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sexta-feira, 29 de junho de 2018

Neymar + efeito Heisenberg = outro ovo da serpente chocado, por Wilson Roberto Vieira Ferreira.



Observe leitor a fotografia que abre essa postagem. Ela poderá explicar bastante o futuro que talvez esteja reservado para a Seleção brasileira nessa Copa. A imagem mostra Neymar Jr. correspondendo às câmeras em um flagrante do chamado “efeito Heisenberg” midiático – o jogador tenta criar algum tipo de empatia após desfilar, nos minutos anteriores ao achar que estava tudo perdido, arrogância e xingamentos que sobraram até mesmo para o próprio capitão do time, Thiago Silva. O mesmo efeito Heisenberg (no qual a mídia transmite nada mais do que os próprios efeitos que ela cria ao cobrir eventos) que levou o Brasil às cordas frente à Alemanha em 2014 (choros, hinos a capela, etc.), agora leva sincronicamente o dublê de técnico e pastor motivacional Tite e o astro Neymar Jr. ao chão: um tropeço e logo depois o choro como marcas publicitárias. Assim como muitos outros ovos de serpente chocados nos anos de neodesenvolvimentismo dos governos petistas, Neymar Jr. é mais um. Com a leniência da grande mídia e do mercado publicitário.

Dói para esse humilde blogueiro, santista futebolisticamente e de nascimento, escrever essas mal traçadas linhas: Neymar Jr. é um subproduto perverso do neodesenvolvimentismo dos governos petistas – que confundia a inclusão de brasileiros na sociedade de consumo como a própria ideia de cidadania. E agora virou a “grande esperança branca” de uma seleção convertida em modelo de sucesso mérito-empreendedor pós-golpe através de jogadores que conheceram o sucesso financeiro na Europa.

A foto acima que ilustra essa postagem fala muito mais do que mil textos que tentem traduzir sociologicamente essa situação bizarra de um jogador considerado a última bala na agulha de uma seleção de futebol milionária.

Se outro jogador santista, Pelé, aos 17 anos após um golaço na final da Copa de 1958 contra a Suécia (chapéu num zagueiro, matou no peito e bateu de primeira no canto direito), caiu em choro copioso após o título mundial, agora Neymar Jr. desaba no gramado em prantos depois de fazer um gol sem goleiro contra o 25o colocado do ranking FIFA num jogo da fase de grupos da Copa.  

Neymar Jr., jovem e promissor jogador da base do Santos revelado em 2009 cada vez mais se notabilizou por vídeos em redes sociais dando pitacos contra juízes, adversários e até contra o técnico, Dorival Junior, por certa vez  tê-lo impedido de cobrar um pênalti em uma partida.

Pelé chora no ombro de Didi em 1958 após ser campeão do mundo aos 17 anos

“Criando um monstro”


Na época, outro técnico, Renê Simões do Atlético de Goiás, chegou a falar que a mídia “estava criando um monstro”.

Na medida em que seu “sucesso” futebolístico (com grande complacência da grande mídia e do mercado publicitário) aumentava sua onipresença midiática, mais e mais o jogador revelava suas origens sócio-culturais: no funk ostentação da Baixada Santista/SP – ao lado da Grande São Paulo, berço da vertente brasileira reacionária do gênero musical: musicas sobre carros, motocicletas, bebidas, além de abordar as mulheres como um mero meio de alcançar ainda mais poder material. Bem diferente da vertente carioca que tematizava a criminalidade e a vida sofrida nos morros e periferias.  

O personagem Neymar Jr. cresceu como modelo de sucesso (com direito a participação em novelas da Globo) para uma geração que via nas novas formas de consumo da egressa Classe C um canal para reconhecimento e afirmação em um País que parecia ser a bola da vez. E exibindo uma fortuna desperdiçada em carros , helicópteros, um iate para 60 pessoas e um jato particular. Riqueza ostentada sistematicamente por ele próprio e seus amigos e agregados privilegiados em redes sociais.

Hoje, Neymar Jr. é o seu próprio paroxismo: é também um subproduto do chamado “efeito Heinsenberg” (o mesmo que levou a Seleção às cordas no 7 X 1 contra a Alemanha em 2014) e que destrói o futebol brasileiro – efeito secundário produzido pelas coberturas midiáticas no qual a mídia passa a maior parte do tempo cobrindo o efeito que ela própria cria sobre os fatos: a cobertura dos esforços dos personagens transformarem-se a si mesmos em entretenimento para atrair a atenção das mídias – sobre esse conceito clique aqui.

Renê Simões: "mídia está criando um monstro"

“Neymarketing?”


Com a crescente dramaticidade do jogo contra a “poderosa” Costa Rica e, como era de se esperar, o descontrole emocional de um jogador que só parece mostrar seu talento em ambientes favoráveis de jogo, Neymar passou a xingar e desacatar o juiz, jogar a bola no chão em protesto e xingar ainda mais o adversário.

