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terça-feira, 30 de maio de 2017

Notas sobre a crise política brasileira, por Carlos Eduardo Martins.

Para entendermos a crise política vigente, enumeramos algumas teses sobre a atual conjuntura brasileira, desde o caráter do golpe de Estado de 2016 até seus desdobramentos recentes.



Ato “Ocupa Brasília” na última quarta-feira, dia 24.05.17. Foto: Mídia Ninja

Por Carlos Eduardo Martins.

O aprofundamento da crise política brasileira tem deixado cientistas sociais e observadores internacionais perplexos ao atuar na contramão da propalada versão institucionalista e liberal que predominou durante a Nova República, segundo a qual a democracia brasileira estaria consolidada.
O golpe de 2016, dirigido contra as políticas públicas que ampliaram as demandas dos movimentos sociais e dos trabalhadores e a sua representação política e social, é apenas um primeiro passo de um projeto que visa uma profunda reestruturação do Estado brasileiro, mas o lança em crise orgânica de dominação pelo tipo de destruição criadora que supõe. Tal destruição criadora é profundamente regressiva, afastando-se parcialmente do modelo schumpeteriano por ser muito mais destrutiva que criadora e ter sua liderança no capital financeiro fictício e no capital estrangeiro. Ela implica em forte elevação das taxas de superexploração da classe trabalhadora, na reorientação do dinamismo do mercado interno para as camadas médias altas e estratos superiores, na desnacionalização, desarticulação e destruição de parte das cadeias produtivas industriais, bem como no seu redirecionamento parcial para o mercado externo. A realização deste projeto exige forte centralização e destruição de capital e estabelece fortes conflitos interburgueses, o que abre o espaço para a recomposição social e política da unidade dos trabalhadores e sinaliza para uma trajetória acelerada rumo ao caos sistêmico, inaugurada pelo golpe de Estado, mas que tende a se desenvolver a médio e longo prazo por confrontos sociais intensos, crescentes e de consequências imprevisíveis.
Para entendermos a crise política vigente, enumeramos algumas teses sobre a atual conjuntura brasileira, desde o caráter do golpe de Estado de 2016 até seus desdobramentos recentes:

1.

O golpe de Estado de 2016 foi preventivo e dirigido contra a crescente capacidade de organização dos trabalhadores e o protagonismo dos movimentos sociais. Este protagonismo se expressou em várias dimensões. Na forte elevação da atividade sindical que em 2013 atingiu recorde em números de greves, sendo apenas superada em número de horas paradas pelos anos de 1989 e 1990; nas explosões sociais de junho de 2013, impulsionadas pela classe trabalhadora jovem, de renda baixa ou média, que reivindicava a ampliação de direitos sociais como o transporte público gratuito e a garantia de direitos constitucionais, como o acesso público à saúde e educação de qualidade; e nas políticas sociais que elevaram a participação da população de baixa renda nos rendimentos do trabalho, principalmente através da elevação do salário mínimo, mas também por programas de renda mínimas e cotas sociais de acesso à educação superior.  Na base do fortalecimento do poder popular esteve a forte redução da taxa de desemprego provocada pelo mais longo período de crescimento econômico desde a década de 1980, que ocorreu entre 2004 e 2013, impulsionado pelo boom das commodities e que se articulou com as políticas de expansão da demanda interna e de aumento da formação de capital fixo.

2.

O golpe de Estado de 2016 apresenta economia política radicalmente distinta do de 1964. Enquanto o golpe de 1964 foi modernizador e industrialista ainda que fortemente baseado no endividamento externo, o de 2016 é fortemente desindustrializador, centrado no protagonismo do capital financeiro fictício e do capital estrangeiro e limita o desenvolvimento das cadeias produtivas a nichos agroindustriais fortemente voltados à exportação e aos segmentos direcionados ao maior poder aquisitivo do mercado interno, cada vez mais pressionados pela competição internacional. A principal razão para isto é a necessidade estrutural de alto nível de desemprego para manter, sob elevados níveis de superexploração necessários ao capitalismo dependente, uma força de trabalho cada vez mais qualificada pelas novas tecnologias e conhecimentos ligados a revolução científico-técnica. Diferentemente, do golpe de 1964 que contou com uma oposição sindical oriunda principalmente de trabalhadores de segmentos menos dinâmicos do ponto de vista tecnológico, abrindo o espaço para modernização industrial e criação de uma nova classe trabalhadora que rompesse com a herança trabalhista, os movimentos sociais e de trabalhadores que se colocam contra a economia política do golpe de 2016 estão fortemente vinculados aos segmentos intensivos em conhecimento e tecnologia, o que dá a esta fortes tendências regressivas.

