Marcadores

segunda-feira, 30 de julho de 2018

A desindustrialização da América, por Reginaldo Corrêa de Moraes, Jornal da Unicamp


 

Reginaldo Corrêa de Moraes
Altas horas. Insônia, TV. Filme de segunda classe. Exemplo 1. Pequena cidade do interior, nos Estados Unidos. Duas ou três fábricas, mercearias, bancos locais, ranchos no entorno. Gente feliz que bebe cerveja e faz churrasco no jardim, no final de semana. Perto dali, uma área semideserta, base militar discreta. Experimentos atômicos que de repente escapam ao controle. Infectam aranhas, elas crescem adoidadas e começam a comer humanos nos ranchos, acercando-se à cidade. Aparecem os mocinhos. Uma cientista rebelde e um tenente apaixonado lutam para combater os bichos e encontrar antídoto para impedir sua proliferação. Orgasmo final: eles vencem e a cidade retoma sua vida pacata – depois de alguns desaparecimentos, é claro. Ufa! Vamos dormir.
Exemplo 2. Um cenário parecido. De repente, umas estranhas plantas aparecem no contorno da cidade. Na verdade, não são plantas, são alienígenas disfarçados. Curiosamente, são vermelhos. A indústria do cine americano adora enrubescer os monstros. Os aliens começam a engolir humanos, tomando seu corpo. Os novos cidadãos, os possuídos, trafegam agora nos mesmos lugares, Mas são outras pessoas. São alienígenas infiltrados. Aparecem os heróis. Uma bióloga excêntrica e desiludida. Um repórter bêbado do jornal local. Um jovem xerife desconfiado e observador. Depois de vários engolidos e abduzidos, os heróis triunfam. Ufa! Vamos dormir.
Convenientemente assombrados pelo mal irreal e facilmente contornável, podemos nos acalmar e sonhar, desviando nossa atenção das ameaças nada fantasiosas e nada contornáveis do dia. Talvez tenhamos sonhos menos suaves, incomodados, quem sabe, pelos efeitos digestivos de pipoca, cerveja e sorvete, em ciclos repetidos e alternados. Não pelos monstros reais, que aguardam o amanhecer.
Se os males do mundo assim fossem, as pequenas cidades norte-americanas estariam hoje acomodadas nos braços de Hilary ou Kennedys – ou outros mocinhos. Só que não.
São essas mesmas cidades – com 50 ou 60 mil habitantes, algumas um pouco maiores – que agora se defrontam com outras ameaças, aranhas ou plantas carnívoras de novo tipo. São os gênios financeiros das corporações, fechando velhas unidades produtivas, de automóveis ou geladeiras, transferindo-as primeiro para o norte do México ou para Osasco e Pirituba, depois para o sul da China. Deixando no antigo sítio um vazio que não apenas se instala nos prédios, mas nas almas das pessoas. Os prédios ficam vazios. As pessoas, não. Elas buscam um outro enchimento. E encontram. Em outro tipo de aranha ou planta carnívora, aquele bicho que lhes promete o retorno do perdido: America First, Again. O brucutu de topete laranja.
Surpresa entre os mocinhos, que rangem os dentes para o recém-chegado, beneficiário do vazio e da reação furiosa. Mas tardam a perceber que esta resposta rancorosa é apenas o contraponto do vazio que haviam provocado eles próprios, os mocinhos. Eles se recusam a admitir a autoria do mal, porque o repetiriam se preciso fosse. Os globalistas do progresso.
É essa a estória que um observador mesmo distraído pode ler em dezenas e dezenas de reportagens sobre as cidades fantasmas dos Estados Unidos. Detroit, por suposto, é uma estrela maior. Mas dezenas e dezenas compõem a constelação – Janesville, Flint, Youngstown... um inteiro alfabeto, com direito a várias repetições. Os Estados do Meio Oeste são atingidos em cheio – eram o coração da indústria na metade do século XX. Mas o declínio pós-industrial é mais amplo e diversificado.  E faz surgir uma literatura em expansão – a trajetória triste e sem perspectiva da chamada white working class, heroína e beneficiária da era dourada da manufatura norte-americana. Não apenas Wisconsin, Michigan, Ohio, Filadélfia. Mas também o Kentucky e Louisiana. Ou toda a “América rural”, vítima de um esvaziamento material mas, também, de um rural brain drain de amplas e profundas consequências. O vazio é preenchido por desalento e vício, ressentimento e raiva crescentes.
É antiga, na análise política, a tentativa de explicar crenças e comportamentos politicos “extremados” e aparentemente contra-factuais, fantasiosos, com a figura psicológica (e psiquiátrica) da paranoia. Os riscos dessa analogia são muitos, mas os recursos heurísticos são inegáveis.
A estratégia paranoica – dos paranoicos e dos que se interessam em engendrá-los – é relativamente simples. Trata-se, primeiro, de gerar narrativas que, ao final das contas, “explicam o caos”, dão sentido às tragédias reduzindo o sentimento de auto-incriminação transferindo as culpas para bodes expiatórios convenientes e convenientemente aumentados em sua força e ameaça. A estratégia define um inimigo, modos de enfrentá-lo, apresenta a possibilidade de uma salvação.
Digamos que a paranoia de vez em quando acerta no alvo. Duas vezes por dia, um relógio quebrado dá a hora certa. Passei muitos anos com a paranoia de que era seguido e monitorado. O diabo é que em boa parte desse tempo isso era verdade...  Os paranoicos das pequenas cidades devastadas dos Estados Unidos acreditam em tudo que a ultra-direita diz sobre Hillary ou Obama. Mas... os correios de Hillary, registrando suas conversas com Wall Street, estão longe de “desconfirmar” todas as “calúnias”. E no que podem acreditar aqueles que perderam suas casas hipotecadas, na crise de 2009? Quando o socorro de Obama salvou os bancos e aumentou os prêmios de seus executivos? Ou quando Obama despejou milhões de dólares dos contribuintes para salvar a GM, em um plano de resgate que incluía... a transferência para o exterior dos empregos de quatro de suas grandes fábricas?
Deixando em suspenso o juízo sobre o fundo de verdade das paranoias, o que se deve entender, antes de tudo, é o impacto dessa coisa nas almas dos brutos. Uma vez, em livro memorável, Karl Polanyi comentou:
".. uma calamidade social é basicamente um fenômeno cultural e não um fenômeno econômico que pode ser medido por cifras de rendimentos ou estatísticas populacionais.(...) a Revolução Industrial [foi] um terremoto econômico que em menos de meio século transformou grandes massas de habitantes do campo inglês de gente estabelecida em migrantes ineptos. Todavia, se desmoronamentos destrutivos como esses são excepcionais na história das classes, eles são uma ocorrência comum na esfera dos contatos culturais entre povos de raças diferentes. Intrinsecamente, as condições são as mesmas. A diferença está principalmente no fato de que uma classe social é parte de uma sociedade que habita a mesma área geográfica, enquanto o contato cultural ocorre geralmente entre sociedades estabelecidas em diferentes regiões geográficas. Em ambos os casos o contato pode ter um efeito devastador sobre a parte mais fraca. A causa da degradação não é portanto a exploração econômica, como se presume muitas vezes, mas a desintegração do ambiente cultural da vítima. O processo econômico pode naturalmente fornecer o veículo da destruição, e quase invariavelmente a inferioridade econômica fará o mais fraco se render, mas a causa imediata da sua ruína não é essa razão econômica – ela está no ferimento letal infligido às instituições nas quais a sua existência social está inserida. O resultado é a perda do auto-respeito e dos padrões, seja a unidade um povo ou uma classe, quer o processo resulte do assim chamado "conflito cultural" ou de uma mudança na posição de uma classe dentro dos limites de uma sociedade" (A grande transformação – as origens de nossa época)
Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes é professor aposentado, colaborador na pós-graduação em Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. É também coordenador de Difusão do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre Estados Unidos (INCT-Ineu). Seus livros mais recentes são: “O Peso do Estado na Pátria do Mercado – Estados Unidos como país em desenvolvimento” (2014) e “Educação Superior nos Estados Unidos – História e Estrutura” (2015), ambos pela Editora da Unesp.
Publicado originalmente no Jornal da Unicamp


