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terça-feira, 4 de dezembro de 2018

RECEITA DE BOLINHO DE FUBÁ DA VOVÓ! UMA DELÍCIA!

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Ingredientes (7)

2 copos de fubá 
1 copo de farinha de trigo 
1 copo de Óleo de milho 
2 copos de leite 
1 1/2 copos de açúcar 
3 unidades de ovo 
1 colher (sopa) de fermento químico em pó.

Como Fazer:

1. Bater tudo no liquidificador. 
2. Por último acrescentar a colher de sopa de fermento. 
3. Untar uma assadeira grande com buraco no meio. 
4. Polvilhar com farinha de trigo. 
5. Colocar em forno pré-aquecido. 
6. Manter o fogo médio. 
7. Este bolo de fubá assa em mais ou menos 20 minutos. 

Dicas:

1. Você pode preparar este bolo de fubá somente misturando os ingredientes com a ajuda de um fouet ou colher de pau, sem sujar o liquidificador. 
2. Dá certo também. 
3. Se quiser incrementar seu bolo de fubá, coloque uma colher de chá de erva doce e vai ter aquele sabor de fazenda. 
4. Pedacinhos de goiabada cascão passadas no fubá e salpicadas sobre a massa antes de assar darão uma cara nova para o seu bolo também. 
5. Uma dica importante para qualquer bolo feito no liquidificador, é colocar o fermento sempre por último, de preferência sem bater. 
6. Experimente uma caldinha feita com uma xícara de açúcar de confeiteiro com 2 colheres (sopa) de água e 2 colheres (sopa) de suco de limão, só misturar e jogar sobre o bolo. 
7. Fica sensacional!.


CAROS AMIGOS,

EM VIRTUDE DOS TEMPOS QUE VIRÃO, ESTE BLOG PASSARÁ ESSE MÊS DE DEZEMBRO APERFEIÇOANDO O LAYOUT, INVESTINDO EM CONTEÚDO NOVO E FACILITANDO AS FERRAMENTAS DE BUSCA PARA SUA COMODIDADE E ACESSO.

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segunda-feira, 26 de novembro de 2018

As forças democráticas precisam se organizar, avalia o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos.

por Radio France Internationale — publicado 25/11/2018 09h10

Wikimedia
Santos esteve no Foro do Pensamento Crítico em Buenos Aires
Resultado de imagem para “O Brasil será uma 'zona de sacrifício' na geopolítica dos EUA”, por Boaventura Sousa Santos.




A uma semana da Cúpula de Líderes do G20 em Buenos Aires, evento no qual Estados Unidos e China trarão sua guerra comercial, o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, em entrevista à RFI Brasil, traçou o cenário de como essa disputa pode impactar na América do Sul a partir da posse do presidente eleito brasileiro Jair Bolsonaro em 1° de janeiro.
Para o diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e estudioso dos movimentos políticos na América Latina, Bolsonaro, como aliado automático dos Estados Unidos, deve ser a peça fundamental de Donald Trump para conter o avanço da China na região. Santos participou em Buenos Aires do Foro do Pensamento Crítico, "a contra-cúpula do G20" que levou líderes progressistas a analisar o caso brasileiro.
Leia também:


O acadêmico, que mantém diálogo direto com líderes políticos e sociais na região, aponta a unidade da esquerda em Portugal como um modelo. Ele também exprime o seu principal temor hoje com o Brasil, país que classifica como uma "zona de sacrifício" dentro da estratégia geopolítica dos Estados Unidos.
RFI: A unidade da esquerda em Portugal pode ser um exemplo para a esquerda fragmentada na América do Sul que desde 2015 perde todas as eleições?
Boaventura de Sousa Santos:  Penso que temos em Portugal uma inovação política de primeira qualidade, sobretudo porque supera divergências históricas de uma maneira muito inteligente. É uma articulação e uma unidade pragmática que não visa superar de maneira nenhuma as divergências que há entre socialistas e comunistas.
Foi fundamentalmente um acordo para pôr termo à austeridade produzida pelo neoliberalismo, às privatizações, aos cortes dos salários, aos congelamentos das carreiras dos funcionários públicos. Isso realmente contribuiu de maneira extraordinária para fazer uma prova única e muito importante tanto para a Europa quanto para a América Latina. Hoje, por todo o mundo que vou, me perguntam sobre essa inovação política. Como foi possível a união entre socialistas e comunistas, antes inimigos? Foi o neoliberalismo.
RFI: De que maneira essa unidade pode ser replicada?
BSS:   Portugal teve uma inovação que foi mostrar que o neoliberalismo é uma mentira. É fundamentalmente um processo político para enriquecer mais os credores dos nossas nações endividadas e, obviamente, empobrecer o país. Portanto, nesse sentido, a lição de Portugal é também útil para o continente latino-americano uma vez que eu vejo que as receitas aplicadas aqui, na Argentina ou no Brasil, são as mesmas que nós sofremos em Portugal entre 2011 e 2015.
RFI : O senhor vê algum risco da volta dos militares ao poder, não porque os militares queiram fazer política, mas porque a população, ao ver que a intervenção militar na segurança pública teve resultados positivos, pede a volta dos militares à política?
BSS:  O Brasil é um caso especial. Não vejo esse perigo na Argentina, mas vejo esse perigo no Brasil porque, ao contrário da Argentina, a transição democrática no Brasil foi feita através de um pacto com os militares que impuseram uma série de artigos na própria Constituição para que não houvesse nunca um julgamento do terrorismo de estado durante a ditadura. Portanto, os brasileiros nunca puderam criar uma memória dos crimes da ditadura. Isso foi proibido pelo modo em que se fez a transição democrática.
É por isso que os militares hoje aparecem com superioridade moral, dizendo que são menos corruptos doque os civis, que são melhores para administrar o país. Os brasileiros não fizeram essa cura anti-ditatorial que deveriam ter feito. O resultado é uma transição pactada pelas elites no Brasil. Portanto, esse perigo existe, mas não penso que hoje os militares queiram regressar ao poder de forma ditatorial. Eles podem querer regressar de uma maneira democrática, isto é, militarizarem o governo civil.
RFI: Mas isso não pode ser até mais perigoso?
BSS:  Pode ser mais perigoso porque pode ser mais autoritário e porque pode ser uma repressão imposta pela via democrática. Os militares não sabem o que são políticas sociais. Os militares sabem reprimir, punir e atuar com as forças de segurança contra qualquer distúrbio social, contra qualquer protesto social.
Portanto, é a criminalização do protesto social que vai existir no Brasil. Aliás, estão anunciando. Não são os militares que anunciam, mas tem todo o apoio do poder militar. Alguns militares da reserva têm dito isso nas suas entrevistas. Falam de uma democracia no Brasil sem o PT e sem o PSOL. Ou seja: sem os vermelhos. Que democracia é essa? Se os partidos todos não tiverem liberdade, não estamos numa democracia. Estamos numa ditadura de tipo novo, uma ditadura disfarçada.
RFI: No Brasil, por outro lado, parte da esquerda já disse que quer fazer uma oposição a Bolsonaro, mas sem o PT. Isso vai de encontro ao que o senhor defende como exemplo português.
BSS: A esquerda brasileira ainda não digeriu a derrota e está cometendo muitos erros. Apresenta uma atitude hegemônica por parte do PT, que ao meu entender não tem realmente neste momento legitimidade para isso. Penso que a esquerda foi derrotada de uma maneira brutal. Nas redes sociais, houve muita manipulação. Também houve realmente uma apropriação do descontentamento popular por parte da extrema-direita e a esquerda não foi capaz de falar da insegurança das, da violência que existe no Brasil.
Portanto, a esquerda tem que se repensar. Eu creio que vai haver uma renovação na esquerda. Eventualmente, vai surgir mais um partido. O Brasil é um país com muitos movimentos sociais. É o país do Fórum Mundial Social. Um país que não tem um partido de movimento como, por exemplo, o Podemos na Espanha.
Portanto, é possível que o MST ou a Frente Povo Sem Medo pensem na criação de novas formações políticas e que sobretudo tentem unir o movimento democrático e, dentro desse movimento democrático, o movimento de esquerda. Eu penso que ainda é muito cedo e penso que as declarações que se fizeram recentemente não ajudaram para uma unidade.
RFI: Considera que o Brasil possa ser um exemplo negativo para a região, alastrando o componente militar aos vizinhos?
BSS: Pode. Pode, sim. Os Estados Unidos são uma variável muito importante nesta região e estão numa rivalidade sem qualquer limite com a China. Querem o alinhamento do continente com os Estados Unidos. Querem que a região deixe de ter relações comerciais e diplomáticas privilegiadas com a China.
O Brasil é um dos líderes dos BRICS que justamente estava criando uma alternativa (à hegemonia dos Estados Unidos). É uma rivalidade brutal e eu penso que, neste momento, esse alinhamento é muito importante para dois grandes países: Brasil e Colômbia. Já se fala de o Brasil e a Colômbia colaborarem numa intervenção na Venezuela. Estou muito preocupado com isso. Temo realmente que aconteça.
RFI: Qual é o seu maior temor sobre o que pode acontecer no Brasil?
BSS:  Neste momento, é a criminalização do protesto e a prisão dos líderes sociais. Na Colômbia, estamos a assistir a uma morte de líderes sociais terrível e, neste momento, a lógica da violência contra líderes sociais e líderes políticos está instalada no discurso brasileiro.
RFI: É uma variante moderna da perseguição política dos anos 70? Há paralelismos?
BSS: Vejo fundamentalmente que agora, em vez de ser a guerra militar, é o que chamamos de lawfare. Isso, no Brasil, foi feito de uma maneira despudorada. O homem que fez a investigação criminal foi quem julgou o Lula sem provas. E agora é ministro da Justiça e vai ser, penso eu, em 2022, provavelmente, o grande candidato das direitas internacionais e norte-americanas a presidente da República.
Eu penso que este é o alinhamento que está em causa e o Brasil pode realmente ser esse exemplo. Eu acho que o Brasil vai ser uma zona de sacrifício e vai obrigar que as forças democráticas em geral e que as forças de esquerda em particular pensem muito bem qual vai ser a melhor estratégia para poder vencer.

