidaturas próprias, ao mesmo tempo em que unificaram o discurso para defender o direito de o ex-presidente ser candidato nas eleições.
Por um lado, o PDT tem intenção de lançar Ciro Gomes como candidato; o PCdoB anunciou o nome da deputada federal Manuela D’Ávila; e o PSOL tem intenção de apoiar uma eventual candidatura do líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos.
Por outro lado, mesmo que essas candidaturas tenham ganhado força após a condenação, elas ainda estão, de certa forma, condicionadas à participação de Lula no pleito: hoje líder nas pesquisas de intenção de votos, o ex-presidente pode desidratar outros nomes da esquerda se concorrer.
Na opinião de Safatle, se Lula for impedido de participar das eleições, o impacto será “brutal”, já que seria a primeira vez que um ex-presidente é impedido de tentar um novo mandato na história da República. Mas, da perspectiva da esquerda, esse movimento de gravitação em torno da figura de Lula também evidencia uma limitação.
“Ele representou um certo modelo de conciliação que a parte majoritária da esquerda assumiu para si, mas que, na verdade, é uma adaptação do modelo varguista [de Getúlio Vargas], desenvolvimentista, pelo qual o Brasil já tinha passado nos anos 1950”, diz.

Rua ou gabinete?

Para Safatle, desde que o PT assumiu o governo com a eleição de Lula, em 2002, a esquerda tem deixado para o segundo plano as reivindicações dos movimentos sociais, que compõem sua base de apoio tradicional, para se embrenhar nas negociações políticas com parlamentares e empresários — ou seja, fazer a chamada “política de gabinete”.
Ele afirma que isso gerou desconfiança e aversão por parte da população, que não confia nem em políticos nem no modelo democrático do país. “O modelo institucional brasileiro é feito para gerar paralisias”, diz.
Um exemplo dessa afirmação seriam as tentativas recorrentes de aprovar reformas políticas no Congresso, com propostas que, depois de muitas negociações, se transformam em alterações pontuais na lei eleitoral, sem que o sistema como um todo seja afetado.
Para Safatle, o que as pessoas buscam em Lula é uma volta ao passado, já que, durante seus mandatos, houve redução da pobreza no Brasil e uma parte significativa da população ascendeu socialmente.
“O cálculo que as pessoas fazem é que ‘antes estava melhor do que agora, então prefiro voltar’. Grandes parcelas da população querem simplesmente ter garantias de uma certa condição socioeconômica que tiveram anos atrás”, opina.
No entanto, ele avalia que nem mesmo Lula vai conseguir trazer isso de volta, e que, de qualquer forma, o discurso do ex-presidente é muito obscuro para indicar quais são os seus projetos de governo. “O que ele vai tentar é o que já foi tentado: uma grande conciliação com o Renan Calheiros, o MDB, as feministas, os ruralistas, o Movimento dos Sem Terra (MST)”.
Qualquer pessoa que seja eleita, no entanto, não terá que fazer a mesma coisa, um governo de coalizão? Para Safatle, a resposta é clara: esse pode ser o papel de outros políticos, mas não deveria ser o da esquerda.  Especificamente, ele diz que a esquerda não pode se contentar em ser a “fiadora de sonhos do passado”. Ele diz que não é só porque o modelo funcionou uma vez que ele é o único possível.
“Se não for para pensar e propor novos modelos de sociedade, ‘fecha o restaurante’. Não é uma questão de apresentar ou não nomes diferentes. O que a esquerda não conseguiu foi apresentar para a sociedade brasileira uma espécie de segundo momento, explicar o que significa o Brasil de uma forma que não seja tudo o que a gente já viu”, diz.
Para o filósofo, o que falta para a esquerda é se apropriar do discurso anti-sistema no Brasil. Isso significa se posicionar contra ‘tudo o que está aí’, ao invés de prometer operar dentro das regras que já existem, mas não beneficiam a população.