3.

Precedeu ao golpe de 2016, a forte adesão das principais entidades patronais brasileiras (FIESP, FIRJAN, CNI, ABIMAQ, FEBRABAN e Sociedade Rural Brasileira), e seu principal  braço midiático de organização ideológica (Rede Globo), à implementação de um programa de austeridade fiscal e monetária num contexto de queda dos preços das commodities e do investimento privado, o que obrigatoriamente levaria à forte depressão econômica, com drástica queda da arrecadação fiscal e exponencialização dos pagamentos de juros, implicando em forte crise financeira do Estado. A adoção deste programa pelo governo Dilma, após as eleições de 2014, derrubou drasticamente a sua popularidade e abriu o espaço para o golpe de Estado que permitiu ao grande capital pôr em marcha um plano radical de reestruturação do Estado brasileiro tornando as políticas recessivas um instrumento estrutural e não conjuntural e cíclico como queria o governo Dilma.  A queda do governo Dilma possibilitou avançar em temas da agenda de reformas neoliberais que encontrariam resistência nos governos petistas como o congelamento dos gastos públicos primários por 20 anos, a reforma trabalhista, a lei de terceirizações, a reforma da Previdência, o fim das políticas industriais do BNDES, a retomada de privatização de empresas ou a eliminação do monopólio da Petrobrás e da política de conteúdo nacional para investimentos no Pré-Sal. Por meio das políticas de elevação da superexploração do trabalho e da atração de capital estrangeiro procurava-se compensar a restrição de gastos públicos primários e retomar o dinamismo econômico, associando-o ao aumento das taxas de exploração, da lucratividade e do investimento;

4.

O golpe de 2016 baseou-se numa importante coalizão que articulou as frações estrangeiras, financeiras, industrial, agrária e midiática do grande capital, a sua representação política majoritária no Parlamento e na tecnoburocracia do Poder Judiciário, e um movimento de massas com fortes conotações fascistas, representado principalmente pelas camadas médias e superiores da pequena burguesia. Todavia esta coalizão apresenta importantes contradições. Se de um lado, o que garantiu a unidade das diversas frações do grande capital foi sua oposição ao aumento do poder material e simbólico dos trabalhadores, que elevou os custos da intermediação política e estabeleceu forte monopolização da representação e das estruturas partidárias, em razão da necessidade de elevar gastos eleitorais para conter o fortalecimento das esquerdas; de outro lado, a necessidade de implementar um programa recessivo, de destruir as articulações do embrionário capitalismo de Estado petista com frações do empresariado industrial, e de atingir os anéis burocráticos que elevaram os custos da gestão do Estado para o grande capital, colocam os diversos segmentos que articularam o golpe em confronto.

5.

A destruição do bloco histórico de centro-esquerda exige atingir suas articulações com as cadeias produtivas vinculadas aos segmentos de petróleo e gás, tecnologia nuclear, construção civil, carnes, processamento de alimentos, papel e celulose, objetos seja da política de conteúdo nacional ou de campeões nacionais dos governos petistas. Para isso, além da política recessiva que reduziu dramaticamente as taxas de investimento no país, do desmonte da política de financiamento subsidiado do BNDES em favor da subordinação à taxa SELIC e à dívida pública, direcionou-se seletivamente a atuação moralizadora e de combate à corrupção do Ministério Público, da Polícia Federal e do Poder Judiciário para estas redes e articulações buscando criminalizar a política industrial do embrionário capitalismo de Estado petista, que, se bem moderou, nunca chegou a predominar sobre a política de financeirização, eixo central de seus governos. Assim, as operações policiais, investigações e sentenças judiciais, mediadas pelo uso abusivo da prisão preventiva para estabelecer delação premiada com vistas a alcançar alvos políticos, foram aplicadas principalmente contra estes segmentos para atingir a Petrobrás, a Eletronuclear, o BNDES, a Odebrecht, a Andrade Gutierrez, a JBS, e os fundos de pensão de empresas públicas como Petrobrás, Banco do Brasil, Caixa Econômica e Correios. Todavia, a amplitude da vinculação no espectro político das organizações empresariais privadas atingidas, muitas delas parte da coalizão golpista, cujas frações competem pelo controle do Estado, torna esta tentativa de criminalização seletiva e de eliminação da competição interburguesa de alto risco e explosiva, porque suscetível a contra-ataques. Assim em reação à Operação Greenfield, à Operação Carne Fraca e às diversas ações da Policia Federal e do Ministério Público que derrubaram em 46% o valor das ações de suas empresas, entre janeiro a maio de 2016, os irmãos Joesley e Wesley Batista fecharam acordo de delação premiada atingindo centralmente o Presidente da República, Michel Temer, e o Presidente do PSDB, Aécio Neves, com gravação de conversas que constituem provas contundentes da delação que formulam a respeito da participação destes em esquemas de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e/ou formação de organização criminosa.