Como ser oposição ao governo Bolsonaro pela esquerda e pelas forças democráticas, por Leonardo Avritzer.


 Por Leonardo Avritzer
O terremoto que se abateu sobre as forças democráticas e a esquerda no Brasil com a eleição de Jair Bolsonaro está criando uma névoa em torno das alternativas de oposição democrática ao próximo governo. E elas precisam ser discutidas. Duas alternativas estão sobre a mesa e é necessário analisá-las cuidadosamente. A primeira análise diagnostica o quase fim da democracia no Brasil, a ascensão de um governo fascista e coloca o problema da mobilização contra o governo fora do campo institucional (vide por exemplo a entrevista da historiadora francesa ChirioMaud a Folha de S. Paulo ou a recente entrevista de Paulo Arantes ao Brasil de Fato).Na minha opinião,essa análise tem alguns elementos reais que podem ou não ocorrer nos próximos anos, mas ela renuncia à ação política capaz de evitar que esta configuração política negativa ou a ingovernabilidade absoluta se efetivem. Alternativas para que isso não ocorra estão à mão e têm que ser discutidas pelas forças democráticas no Brasil. É isso que me leva à segunda alternativa, ação concertada das forças democráticas no campo institucional associada à forte mobilização da sociedade civil e dos movimentos sociais. Essa me parece a via para conter o Bolsonarismo e suas propostas mais radicais.
Vale a pena analisar a vitória de Jair Bolsonaro e as forças que o apoiaram para tentar refletir o que seria a oposição ao seu governo e às forças que ele mobiliza fora do campo institucional. Por mais surpreendente que seja a vitória eleitoral de Jair Bolsonaro, ela está diretamente ligada a duas grandes ficções produzidas ad naseum pela grande mídia nos últimos anos: de um lado, a ideia que a corrupção no Brasil está ligada principalmente ao campo de esquerda, em especial ao Partido dos Trabalhadores, e de outro que todos os problemasda economia foram criados pelo governo Dilma, apesar de há quatro anos estarmos passando por uma política de ajuste liberal que penaliza os gastos socais e compromete as finanças da população trabalhadora. Todos os elementos de mediação desta análise foram obscurecidos pelo discurso político, desde o forte envolvimento das forças de dentro com a corrupção, até os limites de uma abordagem ortodoxa da economia que surpreendentemente foi colocada pela primeira vez pelo articulista do New York Times, Paul Krugman. O discurso sem mediações sobre a corrupção e a economia permitiu que as forças do sistema judicial, policial e do mercado acabassem sendo os principais eleitores  em uma campanha despolitizada que não passou por instâncias públicas de discussão. Pelo contrário, ela passou apenas  pelas igrejas e pelas listas privadas de whatasapp. Assim, há um enorme espaço de discussão sobre as políticas de estado como a educação, que estão sob ataque do presidente eleito, ao lado dos direitos garantidos constitucionalmente, dos direitos sociais e do meio-ambiente, que também parecem estar sob fogo cerrado. A questão que se coloca é: como organizar institucionalmente uma oposição que vá além da contestação/reclamação nas redes sociais? Aqui vão algumas ideias.
Me parece bastante inócua a concepção bastante difundida nas últimas semanas, que o STF sozinho poderá ou irá querer fazer oposição a todos esses aspectos do governo Bolsonaro. Em primeiro lugar, ele não poderá fazê-lo porque uma parte da agenda deste governo será determinada no Congresso e não é concebível que o STF declare inconstitucionais todas as matérias que porventura o Congresso venha a aprovar. Assim, é preciso outra estratégia que combine os elementos contra majoritários do poder judiciário com as formas de maioria próprias ao sistema político. Me parece que uma aliança entre o Senado e o STF em questões fundamentais pode surgir como a âncora da democracia brasileira neste momento. O Senado desponta como força relevante por diversos motivos: porque ele está menos exposto aos arroubos da eleição de 2018. Assim, diversas lideranças políticas de centro estão presentes no Senado,como Tasso Jereissati, Antônio Anastasia, Paulo Rocha, Humberto Costa e outros eleitos como Cid Gomes, Jaques Wagner e Renan Calheiros parecem ser os nomes de influência no Senado. Entre os que continuarão os seus mandatos e os recentemente eleitos, o Senado pode exercer um papel moderador em propostas do novo governo como “Escola Sem Partido” ou “Carteira de trabalho verde e amarela”. Na verdade, é possível afirmar que o Senado já desempenhou esse papel no começo da gestão Eduardo Cunha na Câmara e poderá voltar a fazê-lo. Poderá ser uma instância do sistema político que terá que assumir a tentativa de moderação das propostas do governo. 
Cabe perguntar o papel das diferentes forças políticas neste processo.Existe um movimento cujo sucesso parece bastante improvável de isolar o PT do resto da oposição. Evidentemente não existe motivo para isso, dado o desempenho do PT, que elegeu o maior número de governadores e a maior bancada na Câmara. A oposição unida terá uma força relativa e dividida não terá força alguma . Este movimento que dá a impressão de uma renovação do debate do primeiro turno não deve prosperar, mesmo porque não me parece que os irmãos Gomes terão capacidade de ser os únicos propositores de um movimento de oposição devido tanto ao fraco resultado da candidatura Ciro Gomes quanto ao seu isolamento político em um estado, no Ceará. Ainda assim surpreende a ausência auto impostado PT dos debates públicos pós-eleitorais e especialmente a ausência daquele que tem capacidade de ser um dos lideres da oposição a partir de janeiro, Fernando Haddad.Acho que o que pode surgir em janeiro é uma concertação do centro democrático que,tal como fazia a oposição no início dos anos 80, não deve ter apenas um líder. 
Devido  ao amplo trânsito que Haddad adquiriu no segundo turno entre atores políticos, artistas e grupos religiosos justamente ao descentrar a narrativa nós versus eles que caracterizou o PT durante boa parte da crise, ele deve tentar ser parte de uma liderança que deve ter outros atores do PDT, do PSOL e do PSDB se possível. Mas, é preciso que os senadores e a bancada do PT deem a Fernando Haddad o respaldo que ele precisa para articular a oposição em torno principalmente das causas democráticas que estarão sendo disputadas nos próximos meses.
Por último, temos a questão dos movimentos sociais e de atores da sociedade civil. Alguns movimentos sociais que são importantes na disputa política em curso no país serão atacados nos próximos meses. As universidades também serão alvo, ainda que com níveis mais baixos de truculência. O MST e MTST são os candidatos principais a serem fortemente atacados. É importante entender o papel destes movimentos. Eles questionam uma estrutura absurda de organização da propriedade que não é liberal e nem é democrática. São propriedades rurais improdutivas ou propriedades urbanas que segundo o estatuto da cidade não poderiam continuar constituindo um estoque especulativo. Mesmo o agronegócio - suposta vitrine dos atores modernos do campo- usa frequentemente da violência e não segue a lei ambiental. Ainda assim, o estado brasileiro em todas as suas dimensões tem sido leniente com estas formas privadas que associam o pré e o pós moderno no uso da propriedade na cidade e no campo.Os movimentos que tensionam a propriedade agem no interior da ordem liberal democrática que permite sim a desobediência civil. Estes movimentos acatam as decisões judiciais e portanto não constituem óbice ao estado de direito. Atacá-los ou proscrevê-los seria um crime contra a própria democracia que dificilmente passaria pelo STF, cujo papel deverá ser o de arbitrar disputas desta natureza.
A oposição ao governo Bolsonaro terá que ser uma oposição multi nível e multi atores e nela devem caber umconjunto de atores que discordarão entre si sobre diversos temas, mais uma vez como a oposição ao regime autoritário fazia no início dos anos 80. Questões como reformas econômicas e da previdência vão naturalmente dividir o campo oposicionista, como dividiram no ano passado ou até mesmo em 2003 quando a reforma proposta pelo ex-presidente Lula teve votos contrários na própria bancada do PT. Outras questões como meio-ambiente poderão agregar outros atores do campo liberal ou liberal conservador, uma vez que não há incompatibilidade entre liberalismo econômico e meio-ambiente, tal como vemos na França e na Alemanha. O importante é que exista uma oposição unida em relação à pauta democrática.
O que o Brasil e a oposição democrática necessitam hoje é nenhuma transigência emrelação a direitos democráticos e direitos civis.Políticas de forte repressão da população negra nas favelas, de repressão a movimentos como o MST ou a minorias têm que ser respondidas imediatamente.Esse tem que ser o momento no qual os diversos atores políticos com seus projetos distintos digam um alto e sonoro não ao presidente e à sua provável tropa de choque no Câmara. Esses também devem ser os casos em que oposição e STF unam-se não para governar e sim para colocar um basta em possíveis abusos.
Não sei se Bolsonaro, tal como Trump, chorou quando viu que ganhara as eleições, mas acho que ainda mais que Trump, Bolsonaro não está preparado para governar. O nível dos parlamentares que apoiam o seu governo e devem se tornar ministros importantes como OnixLorenzonni e Magno Malta antecipa um bate cabeça político do qual estamos assistindo apenas um trailer, com idas e vindas sobre MEC, universidades públicas, previdência, meio-ambiente entre outros tópicos. O desconhecimento do super ministro da economia em relação ao orçamento também assusta. Por fim, sobram poucos ministros com credibilidade e tudo aponta para um governo que vai buscar o apoio das forças conservadoras tradicionais no Congresso e fora dele. Muitas destas forças eram apenas atores com visibilidade, quando pensamos em Maitê Proença, Alexandra Frota e Kim Kataguiri. Não é possível enxergar capacidade de governabilidade nestes atores que foram relevantes em criar uma oposição ao governo de esquerda e caminham para ocupar postos administrativos relevantes. É difícil saber o que vai ser um governo Bolsonaro, mas a oposição democrática precisa estar atenta aos movimentos dentro e fora das instituições e começar a se organizar desde agora.