“Aqui, quem entendeu que é necessário o discurso anti-institucional foi a extrema-direita, e só isso explica que uma figura lamentável, como Jair Bolsonaro, uma pessoa vazia e sem proposições, tenha a força que tem”, conclui.

A sanha anticorrupção no Brasil vai até Lula e termina nele, por Vladimir Safatle.

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Nesta semana, o Brasil assistiu a primeira condenação de um ex-presidente na história de sua República.
Será também a primeira vez que o principal candidato a eleição presidencial não poderá concorrer por ter sido impedido devido à ação do Poder Judiciário. O próximo passo deverá ser a primeira prisão de um ex-presidente no Brasil.
É claro que uma das questões políticas mais discutidas nos próximos dias será: o que isto realmente significa?
Afinal, o que estamos a ver: o sinal exemplar do fortalecimento de um Poder Judiciário autônomo capaz de combater a corrupção nas mais altas esferas do Estado ou o último capítulo de um golpe visando aniquilar as possibilidades de um dos grupos políticos hegemônicos na política brasileira das últimas décadas voltar ao poder?
Note-se que, para funcionar, a tese da condenação de Lula como expressão da nova força do Poder Judiciário precisaria de fatos complementares que não existem na realidade brasileira atual.
Não é difícil perceber que os casos de corrupção condenados giram todos em torno, basicamente, de Lula, de seus operadores e de seus apoiadores.
A ala do MDB na cadeia (Sérgio Cabral e cia) é uma ala majoritariamente lulista. Eduardo Cunha (que não era ligado a Lula) está lá por ter se tornado muito perigoso para o funcionamento normal das negociatas do grupo no governo. Os outros todos estavam no núcleo de poder comandado pelo PT.
Ou seja, a sanha anticorrupção vai até Lula e termina nele. No entanto, para ser uma expressão de nova realidade do Poder Judiciário ela deveria, desde o início, ter sido devastadora também para os outros atores e setores da vida política nacional, o que simplesmente não foi o caso.
Um país onde Lula é condenado e Temer é presidente e Aécio Neves senador é algo da ordem do escárnio.
Por outro lado, o uso político do Judiciário é uma especialidade nacional. Durante a ditadura, o número relativamente baixo de mortes foi compensado pelo numero impressionantemente alto de processos jurídicos contra opositores reais e potenciais.
No entanto, o exercício de reduzir os casos e envolvimentos explícitos do governo Lula e Dilma em processos de corrupção a peças de ficção é algo que explicita uma regressão política séria de setores da vida nacional.
Até porque, agora fica claro como funciona a relação entre norma e poder no caso brasileiro.
O funcionamento normal do governo brasileiro é através da quebra da norma, nada disto mudou com novos grupos políticos no poder.
Mas mesmo que a corrupção seja fato generalizado, a aplicação da lei será feita a partir das circunstâncias e interesses políticos do momento.
Ou seja, todos estão fora da lei e é importante que todos exerçam o poder fora da lei, pois quando a lei for aplicada, ela poderá pegar, de maneira seletiva, quem quiser.
A grande ilusão que impulsionou certos setores da vida nacional em torno de Lula foi acreditar estar seguro em uma “governabilidade” desta natureza, ao invés de realmente lutar para mudá-la e perceber que não haveria espaço real dentro dela.
O que o julgamento de Lula mostrou foi simplesmente o contrário. Seu destino é a expressão do colapso de todo horizonte de conciliação na política nacional, com seu preço a pagar em moedas de grandes empreiteiras.
Ao decidir pelo destino de Lula, o núcleo duro do poder nacional, este que continuará intocado mesmo quando pego em grampos fazendo prevaricação explícita nos palácios da República, sinaliza que não haverá mais conciliação alguma entre grupos políticos.
No entanto, por mais paradoxal que isso possa parecer, as lágrimas de Lula são para uma conciliação que ele gostaria de encarnar novamente e da qual percebe ter sido simplesmente descartado.