6.

Motivado a destruir a hegemonia do bloco de centro-esquerda e a emergência das esquerdas, bem como a reduzir fortemente o custo das campanhas eleitorais e da intermediação política para fazer valer seus interesses no Estado, o grande capital impulsionou e respaldou a atuação abusiva da Polícia Federal, do Ministério Público e da Magistratura para criminalizar a vida pública brasileira e atingir seus objetivos políticos. Para isso foi central a ofensiva ideológica dos meios de comunicação buscando situar a corrupção como principal problema do Estado brasileiro, o que justificaria o uso de medidas excepcionais para o seu combate. Esta ofensiva ideológica manifestou-se na pressão para a aprovação da lei 12.850/2013, em agosto do mesmo ano, como resposta às Jornadas de Junho; no respaldo ao uso abusivo da prisão preventiva como instrumento de barganha para impor a “colaboração” premiada; no vazamento público na grande imprensa midiática de interceptações telefônicas judiciais que violaram direitos constitucionais para respaldar uma cruzada seletiva que permitisse desmoralizar e desalojar do poder o petismo. Uma vez atingido em grande parte o desmonte e o risco político do capitalismo de Estado petista, ampliou-se o alvo para atingir, de forma mais ou menos cirúrgica e estratégica, lideranças de partidos políticos da própria base golpista, buscando-se reduzir os custos das transações políticas para o grande capital ao afetar esquemas patrimonialistas e monopolistas de intermediação.
Entretanto, o avanço abusivo do Poder Judiciário sobre as prerrogativas constitucionais só foi possível pelo alto nível de consenso entre o grande capital, o poder midiático, o Parlamento e o Poder Judiciário, o que exigiu a centro-esquerda e a esquerda como alvos. Uma vez que a articulação entre Ministério Público, Polícia Federal e mídia passou a atingir diretamente segmentos estratégicos do PMDB e do PSDB, como os representados por Michel Temer e Aécio Neves, sinalizando-se ainda a possibilidade de se alvejar outros quadros importantes destes partidos, abriu-se uma enorme desorganização da base golpista que tende a se dividir em dois projetos distintos.

7.

O projeto mais dinâmico é o representado pelos segmentos mais agressivos do grande capital, vinculados ao capital financeiro fictício, ao capital estrangeiro e ao monopólio mídiático, que associam-se a frações expressivas do Ministério Público e da Magistratura, buscando o apoio de importantes segmentos da pequena burguesia para desorganizar os esquemas patrimonialistas presentes nos partidos partidos políticos e baixar os custos das campanhas e da intermediação política. Este consórcio de poder apoia a queda do governo Temer, a escolha do novo Presidente por eleição indireta, a reforma política desde o Congresso para impor o parlamentarismo, o voto distrital e a permissão de candidaturas avulsas independentes dos partidos políticos para aumentar o nível de competitividade do sistema, onde celebridades midiáticas possam se projetar, restringindo a autonomia do político para aproximar governo e Parlamento de instituições sob comando direto do grande capital. Entretanto, este projeto apresenta importantes contradições, como a que se estabelece entre o uso do Judiciário pelo grande capital para diminuir os custos da intermediação política e a tendência expansiva do Poder Judiciário que, respaldado no corporativismo, nas disputas interburguesas e no respaldo midiático para sua atuação fora dos marcos constitucionais, alimenta as pretensões de reestabelecer um capitalismo de Estado, ainda que muito distinto, sob comando tecnoburocratico do aparato jurídico-repressivo, supostamente legalista. A outra importante contradição é a que se estabelece entre a institucionalização de uma economia política recessiva e a base de apoio de massas nas clamadas médias.
O outro projeto, sob ataque, centra-se sobretudo na preservação, com mínimas modificações, das estruturas patrimonialistas representadas pelos partidos políticos de centro-direita e de direita; defende uma reforma política baseada em modelo eleitoral de listas fechadas com prioridade aos deputados e senadores eleitos; e apoia o estabelecimento de controles sociais à atuação do Poder Judiciário.  As confrontações entre os dois projetos, apesar de produzir crises significativas, como a que afeta o governo Temer, tendem a levar a fórmulas de composição, uma vez que o setor mais internacionalizado do capital não pode prescindir do Parlamento e necessita colocar limites ao capitalismo de Estado, venha este da tecnoburocracia jurídico-repressiva, da centro-esquerda petista, como entre 2003-2016, ou dos militares, como nos anos 1964-85.