 
por Reginaldo Moraes
O que é bom para a General Motors é bom para os Estados Unidos. A frase é conhecida e controversa. Teria sido pronunciada por um grande executivo da GM, quando guindado a posições de Estado. Alguns dizem que não foi dita – pelo menos não desse modo. O certo, porém, é que a sentença seguiu o que Fernando Pessoa atribuía aos mitos: escorreu para a realidade e a fecundou. Durante décadas, aquilo que ocorria com a GM marcava o país e sinalizava seus passos. Esse movimento “para cima” tem seu equivalente na baixa. É o que ocorre com as polêmicas sobre declínio da manufatura e seus efeitos deletérios.
O tema da desindustrialização dos Estados Unidos gerou enorme literatura – dos mais variados campos, explorando também variados aspectos, dos mais profundos (e polêmicos) fatores causais até os mais dramáticos efeitos. Em junho de 1980, a Business Week já publicava número especial chamado Reindustrialização da América.  Um estudo de fôlego, pioneiro e talvez o mais citado, foi escrito por Bennett Harrison e Barry Bluestone em 1982 – The Deindustrialization of America: Plant Closings, Community Abandonment, and the Dismantling of Basic Industry. O subtítulo resume o encadeamento dos fatos. Ainda restaria por perceber e por analisar o enorme conjunto de efeitos paralelos no terreno psicossocial e ideológico, bem como nos comportamentos e alinhamentos políticos. Algo que, como dissemos, ecoaria na enorme literatura sobre os desmanches do american dream.
Alguns nomes e siglas simbolizam tal mudança. Imagens também. Na lendária cidade do aço, Pittsburgh, as torres da antiga siderúrgica sobreviveram ao desmanche das forjas – hoje fazem a decoração do pátio de estacionamento de um grande centro comercial. À noite, são iluminadas como árvores de natal.
As transformações no mundo corporativo trocam os nomes dos personagens relevantes. No imediato pós-guerra, a GM era o maior empregador nos Estados Unidos. Hoje é o Wal-Mart. A General Electric, de gigante manufatura, transformou-se em mesa de operações financeiras. Uma empresa símbolo da inovação americana – Apple – pode ser muita coisa, menos “americana”, uma vez que abriu mão da cidadania original. Hoje é uma empresa com passaporte das Bahamas.
E isso diz muito em muitos sentidos. Mas em um deles dói mais. A mudança brutal em inteiras comunidades. As máquinas desativadas resultam em almas vencidas.
A transformação tem impactos também muito visíveis no desmonte do peculiar welfare statenorte-americano, peculiar porque esse welfare é bem pouco state, é basicamente privado.  Graças à propagação do famoso Acordo de Detroit, do começo dos anos 1950, as empresas norte-americanas se transformaram no canal de realização do chamado sonho americano: um emprego relativamente estável, com salário periodicamente reajustado, promoções na carreira, plano de saúde, previdência complementar. Já houve tempo em que o velho operário da linha da GM, aposentado e acomodado, via seu filho, com a mesma perspectiva, o mesmo futuro. Só que não, mais uma vez – tudo é incerto nesse quadro outrora estável.
Escolhemos alguns retratos desse drama, numa literatura tão fértil. Dois livros que giram, precisamente, em torno da lendária e emblemática General Motors.
O primeiro deles é de Jeffrey S. Rothstein – When Good Jobs Go Bad: Globalization, De-unionization, and Declining Job Quality in the North American Auto Industry (Rutgers University Press, 2016).
Lembra ele que, ainda no começo dos anos 2000, os utilitários da GM (os SUV) eram montados em três plantas. Duas delas no território americano – Janesville (Wisconsin) e Arlington (Texas).  A terceira ficava no norte do México (Silao). Outras plantas da GM se dedicavam a outros modelos.
A fábrica de Silao foi aberta em 1994, em um “campo verde”. Uma fábrica criada a partir do zero e com desenho alegadamente mais moderno, numa área antes sem indústria. Silao era uma cidade de 60 mil habitantes, transformada pelo governo provincial em um centro de exportação. Cerca de 90% dos carros eram postos em trens e mandados para os Estados Unidos.
A fábrica de Janesville era de 1919. Inicialmente montava os tratores Samson, também da GM. A planta foi várias vezes reformada – e fechada em 2008, quando caiu o mercado para os utilitários SUV. Tinha uns 3.500 horistas. Janesville era uma cidade do mesmo tamanho de Silao e grande parte de seu oxigênio vinha da GM.
A migração para o México marcou toda a indústria automotiva. Na primeira metade dos anos 1980, as três maiores montadoras americanas (GM, Ford, Chrysler) abriram fábricas no Norte daquele país, que quase se transformou em uma 51ª estrela na bandeira ianque, mesmo antes do famoso acordo de integração (NAFTA, 1992).
Do final da Guerra até o fim dos 1960, a venda de automóveis cresceu rapidamente nos Estados Unidos – de dois milhões para nove milhões de carros por ano. Em parte, por conta da abertura das estradas federais – uma rede impressionante, como indiquei em outro artigo – https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Soberania-Nacional/A-batalha-dos-caminhoneiros-Nos-Estados-Unidos/46/40414
Outro fator relevante foi a suburbanização acelerada do país, graças à facilidade de crédito imobiliário (as famosas hipotecas…).
No final dos anos 1960, apenas uns 15% dos autos eram importados (Volkswagens, sobretudo). O resto: GM (45%), Ford (25%), Chrysler (15%). Entre 1972 e 1980, a importação de carros cresceu desses 15% para 27%. E os japoneses já respondiam por 20% do total de vendas de autos no país. Invasão amarela, não vermelha.
As montadoras estrangeiras expandiram suas plantas principalmente nos Estados do Sul, aqueles que tinham baixa sindicalização e muitos benefícios atraentes – Toyota, Honda, Nissam, BMW, Mercedes, Volkswagen, Hyundai, Kia. Em 2008, já eram treze marcas.
O deslocamento geográfico (do Meio-Oeste para o Sul) e o crescimento das estrangeiras (também no Sul) resultaram em um novo mapa e em uma tragédia associada.
A indústria automotiva empregava quase 670 mil horistas em Detroit, ainda em 1978. Em 2003, esse número caiu para 275 mil. E cairia outros cem mil nos cinco anos seguintes. Muitos viam com olhos cândidos a mudança – uma nova forma de produção, mais moderna flexível, inteligente e ‘humana”. Bom, e por que então ela buscava e cultivava as áreas “livres de sindicatos”?
As três fábricas da GM, diz Rothstein, eram “organizadas a partir de rotinas e coreografias cuidadosamente padronizadas”. A badalada “produção enxuta” não era bem o que se cantava. Rigorosamente, a comparação mostrava que, de fato, o taylorismo apenas se fantasiava e migrava para outras regiões, para plantas e máquinas mais modernas. Relações de trabalho, nem tanto.
Os “ciganos da GM” vagavam pelas cidades. Em todas elas, uma regra seguia constante, independente do discurso da ‘reestruturação flexível”:  o trabalhador deve estar “em movimento” 55 segundos em cada minuto. Sim, isso mesmo. É como nadar durante oito horas – com descansos de respiro de cinco minutos a cada hora.
O segundo ato do drama é escrito por Amy Goldstein – Janesville: An American Story (Simon & Schuster, 2017).  O livro também descreve a migração das plantas da GM, mas acentua seus efeitos sociais, que talvez possam ser sugeridos por este parágrafo:
“Para compreender a tristeza, raiva e desconfiança que está modelando a política dos Estados Unidos, olhemos para Janesville, Wisconsin. Quando foi fechada a mais antiga linha de montagem da GM do país, as velhas certezas morreram com ela”.
No livro, ela conta como isso ocorreu. Soa quase como uma fábula. Pelo fato de parecer irreal e pelo fato de ser “instrutiva”.
Janesville pode ser lembrada, talvez, como a cidade onde nasceu uma famosa caneta-tinteiro – outra lembrança do passado. A Parker Pen Company botou Janesville no mapa do mundo. A GM instalou-se ali e inaugurou uma viagem por esse mapa, criando aquilo que já foi chamado de “GM gipsies” – os ciganos da GM, os trabalhadores que viviam “acampando” onde a empresa montava suas plantas.
Em 1986, por exemplo, uma das linhas de montagem foi transferida para Fort Wayne, Indiana. Os trabalhadores deviam escolher: migrar ou dançar. Uns 1.500 migraram. Hoje existe um grupo no Facebook – o Janesville Wisconsin GM Transfers.  Uma postagem de março 2017 mostra o surreal da cena:
“Hoje em Fort Wayne, falei com alguém de Arlington que ouviu de alguém de Lordstown que ouviu de alguém de Wentzville que está ligado com alguém de Lansgind que ouviu a respeito de um vidente de Detroit que contatou Elvis. E Elvis disse que ouviu de uma fonte confiável lá de cima que no dia em que o inferno congelar, a GM vai reabrir a fábrica de Janesville. Provavelmente apenas um boato”.
Sim, boato, pois em 2015 a fábrica de Janesville fechara completamente. Em 2016, de certo modo, a região virava uma espécie de vitrine do que ocorria em muitos outros centros industriais (ou ex-industriais) do país. Por isso a “tristeza, raiva e desconfiança que estão modelando a política norte-americana”
Goldstein reitera que Janesville tem, nas eleições de 2016, aspectos da polarização que marcou essa disputa. Inesperadamente, o Estado de Wisconsin pendeu para o Partido Republicado pela primeira vez em 32 anos.
De fato, em várias regiões do Estado, o que ocorreu foi uma vertiginosa queda da participação eleitoral – e do lado dos democratas. Hilary teve dez pontos percentuais a menos do que Obama, quatro anos antes. E Obama já havia caído, comparado com a primeira eleição. Muitos “vira-casacas” e, sobretudo, muita abstenção de antigos eleitores democratas. Contribuiu para esse movimento aquilo que aconteceu com a GM e o modo como os políticos do partido democrata responderam à coisa.
A GM que mudou para Arlington e, depois, para o norte do México, não mudou tanto suas linhas e seus métodos de trabalho. Mas mudou o quanto paga de impostos e taxas. E se livrou dos sindicatos. Ora, como prêmio de bom comportamento, Obama lhe deu milhões e milhões. O plano de “resgate”? Importar mais, ao invés de produzir nos Estados Unidos, com trabalhadores americanos. Como é que o Partido Democrata espera que isso seja entendido pelos seus eleitores de base sindical? Ou pelo comércio que sobrevive em torno das fábricas? Razão para que muita gente deixe simplesmente de votar. E para que, de repente, mas nem tanto, a mensagem demagógica de um republicano esquisito soe como algo esperançoso para alguns desses órfãos.
Repetindo: as casas e galpões industriais podem ficar vazios, as almas, não.
Publicado originalmente no Jornal da Unicamp
 