Se estivéssemos em uma situação mais favorável, estaríamos a tentar analisar o verdadeiro saldo político deste processo, compreendendo quão surreal é discutir questões como “proporcionalidade das penas” ou “consistência do rito jurídico” nessas circunstâncias.
Pois talvez a boa questão para recomeçar a pensar o país seja, ao final: “sabendo que, por esta via conciliatória, o saldo final seria uma condenação a 12 anos de prisão, o que você faria no governo?”

terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Entre parologismos e sofismas, as falácias de Moro, por Outras Palavras.

180116-Moro2
Principais estudiosos brasileiros de Lógica recomendam livro que disseca sentença do juiz contra Lula, identificando erros primários de raciocínio e intenção deliberada de iludir
Leia a íntegra do manifesto:
Está para ser lançado o livro Falácias de Moro: Análise Lógica da Sentença Condenatória de Luiz Inácio Lula da Silva, de autoria de Euclides Mance, filósofo, professor de Filosofia do Método Científico e de Lógica, ex-docente da Universidade Federal do Paraná e atualmente integrante da coordenação geral do Instituto de Filosofia da Libertação.
O livro, com 276 páginas, será lançado nos próximos dias pela Editora IFIBE, e já está disponível para acesso aqui.
180116-FaláciasBA Lógica é a ciência que estuda a relação de consequência entre proposições, respondendo, assim também, por teorias da argumentação correta nos domínios da linguagem comum e científica. Ciências particulares terão seus conceitos próprios e regras para seus empregos adequados; mas, assim como seus cálculos têm de ser feitos com as regras da aritmética, seus argumentos precisam espelhar relações de consequência válidas, caso contrário serão apenas  instrumentos de uma retórica carente de racionalidade.  Uma sentença jurídica que pretenda ser justa não pode ignorar, assim, os requisitos da inferência válida e correta,  seja ela de natureza abdutiva, indutiva ou dedutiva.
Em seu livro, o professor Mance apresenta uma análise lógica, bem feita, sobre raciocínios e argumentos utilizados pelo juiz Sérgio Moro no corpo da sentença por ele emitida, relativa ao processo em que o ex-presidente Lula figura como réu no caso do apartamento triplex do Guarujá. O filósofo estuda, detalhadamente, a longa sentença – que pretende  provar a culpa do réu e justificar sua condenação – mostrando que o emprego de diversas inferências falaciosas desqualifica as conclusões obtidas.
Nas Considerações Iniciais, o autor, de forma didática, apresenta a definição do conceito de falácia – erro de raciocínio, argumento sem  garantia formal de que a conclusão decorre das premissas; e apresenta algumas noções lógicas básicas, como a de condicional e bicondicional, discutindo quando uma condição é necessária, quando é suficiente, e quando é necessária e suficiente. O domínio do significado destas noções, entre outras, é fundamental, para quem pretende derivar corretamente conclusões a partir de hipóteses ou de premissas verdadeiras.
Mance lembra ainda que, quando cometida de forma involuntária, a falácia se classifica como ‘paralogismo’, mas quando implantada de forma proposital em um raciocínio, visando confundir o interlocutor, é dita um ‘sofisma’. Os sofistas eram professores e intelectuais itinerantes que frequentavam Atenas e outras cidades gregas na segunda metade do quinto século a.C., ensinando a arte de influenciar pessoas através da persuasão retórica. A partir daí, há 25 séculos, sofismar tem sido entendido como procurar influenciar cidadãos, na política e em outras áreas, através de persuasão enganosa.
Na sequência, o livro se divide em duas partes.
Na primeira parte, são discutidos dez trechos da sentença condenatória, onde o autor encontra, e analisa com propriedade, falácias de vários tipos: Apelo à Crença Comum; Circularidade; Argumentum ad Hominem; Non Sequitur; Apelo à Presciência, ou Falácia dos Mundos Possíveis; Apelo à Possibilidade; Equivocação; Inversão do Ônus da Prova.
Na segunda parte, o filósofo aprofunda sua análise sobre as implicações das falácias discutidas e sobre como elas se articulam na argumentação do juiz para justificar a condenação.