8.

A Magistratura e a Procuradoria possuem capacidade extremamente limitada de enfrentar as estruturas corporativas do capitalismo dependente brasileiro, em razão de sua posição estratégica na estrutura de classes, o que lhe compromete fortemente a autonomia e a independência. Os altos salários diretos e indiretos auferidos por seus membros, que em sua grande maioria recebe salários acima do teto constitucional, o intenso grau de corporativismo, o caráter autocrático de sua atuação e o precário controle democrático a que estão submetidos tornam-no um segmento propenso a articulações políticas conservadoras e reacionárias, incapaz de jogar um papel independente frente às classes dominantes para sanear as instituições públicas e privadas brasileiras. A sua intervenção no sistema político brasileiro tem aprofundado assimetrias através da seletividade dos seus alvos; da falta de critérios legais, de proporcionalidade e de impessoalidade no estabelecimento de sentenças; e do uso casuístico, abusivo e normativo de métodos excepcionais de investigação, como a condução coercitiva e a prisão preventiva. Entre os alvos preferenciais da Procuradoria e da Magistratura destacam-se as lideranças políticas de centro-esquerda e de esquerda, as lideranças empresariais vinculadas ao adensamento das cadeias de valor produtiva e as lideranças de movimentos sociais e universidades públicas. Enquanto selecionam estes alvos, ignoram amplamente a corrupção do Estado na articulação dos grandes negócios da burguesia brasileira que são a dívida pública e a especulação cambial, regulados por uma política monetária que abre carteiras de investimento para os bancos, das quais usufruem os responsáveis por esta política pública ao aplicarem seus recursos através deles. Aparentemente, a Magistratura e a Procuradoria envolvidas na Operação Lava-Jato tendem a considerar a indução de políticas públicas setoriais criminosas e suspeitas, enquanto olham com benevolência para a fabricação de capital fictício contra o erário público que abre oportunidades de lucros sem contrapartida produtiva às diversas frações burguesas por meio da expansão da dívida pública, sintetizando seus interesses particulares nesta forma abstrata e geral do capital.
Uma análise sumária e exemplar dos acordos de delação premiada e das sentenças proferidas pelo Judiciário indica sua desproporcionalidade e falta de amparo legal. Enquanto de um lado, a Procuradoria Geral da República estabelece acordo de delação premiada chancelado pelo STF com os irmãos Joesley e Wesley Batista,  estendendo a eles o perdão judicial que viola a lei 12.850/2013, uma vez que são chefes de organização criminosa e não são os primeiros a delatar, e Moro absolve Claudia Cruz, que na hipótese mais branda teria cometido crime de  peculato por não devolver dinheiro reconhecidamente ilícito de suas contas; do outro lado,  o vice-almirante Othon Pinheiro da Silva, um dos responsáveis pelo êxito do programa nuclear brasileiro é condenado a 42 anos detenção por supostos desvios de recursos públicos na Eletronuclear. Enquanto a Operação Lava-Jato avança principalmente contra este perfil de políticos e lideranças empresariais da cadeia produtiva, a Operação Zelotes que investiga compras de sentenças no CARF para legalizar a sonegação de tributos de grandes empresas e Bancos caminha a ritmo muito mais lento, protegendo a RBS, filiada da Globo, uma das acusadas e Augusto Nardes, um dos pivôs desta articulação, relator no TCU das “pedaladas” fiscais do governo Dilma, peça-chave do golpe de Estado.
Nem a Magistratura, nem o Ministério Público têm a capacidade de estender muito sua atuação autocrática e corporativa contra os segmentos mais amplos da burguesia e da estrutura partidária oligárquica brasileira, seja pela reação através dos monopólios midiático ou do Parlamento alvejando suas grandes vulnerabilidades. A aprovação no Senado da lei que criminaliza o abuso de autoridade por agentes públicos, coloca limites mais precisos contra a atual tendência expansiva do poder autocrático do Judiciário e revoga a legislação vigente cuja origem é a ditadura militar de 1964.