Mas ainda o pior: ofendeu o capitão do próprio time (Thiago Silva) após devolver a bola num gesto de fair play.

Após o apito final, Neymar Jr. desabou no gramado chorando e escondendo o rosto. “Neymarketing”? Uma estratégia para criar empatia com o distinto público? Afinal, quando ele achava que já estava tudo perdido, desfilou arrogância, destempero e palavrões. Enquadrado em close pelas câmeras da Fifa.

O jornalista Paulo Henrique Amorim carregou as tintas na Psicanálise para diagnosticar o chiliquento Neymar: se as lágrimas forem falsa é mau-caratismo. Se verdadeira, disse o jornalista, trata-se de um sujeito psicótico – clique aqui.

Mas talvez não seja necessário chegar a tanto. Neymar Jr. é o resultado do equívoco dos anos de neodesenvolvimentismo que chocou o ovo da serpente do novo riquismo mérito-empreendedor sem formação política ou noção de cidadania. Somado ao pós-moderno efeito Heisenberg midiático.

Muito mais do que o metrossexual Cristiano Ronaldo, que a todo momento olha o seu rendimento visual no telão do estádio, em Neymar há algo de muito mais insidioso: a leniência da grande mídia e dos brasileiros.

Um "ativo financeiro" da indústria de lavagem de dinheiro no futebol?

Efeito Heisenberg e tautismo


Para a grande mídia, Neymar cumpre o script perfeito – as mídia cobrem um personagem que se esforça em capturar a atenção das câmeras. Em última instância, a mídia cobre a si mesma, confirmando o seu tautismo (tautologia + autismo midiático) crônico.

Ao mesmo tempo, a seleção sofre nessa Copa as mesmas mazelas que a vitimaram na Copa anterior – com o circo midiático 24 horas em volta da Granja Comary, a concentração acabou se tornando na época um gigantesco estúdio a céu aberto com personagens que respondiam prontamente às câmeras e jornalistas: jogadores cantando o hino segurando a camisa de Neymar Jr., o apresentador global Luciano Huck interrompendo treinamento para realizar um sonho de um deficiente físico e fazer jogadores chorarem entre outros episódios.

 Lá em 2014, a mídia criava a narrativa de um time que chorava antes das decisões, desorganizado, confrontado com a frieza e precisão organizacional germânica – lembrem-se da história de um software exclusivo usado pelo técnico da seleção alemã.

A Seleção era a metáfora de um País supostamente à beira do abismo, ingovernável, de uma Copa tida como corrupta que roubava verbas para a Saúde e Educação.

CT Meninos da Vila em Santos: uma geração inteira anseia seguir os passos de Neymar Jr.

Leniência da opinião pública


Agora, é leniente com um jogador que, assim como Messi, CR7 entre outros, chegaram aos grandes clubes europeus através de transações obscuras que invariavelmente tentaram fugir dos impostos, sob o guarda-chuva de organizações ainda mais corruptas como Fifa e CBF – sem falar das também obscuras transações pelos direitos de transmissão exclusiva da Globo.

De membro de um grupo desorganizado e em crise (reflexo de um País sacudido por manifestações de rua diárias), retirado por uma oportuna contusão às vésperas do “mineiraço”, Neymar Jr. se torna nesse momento o símbolo do “agora vai ser diferente” e do “grupo que acreditou que pode vencer”, “que fez por merecer”, do “uma só torcida que muda o jogo”, como nos ensina a campanha do Banco Itaú, patrocinadora da Seleção.

Mercado publicitário e grande mídia fabricam a leniência da opinião pública à arrogância e grosseria novo riquista de Neymar Jr. E o jogador corresponde, atraindo as câmeras para tentar criar algum tipo de empatia publicitária.


As imagens repetidas até a exaustão das duas grandes estrelas do time indo ao chão como uma espécie de desabafo (o técnico pastor motivacional Tite tropeçando em si mesmo na comemoração do gol e o chorão Neymar Jr.) poderão ser proféticas: se o efeito Heisenberg sufocou a Seleção em 2014, agora em 2018 não está sendo diferente – lá a pátria calçava chuteiras para um golpe político dois anos depois; nesse momento, calça as chuteiras do wishiful thinking do mercado publicitário e da grande mídia.

Neymar Jr. é a tentativa do mercado publicitário e midiático criar algum tipo de ligação emotiva dos torcedores com um time “europeu” que passa grande parte do ano longe da realidade do entediante campeonato brasileiro.

Porém, o mais triste em toda essa história é saber que no Centro de Treinamento Meninos da Vila, do Santos F.C., está repleto de jovens que emulam as atitudes e hábitos do astro, ansiosos em trilhar os mesmos passos ao som de um funk ostentação.

Terço abençoado pelo Papa faz agência de checagem Lupa exigir "Deus ex-machina", por Wilson Roberto Vieira Ferreira.