Que tipo de formação de brasilidade é essa que convicta elege Bolsonaro?, por Bruno Lima Rocha

Foto: Reuters
Por Bruno Lima Rocha
Desta vez assumo uma condição de ensaio, exploração do tema mesmo. A eleição do deputado federal pelo PSL-RJ, Jair Messias Bolsonaro, foi fruto de um conjunto de fatores e também, mérito eleitoral tanto de seu proselitismo como do conjunto de alianças eleitorais, econômicas e sociais ao seu redor. Disto não há dúvidas, assim como o bloqueio da candidatura do ex-presidente Lula e a não transferência de votos, além de uma enxurrada de Fake News.
Mas, para além dos efeitos eleitorais, superando o voto de protesto e a negação da política, ultrapassando a migração da pobreza e do desamparo, com uma parcela de votos que migra de Lula para o ex-capitão de artilharia de curta carreira na Força Terrestre, existe uma dúvida de profundidade.
Que tipo de Brasil, qual a ideia de Brasil, quais ideias de Brasil que elegeram Bolsonaro?!
Tenho medo de cair em armadilhas conceituais, como querendo rebater aos clássicos do conservadorismo, a exemplo de Oliveira Vianna (a quem Golbery do Couto e Silva se referia como "mestre Vianna"), ou o perigoso Nina Rodrigues, por exemplo. Meus temores passam por integralistas como Gustavo Barroso e Plínio Salgado. Mas, no meio desta tormenta, me deparo com a obviedade de que a Barata Cascuda, o folclorista Câmara Cascudo, participou dos Galinhas Verdes e isso a geração protofascista do século XXI sequer faz.
Estamos diante de uma gigantesca esquizofrenia. Desde o delírio Udenista Pós-Moderno dos coxinhas de 2015 e 2016, passando pela campanha paralela do clã Bolsonaro, trata-se de  um Brasil profanando o verde e amarelo como verniz, negacionista de quase tudo, opositor inclusive aos feitos da direita brasileira. Ou aos feitos das direitas brasileiras. Este que escreve se fosse politicamente ativo no período de 1964, certamente agora estaria no além. Mas, não posso negar que a ditadura militar tinha projeções de Brasil Grande, e este é igualmente negado. Se vivo fosse nos anos '30, a partir de 1934 especificamente, certamente me encontraria também no mundo de lá, mas tampouco posso negar que os governos autoritários de Vargas, incluindo o Estado Novo, tinha um projeto de país integrado e com o controverso elogio da mestiçagem. Assim, ainda que eu critique a invisibilidade afrobrasileira, identifico no projeto cultural do eixo Rio-Minas-Bahia da Era Vargas, simplesmente um projeto de país afrocentrado.
Poderia ficar buscando pistas republicanas, mas isso me parece ir mais além. Observando a estética política do clã vitorioso e seus aliados, ultrapassando o espelho retorcido que tenta mimetizar e porque não imitar loucamente as posições dos EUA como Superpotência, o que vejo remonta aos marcos coloniais do Império Luso-Brasileiro e suas consequências.
Raízes no Império?
Estava pensando no Brasil Império e justamente em dois movimentos do Estado no período. O primeiro, a afirmação da "nobreza ilegal", tanto como forma de sustentar o início dos parasitas que aqui chegaram escoltados pela Marinha Inglesa - e todas as suas consequências - como depois, no período da Regência e o Golpe da Maioridade, quando o paradigma político oportunista de Bernardo Vasconcellos faz derrubar as máscaras do liberalismo conservador brasileiro.
No auge do Segundo Reinado, a escolha preferencial pela importação de mão de obra, apontando a necessidade do  país ter "população branca", mesmo sendo estes os pobres da Europa, a cristandade distante do Oriente Médio (de onde vem majoritariamente este mortal que aqui escreve) ou mesmo apontando as baterias para a importação de "americanos"  no interior de São  Paulo. Enfim, já na república chegaram os nipônicos e todos nos tornamos automaticamente, socialmente brancos e dotados dos benefícios desta posição.
Vejamos a eleição de 2014. A presidente reeleita é filha de um exilado búlgaro e uma família quatrocentona mineira. Seu vice, primeira geração no país, de origem libanesa maronita e se torna presidente. Olhando assim, esta é a terra das oportunidades. Será?
Esta pode ser a dica da visão de brasilidade. Somos todos integrados, desde que obedecendo a "ordem social das coisas". Para isso, a votação expressiva de Bolsonaro sobre a mancha da soja e do latifúndio da colonização interna explica muito. 
Charles Borer como paradigma de ascensão e queda
Recentemente um amigo e companheiro de longas jornadas falou em evento político-acadêmico algo que me chamou a atenção. "Já passamos da fase de tentar responder perguntas difíceis com resposta fáceis. Reafirmamos a escola libertária uruguaia: certeza ideológica, dúvida teórica, precisão analítica". Assino embaixo.
Falo isso porque não basta explicar a votação de Bolsonaro por nenhuma categoria absoluta e menos ainda cabe negar a ascensão de alguma ideia da extrema direita profundamente antagônica a qualquer matriz social brasileira. Ficaria contente em afirmar que "o viralatismo explica". Explica muito sim, mas não tudo. O racismo estrutural também está mais perto do que imaginamos, assim como os esgotos do inconsciente, mas não basta.
Não basta porque não imagino um modelo de Brasil que essa gente, ao menos os 20% de convictos da extrema direita, consiga ver como válida. Para além dos holofotes, da "guerra cultural através da Unizap", da "memificação" da política, será que essa parcela convicta já foi numa feira livre? Perdoem o carioquismo, mas será que esse pessoal já escutou Jorge Ben ou Tim Maia, se maravilhou com um partido alto ou foi às lágrimas ouvindo Cartola ou dona Clementina?
Eu não quero fazer desse ensaio um arremedo de crônica de João Saldanha e Sandro Moreyra, mesmo porque teria de nascer ao menos cinco vezes para escrever com dez por cento do talento dos dois. Mas, um pouco de Botafogo ajuda a explicar. Dizem que o clã é alvinegro, como este aqui que peleia com as palavras. Nasci com a estrela solitária como fralda, sendo filho e neto dos dois lados. Enfim, pensamos no Glorioso e imaginamos um banho de Brasil em preto e branco, como Manga, Nilton Santos, Didi, Garrincha, Jairzinho, Afonsinho, Paulo César, Heleno de Freitas, Amarildo (ufa, vou parar por aqui para não narrar vinte linhas de craques imortais). Ao vislumbrar o Fogão ninguém mais se lembra do tenebroso período de Charles Borer como presidente, ele mesmo, irmão de Cecil Borer, o todo poderoso delegado do DOPS da Guanabara. Borer foi presidente de 1976 a 1981, incluiu mais de 400 conselheiros para votar nele de forma incondicional (chamados de boreméritos) e quando em 1981 o Conselho foi votar seu impeachment, chegou escoltado de seguranças e com três viaturas da PMERJ. Saiu escorraçado igual e hoje o clube esconde este passado recente, onde ficamos sem sede histórica e sem títulos de nenhuma ordem. Enfim, analogias à parte, para além das alegorias futebolísticas, isso pode explicar muito.
Estamos diante de uma fórmula desastrosa: a ascensão imaginária, um governo de ocupação, desastres terríveis, aproveitadores de todo tipo e, se fizermos nossa parte, virá a renascença tão furiosa como o clube de samba do mesmo nome no bairro do Andaraí. Vai doer, mas vai passar, e passará mais rápido se as esquerdas mergulharem definitivamente, de cabeça e alma na formação do povo brasileiro. Um pé em cada mundo, como Beth Carvalho e Gonzaguinha, generosos com os humildes iludidos e irredutíveis com os usurpadores.
Bruno Lima Rocha é pós-doutorando em economia política, doutor e mestre em ciência política; professor de relações internacionais e jornalismo e, mais importante do que tudo isso, é brasileiro e botafoguense.
(estrategiaeanaliseblog.com / blimarocha@gmail.com para Email e Facebook / Grupo no Telegram: t.me/estrategiaeanalise)
18 de novembro de 2018, 

Bolsonaro ou o desejo masoquista, por Durval Muniz.


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Bolsonaro ou o desejo masoquista