por Reginaldo Moraes
Nos artigos iniciais desta série, mostramos alguns flagrantes da chamada desindustrialização da América. O doloroso processo começa com a migração das plantas fabris e dos empregos localizados em antigas cidades industriais do Nordeste e Meio-Oeste. Eles vão para os Estados do Sul, primeiramente, depois para o México e para a Ásia. Essa migração dependeu de vários fatores. Um deles, incentivos federais que visavam descentralizar a produção de artefatos de interesse militar. O Gunbeltvai se deslocando para o Sunbelt – como mostra o instigante estudo organizado por Ann Markusen, The Rise of the Gunbelt – the Military Remapping of industrial América (Oxford University Press, 1991). Em parte por alguma coincidência, essa área também é o Bible-Belt, a concentração da direita religiosa.  O governo federal oferece incentivos para reconfiguração do complexo industrial-militar. Os governos estaduais ampliam a guerra fiscal e atraem indústrias – com redução de tributos e taxas, crédito, terrenos. E com leis especiais – aquelas que dificultam ou mesmo impedem a instalação de sindicatos. E qual o papel do Bible- Belt? Entre outros aspectos, o domínio do protestantismo mais conservador era fundamental para apoiar a resistência aos sindicatos e, também, as políticas públicas mais progressistas. E os evangélicos batistas do Sul, a maior denominação religiosa do país, tinha sido conquistada por uma visão extremadamente pró-business.
A desindustrialização era também ajudada por outros fatores. Não apenas empregos eram deslocados para o Sul e, depois, para fora do país. O regime geral de outsourcing fragmentava as corporações (e as categorias profissionais), terceirizava diversas ocupações. E a automação reduzia o pessoal exigido pela produção, além de tornar mais viável esse deslocamento em cadeias fragmentadas.
Sherry L. Linkton vê esse fenômeno sob um ângulo menos usual, a da literatura produzida pela e sobre a classe trabalhadora. Linkton utiliza a expressão “meia-vida da desindustrialização “ [The Half-Life of Deindustrialization: Working-Class Writing about Economic Restructuring, University of Michigan Press, 2018].
Meia-vida é uma fórmula verbal utilizada para descrever o período em que o medicamento fica no corpo, produzindo efeitos, diretos ou colaterais, desejados ou indesejados.  A desindustrialização também tem sua meia-vida. Sua influência pode se desmanchar lentamente, mas permanece poderosa e não pode ser simplesmente esquecida ou ignorada, diz Linkton:
“Juntamente com a perda e mutação dos empregos, a deterioração dos ambientes é uma característica definidora da Meia-Vida da desindustrialização. Em cidades e vilas em todo o cinturão da ferrugem e em outros lugares, as pessoas vivem em meio a lojas fechadas, fábricas abandonadas, casas em ruínas e espaços vazios que ainda trazem à mente o amigo de infância que viveu em uma casa agora demolida ou a grande fábrica que costumava ocupar o que agora é um campo vazio.”
Os custos sociais da industrialização são muitos e variados, incluindo o “declínio populacional, a degradação dos edifícios e da infraestrutura, o lixo tóxico, o desemprego de longa duração, problemas de saúde física e mental, altas taxas de dependência de drogas assim como de suicídios, descrença nas instituições e ressentimento político.”
E a política do ressentimento é algo que certamente nos vêm à memória quando olhamos os mapas eleitorais da vitória de Trump – sua votação em pequenas cidades e localidades rurais. Afinal, nos Estados Unidos, há cerca de 18 mil pequenas localidades, 14 mil na zona rural. E uma outra coleção de cidades um pouco maiores, que vivem em torno de uma ou de meia dúzia de fábricas.
Robert Wuthnow  [The Left Behind  – Decline and Range in Rural America, Princeton University Press, 2018] registra o drama:
A indignação moral da América rural é uma mistura de medo e raiva. O medo é que aqueles modos de vida das pequenas cidades estão a desaparecer. A raiva é que eles estão sob cerco. (…) Escolas estão fechando, empresas estão partindo e empregos estão desaparecendo.”
É o que acontece quando a única planta industrial da cidade desaparece, uma vez que a empresa foi deslocada para o México.
À degradação das cidades médias se soma, então, a degradação do mundo rural. E neste último, ainda um fenômeno cresce como erva daninha: uma espécie de brain drain , descrito por Patrick J. Carr e Maria Kefalas em  Hollowing out the middle: the rural brain drain and what it means for America [Beacon Press, Boston, 2009]. Dizem eles:
“O que está acontecendo em muitas pequenas cidades – a perda devastadora de jovens educados e talentos, o envelhecimento da população e a erosão da economia local – tem repercussões muito além do seu limite.”
Assim, o interior do país vê a cidade grande sugar seus médicos e engenheiros, empresários e professores.  O êxodo dos jovens, sobretudo. A desindustrialização não esvazia apenas a cidade média construída em torno das manufaturas, com a geração de hiper-guetos. Ela origina uma crise rural também. Seus sintomas são quase uma síndrome. Ao lado da óbvia desagregação das famílias, a escalada do crime e da dependência de drogas. Nesses quesitos, no início do novo milênio, Estados como Kansas e Nebraska alcançavam índices 50% mais altos do que o Estado de Nova Iorque. Em 2004, a divisão de Narcóticos desbaratou nada menos do que 1500 laboratórios de metanfetamina em Iowa, o segundo mais alto número de qualquer Estado do país, atrás apenas do Missouri.
A marcha da desgraça tinha história. Mostrara seus dentes já no final dos anos 1970. Na década de Reagan, foi acelerada por uma nova onda de automação, pelas reformas macroeconômicas (privatização e desregulamentação) e pela reengenharia das empresas. Seguia o rastro de uma escalada de fusões e aquisições, as tais compras alavancadas por débito e fundos podres. Conglomerados eram adquiridos e esquartejados. Empregos evaporavam ou eram transplantados para áreas do chamado trabalho livre (sem sindicatos) – nos Estados do Sul, no México, na Ásia. No final dos anos 80, Bush (pai) iniciava a contratação do Nafta, o acordo de livre comércio entre Canadá, Estados Unidos e México. O acordo foi, afinal, consolidado por Clinton, contra a resistência dos sindicatos, um confronto duro.
O olhar disparatado dos especialistas
Pois no meio desse processo desencadeou-se com alarde um estranho debate, criativo e estrábico ao mesmo tempo. Uma porção de analistas, de mais diferentes filiações e vínculos, diagnosticava o mal estar das atividades produtivas: a falta de educação adequada nos trabalhadores. Skills shortage eskills mismatch eram os termos da moda – empregos existiam, mas os norte-americanos estavam mal treinados para ele, era o que se costumava dizer, com prodigiosa menção de números e estudos de caso convenientemente selecionados. O engraçado é que os empregos (majoritariamente blue-collar, manuais) estavam sendo deslocados para áreas que dificilmente poderíamos chamar de bem dotadas de treinamento e educação.
O debate era ambíguo, como dissemos, criativo e vesgo. Gerou estudos sofisticados sobre problemas reais e candentes – a falta de foco da escola média, a inexistência de programas de treinamento profissional (como a apprenticeship alemã), a ineficiência dos métodos tradicionais de ensino. Ao mesmo tempo, distorcia significativamente o problema de fundo das transformações da base produtiva. Essa operação acabava por gerar um famoso efeito: culpabilizava a vítima. Empregos existem, os trabalhadores é que estão mal preparados – reza a cartilha apreciada por líderes empresariais e políticos “globalistas”. Bem verdade que os estudos culpavam também as instituições, mas a mensagem de massa era clara: cabe a você, desempregado, investir em sua formação.
Toda essa discussão parecia depender de uma avaliação bastante enviesada da “mudança radical”, da mãe de todas as mudanças. A rigor, a grande migração e os efeitos polarizadores da automação eram amplamente superados, nas análises, pela avaliação das escolas e métodos. Essa nova versão do evangelho pedagógico transformou-se quase em um discurso automático – atravessava dezenas de relatórios, comissões de especialistas, governamentais, para-governamentais ou puramente privados.
Em 1989, por exemplo, surgia um desses memoráveis estudos, produzido pela Commission on Industrial Productivity do MIT. Apontava para os “novos padrões de organização do local de trabalho”, padrões anunciados pelas pioneiras corporações japonesas. Eles “distanciam-se em quase todos os aspectos do sistema de produção em massa de Detroit”. Alegava o relatório que esses novos modelos exigiam “a criação de uma força de trabalho altamente qualificada”. Logo em seguida, comissões e mais comissões iam nesse rumo, alertando, ainda mais, que o novo desenho produtivo daria mais responsabilidade aos trabalhadores do “chão de fábrica”. Eles teriam que receber treinamento avançado para tomar decisões igualmente avançadas, complexas. Os novos trabalhadores precisam ser flexíveis, criativos, educados – eles seriam “empoderados” e chamados a “colaborar” nos novos empregos “enriquecidos”.  Essa era a tônica dos gurus da moda, inclusive das consultorias “especializadas” que não conseguiam sequer treinar seus especialistas para escaparem da derrocada.
A canalização dos desesperos
A cacofonia do debate mostra os limites da análise e dos analistas, suas viseiras ideológicas. Parece indicar que são bem distribuídos os efeitos deletérios da desindustrialização, manifestações de sua meia-vida. Não atingem apenas os que trabalham com as mãos. Aprisionam aqueles que dizem operar com o cérebro. Isso certamente não se deve à fragilidade dos neurônios – estamos falando de gente altamente qualificada, estudiosos de alto coturno. Mas há uma força da gravidade – um conjunto de determinantes sociais – que limita a sua visão.
Parece que mais uma vez sobra razão para a frase do assessor de Clinton: “é a economia, estúpido”. Economia, em sentido amplo, é aquele espaço em que os interesses se revelam, se reconhecem e conflitam. E a política é aquele terreno em que tais conflitos são levados às últimas consequências. Os intelectuais mergulham nesse mar de aporias e problemas sem solução – o debate patina, mas é relativamente inofensivo. Mais abaixo, as “soluções” são ainda mais confusas e perigosas. E quais são?
O já referido livro de Wuthnow pode nos ajudar a perceber tais efeitos sombrios, quando aponta que o vazio das fábricas cria o clima fértil para a política do ressentimento:
“Quando a poeira assentou, após a amargamente disputada campanha presidencial de 2016, analistas se esforçavam para achar sentido nos resultados. Uma das conclusões mais claras era que as comunidades rurais votaram esmagadoramente no candidato republicano. Era difícil alguém afirmar que o voto rural havia decidido a eleição. Mas as diferenças entre os resultados rurais, urbanos ou suburbanos foram marcantes. As pesquisas mostraram que 62% dos votos rurais foram para Donald Trump, comparado com o índice de 50% dos votos suburbanos e apenas 35% do voto urbano. Outra evidência demonstrava  que os eleitores rurais cada vez mais se tornaram republicanos, em cada uma das duas eleições anteriores”
Considerando o quadro que buscamos desenhar, isso não é tão surpreendente, pois não? E os eleitores mais diretamente identificados com a “base industrial-urbana”, que rumo tomaram? Bem, essa é uma outra estória, que fica para uma outra vez.