Parido pela guerra híbrida (que em uma das suas etapas criou a base etnográfica de jovens neoconservadores através da confluência entre mídia e universidades privadas), o jornalismo hipster costuma reciclar velhas ideias por meio de eufemismos embalados em high tech. Agora é o “hip” das fake news e “agências checadoras”, com nítidos conflitos de interesses, sob o frisson de algo tão antigo quanto o jornalismo: as notícias falsas. A polêmica criada pela Agência Lupa em torno de um prosaico terço benzido pelo Papa Francisco para ser entregue a Lula revelou o quanto são arbitrárias as “etiquetas de checagem” supostamente técnicas e objetivas. Quando colocadas em xeque por desmentido de um site de notícias do Vaticano, a Lupa recorreu a um quase literal “Deus ex-machina” (velho truque de roteiros de cinema mal feitos): “então, que o Vaticano ou o próprio Papa façam um “posicionamento oficial” para que a agência ponha a etiqueta “Verdade!”,  exigiu a agência em esclarecimento. Mesmo preso, Lula ainda não sai da cabeça da Direita. Porque algo falhou na narrativa imposta pós-impeachment: não foi entregue o crescimento econômico prometido. Resta à grande mídia requentar um prato frio: mais uma vez bater em Lula. E ensaiar uma nova forma de censura à mídia independente.

Em postagem anterior esse Cinegnose descreveu as quatro etapas através das quais foi desenvolvida a guerra híbrida brasileira (a guerra estendida pelas vias semióticas no contexto da geopolítica do petróleo norte-americana) de 2013 a 2016: fabricação do clima de opinião do caos; etnografia neoconservadora; agenda política justificada pelas narrativas de novelas e minisséries; radicalização e polarização.

Vimos o quanto foi decisiva a segunda etapa: a pedagogia dos novos valores do mérito-empreendedorismo para uma nova geração através de universidades privadas adquiridas por grupos norte-americanos (tendo por trás grandes fundos de investimentos) – implementando uma visão de mundo individualista (“fazer a diferença”), tecnicista (estar sempre “up to date”) e marcada pela falta de conhecimento histórico (agradeça às grades curriculares universitárias). Fazendo toda uma nova geração recitar como novidadeiros velhos slogans neoliberais, anarcocapitalistas, darwinistas sociais e até teorias sobre a Terra Plana.

Sem falar no martelar diário de telejornais, programas e reality shows das virtudes do “estar focado”, “engajado” e “motivado” para alcançar os “objetivos”.

Por que foi decisivo? Porque criou a base etnográfica (uma nova tipologia weberiana: “coxinhas 2.0”, “simples descolados”, “novos tradicionalistas” etc. – clique aqui e aqui) que aglutinaria os jovens trajados de camisetas da CBF nas manifestações anti-PT. E que hoje, vendo que nada foi resolvido, arriscam Bolsonaro como “opção do mercado”.

Jornalismo hipster: subproduto etnográfico da guerra híbrida?

O jornalismo hipster


Mas essa base etnográfica neoconservadora é ainda mais insidiosa: pariu um novo tipo de jornalismo, o jornalismo hipster que adora usar hips: palavras como “ferramentas”, “plataformas”, “selo de qualidade”, “fact-checking” etc. Mas que na prática jornalística confunde “investigação” com “checagem”, tornando definitivamente uma profissão cujos jornalistas trabalham mais sentados, em suas “estações de trabalho”, e não mais em campo seguindo as pistas da reportagem.

Para esses novos jornalistas o hip do momento são as agências de checagem, solenemente incensadas pelas velhas raposas da grande imprensa em congressos universitários de “Jornalismo Investigativo” ou em encontros de profissionais patrocinados por Globo News e Revista Piauí.

Jovens tão absortos em suas “ferramentas” e “plataformas” que consideram as “fake news” como um fato novo (supostamente produto da Internet e da explosão de blogs) e são incapazes de farejar conflitos de interesses nesses congressos e agências de checagem – por exemplo, a Lupa é patrocinada por um dos maiores bilionários do país, banqueiro (João Moreira Salles, que se apresenta como “documentarista”) através da Editora Alvinegra que publica a Revista Piauí. Além da parceria com a Globo News.

Como mostrou o inacreditável episódio do terço abençoado do Papa para Lula (que a Agência Lupa cravou seu “selo de qualidade” como fake news), são jovens jornalistas incapazes de perceberem o conflito de interesses por trás dessa apologia “fact-checking”: podem empresas de checagem que fazem parceria com o Facebook para censurar sites jornalísticos suspeitos de supostas fake news manter parceria com veículos que disputam o mercado de notícias?

Jornalismo hipster neoconservador: ignora que as “notícias falsas” se confundem com a própria história do jornalismo, que o Liberalismo seja uma ideologia do século XVIII ou que o anarcocapitalismo seja do século XIX-XX. Para esses jornalistas, velhos conceitos se transformam em “hip”, grandes novidades embaladas com eufemismos como, por exemplo, o termo “fake news”.

Ou ainda as velhas práticas de censura dos governos militares (com as canetas pilot dos censores de plantão nas redações de jornais) agora substituídas pelos mecanismos eletrônicos de punição do Facebook.