Muita gente ficou chocada com o que teria sido um dos grandes acontecimentos da semana: os aplausos entusiastas dos empresários reunidos na sede da Confederação Nacional da Indústria para o candidato a presidente Jair Bolsonaro. Mesmo diante do notório despreparo do postulante ao cargo máximo da República, suas bravatas e frases sem nenhum sentido ou cheia de preconceito e racismo como “não quero colocar um busto de Che Guevara no Palácio do Planalto” ou “hoje estão tirando a nossa alegria de viver, não podemos mais contar piadas sobre afrodescendentes, sobre cearenses, sobre goianos”, mereceram, da nata da burguesia, da dita elite empresarial brasileira, efusivos aplausos. Que a elite brasileira é autoritária e se identifica com o autoritarismo do capitão, não é novidade; que a elite brasileira é racista e que suas blagues em relação aos afrodescendentes são partilhadas por uma patota que se julga toda branca, não é de se estranhar; que os capitães de indústria brasileira sejam machistas, misóginos, homofóbicos em sua maioria, também não é notícia nova. Mas, creio que mesmo assim, esse gesto de profundo significado simbólico e de enorme gravidade política: ver a elite empresarial de um país disposta a apoiar alguém que tem em sua ficha corrida o elogio à tortura, a suspeita de ter participado do plano que levaria a explosão de bombas de baixa intensidade para protestar contra os baixos salários dos militares, que quando na ativa foi diagnosticado em documentos do próprio Exército como alguém ambicioso e agressivo no trato com os camaradas a quem sempre queria liderar, como alguém a quem faltava lógica, racionalidade e equilíbrio na apresentação de seus argumentos, merece a busca de explicações mais profundas, tanto do ponto de vista histórico, como do ponto de vista do funcionamento da vida psíquica, seja no plano individual, daqueles que a ele aderem e a ele desejam, como no plano coletivo, daqueles que a ele se dispõem a seguir e a ele se subordinar. Não há aqui qualquer contradição, pois, a vida psíquica, as subjetividades, seja dos indivíduos ou dos grupos, como os membros da CNI, se formam e se constituem historicamente e no interior de uma dada sociedade. A subjetividade não é algo interno, fechada em si mesma, solipsista, ela é produto do processo de socialização, de humanização, que se dá no contato com os outros, com a cultura, os valores, as normas, as leis, encarnadas pelas instituições sociais e, elas, por seu turno, pelos indivíduos que as compõem. A atuação de nossa libido, de nossas pulsões instituais, de nosso corpo se dá no interior do social, na relação com os outros corpos, portanto, as nossas formações de desejo nascem dessas relações. O desejo por Bolsonaro, pelo que ele representa, pelo o que ele figura, nasce de processos históricos e sociais, individuais e coletivos, que eu tentarei minimamente abordar.
Considero que o desejo por Bolsonaro, tanto no plano individual, como no plano coletivo, é de caráter sadomasoquista. Nele misturam-se de modo inseparável o desejo de domínio, de subjugação, de controle, de anulação do outro, do diferente, do distinto, a demonstração explícita de um poder sem limites, um desejo de aniquilação do outro, desejo de morte. Mas, como sabemos desde Freud, a pulsão, o desejo é sempre ambivalente, pode ser regressivo, pode voltar-se contra si mesmo, pode infletir na própria direção do sujeito do desejo e, portanto, o desejo de subjugação carrega consigo, também, o desejo de ser subjugado, o desejo de controle, o de ser controlado, o desejo de anulação do outro, o desejo de anulação de si mesmo. O desejo de destruição do outro pode se tornar desejo de autodestruição, a vontade de poder sem limites pode reverter em vontade de submissão sem limites. O desejo de aniquilação do outro pode vir a ser o desejo de autoaniquilação, o desejo de morte do outro transformando-se em desejo de mortificação de si, de nadificação do si mesmo. Para entender Bolsonaro e o que ele representa, para entender os bolsominions e o desejo que os move, para entender o que faz com que nosso empresariado diga um dane-se para qualquer escrúpulo e mostre a sua face fascista e escravagista que sempre procurou esconder sob o verniz de seus paletós e gravatas e de sua pretensa educação superior, é preciso entender o que leva as pessoas como indivíduos ou coletividades a buscar a sujeição, como desde a infância internalizamos o poder à medida mesmo que nos tornamos gente, que nos tornamos sujeitos.
A palavra sujeito, na língua portuguesa, possui uma ambiguidade que é preciso ser aqui ressaltada e entendida para que possamos caminhar na direção da compreensão do fenômeno do desejo fascista, da formação das subjetividades e dos sujeitos fascistoides, do qual Bolsonaro é apenas uma encarnação. Alguém para se tornar sujeito, isto é, para estar no princípio de suas ações, de suas atitudes, de ser responsável pelo que diz e faz, por ser, pretensamente, a origem de tudo o que lhe acontece e de tudo que faz acontecer, de tudo que realiza e constrói, tem que se sujeitar às normas e às leis que regulam a vida social, têm que subjetivar, internalizar, encarnar os códigos sociais e culturais que definem a própria condição de humano. Ou seja, para se tornar sujeito todo ser humano se sujeita, para se subjetivar todo ser humano se assujeita a forças e regras que lhe vêm de fora e que uma vez apreendidas passam a lhe constituir, passam a ser seu dentro, passam a constituir seu próprio desejo. Dobrado pelos poderes que o cercam, esse corpo se humaniza ao introjetar as interpelações, as ordens, os comandos, os ditames que lhe vem do social através dos outros que nasceram primeiro que ele, que o antecederam, que são seus ancestrais. Mas por que nos sujeitamos, por que assumimos essa servidão voluntária, para ser sujeitos?
A criança humana ao nascer é um ser profundamente frágil e desamparado. Ela depende dos outros, dos pais e, mais ainda da mãe, que a amamenta e cuida, para continuar viva. O bebê ao mamar, ao compartilhar o calor do corpo materno, ao escutar sua voz, ao precisar de seus cuidados, vai fazendo o aprendizado doloroso da fragilidade, da dependência, da necessidade dos outros, que caracteriza a vida humana. Ao correr risco de vida se aquele outro corpo se ausenta, falta, vai para longe, a criança desenvolve o apego e, portanto, a dependência em relação ao outro. As relações libidinais, pulsionais, desejantes do corpo da criança vão sendo moldadas nesses encontros com o corpo da mãe e com outros corpos cuidadores. O apego necessário à sobrevivência será aquilo que socialmente, mais tarde, se chamará de amor. Eu amo aquele corpo que satisfaz os meus desejos, que me cuida, que me socorre sempre que choro ou grito, eu amo no outro a mim mesmo, pois sem ele sei que nada sou ou nada consigo ser. Mas, como o desejo é ambivalente, se descobrir dependente, apegado, carente de alguém é também motivo de desenvolvimento de sentimentos agressivos em relação àquele corpo, àquele outro, até porque ele não pode estar o tempo todo à minha disposição, ele é disputado e amado por outros seres, inclusive pelo pai, uma espécie de rival do amor infantil.
A proximidade sempre constatada entre amor, agressividade e ódio, advém dessa ambiguidade de um desejo que quer ser satisfeito, mas que por ser satisfeito se sabe desejo, se descobre carência e falta de algo. Imagine os traumas psíquicos que o desamor, o abandono, a agressão, a violência, podem causar na formação da subjetividade infantil. Se em casa, na vida familiar, não há ninguém com quem se apegar, a quem amar, a carência, a falta, o medo de morrer levará a que essa criança e, depois, o adulto que ele vier a se tornar, a se apegar a todo aquele que lhe prometa a segurança, a continuidade da vida mesma, que sempre lhe esteve ameaçada desde muito cedo. Numa sociedade em que a maioria das crianças nasce em lares carentes: carentes financeiramente, carentes de estrutura familiar, carentes de ordem e de autoridade, carentes de vida simbólica e cultural, não é de estranhar o sentimento generalizado de insegurança, o medo generalizado de morrer, a vontade de proteção, de segurança, de ordem, o desejo de autoridade e de leis. Numa sociedade onde a insegurança vivida na vida familiar, na vida doméstica, se prolonga de forma assustadora para fora de casa, se a morte espreita a vida em cada esquina, aqueles corpos que, muitas vezes, são sobreviventes de uma vida que esteve assombrada pela possibilidade de morrer a cada dia, tende a se sujeitar, a se tornarem sujeitos de ações, ideias, propostas, formas de vida, formas de atuação social que prometam reduzir essa fragilidade de seu viver: o que pode ser desde a adesão a grupos armados, compostos de milicianos e traficantes, às forças armadas do Estado até a qualquer liderança que lhes prometa acabar com a carência de ordem, de segurança, com a vulnerabilidade que constitui a vida mesma de nosso corpo, mas que é potencializada por dadas condições sociais, raciais e de gênero no Brasil.