Publicado originalmente no Jornal da Unicamp

Igor Grabois: Guerra híbrida agora se volta para eleger Geraldo Alckmin



Reprodução de vídeo

28 de julho de 2018 às 14h20
Por Igor Grabois, especial para o Viomundo
O mundo passa por uma nova revolução tecnológica.
Crescentemente, serviços são realizados online, a produção se torna mais flexível em sua cadeia de suprimentos e de apoio, as comunicações em tempo real são a norma.
Novas formas de produzir e obter informações habitam o nosso cotidiano.
Esse processo, comumente chamado de indústria 4.0, impacta as relações internacionais e a política.
E traz novas formas de atuação diplomática e militar.
O conceito de guerra híbrida foi formulado em 2010 por estrategistas estadunidenses.
Nesse conceito os combates convencionais, envolvendo tanques, aviões, mísseis, são apenas uma faceta da guerra, cada vez menos frequente.
Ganha importância a guerra da informação, em um desdobramento muito mais complexo do velho mote das operações psicológicas.
As novas tecnologias da informação, baseadas na internet, permitiram um novo raio de ação na disputa de corações e mentes entre os povos dos países que a estratégia dos EUA chama de “potências hostis”.
A guerra híbrida é, em essência, uma guerra cibernética, não apenas para a destruição de sistemas e infraestruturas digitais.
Mas com uma ampla gama de ações táticas nas mídias digitais: espalhando boatos, estimulando bolhas de opinião, alimentando culturas de ódio e criando um ambiente hostil para a ação política de governos e partidos tidos como inimigos.
Seu objetivo é a ruptura do tecido social, da coesão nacional e da vontade de resistir.
As chamadas primaveras árabes e a atual situação da Ucrânia são exemplos dessa nova forma de guerra.
O Brasil é alvo de uma estratégia de guerra híbrida.
Envolveu a cooptação de membros do judiciário, a criação de grupos de extrema-direita financiados por ONG’s ligadas à comunidade de informações e aos altos círculos financeiros dos EUA, a utilização da mídia tradicional e das mídias digitais em larga escala, como o Facebook e o Whatsapp.
Esses ataques cibernéticos remontam ao ano de 2012, em uma espécie de evento-teste, como boatos como o fim do Bolsa-Família.
Se intensificaram em 2013, tiveram um recrudescimento nas eleições de 2014 e atingiram seu ápice em 2016, nas semanas que precederam o impeachment.
Esses movimentos foram captados pelos serviços de inteligência da Turquia e da Rússia, pelo que se tem notícia.
O resultado é conhecido. A iniciativa dos BRICS implodiu, quando os países-membros preparavam um sistema financeiro alternativo ao FMI e ao Banco Mundial.
As iniciativas da UNASUL e do CELAC também foram paralisadas.
O Brasil perdeu toda, simplesmente toda, influência na África e na América do Sul.
Os aliados do Brasil estão sendo perseguidos e presos em seus países.
O país tem as suas principais empresas ameaçadas de desnacionalização.
Nossas riquezas naturais, em especial o petróleo do pré-sal, alvo de saque de capitais especulativos.
O país foi expulso dos setores do comércio internacional em que se destacava, como proteína animal e serviços de engenharia.
A indústria é destruída de maneira deliberada. Ao povo, miséria e desemprego.
O Japão e Alemanha tiveram um tratamento bem melhor durante a ocupação após a segunda guerra.
O Brasil foi derrotado sem que se disparasse um único tiro.
Essa obra não seria possível sem a colaboração de uma parcela das classes dominantes brasileiras, que se consideram parte de uma elite internacional, sem nenhum tipo de compromisso nacional.
E contou com uma estratégia política e de comunicação muito bem planejada e financiada.
A guerra híbrida ainda não chegou à sua conclusão.
A operação cibernética continua em ação, não apenas por parte dos círculos anglo-americanos.
O atual objetivo é evitar que o povo eleja um governo popular e nacionalista. Há ações de interferência nas eleições de 2018.
Deve-se lembrar que mais de 70% do tráfego da internet brasileira passa fisicamente por território estadunidense.
A informação, cada dia mais, chega aos brasileiros mediada pelos gigantes Google / YouTube e Facebook / WhatsApp.
O debate da sucessão presidencial se iniciou tão logo Dilma foi derrubada. Desde então diversas candidaturas forma lançadas e retiradas.
A cada protótipo de candidato apresentado, dados foram registrados, comportamentos e reações foram observados a partir da interação nas redes.
Os dados processados são utilizados para embasar estratégias políticas e de comunicação das candidaturas do campo conservador.
Querendo ou não, contribuíram para isso a quase candidatura de Luciano Huck e a aventura de Bolsonaro.
Esse esforço irá desaguar no candidato escolhido pelo capital financeiro e seus aliados internacionais: Geraldo Alckmin.
Frente a esse aparato, as forças de esquerda se encontram despreparadas.
Quantos ativistas, bem-intencionados, não colaboraram para a popularidade digital de Bolsonaro?
A barbaridade de suas declarações era dirigida justamente a esse público que, cedendo ao apelo irresistível da crítica e compartilhamento, gerou enorme alcance de suas mensagens de forma gratuita.
O arsenal de cascas de banana digitais é extenso: pesquisas falsas, tretas entre forças de esquerda alimentadas por páginas e perfis de direita, movimentos de bloqueio de opiniões divergentes consolidando núcleos duros, mitos do tipo “pobre de direita” etc.
Assim se cria um isolamento digital que se configura em um isolamento real.
Isso porquê a atuação nas redes não é estanque da esfera offline, a vida vivida.
É parte da dinâmica social do atual estágio do desenvolvimento capitalista.
Essa assertiva vale tanto para o campo da esquerda quanto para as forças da reação.
A interação social pela internet reflete o que há de mais avançado na formação social capitalista e, cada vez mais, condiciona as demais mídias.
Não é mais possível fazer política de modo eficaz sem dominar a linguagem e mecânica das redes.
A tarefa dos brasileiros é recuperar o nosso país. Essa tarefa é de largo fôlego.
Passa pela vitória das forças populares as eleições de 2018 e pela reconstrução do tecido social brasileiro esgarçado pelo regime golpista.
Envolve a elaboração de programas capazes de mobilizar a população, pela articulação política e por medidas operacionais que levem em conta as novas arenas de luta.

Brasil: um país sem futuro, por Aldo Fornazieri.