Checando o terço: Papa abençoa terços em lotes? Ou faz bênçãos "por encomenda"?

Para entender o caso


Após o advogado argentino Juan Grabois, consultor no Vaticano, ser impedido de entregar ao ex-presidente Lula um terço abençoado pelo Papa Francisco, o site Vatican News divulgou nota afirmando que o terço não foi entregue diretamente pelo Papa a Lula. Na verdade a tentativa de visita de Grabois teria sido em caráter individual.

A Agência Lupa de checagem classificou como falsas as matérias sobre o episódio de Grabois veiculadas pelo DCM, Portal Fórum e Brasil 247. O Facebook puniu os três sites, interferindo no alcance de suas postagens e notificando os seguidores das páginas de que os portais estariam propagando fake news.

Posteriormente, o site do Vaticano tirou do ar a nota para, na sequência, publicar uma nova nota afirmando que Juan Grabois é um consultor do pontífice. Além de Grabois reafirmar nesta quarta-feira (13) que o terço veio do Papa a Lula, sendo ele um intermediário.

O que  colocou em xeque a verificação da Agência Lupa de que as matérias veiculadas seriam falsas.

Deus ex-machina


Mas a agência de checagem recusou-se a checar a si própria. Afinal têm “ferramentas” e “plataformas”. E a técnica é a verdade, evidente por si mesma.

Em uma impagável nota de esclarecimento sobre “a checagem do terço do Lula” não deu o braço a torcer, e disse esperar até agora “um posicionamento oficial” do Vatican News e do próprio Vaticano (!). Para quê? Para que confirmem se o Papa abençoou um terço qualquer ou se foi um terço exclusivo para ser enviado a Lula através de Juan Grabois.

E ressalta a nota com toda empáfia hipster de jovens que confundem o Jornalismo com a própria taxonomia da checagem: “Diante dessa espera, às 16h30 de hoje (13), optamos alterar a etiqueta inicial aplicada, ‘falso’, para ‘de olho’...”.

Ou seja, diante da saia justa da ferramenta de fact-checking ser colocada em xeque (revelando que por trás do eufemismo “ferramenta” pulsa o velho élan da censura), a Lupa espera aquilo que os roteiristas do cinema chamam de saída “Deus ex-machina” – no caso, quase literal.

Em narrativa cinematográfica, “Deus ex-machina” é um termo para designar soluções arbitrárias, improváveis, sem nexo ou plausibilidade na narrativa, para solucionar becos sem saídas em roteiros mal conduzidos. No caso da incrível nota da Lupa, esperam que o Papa em pessoa (ou o próprio representante de Deus na Terra) largue suas ocupações de chefe de Estado para dar uma satisfação aos preocupados checadores que, como Diógenes pós-modernos, bradam “etiquetas” e “selos de qualidade” da informação para trazer luz às trevas dos blogueiros sujos.

Em outras palavras, que o Papa Francisco desça à terra do jornalismo e salve a narrativa de uma agência de checagem patrocinada pela banca (banco Itaú), apoiada pela grande mídia (Globonews) e contratada pelo Facebook.


O contexto das agências de checagem


Jornalistas que trabalham sentados em suas “estações de trabalho” passam a ter um apreço fetichista à tecnologia – suas ferramentas e plataformas. Por isso, elas são inquestionáveis. Afinal, é tecnologia!

Por isso, para quê o fact-checking checar a si mesmo? Qual a informação será checada? Por que esta informação foi escolhida e não outra? Qual foi o contexto ou motivações por trás dessas escolhas?

Por que um assunto tão prosaico como o terço abençoado do Papa para Lula mereceu tanta sanha de checagem, sugerindo punição ao Facebook, para depois mudar a “etiqueta” e ficar até agora “de olho” à espera de uma intervenção divina? Por que a Lupa não checa as a grande mídia que costumeiramente manipula manchetes que não correspondem ao conteúdo das notícias?

Há um contexto por trás desse “freak out” da agência Lupa com o terço do papa. A primeiro, e mais óbvio, é a urgência de evitar a visibilidade da relevância internacional de Lula. Claro que a agência Lupa sabe que o Papa Francisco jamais se dignará a ter que dar uma satisfação a um questionamento tão retórico: será que o Papa abençoa terços em lotes para serem distribuídos ou benzeu um exclusivo para Lula? Com isso os solertes sabujos da Lupa empurraram o jogo para o empate – a “etiqueta de olho”...

Por outro lado, o affair do terço do Papa revela que a figura de Lula não consegue ser esquecida pela Direita, mesmo depois de conquistarem o objeto de desejo de décadas: colocar o “pixuleco” atrás das grades. Por que?

Em toda essa narrativa que levou Lula aos cárceres de Curitiba, algo saiu errado. Era para nesse momento, com a Copa da Rússia em andamento, o Brasil estar vivendo o melhor dos mundos. Afinal, a fonte de todos os males (o líder de um “projeto de Poder” e da “maior quadrilha que tomou conta do Estado”) está preso. Mas... o caos da locaute dos caminhoneiros pôs em evidência que o País já está parado... parando tudo de vez.