Não é uma anomalia que negros, mulheres e homossexuais se identifiquem, desejem a figura de Bolsonaro, pois ela representa uma espécie de revanche, de possibilidade de reparação dos danos sofridos desde a infância por corpos fragilizados, carentes, dependentes, marginalizados, subordinados, e que não viram seu apego e seu amor correspondidos, nem em nível pessoal, nem em nível coletivo. Os fascistas sempre arrebanharam os frágeis, os carentes, os mal amados, os inseguros, os revoltados e rebeldes sem causa, os agredidos que se tornaram agressivos, os traumatizados que querem infundir traumas, os sofridos que querem se comprazer com o sofrimento alheio, os negados que querem gozar com a negação e a nadificação do outro, os que nunca foram ninguém, que nunca tiveram importância para ninguém e que querem se fazer, na marra, na força, reconhecidas, querem que suas existências como sujeitos sejam visibilizadas, os que foram sempre assujeitados querem se fazer visíveis como aqueles que assujeitam. A malta fascista costuma ter as almas e os corpos traumatizados, ela transforma o desejo de vida em desejo de morte, pessoal e coletiva. Com a imagem de si degradada pelas experiências que a formou como sujeito, tendo seu narcisismo, seu amor por si mesmo rebaixados, tendo sua relação com seu próprio corpo e sua própria vida marcadas pela abjeção de si, esses sujeitos são capazes de muita raiva, ódio, até o limite da autodestruição e da destruição coletiva. O fascista termina por amar mais a morte que a vida, o que não significa que ele conscientemente queira morrer, seja um suicida, mas todos esses processos se passam no inconsciente e lá a pulsão de morte, os desejos tristes podem levá-lo a procurar se colocar em situações pessoais e coletivas destrutivas.
Mas seria esse o caso de nosso empresariado industrial? Não duvido que, individualmente, muitos possam ter experimentado essa trajetória, mas creio que outras variáveis ligadas à produção de subjetividades e a produção coletiva dos desejos expliquem a vontade por Bolsonaro dos nossos capitães da indústria. Creio que nesse sentido as reflexões do filósofo alemão Hegel sobre as relações entre o senhor e o escravo explique melhor essa formação de uma consciência infeliz entre nossas elites, já que elas advém de uma sociedade que viveu a escravidão por cerca de quatrocentos anos e em sua esmagadora maioria são descendentes ou seus ancestrais estiveram relacionados com elites escravocratas. Hegel lembra que o escravo era uma mercadoria, portanto tinha assim a sua condição de humano negada. Assim como a criança que não encontra as condições de se humanizar, o escravo seria uma coisa, um objeto entre objetos, não tendo aquilo que caracteriza fundamentalmente o ser sujeito de sua própria existência: o direito de exercer o domínio sobre si mesmo, de decidir suas próprias ações e reações, de poder expressar o que sente e pensa sem estar sujeito à punição e ao castigo. A vida do escravo, assim como a da criança, era uma vida precária, uma vida humana negada em sua humanidade, o que a disponibilizava para a sevícia, os maus tratos, a tortura e a morte. A educação escravista, que ainda ressoa em nossas camadas populares, era uma educação visando a dessubjetivação do negro africano aqui aportado, ela visava esvaziar aquele corpo da formação subjetiva anterior, ela visava reconfigurar aquela subjetividade, fazê-lo aprender a se sujeitar e, portanto, deixar de ser sujeito social e culturalmente reconhecido. Se a criança que não passa por um processo regular de socialização permaneceria como esvaziada de subjetividade e, portanto, de humanidade, o escravo era esvaziado à força, da subjetividade e, portanto, da humanidade de que era portador. Nossas elites se formaram no aprendizado de como esvaziar os outros de seu ser humano, elas se incomodam, portanto, a cada vez que aqueles fadados a serem objetos, a serem mercadoria, reivindicam seu direito de ser humano, seu direito de ser sujeito e não apenas assujeitado. Quando negros, índios, empregadas domésticas, nordestinos, pobres querem ser gente, essas elites se veem ameaçadas em sua própria humanidade, temem passar de sujeitos a assujeitados e tratam de acabar com a festa na senzala.
Mas, para Hegel, havia um problema em tudo isso: o escravo era posto a trabalhar e, ao trabalhar, afirmava a capacidade humana de transformar a natureza, de criar, de inventar o que não está dado ou posto no mundo. O escravo se redescobria humano ao ver que suas mãos, que suas habilidades, que sua inteligência, que sua imaginação, eram capazes de criar coisas que ainda não existiam no mundo. O escravo se descobria assim ativo no mundo e, portanto, sujeito de seu trabalho. E mais, o escravo via o seu senhor se apropriar daquilo que ele produzia com o seu trabalho. O escravo podia perceber que o senhor dependia de seu trabalho. Numa reversão dialética, como costuma também a acontecer com as crianças (com o tempo os pais precisam do apego e do amor de seus filhos para viverem, inclusive na velhice precisarão do amparo que um dia lhes deram), os escravos, mesmo sendo considerados coisas, eram eles que acabavam por conferir humanidade a seu senhor que, por não trabalhar, por nada criar e inventar com suas próprias mãos, por não produzirem as coisas de que precisavam, nem mesmo a comida e a bebida, podiam ter a sua humanidade negada. Quando se apropriava do fruto do trabalho de seus escravos, os senhores se apropriavam de sua humanidade e tornavam-na a humanidade deles. Era necessário que essa dependência dos senhores de seus escravos até mesmo para existirem como humanos fosse negada, fosse encoberta por toda uma produção discursiva, cultural, conceitual, amparada no racismo, que tornasse o próprio corpo, a própria carne dos escravos suspeita de não humanidade, de animalidade. As teorias de superioridade racial, que ainda ressoam nas piadas de Bolsonaro sobre afrodescendentes que, segundo ele, “não servem nem para procriar”, era a tentativa de mascarar que o escravo era “os pés e as mãos do senhor”, que o escravo era o corpo do senhor, era ele que lhe dava a vida e a riqueza, a segurança e o amparo e, muitas vezes, lhe dava, inclusive o sexo e o amor.