Arte Banksy
Brasil: um país sem futuro
por Aldo Fornazieri
Ao se estudar a história particular de cada país se verá uma variedade de situações e de circunstâncias que aproximam algumas e distanciam outras. Uma dessas situações diz respeito ao fato de que alguns países são inovadores, conseguem superar as condicionalidades de um passado difícil e se modernizam com igualdade, justiça e progresso, enquanto que outros não conseguem se desenvolver e permanecem prisioneiros das determinações do passado e se tornam cativos da desigualdade, das injustiças e do atraso. O Brasil, certamente, é do segundo tipo. Aqui o passado determina o presente e bloqueia o futuro e os mortos governam os vivos.
O mais provável é que existam muitas razões para o triunfo do atraso e das determinações  do passado no Brasil. Aqui, apontar-se-á apenas uma: o problema da fundação, da gênese. Maquiavel, ao estudar o grande historiador de Roma antiga, Tito Lívio, assevera que as repúblicas mal fundadas tendem a permanecer extraviadas ao longo dos séculos, como que buscando um caminho na escuridão, e procuram encontrá-lo através da promulgação de um cipoal infindável de leis, pensando que estas podem consertar a realidade, mas que sequer entram em vigor. As décadas e os séculos passam sem que esta república encontre a sua verdade, sem que o povo esteja ao abrigo das misérias humanas e sem que a justiça, a igualdade e a liberdade sejam frutos acessíveis para a generalidade das pessoas.
Ainda de acordo com Maquiavel, com base em Tito Lívio, as repúblicas bem fundadas são aquelas que nascem de um ato de terror fundante, no qual, o arbítrio dos mais fortes é passado no fio da espada para fundar a validez da lei originária, alicerçada nos princípios da igualdade e da justiça. De tempos em tempos, esse ato precisa ser renovado com a punição exemplar daqueles que tentam violar ou corromper estes princípios. Sem este ato, os mais fortes não terão freios e exercerão o arbítrio, a dominação e a violência sobre os mais fracos.
Maquiavel vê atos de terror fundante exemplares em Moisés, quando desceu do monte Sinai e mandou passar no fio da espada 22.200 homens por terem implantado a desordem; em Ciro, ao se revoltar contra os medas e fundar o império Persa e em Rômulo, ao matar Remo para garantir a fundação e a segurança de Roma. Modernamente podemos ver esses atos nas Guerras de Independência  e de Secessão dos americanos, na Revolução Francesa, na Revolução Cubana e assim por diante.
Na história do Brasil, o poder político e suas formas constitucionais e jurídicas sempre foram produtos do trabalho usurpador das elites econômicas e políticas e expressão de seus interesses. Em nenhum momento dos processos fundantes desse poder o povo foi partícipe enquanto sujeito e sempre teve seus interesses e direitos excluídos dos arranjos legais e constitucionais que se efetivaram ao longo do tempo. Notadamente, a Independência se revestiu de uma transformação perpetrada por segmentos que representavam os interesses da metrópole e a Proclamação da República assumiu o caráter de um golpe do qual, o povo, bestializado, nos termos de Aristides Lobo, não participou e sequer compreendeu o seu significado.  
No Brasil, o povo nunca foi soberano, a lei nunca foi igual, a democracia nunca existiu para a grande maioria das pessoas pobres. As tentativas de refundar o fundar o Brasil, primeiro com Getúlio Vargas e, depois, com Lula, foram atacadas pela ação corrosiva das elites, por guerras políticas sem escrúpulos e sem quartel, pela violência, pela traição e por golpes que visaram perpetuar a ordem da dominação do passado, manter o presente do povo na miséria e interditar o futuro.
Se o Brasil é um país sem presente por conta de todos os males que assolam o povo - desemprego, falta acesso aos serviços de saúde, falta de educação, salários baixos, falta de cultura e de lazer, pobreza, preconceitos, falta de direitos, violência etc. - os dados da Revisão 2018 da Projeção da População do Brasil, divulgados na semana passada pelo IBGE, confirmam que o país não terá futuro.
O presente do Brasil é trágico, sem dúvida. Mas o seu futuro poderá ser ainda mais trágico. O país está envelhecendo de forma mais rápida do que se pensava. Em 2039, o número de pessoas com mais de 65 anos será superior ao número de crianças e jovens com menos de 15 anos. Em 2060, uma de cada 4 pessoas terá mais de 65 anos.
O problema é que o bônus demográfico evaporou: os jovens de hoje envelhecerão sem oportunidades, sem emprego, sem qualificação, sem poupança e, provavelmente, uma previdência razoável. Serão velhos, pobres e sem assistência e sem direitos. Os jovens de hoje e o sistema de trabalho de hoje não estão nem bancando sequer a previdência de hoje. O Brasil ocupa o sétimo lugar entre os países que mais matam jovens no mundo. Em todos os sentidos, o Brasil está queimando, dissipando, o seu futuro. Os jovens mesmo estão dominados pela ideologia do consumo. Não poupam e não se previnem. Não imaginam que amanhã poderão cair e que ninguém lhes dará a mão para se levantarem.
O Brasil está envelhecendo sem a  infraestrutura adequada para o progresso e sem a infraestrutura para a velhice. As cidades, os transportes, o sistema de saúde, o sistema previdenciário, a mobilidade urbana, as estruturas de comércio, nada está preparado para um país com forte presença de pessoas idosas. Sequer níveis satisfatórios de saneamento básico existem.
O pior de tudo é que, a partir do golpe, o Brasil está andando para trás. O governo e o Congresso golpistas estão empenhados em destruir políticas e programas que vinham contribuindo com a redução da pobreza e com a sustentabilidade ambiental. Governo e Congresso estão dominados por grupos criminosos, a exemplo do agronegócio, grupo que não tem nenhuma consideração com a dignidade humana e com a sustentabilidade ambiental, com o futuro dos brasileiros e com os brasileiros do futuro.
As diferenças entre ricos e pobres se tornam cada vez mais abissais, tenebrosas, terríveis. As exclusões históricas, de raça, de gênero etc., se aprofundam e políticas inclusivas, ou são extintas ou têm os recursos calcinados. Se as pessoas pobres já não tinham acesso a hospitais, hoje não têm acesso a médicos. Vivem doentes e morrem sem atendimento. Estamos entre os países mais violentos e desiguais do mundo. O Brasil está sob a égide de elites econômicas e políticas criminosas, perversas, cruéis.
Um dos poucos brasileiros que tem a força, a coragem e a sensibilidade para bloquear esse processo de destruição do presente e do futuro do Brasil está preso em Curitiba. Os interesses que prenderam Lula e que querem impedir que ele seja candidato à presidência da República são os interesses que massacram o povo, que espezinham a sua dignidade, que decepam o seu presente e o seu futuro.
O povo precisa alimentar um temor terrível dessa monstruosidade que está sendo feita contra ele. Este temor, que deve ser o temor pela vida desgraçada que leva à morte, precisa despertar a clarividência da razão. Da razão que ilumina e que desperta a consciência de que não há motivo para não lutar. Aliás, de que o principal motivo da vida, agora, é lutar. E aqueles que têm consciência precisam fazer apelos por corações irados, por organizações de irados, pela força de gente irada. As lideranças precisam fazer apelos pela indignação e pela fúria. É preciso organizar a fúria. Não dá para tratar com bons modos uma elite que trata o povo com brutalidade.
Os métodos tradicionais de luta não comportam mais a urgência de um agir mais contundente e corajoso. A vastidão da tragédia do povo brasileiro deve ser o metro das novas lutas. E que essas lutas, entre outras coisas, sejam capazes de arrancar Lula dos calabouços de Curitiba. É preciso consolidar a ideia de que se não querem deixar que o governo legitimamente eleito de Lula dê ao povo o que é direito seu, o povo tem o direito de buscar o que é seu com suas próprias mãos.
Aldo Fornazieri - Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP).
 

Marcuse e o inimigo íntimo da esquerda brasileira, por Fábio de Oliveira Ribeiro.