Sem esse grand finale para o roteiro da “ponte para o futuro”, resta a grande mídia requentar um prato frio: mais uma vez bater em Lula e no PT.

Mas é também o ensaio para um controle de danos ainda mais sórdido: impor a velha censura aos veículos independentes, sob a roupagem hipster do “fact-checking” da nova geração de jornalistas neoconservadores.

Copa do Mundo na Rússia enfia grande mídia em dupla saia justa, por Wilson Roberto Vieira Ferreira.



Definitivamente essa é uma Copa do Mundo curiosa: a grande mídia está nesse momento lidando com uma dupla saia justa. De um lado, o risco de humanizar demais os russos. Afinal, tanto o cinema como o jornalismo os celebrizaram como “RAVs” (Russos, Árabes e Vilões em geral) – terra dos soviéticos, comunas, terroristas e hackers que mudam resultados eleitorais de outros países. Como cobrir a Copa, evitando que eles pareçam gente como a gente? E do outro lado, o recorde de desinteresse dos brasileiros com o evento, divulgado pelas últimas pesquisas. Ainda o rescaldo do tiro no pé do “Não vai ter Copa!” de 2014 e numa situação em que os brasileiros estão pensando muito mais na própria sobrevivência. Por isso, assistimos ao esforço em vinhetas e chamadas na TV para didaticamente tentar ensinar ao brasileiro que ele é torcedor! E promover os jogadores (tão “alienígenas” quanto os russos) a modelos mérito-empreendedores de sucesso para motivar a massa deprimida a sair do buraco.

Essa Copa do Mundo de futebol na Rússia está criando uma curiosa saia justa midiática. Na verdade, duas saias justas que estão convergindo em um único evento.

De início, a Rússia é um país “estranho” para a grande mídia. Depois de anos de RAVs (russos, árabes e vilões em geral) no cinema hollywoodiano e de um viés jornalístico que não é muito diferente da ficção cinematográfica (para o jornalismo corporativo a Rússia é a ainda a terra dos “soviéticos”, “comunistas”, do “terrorismo internacional”, de hackers que intervêm em eleições de outros países, que colocaram Trump no poder dos EUA etc.), a mídia corporativa se vê numa situação inédita: mostrar as ruas e estádios russos cheios de gente que se parece com a gente. Eles riem, fazem festa, têm famílias, filhos e uma rotina muito ocidental.

Mas ao mesmo tempo, a mídia hegemônica ainda se vê obrigada a fazer o controle de danos, o rescaldo ainda da Copa de 2014 no Brasil. Do cada vez mais suspeitíssimo “mineiraço” de 7 X 1 da Alemanha sobre o Brasil (que caiu como uma luva na escalada de manifestações do “Não Vai Ter Copa!” insuflado até pela própria mídia que faturava com o evento – clique aqui) até chegar ao baixo astral atual e a sensação de descontrole com crise econômica e desemprego (intensificado com a anomia do locaute dos caminhoneiros), tudo levou a os brasileiros a se desinteressarem pelo evento. Ou, no mínimo, terem que pegar no tranco para se envolverem e começarem a torcer.

 Por isso, acompanhamos um esforço didático e pedagógico inédito em vinhetas e chamadas na TV e Internet para a Copa como se tentassem reexplicar para os brasileiros apáticos e depressivos o que significam a seleção, uma copa do mundo e o papel do torcedor.

É como se tentassem fazer uma massagem cardíaca ou dar choques com um desfibrilador em uma patuleia apática e ensimesmada, muito mais preocupada com a própria sobrevivência diante do futuro incerto.


Um planeta chamado “Rússia”


“Um país de comportamentos estranhos”, “fim de uma barreira histórica”, “oportunidade de conhecer uma cultura do lado oposto ao Ocidente”, “antigo território soviético” e assim por diante. Esse é o tom que a Globo dá à Copa na Rússia. Um tom inédito que nem na Copa da África do Sul (com suas vuvuzelas e costumes tribais) foi verificado.

Talvez em 2010 o tom fosse mais “étnico”. Mas aqui em 2018 é político e de curiosidade antropológica. Afinal, depois de décadas ensinando aos brasileiros que a Rússia era o vilão (sem falar nos bolsominios que ainda acreditam na existência da União Soviética e no comunismo internacional em uma Terra plana).

Como figurar agora nas telas o país que (ao lado dos muçulmanos) é a origem de todos os nossos medos e ameaças?

O viés dado pelas matérias jornalísticas televisivas e impressas é o “estranho”. Como se de repente jornalistas e cinegrafistas estivessem desembarcando em outro planeta. O enfoque vai sobre um povo “frio” (pouco preocupado com a Copa ou estrangeiros) a reportagens com enfoque, por assim dizer, antropológico cultural com todos os clichês do gênero: matrioskas, a culinária, o folclore, estações de metrô com decorações opulentas que remetem à época dos czares.