9.

As disputas interburguesas e a desorganização da coalizão de poder golpista abrem às esquerdas uma janela de oportunidade de mobilização e projeção política. Todavia para aproveita-la é preciso ultrapassar muitos obstáculos. O mais importante é o da mobilização popular, ainda restrita à militância de esquerdas sem alcançar segmentos mais abrangentes da classe trabalhadora, profundamente decepcionada e desconfiada com os processos eleitorais, a partir da adesão do PT à ordem burguesa dependente e neoliberal, na qual buscou introduzir modificações pontuais. Sem enfrentar esta desconfiança popular e reconstruir sua unidade, dificilmente as esquerdas conseguirão dar à bandeira das Diretas Já peso suficiente para interferir nas decisões do Congresso Nacional ou do TSE.
A alternativa política mais provável no curto prazo é a de que o impasse se resolva ou por uma vitória da fração mais agressiva do grande capital derrubando o governo Temer, ou pela neutralização desta ofensiva pelas forças patrimonialistas dos partidos de direita e centro-direita brasileiros, principalmente, PMDB, PSDB e DEM. Todavia um prolongamento do Governo Temer levará a um aumento das disputas interburguesas ampliando a janela de oportunidade para as esquerdas se reorganizarem e relançarem o seu protagonismo através do fortalecimento dos movimentos de massa que voltou a liderar nas ruas.
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Carlos Eduardo Martins é doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Programa de Estudos sobre Economia Política Internacional (UFRJ), coordenador do Laboratório de Estudos sobre Hegemonia e Contra-Hegemonia (LEHC/UFRJ), coordenador do Grupo de Integração e União Sul-Americana do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso). É autor de Globalização, dependência e neoliberalismo na América Latina (2011) e um dos coordenadores da Latinoamericana: Enciclopédia contemporânea da América Latina e do Caribe (Prêmio Jabuti de Livro do Ano de Não Ficção em 2007) e co-organizador de A América Latina e os desafios da globalização (2009), ambos publicados pela Boitempo. É colaborador do Blog da Boitempo quinzenalmente, às segundas.

sábado, 27 de maio de 2017

ONU e CIDH repudiam o uso da força em manifestações, violência no campo e ação na Cracolância.