Por Fábio de Oliveira Ribeiro
“O inimigo é o denominador comum do que é feito e desfeito. E o inimigo não é o mesmo que o comunismo e o capitalismo atual – é, em ambos os casos, o espetro real da libertação.” (Ideologia e Sociedade Industrial, Herbert Marcuse, p. 65)
Hoje faz 39 anos que Herbert Marcuse saiu da história sem, entretanto, ter saído de nossas vidas. No Brasil, país independente que paradoxalmente luta para se transformar numa colônia norte-americana, as observações da sociedade industrial continuam extremamente atuais.
Durante quase duas décadas, a direita brasileira definiu o seu inimigo como sendo a apropriação do Estado pelo PT. Como não conseguiu destruir a legitimidade do partido criado por Lula, ela passou a se esforçar para destruir o próprio Estado brasileiro. Nesse sentido, o golpe de 2016 é apenas um meio para um fim.
A liberdade que os golpistas (entre os quais se destacam juízes, promotores e políticos mafiosos do PSDB, PMDB, DEM, PDT etc...) almejam é a servidão. O objetivo último deles é a reconstrução do Brasil comum Estado vassalo submisso e incorporado ao império norte-americano. A ideia não é nova. Ela foi cogitada durante a primeira constituinte republicana por membros do grupo que adotou uma bandeira do Brasil idêntica à dos EUA com listras verdes e amarelas.
“Essas referências aos Estados Unidos desagradavam, no entanto, a parte dos militares mais nacionalistas e, em especial, os adeptos do Apostolado Positivista, cujo líder, Teixeira Mendes, dizia tratar-se de ‘uma imitação servil’ dos símbolos de outra nação.” (1889, Laurentino Gomes, Globo Livros, São Paulo, 2013, p. 321)
A Constituição de 1891, entretanto, fez uma referência evidente aos Estados Unidos da América ao chamar nosso país de "República dos Estados Unidos do Brasil". O art. 1o da CF/1988 prescreve que vivemos na “República Federativa do Brasil”. No entanto, o primeiro Ministro das Relações Exteriores de Michel Temer, chamou nosso país de Estados Unidos do Brasil. E recentemente Aloysio Nunes se inclinou de maneira servil diante do vice-presidente dos EUA como se ele tivesse vindo tomar posse do país.
O servilismo de Aloysio Nunes também não chega a ser novidade. De quando em vez, as forças políticas que imaginam o Brasil como uma entidade subalterna aos EUA fazem demonstrações canhestras de servilismo.
Quando Dwight Eisenhower visitou o Brasil após o fim da II Guerra Mundial, Octavio Mangabeira, então presidente da UDN, foi indicado para fazer o discurso de recepção.
“...Mas além das loas de praxe, Mangabeira encerrou o discurso afirmando que, em nome do povo brasileiro, desejava fazer uma reverência mais eloquente, ‘inclinando-me respeitoso diante do general comandante-chefe dos exércitos que esmagaram a tirania, e beijando, em silêncio, a mão que conduziu à vitória as forças da liberdade’. Foi um escândalo o servilismo do senador baiano. Um deputado mineiro protestou e considerou o ato uma servidão política e achou que até o general americano deve ter estranhado ‘que um povo se genuflexe ante ele para beijar-lhe a mão’.” (A história das constituições brasileiras, Marco Antonio Villa, Leya, São Paulo, 2011, p. 82)
A ideia de transformar o Brasil numa colônia servil dos EUA ganhou força após o golpe de 1964, que foi urdido na embaixada dos EUA.
“Segundo Luiz Alberto Moniz Bandeira (Presença dos Estados Unidos no Brasil), o governo Castelo Branco se caracterizou por uma aproximação exagerada entre o Brasil e os EUA. No princípio da ditadura militar agentes governamentais norte-americanos circulavam livremente pelos Ministérios e influenciavam as políticas públicas que seriam adotadas pelo nosso país. Castelo Branco também é censurado porque adquiriu o costume desagradável de discutir questões sensíveis e até sigilosas com seus amigos da embaixada dos EUA. A morte dele colocou um fim neste ciclo de submissão incondicional ao império norte-americano.”
Concebida nos EUA e tocada no Brasil por promotores e por um juiz que foram treinados por norte-americanos, a Lava Jato conseguiu destruir quase todas as empresas nacionais que concorriam com as empresas norte-americanas na América Latina: construtoras, frigoríficos, estaleiros, etc… Quando foi representar o Brasil em Davos, Suíça, Rodrigo Janot disse que o MPF era pró-mercado, ou seja, que o órgão mais não cumpriria sua missão institucional de defender os interesses públicos brasileiros (art. 5o da Lei Complementar no 75/1993). Sérgio Moro recebeu prêmios nos EUA por ter ajudado a destruir a economia do nosso país.
O golpe de 2016, que também parece ter sido urdido na embaixada dos EUA, está possibilitando a recolonização do Brasil pelo capitalismo norte-americano. Uma fatia das províncias petrolíferas brasileiras no litoral do país foi entregue às petrolíferas dos EUA, a Embraer está sendo doada à Boeing, o Ministério das Relações Exteriores e o MPF conspiram para garantir o predomínio dos interesses norte-americanos no Brasil. Michel Temer e seus leais escudeiros dentro e fora do Poder Judiciário e do MPF encarnam nesse momento a parcela da sociedade brasileira que “...luta contra a possibilidade nela contida de sua libertação.” (Marcuse – vida e obra, Francisco Antonio Doria, José Alvaro Editor S.A./Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1983, p. 235)
A atualidade de Herbet Marcuse é, portanto, evidente. Para se ver livre do PT a direita brasileira escolheu lutar pela submissão do Brasil aos EUA e destruir o Estado brasileiro. A esquerda tenta transformar Lula num símbolo da soberania nacional, mas evita cuidadosamente o discurso nacionalista. Nesse momento, o nacionalismo não é defendido nem mesmo pela extrema direita. Jair Bolsonaro bateu continência para a bandeira dos EUA e disse que continuará a privatizar as empresas públicas e que a Amazônia não pertence ao Brasil.
FHC disse certa feita que a comemoração da independência do Brasil era uma bobagem. Quando foi presidente do país ele se colocou um degrau abaixo de Bill Clinton para poder ser fotografado na frente do imperador branco sorrindo com as mãos dele pousadas em seu ombro. Os sinais de subserviência de FHC e dos seus companheiros de partido (José Serra, Aoysio Nunes, etc…) aos EUA sempre foram evidentes. Os tucanos e seus “canetas” na imprensa criticaram ferozmente a política externa altiva e independente conduzida pr Celso Amorim eAntonio Patriota. Eles aplaudiam ou no mínimo não lamentaram a invasão do Itamaraty por vandalos durante o governo Dilma Rousseff.
O nacionalismo norte-americano envenenou e empobreceu a política nos EUA. A expansão de sua versão militarizada na Europa, América Latina e Ásia ameaça a paz mundial. O que envenena e empobrece a política brasileira nesse momento é a rejeição “ut principii” do nacionalismo brasileiro pela esquerda. A ideia de que podemos ser mais felizes cultivando a submissão a uma potência estrangeira (direita e extrema direita) ou de que o Brasil está condenado a ser sempre mais ou menos dependente do império norte-americano (esquerda) pressupõe que os EUA não está fadado a ser destruído pelas contradições internas e externas que levaram Donald Trump ao poder.
Marcuse estava certo “O inimigo é o denominador comum do que é feito e desfeito.” O que nós desfizemos, entretanto, não foi apenas nossa economia nacional. Ao aceitar passivamente a desconstrução do nosso Estado, rejeitando ativamente o nacionalismo como modalidade discursiva, a esquerda está destruindo nossa autoconfiança e a nossa autoestima da qual dependem nossa autodeterminação. A independência do Brasil e a sobrevivência como nação brasileira estão em risco. Quem não for capaz de ver e afirmar isso não deve se apresentar como candidato a presidente do país nesse momento.

sexta-feira, 27 de julho de 2018

O choro do MBL contra o Facebook mostra como na prática a teoria é outra, por Gustavo Freire Barbosa.


Image result for kim kataguiri careta

No livro Capitalism and Freedom, Milton Friedman, uma espécie de sumo-pontífice do neoliberalismo, defende que o Estado não deve interferir de maneira alguma nos negócios privados. Na obra, Friedman afirma que o contratante tem o direito de adotar abertamente critérios discriminatórios de raça, gênero, classe e religião na hora de contratar. “Vagas só para brancos” ou “não se aceitam muçulmanos“, por exemplo. Pensar de modo contrário significa defender uma indevida “interferência na liberdade dos indivíduos de assinar contratos voluntários entre si“.

A lógica se aplica também à regulação na prestação de serviços (se eu quiser me cirurgiar com um açougueiro, por exemplo, o Estado não pode exigir dele um diploma, uma licença ou uma capacitação especializada para o exercício da profissão). Nesses casos, a solução de controle que Friedman oferece é a dos serviços particulares de aprovação – as estrelinhas do Uber e as reclamações no Reclame Aqui, por exemplo.

Ver as imagens
Apesar da proeminência de Friedman nos meios liberais – seus acólitos da Escola de Chicago ganharam destaque internacional ao aplicar, com uma admirável coerência, as teorias de liberdade econômica de seu mentor meio à brutal ditadura de Pinochet –, parece faltar a muitos dos que se dizem adeptos do liberalismo uma apropriação mínima de suas teses.

O Movimento Brasil Livre, por exemplo, acaba de ser enxotado do Facebook – uma rede social privada – junto com os seus satélites propagadores de fakenews. Se tivessem lido Friedman e levassem a sério o que defendem, migrariam resignados para outra rede social, segundo a dinâmica do livre-mercado da qual se dizem tão entusiastas. Mas não. A histeria dos rapazes chegou ao ponto de redigirem uma notinha reclamando de um suposto esquerdismo de Zuckerberg, alçado ao posto de inquisidor de páginas de direita.

A alucinação catártica de seus membros não os levou apenas a demonizar a figura de Zuckerberg – que, no imaginário dos liberais high stakes, costuma ser visto como a encarnação viva do senso de oportunidade empreendedor –, mas também a louvar a intervenção do Ministério Público Federal – um órgão estatal, é bom destacar – para investigar se houve censura na remoção dos perfis pelo Facebook[1].

Mas interessante mesmo é o perfil do procurador que resolveu meter o bedelho na rede social de Zuckerberg. Ailton Benedito, chefe da Procuradoria-Geral da República em Goiás, é conhecido por suas posições lunáticas de extrema-direita não só nas redes sociais, mas também em sua vida profissional.

Além de defender sandices como a de que o nazismo é de esquerda e ter passado vergonha em rede nacional por ter pedido explicações ao Itamaraty sobre o suposto envio de crianças e adolescentes do Brasil para treinamento armado na Venezuela quando, na verdade, era o estado de Sucre, no mesmo país, que as estava enviando para oficinas de jornalismo[2], Benedito chegou a convidar Kim Kataguiri para a audiência “Segurança Pública e Manifestações Sociais” promovida pelo próprio. Ainda, como o próprio convite a Kataguiri denuncia, o procurador faz parte de uma vertente do MPF que é adepta de terraplanismos representados por termos como “bandidolatria” e “democídio” (o “assassinato cujo culpado é o governo”). Puro chorume.

As postagens cheias de ira do MBL estão repletas de comentários pondo em xeque os dogmas liberais da milícia. Seus membros passaram o recibo do desconforto. Em um dos vídeos sobre o assunto, o vereador Fernando Holiday cita os termos de serviço do Facebook como uma espécie de contrato. Holiday afirma que um dos comprometimentos da rede de Zuckerberg é a de tratar todos os seus usuários com isonomia, tendo, portanto, desrespeitado as previsões contratuais nesse sentido.

Holiday, em tese, está certo. Um dos fundamentos do Estado, segundo John Locke e a farta literatura liberal, é a garantia da segurança jurídica e do cumprimento de contratos. Havendo as duas partes entrado em acordo voluntário, o descumprimento dos termos contratuais por parte de uma delas legitima que a outra acione o poder judiciário para vê-los cumpridos.

Contudo, lendo o Termo de Serviços mencionado por Holiday, é possível perceber que não há nada muito categórico acerca do tratamento isonômico da rede para com seus usuários[3]. Há, todavia, outras questões bem mais interessantes.