Aliás, para a maioria das reportagens, a palavra de ordem e detalhar a beleza e riqueza da época do czarismo nas ruas e palácios. Quanto ao período pós-revolução bolchevique de 1917 (que mudou a face do mundo), nada mais foi do que a origem de todos os males que assolaram o Ocidente e a própria Rússia, cujo resquício é o ex-diretor da KGB, Vladimir Putin, “há 20 anos no poder”, reforçam os jornalistas como evidência da “falta de liberdade de informação no país” – Ângela Merkel está há mais de 10 anos no poder na Alemanha, mas para a mídia corporativa isso nada mais representa do que a “Alemanha como potência europeia”.

Percebe-se que a preocupação da grande mídia é manter a todo custo no jornalismo o clichê RAVs cinematográfico. Com a cobertura da Copa, corre-se o risco de humanizar demais os russos. É melhor mantê-los num ponto equidistante, assim como observamos os leões em um Simba Safari...


Efeitos de um tiro no pé


“Sou juntar os amigos”, “Sou gol na Copa”, “Sou música na Copa”, “Sou bandeirar na Copa”, “Sou cornetar da Copa” são alguns exemplos de uma espécie de tipologia weberiana de torcedores apresentado por vinheta produzida pelo canal SporTV.

Depois do tiro no próprio pé do “Não vai ter Copa!” que se juntaram nas manifestações de 2013 a 2016 e açodadas pela grande mídia, temos nesse momento ainda os efeitos do rescaldo de tudo isso. A mídia corporativa não esperava – acreditava que a Copa 2018 encontraria um Brasil vivendo o melhor dos mundos, depois de ter dado a volta por cima.

Mas os 53% de torcedores indiferentes à Copa, divulgado pela última pesquisa do Datafolha (clique aqui), comprovam a queda drástica do interesse pela seleção – superando os 36% de 2014 com toda a onda do “Não vai ter Copa!”. Nem mesmo a cobertura ao vivo da decolagem do avião da seleção, no domingo em rede nacional, atravessando jatos de água em verde e amarelo, conseguiu levantar o moral da tropa.

A vinheta do SporTV é a primeira estratégia para reverter a difícil situação em termos de resultados comerciais – tentar doutrinar, pegar o torcedor na mão e tentar chama-lo à sua responsabilidade. Algo inédito: espontaneamente os torcedores inventavam seus próprios personagens (como documentado pelos velhos cinejornais do Canal 100 de Carlos Niemayer), para depois a mídia imortaliza-los em coisas como o Museu do Futebol em São Paulo.


Tite é convocado


E a segunda tática desesperada foi transformar o técnico Tite em um misto de personal coaching e pastor motivador. A cada entrevista temos pitacos motivacionais proto-mérito-empreendedor, estimulados pelos entrevistadores. Para vê-lo de olhos arregalados e gesticulante.

Muito do desinteresse com a seleção vem do distanciamento cada vez maior dos jogadores com o dia-a-dia dos campeonatos do futebol brasileiro: trabalham e vivem na Europa. E só aportam aqui nas festas que fazem parte da agenda midiática: Carnaval e festas de final do ano – prontos para parecerem em programas de celebridades e canais de mexericos e fofocas na Internet.

Como lidar com isso? Transformando os jogadores da seleção como exemplos do sucesso mérito-empreendedor. Como modelos diante do quais as massas possam se inspirar para arrumarem alguma motivação para sair do buraco.

Como nos revela uma outra chamada da TV Globo sobre os jogadores da seleção: “olho prá trás e vejo o quanto foi difícil”, “a gente nunca teve pai em casa”, “minha mãe trabalhava como doméstica”, “eu ia jogar sem almoçar”... Se estão nos grandes clubes europeus é porque são vencedores... “Podia ser a sua história”, “podia ser a sua família” , informa os letterings ao som de um piano em notas cromáticas, motivacionais e melodramáticas.

Definitivamente essa é uma Copa de exceção. Em um Estado de Exceção.

terça-feira, 26 de junho de 2018

Para enxergar Junho de 2013 — agora em cartazesl, por Roberto Andres.

on 26/06/2018Categorias: Brasil, Capa, Cidades, Cultura, Periferias e Centro, Pós-Capitalismo, Reforma Urbana, Sociedade
Um novo site desafia a visão convencional sobre as grandes jornadas e revela a diversidade de seus desejos e perspectivas. Também provoca questão crucial: como regredimos tanto?
Por Roberto Andrés