O Escritório Regional para América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos condenou o uso "excessivo da força por parte da Polícia Militar para reprimir protestos e manifestações no Brasil", criticou a ação de domingo (21) na Cracolândia paulistana e a violência de manifestantes. Para a entidade, o uso de armas de fogo deve estar excluído de qualquer estratégia de controle de atos de rua.
Em um comunicado, assinado também pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a entidade da Organização das Nações Unidas (ONU) também criticou a violência policial em operativos de segurança no espaço urbano e no marco do conflito de terras.
Leia mais"Uso de arma de fogo pela polícia é deplorável", diz general sobre atuação da PMGoverno faz levantamento de prejuízos na Esplanada após protesto em BrasíliaEm vídeo, Temer diz que manifestações foram exageradas
O comunicado foi emitido dois dias depois que Brasília registrou protestos em sua Esplanada, com cerca de 35 mil pessoas. "Durante as manifestações, ocorreram atos de violência, incluindo o incêndio e a depredação de equipamentos públicos", apontou a ONU.
A entidade lembrou que sete pessoas foram detidas e 49 ficaram feridas, algumas delas gravemente e uma delas com arma de fogo. "Do mesmo modo, reportou-se que a Polícia Militar utilizou gases pimenta, lacrimogêneo e balas de borracha para reprimir os protestos".
Apesar de o decreto do presidente Michel Temer sobre o uso das Forças Armadas ter sido revogado, as Nações Unidas fizeram um alerta. "Instamos o Estado brasileiro a redobrar seus esforços para promover o diálogo e proteger o direito à manifestação pacífica", disse o representante da entidade, Amerigo Incalcaterra.
"A manifestação pacífica é uma forma de participação própria das sociedades democráticas, em que as pessoas podem exigir seus direitos humanos e exercer ativamente suas liberdades de opinião e de expressão".
A crítica também foi direcionada aos manifestantes. Os organismos "condenam todo ato de violência e urgem aos manifestantes a exercer seus direitos à livre manifestação de forma pacífica, ao mesmo tempo em que reafirmam que a ação das forças de segurança deve respeitar em todo momento as normas internacionais de direitos humanos".
Cracolândia
Outro alerta da ONU se refere à desocupação da Cracolândia, promovida pela Prefeitura de São Paulo. "Várias pessoas ficaram feridas na região conhecida como Cracolândia, na cidade de São Paulo, durante uma operação de segurança para remover das ruas dependentes químicos usuários de drogas ilícitas", indicou.
"De acordo com a informação recebida, a operação teria incluído a demolição de um prédio que estava ocupado, o despejo de moradores e comerciantes da Cracolândia e o uso de bombas de gás e balas de borracha para reprimi-los", disseram as entidades.
A ONU avalia que a situação gerou uma "profunda preocupação pelo uso excessivo da força por parte das forças de segurança do Estado brasileiro".
Outro exemplo usado pela entidade foi a morte de dez pessoas durante um despejo violento realizado pelas Polícias Civil e Militar em uma fazenda no Estado do Pará. A ONU quer uma investigação sobre o caso.
Armas
Tanto a ONU como a Comissão Interamericana ainda se dizem preocupadas com os incidentes com armas de fogo em diferentes momentos das manifestações no Brasil. As entidades pediram para o "Estado adotar mecanismos para garantir o estrito apego aos princípios gerais de legalidade, proporcionalidade e absoluta necessidade no uso da força em contextos de protesta social".
"As armas de fogo devem estar excluídas dos dispositivos utilizados para o controle dos protestos sociais. O uso deste tipo de armas é uma medida extrema, e não deve utilizar-se exceto naquelas ocasiões em que as instituições policiais não possam reduzir ou deter com meios menos letais àqueles que ameaçam a vida e integridade de outras pessoas", alertou a ONU, que pede que as autoridades investiguem os casos e sancionem os responsáveis.
Ela ainda convoca o Estado a "garantir e proteger a integridade física e a segurança dos e das manifestantes". "Chamamos as autoridades brasileiras a garantir o pleno exercício dos direitos humanos no marco de um Estado democrático de Direito, o qual é condição fundamental para a promoção e proteção efetiva dos direitos humanos no país", disse Incalcaterra.
"Buscamos garantir os direitos humanos em uma situação bastante delicada no Brasil neste momento", disse o relator da Comissão Interamericana para o Brasil, James Cavallaro, que quer fazer uma visita ao Brasil para avaliar a situação.


   




Juristas repudiam divulgação de áudio entre Reinaldo Azevedo e Andréa Neves, por Marcelo Feller.

Juristas repudiam divulgação de áudio entre Reinaldo Azevedo e Andréa Neves
Quarta-feira, 24 de maio de 2017

A divulgação pelo portal BuzzFeed de uma conversa entre o jornalista Reinaldo Azevedo e Andréa Neves, política irmã do senador Aécio Neves (PSDB-MG), despertou inúmeras críticas pela violação do sigilo de imprensa. Na conversa, sem nenhuma relevância jurídica para a investigação, Reinaldo criticava junto com Andréa o conteúdo de matérias jornalísticas prejudiciais à imagem do senador.
No caso, a conversa entre ambos sequer deveria ser transcrita. Como explicou ao Justificando o Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e Professor de Direito Processual Penal Guilherme Madeira Dezem,“a interceptação não era voltada para Reinaldo Azevedo, mas sim para Andréa Neves, investigada na operação. Dentre as ligações interceptadas, ocorreu de cair uma conversa que envolve sigilo de fonte e liberdade de imprensa. Seria a mesma coisa se caísse uma conversa dela com um advogado, por exemplo. Tanto no caso do advogado, quanto no caso do jornalista, a conversa não pode ser utilizada” – explica.
A lei de interceptação telefônica determina que gravação que não interessar à prova será inutilizada por decisão judicial, sendo que cabe ao Ministério Público ou à pessoa investigada requerer a destruição do material. Isso significa que quando a Polícia está fazendo a escuta e se depara com uma conversa protegida pelo sigilo profissional, ela tem que continuar gravando. “Na Alemanha, por exemplo, a lei manda parar de gravar. No Brasil não, a gravação é contínua e deve ser gravada para depois se avaliar o descarte, explica Madeira.
À polícia cabe somente gravar todo o material voltado à pessoa e o filtro deve ser feito pelo Ministério Público Federal. Como o filtro geralmente não é feito, principalmente em casos com volume de dados gigantesco, os anexos vão inteiros para decisão judicial. Ou seja, a conversa entre Andréa Neves e Reinaldo Azevedo circulou entre várias instituições, sendo inviável saber ao certo quem vazou o material para o BuzzFeed. “Isso também pode estar vindo à tona porque o Fachin liberou o sigilo sobre todos os documentos do processo. Não descarto uma liberação da publicidade por engano no manuseio de uma quantidade gigantesca de material”.