Uma de suas condições é a de “permitir que você se expresse e fale sobre o que é importante para você”. Em seguida, elenca como responsabilidade o combate a “condutas prejudiciais”, com o objetivo de “proteger e oferecer suporte para nossa comunidade”. O termo esmiúça essas diretrizes:

“as pessoas só criarão comunidades no Facebook se sentirem que estão seguras. Empregamos equipes dedicadas em todo o mundo e desenvolvemos sistemas técnicos avançados para detectar o uso inadequado de nossos Produtos, condutas prejudiciais contra outras pessoas e situações em que talvez possamos ajudar a apoiar ou proteger nossa comunidade. Se soubermos de conteúdos ou condutas como essas, tomaremos as medidas adequadas, como oferecer ajuda, remover conteúdo, bloquear o acesso a determinados recursos, desativar uma conta ou contatar autoridades. Compartilhamos dados com outras Empresas do Facebook quando detectamos o uso inadequado ou conduta prejudicial por parte de algum usuário de um de nossos Produtos”.

Mais a frente, enumera as condições de uso do Facebook e os deveres de seus usuários:

Usar o mesmo nome que usa em sua vida cotidiana.
Fornecer informações precisas sobre você.
Criar somente uma conta (própria) e usar sua linha do tempo para fins pessoais.
Abster-se de compartilhar sua senha, dar acesso à sua conta do Facebook a terceiros ou transferir sua conta para outra pessoa (sem nossa permissão).
Se constatarmos que você violou nossos termos ou políticas, poderemos adotar medidas contra sua conta para proteger nossa comunidade e serviços, inclusive suspendendo o acesso ou desativando sua conta. Também podemos suspender ou desativar sua conta se você criar riscos ou exposição legal para nós, ou quando estivermos autorizados ou obrigados por lei a assim proceder”.

Veja que uma das condições de uso é exatamente utilizar o mesmo nome que o usuário usa em sua vida cotidiana, proibindo perfis falsos. Sobre esse ponto em particular, o perfil “Monitor do debate político no meio digital”[4] fez a seguinte análise:

“O Facebook anunciou agora há pouco que tirou uma rede de 196 páginas e 86 perfis falsos que se dedicavam a desinformação. Fonte da Reuters esclarece que tal rede era ligada ao MBL. O MBL, em nota, confirma que perdeu páginas. O tamanho da rede é realmente surpreendente. Em nosso monitoramento não encontramos mais do que vinte páginas do grupo em atividade que produziam em média 126 postagens por dia e somavam 150 milhões de interações só no ano passado (veja grafo com nosso mapeamento das mais relevantes). Essa desproporção entre o que estava em atividade e o que caiu agora nos sugere que o Facebook identificou a criação de uma rede de páginas novas que provavelmente seriam usadas no período eleitoral. Das que já estavam em atividade e eram relevantes, caíram a página do Jornalivre e do Diário Nacional. Como o Facebook não retira páginas que divulgam notícias falsas, mas apenas páginas administradas por perfis falsos, é provável que todas as páginas tinham sido criadas com contas falsas. Um dos perfis que supostamente administrava a página do Jornalivre também caiu, o que sugere que era falsa”.

Note-se, portanto, que uma das razões pelas quais houve a retirada das páginas foi exatamente o grande volume de perfis falsos identificados, contrariando as condições previstas pelo Termo de Serviços da rede. Mesmo no campo contratual, para onde levou a discussão, as sustentações de Holiday carecem completamente de fundamento.

É bom lembrar também que o MBL é prodígio em produzir fakenews. A agressividade infantil com que tratou a agência Truco, por exemplo, quando se propôs a analisar a (falta de) veracidade dos dados apresentados por Kataguiri sobre o regime semiaberto foi só um aperitivo[5]. A resposta à insolência da checagem dessas informações – também convenientemente tachada de censura – veio também em forma de fakenews– e logo do perfil Jornalivre, um dos que foram derrubados[6] juntamente com o Ceticismo Político, replicado pelo MBL na divulgação de criminosas fakenews sobre as circunstâncias do assassinato de Marielle Franco.

Em outra ocasião, Kataguiri e o MBL divulgaram vídeo de manifestantes segurando bandeiras e rompendo obstáculos em direção a um prédio público. “SINDICALISTAS INVADEM PRÉDIO PÚBLICO PARA TENTAR IMPEDIR CONDENAÇÃO DE LULA” era a legenda do vídeo, acompanhado dos seguintes dizeres de Kim: “Sindicalistas estão tentando impedir de todos os modos a condenação do Lula, mas não vão conseguir. FALTAM 9 DIAS!“.

O vídeo, entretanto, registrava os protestos de servidores e servidoras do Rio Grande do Norte frente à Assembleia Legislativa do estado contra as medidas de austeridade propostas pelo governador Robinson Faria[7]. Mesmo alertado pelos seguidores da página, o MBL manteve a fakenews em seu feed de notícias.

Outra questão relevante: o choro ensandecido e as histéricas acusações de censura fizeram com que o MBL buscasse uma rede social alternativa para divulgar seus boletins: o Whatsapp. Será que eles sabem que a rede também é de propriedade do stalinista Zuckerberg[8]?

O fato é que o dono do Facebook, apesar da gritaria do MBL, pouco tem de esquerdista, como mostram essas duas[9] excelentes matérias[10] da revista Piauí sobre a forma pragmática com que gere sua empresa conforme os desígnios dos anunciantes e diante da pressão do oligopólio da mídia comercial dos EUA representada por gente da envergadura de Rupert Murdoch, dono dos gigantes Fox eThe Wall Street Journal (é óbvio que Murdoch e sua turma, como bons capitalistas, querem qualquer coisa menos se submeter aos riscos da livre-iniciativa).

E mesmo que Zuckerberg fosse um marxista-leninista-maoísta-guevarista, a rede é dele. Se um dia acordar com a vontade de pôr em seu layout Pablo Vittar dançando Macarena ao som de MC Loma,  os dogmas liberais ensinados pelo professor Friedman dizem que não há o que fazer a não ser curtir e se acostumar com essa nova interface ou sair da rede em caso de insatisfação. O problema é que estes ensinamentos, de modo muito conveniente, não foram assimilados não só pelos integrantes do MBL, mas também pelo super-empreendedor-que-cresceu-com-dinheiro-do-Estado Flávio Rocha[11], que também ficou pistola em razão do desaparecimento da página do Brasil 200, movimento por ele encabeçado e que tem como principal bandeira o retorno do pacto colonial no Brasil.

O melhor de todo esse imbróglio, contudo, é que o choro do MBL acaba por se somar ao caminhão de exemplos de como suas ideias bolorentas não conseguem sobreviver a dez segundos de oxigênio. “Nossas ações são as melhores interpretações de nossos pensamentos”, afirmou Locke. Os pensamentos do MBL, como mostra sua prática, ainda não se adaptaram ao que veio depois de 1789.

Gustavo Freire Barbosa é Advogado, mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

terça-feira, 24 de julho de 2018

Lula, Crivella e a mídia: duas faces do esgotamento da política institucional, por Sylvia Debossan Moretzsohn.