GRAFIAS DE JUNHO (www.grafiasdejunho.org)
> LANÇAMENTO EM SP
Terça-feira, 26/6 às 19h
Tapera Taperá: Av. S.Luís, 187 – 2º andar (Galeria Metrópole)
> FINANCIAMENTO COLABORATIVO
Conheça e participe do projeto para manter e ampliar o site
Ainda hoje, muitos tratam as manifestações de junho de 2013 como um enigma a ser decifrado. A década anterior havia sido de crescimento econômico, a inflação ainda estava razoavelmente controlada, o salário mínimo havia crescido acima da média de preços, o Brasil do futebol realizava o sonho de abrigar outra Copa do Mundo. O que teria gerado, então, o maior ciclo de manifestações da história recente do país?
Boas explicações nunca faltaram. Ainda no calor das ruas, o livro Cidades Rebeldes trouxe uma série de artigos que demonstravam como a questão urbana havia sido abandonada na década anterior e como as opções feitas no período de crescimento geraram grandes problemas de mobilidade, moradia, espaços públicos, etc. Também naquele momento Marcos Nobre publicou Choque de Democracia, em que argumentava que o pacto político vigente desde a democratização, capitaneado por aquilo que o autor chama de pemedebismo, havia se tornado inviável, o que eclodira naquelas jornadas.
Incontáveis artigos de pessoas próximas ao campo autonomista do Movimento Passe Livre se dedicaram a demonstrar que aquelas manifestações não haviam sido “raio em céu azul”, vista a série intensa de mobilização em cidades brasileiras contra o aumento das tarifas de ônibus nos anos anteriores. Urbanistas passaram a demonstrar, com mais e mais dados, como o boom habitacional do período tinha resultado em aumento nos preços de imóveis e aluguéis e, assim, contribuído para aumentar o déficit de moradias.
Os ingressos dos estádios de futebol multiplicaram por cinco em uma década, a tarifa de ônibus e os alugueis cresceram muito acima da inflação, ficava evidente que as obras para a Copa não iam melhorar as cidades, a promessa de uma nova classe média já encurtava de horizonte, mas ainda assim uma certa abordagem insistiu em deslegitimar aqueles protestos, chegando a acusar ter havido “manipulação internacional”, seja lá o que isso for. Parecia difícil entender o paradoxo sintetizado por Paulo Arantes ao dizer que “a vida no Brasil melhorou muito nessas últimas décadas de ajuste ao capitalismo global. No entanto, ninguém aguenta mais.”
Grafias de Junho
Foi para buscar contribuir com o debate e a memória acerca de 2013 que comecei a catalogar a produção gráfica de mensagens políticas daquelas jornadas. Afinal, os períodos insurgentes permitem aflorar em suas rachaduras demandas urgentes, questões recalcadas, utopias, contradições e provocações que dizem muito sobre o país e o mundo em que estão inseridos.
Nas manifestações de junho, houve quem exibisse um cartaz em que se lia É tanta coisa que não cabe no cartaz. De repente, todos tinham algum pitaco a dar sobre a esfera coletiva. Um país marcado pelo déficit democrático foi tomado por uma febre opinionística que se assemelharia a uma grande assembleia – destituinte. Reacendia-se a tocha da autenticidade gráfica engajada, através de centenas de milhares de cartazes precários – expressões individuais de anseios coletivos. Cartazes que certamente não serviram de escudos contra os tiros da polícia e desapareceram em meio ao gás lacrimogênio; mas que foram capturados pelas câmeras de centenas de fotógrafos, profissionais ou amadores.
Havia um Brasil em ebulição que buscava se expressar em mensagens provocativas (Enfia os vinte centavos no SUS), internacionalistas (Acabou a inércia, o Brasil vai virar Grécia), intrigantes (Chega de administrações pitorescas), libertárias (Acupuntura Livre), realistas (Quem precisa de cura é a BHTRANS), inspiradas (Que somente os beijos lhe tapem as bocas), reivindicatórias (Dilma, abaixa o preço do Mizuno), desbocadas (Pau no cú da Bancada Evangélica), estatísticas (+100 moradores de ruas mortos em dois anos), premonitórias (Cuidado! Hoje, conservadorismo. Amanhã, fascismo).
O site Grafias de Junho, a ser lançado em 26 de junho debates em Belo Horizonte e São Paulo, se propõe a ser um acervo das fotografias das mensagens das ruas. Inicia-se com cerca de 1.300 fotografias que contém mais de 2.000 cartazes, todos eles com seus textos transcritos, além de informações sobre cidade, data e temática (mobilidade, copa, corrupção, saúde, educação, etc.). Assim, pesquisadores de diversas áreas podem utilizar essas informações para investigar o período, comparar a presença dos temas em diferentes cidades, a evolução das pautas ao longo dos protestos, etc.
A fim de ampliar o catálogo para cerca de 10.000 fotografias, desenvolver novas funcionalidades como filtros avançados e infográficos, e realizar uma exposição das grafias de junho em 2019, lançamos uma chamada para financiamento coletivo do projeto. Um chamado para compartilharmos a preservação dessa memória.
Reformando o país x Intervenção militar