Professores universitários e pesquisadores na área de Lógica, decidimos manifestar publicamente nosso apoio e concordância com a análise e conclusões do colega Euclides Mance. Com efeito, estamos convencidos de que Mance demonstra, com perspicácia e competência, que o juiz Sérgio Moro incorreu em inúmeros erros lógicos no conjunto de raciocínios e argumentações, cometeu equívocos em aplicações de regras de inferência lógica, além de ter várias vezes assumido hipóteses e premissas sem critério de veracidade. Em suma, a sentença do juiz nos surpreende e nos assombra, enquanto profissionais, com a série de argumentos inaceitáveis que apresenta.
É na condição de membros da comunidade de uma área do conhecimento em que o Brasil se destaca no cenário acadêmico internacional que acreditamos ser dever nosso, como cidadãos e profissionais, contribuir com a Justiça de nosso país, visando prevenir que quaisquer réus venham a sofrer condenações injustas, baseadas em conclusões de argumentos, cuja fragilidade, fartamente denunciada desde a antiguidade grega, é amplamente conhecida.
Abílio Rodrigues Filho, doutor em Filosofia e professor de Lógica no Departamento de Filosofia, UFMG
Adolfo Gustavo Serra Seca Neto, doutor em Ciência da Computação, USP, e professor associado no Departamento Acadêmico de Informática, UTFPR
Alexandre Costa-Leite, doutor em Filosofia, Université de Neuchâtel, Suíça e professor de Lógica e Filosofia, UnB
Alexandre Noronha, doutor em Filosofia, UFRGS e professor no Departamento de Filosofia, USP
André Leclerc, doutor em Filosofia, Universidade do Quebec e professor Associado no Departamento de Filosofia, UnB
Andréa Maria Altino de Campos Loparic, doutora em Lógica e Filosofia da Ciência, UNICAMP, professora senior no Departamento de Filosofia, FFLCH-USP
Arley Ramos Moreno, doutor em Logica e Filosofia da Ciência, Université Aix-Provence, França, e professor titular em Filosofia da Linguagem, UNICAMP
Bento Prado de Almeida Ferraz Neto, doutor em Filosofia, USP, professor associado no Departamento de Filosofia, UFSCar
Cezar Mortari, doutor em Filosofia – Área de Lógica, Eberhard-Karls-Universität, Alemanha, e professor associado no Departamento de Filosofia, UFSC – presidente da Sociedade Brasileira de Lógica
Giovanni Queiroz, doutor em Lógica e Filosofia da Ciência, UNICAMP, professor associado no Departamento de Filosofia, UFPB
Gisele Dalva Secco, doutora em Filosofia, PUC-Rio, e professora adjunta no Departamento de Filosofia, UFRGS
Hércules de Araujo Feitosa, doutor em Lógica e Filosofia da Ciência, UNICAMP, e professor no Departamento de Matemática, FC-UNESP/Bauru UNESP
Iole de Freitas Druck, PhD em Lógica, Universidade de Montreal, professora senior no Departamento de Matemática, IME-USP
Itala Maria Loffredo D’Ottaviano, doutora em Matemática, UNICAMP, e professora titular no Departamento de Filosofia, IFCH-UNICAMP
João Vergílio Gallerani Cuter, doutor em Filosofia, USP, e professor livre docente  no Departamento de Filosofia, FFLCH-USP
Juliana Bueno-Soler, doutora em Filosofia-Área de Lógica, UNICAMP, e professora da Faculdade de Tecnologia, UNICAMP
Leandro Oliva Suguitani, doutor em Filosofia-ärea de Lógica, Unicamp, e professor Adjunto, Departamento de Matemática, UFBA
Luciano Vicente, doutor em Filosofia, USP, e professor no Departamento de Filosofia, UFJF
Luiz Carlos Pinheiro Dias Pereira, doutor em Filosofia, Universidade de Estocolmo, professor adjunto no Departamento de Filosofia, UERJ
Marcelo Esteban Coniglio, doutor em Matemática, USP, e professor titular no Departamento de Filosofia, IFCH-UNICAMP
Matias Francisco Dias, doutor em Filosofia, USP, professor titular no Departamento de Filosofia, UFPB
Ricardo Pereira Tassinari, doutor em Filosofia, UNICAMP, professor livre docente no Departamento de Filosofia, UNESP/Marília
Tiago Falkenbach, doutor em Filosofia, UFRGS, professor no Departamento de Filosofia, UFPR
Valéria de Paiva, doutora em Matemática, Universidade de Cambridge, Inglaterra, honorary research fellow, School of Computer Science, Universidade de Birmingham, Inglaterra
Wagner de Campos Sanz, doutor em Filosofia, UNICAMP, e professor da Faculdade de Filosofia, UFG
Walter Alexandre Carnielli, doutor em Matemática, UNICAMP, professor titular no Departamento de Filosofia, IFCH-UNICAMP

Decisão de Gebran sobre Tacla Duran é usada para pressionar TRF-4 a ser justo com Lula, por Cintia Alves.