Image result for crivella careta
Dois fatos políticos recentes de extrema relevância deixaram claro, mais uma vez, o papel das instituições no aprofundamento da crise em que o país está mergulhado. Um deles deixou o país em suspenso no domingo passado, 8 de julho, diante da expectativa da libertação de Lula, e expôs manobras inéditas do aparelho judiciário para impedir o cumprimento do habeas corpus. O outro, embora de menor repercussão, é também de enorme gravidade, porque evidencia a captura do poder político pelo poder religioso: foi a reunião que o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, realizou com pastores de sua igreja na sede da prefeitura, orientando-os a falar “com a Márcia”, “com o Marquinhos” ou com “o doutor Milton” para agilizarem o atendimento a demandas de seu interesse.
O primeiro caso recebeu da mídia tradicional o costumeiro tratamento adotado em pautas que envolvem o ex-presidente, de modo que quem quisesse ter noção do escândalo precisou, como de hábito, recorrer a fontes alternativas. O outro foi mais um capítulo do enfrentamento entre o Grupo Globo e a Igreja Universal e é bem ilustrativo dos limites do poder de uma grande corporação de mídia diante de uma força politicamente equivalente e das ramificações dessa disputa no ambiente parlamentar.
Lula livre, Lula preso: um domingo de alta tensão
A notícia de que o desembargador Rogério Favreto havia determinado a imediata soltura do ex-presidente Lula abalou o domingo logo de manhã. Nas redes sociais, militantes e gente de esquerda sem filiação partidária comemoravam antecipadamente o que acreditavam ser favas contadas, porque, afinal, como se costuma dizer, decisão judicial não se discute: cumpre-se.
Não neste caso, e todas as manobras que produziram o suspense ao longo daquele dia levaram os mais respeitados juristas do país a dizer que nem nos tempos da ditadura viram algo parecido. Também surpreendida, a grande imprensa tratou de cerrar fileiras com seus aliados de sempre no Judiciário e desqualificar o “plantonista vinculado ao PT” que atrapalhou o plantão morno dos jornalistas vinculados sabe-se muito bem a quê.
Os deputados que entraram com pedido de habeas corpus para Lula certamente não acreditavam que teriam êxito: manter preso o líder das pesquisas de intenção de voto é questão de segurança nacional, como o comandante do Exército, general Villas Boas, deu a entender há cerca de três meses nos dois famosos tuítes divulgados no encerramento do Jornal Nacional, na véspera de um julgamento decisivo no STF – justamente, de um habeas corpus preventivo para Lula, dias antes de sua prisão.
Ao insistirem nessa medida, escolhendo o dia em que o único desembargador que lhes era favorável estaria de plantão, os parlamentares conseguiram criar um fato político fundamental, de repercussão internacional, e forçar os membros do Judiciário envolvidos com a causa a agir de maneira flagrantemente ilegal. Foi o que o advogado e procurador aposentado Roberto Tardelli chamou de “hospício jurídico”, ao detalhar a balbúrdia que se instalou nesse meio e as inúmeras irregularidades cometidas, num texto que pode ser lido aqui.
Os vídeos e notas que circularam na internet ao longo do dia, ora anunciando a iminente libertação de Lula, ora protestando contra o descumprimento da ordem judicial, não chegaram, porém, a produzir grande efeito mobilizador, o que indica não apenas a desproporcionalidade do poder de comunicação entre esses meios e o da mídia tradicional mas também a eficácia da campanha antipetista e antilulista empreendida desde o “mensalão”, em 2005: a indignação diante da violência contra Lula só atinge quem está convencido dela e tem consciência do alcance da ilegalidade que ocorreu nesse episódio. Os demais, pelo contrário, aplaudem qualquer iniciativa para manter Lula preso, sem perceberem – em parte porque essa mídia não diz – as consequências de medidas que atropelam os procedimentos da democracia formal. São esses que constituem, tradicionalmente, a massa que alimenta o fascismo.
E, se o negócio é despolitizar, nada como fazer como o Extra, que tascou uma manchete debochada fazendo trocadilho com o lema histórico da primeira campanha de Lula para a presidência e, como todo jornal popular, apelou a analogias rasteiras com o futebol, como se fossem situações comparáveis, pois o que importa é o escárnio, a ridicularização do “político”, ainda mais quando esse político está no lugar destinado aos pobres: em cana. Então, aproveitando o período da Copa e a inédita utilização do recurso de vídeo para verificar lances duvidosos e decisivos, o jornal publicou a foto de um árbitro a consultar o VAR entre duas de Lula – sorridente/solto, contrariado/preso – para rever a decisão “errada” de libertá-lo.
Crivella: “Liga pra Márcia”
Quando se trata de atacar o fundamentalismo evangélico, entretanto, o Grupo Globo investe no melhor jornalismo. Foi assim com a reportagem sobre a reunião que o prefeito do Rio promoveu com cerca de 170 pastores de sua igreja. Pode-se dizer que o que ocorreu ali é uma expressão de clientelismo típico da nossa política, o que é evidentemente antirrepublicano – mas desde quando somos mesmo uma República? –, porém o caso é mais grave por misturar política e religião e, pior, submeter uma à outra.
Dias depois o repórter Bruno Abbud relataria como surgiu a pauta:
“Duas imagens de tela de celular chegaram, via whatsapp, à colunista Berenice Seara, do jornal Extra, um dos três títulos da redação integrada que reúne também O Globo e a revista Época, no final da tarde de terça-feira. Anunciavam que um evento intitulado Café da Comunhão aconteceria no dia seguinte. (…)
O texto não deixava espaço a sutilezas: era uma oportunidade para que as lideranças apresentassem seus pleitos para que a máquina da prefeitura entrasse em ação, de acordo com aquela pauta de pedidos. ‘Na ocasião ouviremos tudo o que a prefeitura tem a nos oferecer, inclusive instalação de creches’, dizia um trecho. ‘Depois levaremos os pré-candidatos a nossas igrejas’”.
Apesar do empenho, diz o repórter, Berenice não conseguiu confirmar o encontro, que não constava da agenda oficial. Tampouco deveria ser ela a tentar checar presencialmente, por ser conhecida no meio político carioca. Por isso o escalado foi Bruno, paulista recém-chegado ao Rio. Ele entrou como se fosse um dos interessados em participar da reunião e gravou em áudio tudo o que se passou ali. Reproduziu trechos da fala de Crivella, como estes:
“É muito importante os irmãos ficarem com o telefone da Márcia e do Marquinhos, porque, às vezes, ocorre um imprevisto. Se houver caso de emergência, liga. Liga para a Márcia e ela liga para mim, para o Marquinhos… É importante você ter um canal para poder socorrer num momento de emergência”. (Sobre o encaminhamento de pessoas para operação de catarata e varizes).
“…se você não falar com o doutor Milton, esse processo pode demorar e demorar. Nós temos de aproveitar que Deus nos deu a oportunidade de estar na prefeitura para esses processos andarem” (Sobre processos de isenção de IPTU, a que as igrejas têm legalmente direito).
Mas não, isso não tem nada a ver com corrupção:
“Só o povo evangélico pode mudar esse país. Entre nós não há corrupção. A gente recebe o dinheiro do povo e faz a casa de Deus”.
“O que nós precisamos é ter uma política que faça com que o país encontre o caminho de seu progresso e se liberte da corrupção. Nós somos a esperança. Pegamos a oferta do povo, levamos ao escritório, contamos tudo e construímos igrejas. É esse Brasil evangélico que vai dar jeito na pátria”.
A reportagem foi publicada no dia 6 de julho e repercutiu à noite no Jornal Nacional, que também expôs trechos do discurso do prefeito e entrevistou o procurador geral de justiça do Rio, que via nas gravações evidências de privilégio a um grupo de pessoas e, consequentemente, o desrespeito ao princípio constitucional da impessoalidade e do interesse público, além da violação ao princípio do Estado laico.
No mesmo dia, Crivella reagiria acusando a mídia – isto é, a Globo – de ser tendenciosa e de manifestar intolerância religiosa. Dias depois, às vésperas da reunião extraordinária da Câmara que discutiria o seu impeachment, deu longa entrevista ao SBT-Rio, que vai ao ar na hora do almoço, e negou que a orientação para “falar com a Márcia” seria privilegiar os fiéis e furar a fila de cirurgias: seria apenas uma forma de orientar os pastores a preencher o sistema que cadastra as pessoas para atendimento. E, como a melhor defesa é o ataque, procurou inverter o jogo e apontar o que seriam os objetivos ocultos dessas acusações.
A tática é perfeita: repetir, repetir e repetir – cinco vezes, em 22 minutos de entrevista – que “todo mundo sabe” que a Globo “é inimiga jurada dos evangélicos”, “é contra a família”, “a favor do aborto”, “do incesto” – que ele pronuncia “incêsto” –, “do adultério”, que “defende outro tipo de família” e “prega isso nas novelas”, que “isso é um conceito consagrado no meio dos evangélicos”, que “por isso faz campanha contra o prefeito”, “que não é contra o prefeito, é contra os evangélicos do Brasil” e que “tudo que a Globo puder distorcer, ela vai”. E também aproveitou para lembrar o que é muito verdadeiro: o comprometimento da Globo com governos corruptos do PMDB, como os dois mandatos de Sérgio Cabral, hoje preso.
Em suma, Crivella falou para seu público, numa estratégia coerente com o projeto de poder da Igreja Universal, estabelecido há décadas, e que vem obtendo crescente sucesso. Boas reportagens publicadas às vésperas da eleição municipal de 2016, uma da Veja – apesar da capa lamentável, que critiquei aqui –, mostrando seus métodos para recuperar um terreno de sua igreja, em tempos idos, outra do Globo, sobre sua atividade como missionário em países africanos no fim do século passado, na qual atacava os “espíritos imundos” supostamente abrigados por outras religiões, todas “demoníacas”, e que se revelavam na “conduta maligna” dos homossexuais –, boas reportagens como essas não fizeram nem cosquinha no desempenho do candidato, que venceu com folga o segundo turno. Isso deveria dizer algo para os que insistem em considerar absoluto o poder da mídia, sobretudo da Globo, na vida política: não é bem assim, e não só porque candidatos combatidos por ela venceram eleições em outras épocas – como Brizola, Lula e Dilma –, mas porque, nesse caso, o maior poder midiático enfrenta outro que também investe pesadamente na área e tem um lastro fundamental na massa de crentes a quem promete cura e prosperidade.
Falando para esses milhões de convertidos, Crivella encerrou sua entrevista ao SBT valorizando a posição de vítima: “Várias vezes tentaram o impeachment. Nunca conseguiram as assinaturas. Na vida pública é assim mesmo: a gente é supliciado, a gente sofre, tudo que a gente faz de bom é mal interpretado, mas nós não vamos desanimar. Nós vamos continuar e eu tenho certeza de que, no final, vai ter valido cada luta, cada sacrifício e cada lágrima”.
Por ora tem valido mesmo: mais uma vez o prefeito foi vitorioso. Na sessão da Câmara convocada para discutir a autorização de investigá-lo, seus aliados repetiram os argumentos sobre a família, o aborto, a “ideologia de gênero”, a campanha da mídia – houve mesmo quem acusasse a Globo de ser de esquerda – e derrotaram a proposta por 29 votos a 16. Restam agora dois pedidos de abertura de CPI, uma delas chamada de “CPI da Márcia”, que serão apreciados pela mesa diretora.
O resultado é previsível, sobretudo porque o poder de mobilização dos evangélicos é muito superior ao dos seus opositores.
Com o aparelho judiciário manipulado da maneira como foi no mais recente episódio envolvendo a figura de Lula – não bastassem todas as evidências anteriores, especialmente desde que Moro autorizou a divulgação da gravação ilegal de uma conversa entre Lula e Dilma –, com a representação parlamentar dominada pelas forças mais retrógradas do país, com uma mídia que age partidariamente há tanto tempo, cultivar esperanças na via institucional para sair dessa crise não parece muito lógico. Alternativas sempre existem, mas para se efetivarem seria preciso elaborar estratégias, e essas, aparentemente, não estão no horizonte.
**
Sylvia Debossan Moretzsohn é jornalista, professora aposentada da UFF, pesquisadora do ObjETHOS