Dentre os milhares de cartazes de 2013 transcritos até o momento, uma das frases mais presentes, com pequenas variações, é Desculpe o transtorno, estamos reformando o país. O trocadilho caiu como uma luva para quem talvez estivesse pouco habituado a causar confusão nas ruas. De todo jeito, havia aí uma ideia de engajamento transformador, um otimismo baseado na ação coletiva, que contrasta muito com o Brasil atual. Contrasta, mais ainda, com as centenas de cartazes que surgiram na recente greve dos caminhoneiros, pedindo intervenção militar.
A passagem entre os ambientes que geraram as duas mensagens faz pensar. Há cinco anos, afirmava-se uma coletividade responsável em cartazes no meio da rua e hoje flerta-se com a solução autoritária. O problema que está por trás, a profunda crise do sistema político brasileiro, é o mesmo, mas em 2013 praticamente não havia pedidos de intervenção militar, ditaduras, tampouco discursos de ódio. Como saímos de um ponto e chegamos até o outro?
Com o fim da Copa das Confederações, as ruas deixaram de queimar, mas restaram muitas brasas. Sua substância era uma cidadania ativada, que havia transbordado a esquerda militante. Novos grupos se formaram, movimentos nasceram, pessoas começaram a se conectar. Foi preciso uma ação coordenada do andar de cima, um pacto entre partidos políticos de diversas matizes ideológicas com representantes do PIB, à base de muita repressão policial e terrorismo midiático, para restabelecer a ordem.
Quem se manteve nas ruas entre as jornadas de Junho e a Copa de 2014 conviveu rotineiramente com a ostensiva violência policial às manifestações seguida de criminalização pela imprensa, em uma sequencia acachapante. Foi preciso bater no lombo e na moral, criar personagens terríveis (lembram da Sininho na capa da Veja?), ressuscitar perigosos autores anarquistas, colocar algumas centenas de manifestantes na cadeia e divulgar aos quatro ventos para espalhar medo e minar subjetividades potencialmente insurgentes.
A operação abafa deu certo para que a Copa do Mundo ocorresse, mas gerou ao menos duas conseqüências marcantes: o recalque e adiamento da lida com os problemas crônicos do país que afloraram nas ruas de 2013 e que continuarão nos acompanhando por anos; e o esvaziamento das ruas pelas lutas sociais e pela cidadania progressista, deixando-as livres para que novos movimentos surgissem no vácuo. Movimentos que souberam capturar os signos de junho, seja na paródia com o MPL criada pelo Movimento Brasil Livre (MBL), seja na utilização da hashtag mais popular nos cartazes das manifestações: #VemPraRua.
O restante da história conhecemos bem, de enorme contraste com o rio de otimismo que se lê nas imagens de junho. Tantos e tantos cartazes daquela época afirmaram que O Brasil vai ensinar o mundo, que Estamos vencendo, que Dias de Luta são Dias de glória, que Agora que o povo acordou o governo não vai mais dormir. Mas a sequencia de fatos foi outra: a revolução não ocorreu, a insurgência popular foi reprimida, as eleições de 2014 dividiram ao meio as pautas das ruas, um estelionato eleitoral foi seguido de um golpe baixo parlamentar, a restauração conservadora jogou para um passado distante o futuro vislumbrado naquelas jornadas.
Sim, em 2013 o aumento das tarifas foi revogado em mais de 100 cidades, mas a partir do ano seguinte tudo voltou a ser como antes e hoje tem ar vintage o cartaz que dizia R$2,80 É OPEN BAR. Quem pode foge para o carro particular, motocicleta ou Uber – de todo jeito, ficamos todos congestionados. Quem não pode se sacode no ônibus lotado e segue refém de meia dúzia de empresários, agora mirados pela Operação Lava Jato e protegidos por amigos no STF. Não tivemos melhorias nos serviços públicos e uma mal enjambrada PEC do Teto de Gastos ameaça a sustentação do patamar frágil ao qual havíamos chegado. Quem tem notícias dos trabalhadores que tinham suas barracas nos estádios ou dos moradores de comunidades que foram removidos para dar lugar a obras extravagantes?
Na batalha institucional, o 7 a 1 tem sido a norma. Mas de outro lado tivemos um salto na articulação das lutas sociais, na constituição de uma esfera pública e na ativação de uma cidadania que não aceita mais o modus operandi anterior. As ocupações secundaristas e a emergência da luta feminista são dois exemplos paradigmáticos de uma emergência social mais ampla. A força, pontual mas contundente, de candidaturas de mulheres negras, ativistas e movimentações cidadãs nas eleições de 2016 prenuncia uma primavera feminista, popular e periférica que pode já começar a dar as caras em 2018, com movimentações como a Ocupa Política.
Talvez chegue o momento em que perceberemos que, para consertar o país, o transtorno terá de durar mais do que alguns dias de fúria, que demandará trabalho de longo prazo, envolvimento cotidiano, paciência e muito senso de coletividade. Para quando esse dia chegar, o acervo de imagens daquele mês em que as vísceras do nosso arremedo de nação foram expostas no meio da rua poderá servir de mapa da extensa lista de insuficiências, contradições, desejos, utopias e recalques que constituem nossa cidadania, nosso país por se fazer.