Não é difícil pensar a partir desse raciocínio, tão bem desenvolvido em recente livro da filósofa norte-americana Judith Butler (a odiada filósofa que causou manifestações patéticas dos coxinhas e bolsominions quando veio ao Brasil e é acusada de ser a introdutora da “ideologia de gênero entre nós), o comportamento de nossos empresários industriais. Se os aplausos entusiastas a Bolsonaro se transformaram em vaias quando o candidato Ciro Gomes expressou sua disposição em modificar a reforma trabalhista aprovada pelo governo golpista que, como sabemos, foi uma das exigências para que a FIESP se tornasse um dos carros chefes do golpe contra a democracia (não podemos esquecer que os apoiadores de Bolsonaro hoje, apoiaram o golpe e a ditadura militar de 1964), isso se deve ao fato de que todo empresário sofre daquilo que Hegel chamou de consciência infeliz e Nietzsche, outro filósofo alemão, chamou de má consciência, por saberem que suas vidas, suas existências como sujeitos econômicos, políticos e culturais dependem da existência e do trabalho do outro, da existência e do trabalho do trabalhador, dos quais eles se apropriam. A defesa da propriedade do trabalho de outrem, da apropriação privada do trabalho alheio, é condição fundamental para a formação dessa consciência culpada, que precisa constantemente construir justificativas ideológicas de superioridade social, educacional, civilizacional, de classe, de raça, de gênero para se tornar minimamente justificável. As blagues do capitão com aqueles que normalmente formam a classe trabalhadora (afrodescendentes, cearenses, goianos) soa assim como um bálsamo para ouvidos marcados pelo desejo de justificar as desigualdades e as hierarquias de fortuna e de condição social, buscando, sempre que possível naturalizá-las, desresponsabilizando a ordem social em que vivem, as leis e normas, os códigos e regras que fundam essa desigualdade na constituição dos sujeitos humanos desde o berço, o que facilita a naturalização ou mesmo a responsabilização do divino por tais diferenças de destino. Mas sempre que o trabalhador exerce seu trabalho (por isso o desemprego nada significa para a classe empresarial, é uma espécie de vitória para o ser mesmo humano do empresário sempre que o desemprego vem desumanizar o trabalhador), ele reafirma sua humanidade e sua relevância social perante uma classe que para ser relevante precisa concentrar em suas mãos a riqueza produzida por outrem, se apossando da mais valia, do sobretrabalho. O empresário se apossa do conteúdo de humanidade que há naquela riqueza para se sentir humano e poder dizer que sua função social é fornecer trabalho, é fornecer emprego, no que quer dizer que mesmo sendo o principal beneficiado de um modo de produção desumano é ele que concede humanidade ao trabalhador e não o reverso. Por isso toda reivindicação trabalhista, toda vez que a classe operária se coloca como sujeito de sua vida e de seu trabalho, incomoda profundamente uma classe que vive de parasitar a humanidade alheia. Assim como os escravos afirmavam sua humanidade não apenas trabalhando, mas resistindo de todas as formas à escravidão, criando arte, cultura, religião, formas de vida, o que incomodava os senhores que tinham que reconhecer a contragosto essas manifestações de humanidade, sob pena de instaurar o permanente conflito e afrontamento aberto em suas senzalas, o que inviabilizaria sua produção. Toda vez que o senhor tinha que se curvar a um desejo do escravo (assim como cada vez que nos rendemos aos desejos de uma criança) estava reconhecendo sua humanidade e sua condição de sujeito. O empresário reconhece a humanidade e o caráter de sujeito do trabalhador quando ele se manifesta politicamente, quando ele faz greve, quando ele produz seus próprios modos de vida. A reforma trabalhista tira direitos dos trabalhadores, logo os torna menos humanos, menos sujeitos de suas vidas e mais sujeitos, subjugados, assujeitados a patrões que dependem disso para se sentirem sujeitos, para se sentirem gente.
Quando Bolsonaro disse que eles eram os seus patrões, o gozo só podia ser generalizado. Depois que tiveram que viver por doze anos sob o governo de um partido político que nasceu para dar aos trabalhadores a condição de sujeitos de sua própria vida política, fugindo do assujeitamento aos partidos dos patrões. Partido que levou ao poder um operário, em quem aqueles senhores não só não se viam como igual. Consciente ou inconscientemente julgavam que ele estar ali, naquele lugar, usurpava o direito exclusivo deles de serem sujeitos da ordem política. Lula, cada vez que entrava na CNI, lembrava àqueles senhores de que seu papel de sujeito havia diminuído e que a humanidade deles, que julgavam ser de outra qualidade, estava não só sendo contestada, mas rebaixada. Ter um capitão que representa a força, a virilidade, o poder, o masculino, o dominador, o branco, o rico, o heterossexual, aos seus serviços, na condição de serviçal, de subordinado, de subalterno, de pau mandado, inflama a libido e o desejo dos capitães de nossas empresas. Mesmo que masoquistamente estejam contribuindo para sua própria debacle como industriais, que estejam contribuindo para a destruição do país, que estejam contribuindo para tornar o país irrelevante no mundo e, por extensão suas empresas, que sonhem apenas em vender o que têm o mais rápido para empresas internacionais e, com o apurado, viver de dividendos da corrida rentista, o que os torna mais improdutivos, menos sujeitos e menos humanos, mesmo que estejam vendendo as riquezas do país que podiam ser a base de sua atividade, nossa elite empresarial, colonizada, formada desde os primórdios na submissão e subordinação às forças externas, colonialistas, são elites subjetivamente colonizadas, que na sua formação internalizaram o sentimento de ser menos, de ser menor, o que as fragiliza, ainda mais, perante os trabalhadores e as outras classes sociais que têm, por isso mesmo, de rebaixar, de manter na ignorância, na miséria, na carência, na insegurança, na doença, pois somente diante de corpos e mentes mais frágeis e fragilizadas é que se sentem sendo alguém e tendo força.
Ter um presidente da República como lacaio e serviçal, como é o caso do que no momento ocupa a cadeira presidencial, que seja um nada do ponto de vista intelectual e moral, é tudo que almeja uma elite formada no sadismo contra os escravos, os trabalhadores, as mulheres, os indígenas, os mais pobres, as crianças, mas que dado o caráter reversível do desejo é também uma elite masoquista, capaz de gozar ao se entregar gostosamente ao colonialismo e ao imperialismo, de se sentirem mais fortes como parasitas das forças internacionais, de se sentirem sujeitos quando se sujeitam aos ditames do capital internacional, de se sentirem humanos só quando aplicam políticas desumanas contra aqueles que os sustentam, dão a vida e a riqueza, dão o luxo e o conforto. Bolsonaro encarna, é bem a expressão dessa força ao mesmo tempo truculenta e frágil, machista e emasculada, poderosa e débil, externamente vigorosa e internamente pavorosa de tanta decrepitude, um jovem velho e decrépito como muitos dos nossos capitães de indústrias. Em seu narcisismo, os capitães de indústria se miram no espelho do capitão e se identificam com sua força fraca e sua potência impotente. Depois de passarem anos sem ter um presidente com quem se identificassem (como se identificarem com uma mulher e com um operário e nordestino? ) nossas elites industriais encontraram um homem para chamar de seu, mesmo que esse homem seja Bolsonaro, a expressão mais desabrida e descarada da má consciência, da consciência infeliz, do sadomasoquismo de nossa burguesia, que nunca foi liberal de verdade. Nosso neoliberalismo é uma nova versão do porrete, do chicote, da chibata (a senadora Ana Amélia não me deixa mentir), das algemas e dos troncos em que nossas crianças e escravos foram e são “educados” e em que querem amarrar para assujeitar e desumanizar nossos trabalhadores. Temos um elite empresarial que masoquistamente destrói o país a curto prazo, o que levará à sua própria destruição a médio e a longo prazo, mas que gozam com sua própria impotência transformada em impotência de todos. Os que não podem permitir que outros venham a ter o poder, preferem a impotência. E para impotentes, o simulacro de potência, de macheza e de hombridade de Bolsonaro seduz. Isso explica os aplausos gozosos de nossos industriais, a maioria deles sem indústrias ou fadados a perdê-las. Mas é assim que se dá o gozo masoquista: na perda de poder, na perda de humanidade, na perda do ser sujeito, contanto que esse gozo gere prazer sádico na destruição dos demais. Muita gente aposta que na última hora nossas elites não vão querer ver o circo pegar fogo: acho que tocarão fogo e ficarão em seu interior se divertindo com a morte de todos à sua volta. Em todo masoquista mora um sádico e vice versa. Cabe a esperança que o candidato sádico ao se expor a um processo eleitoral de forma masoquista venha a externalizar toda sua menoridade, sua fragilidade, sua inconsistência, sua ignorância, e que os outros percebam o engodo que ele é. Nossos industriais percebem, mas como eles também são engodos, o processo de identificação e de espelhamento é inevitável.