Desembargador do TRF-4 entendeu, em caráter liminar, que Sergio Moro pode se recusar a ouvir um réu que não tem provas do que diz. Agora, defesa de Lula usa o mesmo argumento para desqualificar os detratores do petista na sentença do tríplex 
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Jornal GGN - A defesa de Lula usou uma decisão tomada pelo TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) no caso Tacla Duran para pressionar os desembargadores a serem justos com o ex-presidente no julgamento do caso triplex.
O desembargador João Gebran Neto, relator da Lava Jato, negou à defesa de Lula um pedido para que Sergio Moro fosse obrigado a inserir Rodrigo Tacla Duran na lista de testemunhas de defesa do petista.
Tacla Duran, ex-advogado da Odebrecht, denunciou um suposto esquema de cobrança de propina envolvendo os acordos de delação premiada em Curitiba. Além disso, afirmou que os sistemas da Odebrecht  de onde a Lava Jato retira provas para ações penais foram manipulados durante a operação.
Por conta das acusações, Moro negou 3 pedidos da defesa de Lula para ouvir Tacla Duran, alegando que palavra de réu, sem provas de corroboração, não merecem "crédito". Gebran, em decisão liminar, negou o pedido da defesa de Lula. 
O caso deve ser apreciado em colegiado. A Procuradoria que atua no TRF-4 se manifestou, recentemente, contra ouvir Duran. Entre os motivos, citou que ele é réu na Lava Jato e deveria apresentar provas do que diz.
Na apelação final encaminhada aos 3 desembargadores que irão revisar a sentença de Moro, os advogados de Lula usam o mesmo argumento contra os delatores informais usados na sentença do triplex.
"(...) não há como conferir credibilidade às declarações de Léo Pinheiro e Agenor Franklin, seja por terem inventado uma versão a fim de confirmar a tese acusatória e obter benefícios, seja por terem apresentado elementos que não encontram ressonância na prova documental constante dos autos. Não é exatamente o que já se decidiu nessa Corte quanto aos pretendidos informes do advogado Rodrigo Tacla Duran? Ou aqui as coisas são diferentes?", dispararam.
Leo Pinheiro e Agenor Medeiros são ex-executivos da OAS que estavam negociando acordo de delação com os procuradores de Curitiba quando resolveram colaborar com a acusação no julgamento do triplex.
Léo Pinheiro disse a Moro que o apartamento foi um presente para Lula. O dinheiro usado na reforma saiu da OAS Empreendimentos (braço do grupo que não tem qualquer relação comercial com a Petrobras), mas Pinheiro afirmou que "descontou" os valores de um "caixa geral de propina" que mantinha com o PT.
Segundo Medeiros, nesse caixa virtual, a OAS teria depositado ao menos R$ 16 milhões ao PT.
Moro usou as delações informais sem provas correspondentes, afirmam os advogados de Lula.