Arte, Política e Guerra Antimídia em "Art of The Prank"... mas não conte prá esquerda! por Wilson Roberto Vieira Ferreira

“Jornalistas são perigosamente ingênuos... não se interessam pela verdade, mas apenas por uma boa história”, afirma Joey Skaggs no documentário “Art Of The Prank” (2015). Joey Skaggs é um artista plástico que iniciou nos movimentos contraculturais de protestos nos EUA. Quando percebeu que o maior inimigo não era o Governo, mas a grande mídia que o sustenta. A partir dos anos 1970 tornou-se o principal criador de “Media Prank” e “Culture Jamming” – estratégias de guerrilhas semióticas antimídia. Skaggs passou então a criar uma série de personagens e histórias fictícias (pegadinhas) para enganar os jornalistas, revelando como a opinião pública é formada sobre mentiras: o “Bordel para Cachorros”, o “Banco de Esperma de Celebridades”, a “Pílula que cura tudo” produzida a partir de enzimas das baratas etc. CNN, ABC, CBS, todos caíram nas pegadinhas de Skaggs. Até o jornalista Pedro Bial mostrando na Globo a “revolucionária Terapia do Leão” do “célebre” Baba Wa Simba... “Art Of The Prank” mostra didaticamente como se faz uma guerra semiótica: fazer a mídia sentir o gosto do próprio veneno da mentira que ela produz... mas não conte para a esquerda! Dificilmente entenderá...

Os EUA sempre tiveram um viés bem mais pragmático em relação à questão da comunicação do que os europeus. 
Enquanto, sob o impacto do sucesso da propaganda nazi na Segunda Guerra e o efeito catastrófico imprevisível da transmissão radiofônica de “Guerra dos Mundos” em Nova York em 1938, os EUA viam a mídia como um instrumento imediato de contrapropaganda, os europeus tentavam entender o fenômeno nazifascista a partir da sua sólida herança cultural e filosófica de séculos: Psicanálise, Linguística, Semiologia, Sociologia etc.
E certamente a academia brasileira (principalmente no espectro progressista ou de esquerda), devido as influências intelectuais europeias (notadamente francesas e alemãs), privilegiou um viés dos estudos em/sobre a Comunicação também muito mais crítico do que pragmático. Privilegiando uma abordagem, digamos assim, “conteudista” da comunicação – análises dos conteúdos (textuais) das mensagens através da linguística, retórica etc.
Talvez isso tenha impactado a ação política das esquerdas no campo da comunicação – um misto de ou desprezo (a questão da comunicação como uma preocupação “teórica”, longe da ação política real) ou de ingenuidade – o apego à panfletagem, às denúncias por megafones e a visão dos receptores das mensagens como uma “massa” indiferenciada por ser “conquistada”.
Desde o pós-guerra nos EUA, seja que posição estiver no espectro político, partidos ou grupos sempre pensaram a comunicação de forma mais estratégica, buscando atalhos e eficiência – em uma situação complexa, sempre a solução será aquela mais simples: os instrumentos que tivermos em mãos no momento.
Essa viés particular norte-americano sobre a comunicação perpassa todo o documentário Art Of The Prank(2016, disponível pela Amazon Prime, Hulu e Itunes), dirigido por Andrea Marini sobre o célebre artista plástico e principal criador das táticas de “Media Prank” e “Culture Jamming” instrumentalizadas pelos movimentos de contracultura nos anos 1960-70.

A guerra antimídia

“Media Prank” (pegadinhas) e “Culture Jamming” (trolagens) foram as principais táticas contraculturais antimídia. Skaags foi o “avô” dos chamados “media hoax”. Muito tempo antes das discussões sobre “fake news” ou “memes”, ele usou a mentira e a manipulação contra a própria mídia corporativa, produzindo efeitos engraçados, cínicos e irônicos. Fez por inúmeras vezes a grande mídia experimentar seu próprio veneno.
Mas, principalmente, arrancou o escalpo de muitos jornalistas e apresentadores famosos como Geraldo, David Hartman e Nancy Dussault (“Good Morning America” da ABC), Oprah Winfrey e até mesmo o então correspondente da Globo em Nova York em 1995, Pedro Bial.
ABC, CBS, CNN, USA Today, National Enquirer... uma longa lista de veículos cujos repórteres, maravilhados pelas narrativas falsas criadas por Skaggs, “esqueciam-se” de checar as informações movidos pelo sensacionalismo e a pressão da concorrência por um furo jornalístico.
A mais recente foi em 2015, quando a agência de notícias chinesa Sinovision caiu na pegadinha do “April Fool’s Day”, o “Dia da Mentira” que suspostamente seria comemorado há 30 anos em Nova York com um desfile de carros alegóricos e bandas na Quinta Avenida. A edição final de quatro minutos do telejornal chinês, em inglês, quis mostrar factualmente tudo isso. Mas tudo não passou de “não-acontecimento”. A notícia com destaque de um fato que jamais existiu mostra como a mídia é “perigosamente ingênua”, como destaca o documentário – veja vídeo ao final da postagem.
Uma entrevista com o criador do "Banco de Esperma de Celebridades"...

Como artista plástico no campo da pintura e escultura, Joey Skaggs participou ativamente em movimentos contra a guerra do Vietnã e luta pelos direitos civis nos anos 1960, concebendo instalações de protesto como um sutiã gigantesco em frente ao Tesouro dos EUA em Wall Street e uma grotesca Estátua da Liberdade nas comemorações do feriado de 4 de Julho em Nova York.

Sentindo o gosto do próprio veneno

Logo Skaggs caiu na real: não se trata mais de denunciar as mentiras da mídia contra a incauta opinião pública. Cabe fazer a mídia experimentar seu próprio veneno para ser desmoralizada diante do público. Para Skaggs, a origem de todas as crenças está nos meios de comunicação. Portanto, nada melhor do que expor a mídia à própria vergonha da sua pressa, ansiedade e impulsividade. E, porque não, da sua própria arrogância.
Art Of The Prank apresenta as “media pranks” mais famosas de Skaags. Como, por exemplo, quando personificou o Dr. Josef Gregor, em 1981, que anunciou em uma coletiva que havia desenvolvido uma pílula milagrosa que curava de resfriados a cólicas menstruais. E as pessoas ficariam até imunes a radiações nucleares com uma pílula feita por um hormônio extraído das baratas... O doutor falava que fazia parte do grupo “Metamorfose”, numa óbvia referência cifrada à Kafka. “Acho que hoje ninguém lê mais Kafka”, lamentou cinicamente Skaggs após revelar a farsa.


Logo após o julgamento de O.J. Simpson, Skaggs convenceu a CNN de que fazia parte   do “The Salomon Project” e que era um cientista da computação da Universidade de Nova York. O objetivo do projeto seria substituir os jurados por um software que determinaria a culpa ou inocência do réu. E o que disse o software sobre O. J. Simpson? Que era culpado...
O documentário enumera diversas pegadinhas como o “bordel para cachorros” no “Good Morning America” nos anos 1970. Ou, em 1976, o “Banco de Espermas de Celebridades” cujo banco teria sido roubado e o esperma de uma celebridade (não revelada) teria sido tomado como refém, apresentando aos jornalistas a suposta carta dos sequestradores.

Jornalistas não se interessam pela verdade

A tática antimídia de Skaggs partiu sempre de duas premissas que é corroborada por jornalistas no documentário: (a) jornalistas procuram desesperadamente histórias que se adequem à retórica (sensacionalismo) ou à pauta (agenda) do momento, imposta aos repórteres pelas chefias de redação; (b) nem jornalistas e nem o público estão interessados na “verdade”, mas apenas numa “boa história”.
Porém a prática jornalística não assume essa natureza fabular ou ficcional como tal. Sempre está legitimada pelo álibi da informação e da objetividade. Simplesmente, a tática Media Prank quer desmoralizar esse álibi – revelar que toda a opinião pública está fundamentada num álibi frágil.
Para os brasileiros, são interessantes as imagens de Pedro Bial caindo (literalmente de quatro) na pegadinha de Skaggs quando ele performou o “famoso” psicoterapeuta Baba Wa Simba.
Em 22 de Fevereiro de 1995 o telejornal Bom Dia Brasilda TV Globo apresentou uma notícia sobre um terapeuta internacionalmente reconhecido pela sua “Terapia do Leão” que estaria vivendo em Nova York. Apresentado pelo jornalista Pedro Bial, a matéria documentou uma demonstração da terapia para que homens e mulheres desenvolvessem “seu lado animal” e liberassem “instintos reprimidos”. 
Viu-se diversos pacientes de quatro no chão urrando, grunhindo e disputando um pedaço de carne crua que Bamba Simba jogava. Pedro Bial participou dessa demonstração, de quatro no chão e urrando com os demais “pacientes” – veja o vídeo ao final da postagem.


Pragmática da Comunicação

A grande lição de Art Of The Prank para nós é a abordagem pragmática da comunicação pela política norte-americana, seja qual for a posição no espectro político: quando Joey Skaggs percebeu a inutilidade das performances de protestos da contracultura diante da ação da grande mídia, simplesmente voltou-se contra ela para fazê-la sentir os efeitos das próprias mentiras. 
Quando o então candidato à presidência Barack Obama viu que a grande mídia estava francamente contra ele, voltou-se para a Internet para aumentar as doações e melhorar a segmentação das mensagens.
Por seu turno, quando o republicano Donald Trump percebeu o viés pró agenda Democrata da mídia, partiu para a mineração de Big Data procurando segmentar algoritmicamente suas mensagens por meio de memes e fake news.
Enquanto isso aqui no Brasil, ou a militância de esquerda panfletava para as massas suas denúncias contra as manipulações da grande mídia ou os próceres dos governos petistas sonhavam em publicar uma análise na sessão “Tendências e Debates” no jornal Folha de São Paulo, inimigo implacável. Como sempre, o viés “conteudista” herdado pela cultura europeia.
Skaggs conseguiu aliar arte, política e contrapropaganda. Mais do que transmissão de um conteúdo, Skaggs descobriu que a comunicação é principalmente acontecimento – ao invés de denunciar as mentiras da mídia, preferiu mostrar, na prática, como a mídia produz as mentiras, escancarada diante do público.
Para a esquerda brasileira seria um campo tático novo. Episódios brasileiros recente de “media prank” espontâneas como o caso “Tem Alemão no Campus” (clique aqui) ou o “Falso Estudante do Enem” (clique aqui) mostraram um campo de guerra antimídia potencial e inexplorado e a fragilidade do jornalismo de guerra no Brasil, análogo à fragilidade exposta por Joey Skaggs nos EUA..
Mas atuar nesse campo simbólico exigiria que a esquerda mudasse o seu paradigma sobre a Comunicação: do conteudismo para o acontecimento comunicacional.

Trailer

Entrevista


Pedro Bial cai na pegadinha de Joey Skaggs


Sinovision cai em pegadinha do "Dia da Mentira"