Interceptações telefônicas são diferentes em cada país, mas sempre suscita debates sobre arbítrio e Estado Policial. Na imagem, cena do filme alemão “A vida dos outros”, que trata exatamente desse tema.
Entretanto, seja por acidente ou não neste caso específico, fato é que o uso de conversas protegidas pela lei e pela Constituição como arma política para prejudicar desafetos em campos ideológicos tem sido feito há muito tempo pela força tarefa da Lava Jato, como, por exemplo, a divulgação no Jornal Nacional dos áudios entre Lula e Dilma, quando Moro sequer era competente, ou ainda sequer havia autorização para referida gravação. Outro episódio ocorreu quando todo o escritório Teixeira Martins Advogados, responsável pela defesa do ex-presidente, foi grampeado, prejudicando os sigilo dos profissionais com os clientes, ou ainda mais recente o caso do blogueiro Eduardo Guimarães, violado em seu sigilo de imprensa pelo Juiz Sérgio Moro que se tornou obstinado em descobrir quem da Justiça Federal havia vazado uma informação prejudicial aos interesses da Lava Jato.
Ou seja, é comum em mais um caso de uso de delações e escutas pelas autoridades da Força Tarefa para prejudicar quem se oponha, ainda que minimamente, à Lava Jato. Como lembrou o Professor, Advogado e colunista no Justificando Gustavo Freire Barbosa, a única coisa que Eduardo Guimarães e Reinaldo Azevedo têm em comum é a crítica à Operação – “a operação Lava Jato vem sendo agendada pelos códigos morais dos agentes do Judiciário e do Ministério Público, não pelo Código de Processo Penal e pela Constituição. O sigilo da fonte é só mais uma das garantias que vêm sucessivamente indo pro saco. Aconteceu com Eduardo Guimarães e agora com Reinaldo Azevedo, dois blogueiros com espectros ideológicos totalmente antagônicos, mas críticos da Lava Jato”.
Episódios como esses foram diversos e contaram com o aval de muitas pessoas que, agora no caso de Reinaldo, indignam-se com o ocorrido. “Não deixa de ser triste e irônico que o Reinaldo Azevedo que tanto clamou pela liberação do áudio da Dilma e do Lula agora seja vítima disso. E lá atrás, quando defendemos que não poderia haver essa divulgação, éramos xingados. E agora, defendemos a mesma coisa, ou seja, a Constituição, não a pessoa A ou a pessoa B” – afirmou Madeira. Para ele, agora os críticos do passado podem perceber com maior nitidez o que muitos juristas e especialistas de demais áreas do conhecimento têm denunciado há muito tempo – “A mitologia grega traz o mito de Cassandra, uma mulher que prevê a queda de Tróia e alerta ao povo sobre suas previsões de destruição, mas foi desacreditada e considerada louca. Nos sentimos como ela sobre o quanto avisamos que esses abusos iriam acontecer com quem tanto os estimulou, mas não nos deram ouvidos. Agora, estamos nessa situação” – concluiu o magistrado.
Nas redes sociais, o Professor de Direito Constitucional da PUC/SP Pedro Estevam Serrano comentou que o autoritarismo judicial tem se valido de escutas e delações para destruição de reputação de opositores. Isso já acontecia com políticos do Partido dos Trabalhadores, mas agora tem evoluído para advogados, jornalistas e políticos de outros campos ideológicos – “Parece uma nova, ilícita, inconstitucional e profundamente autoritária estratégia. Juntar a inquéritos e divulgar delações e grampos que tratam de condutas legítimas de advogados, jornalistas e mesmo políticos, em geral críticos aos excessos das investigações, apenas para criar um clima de “envolvimento” em imoralidades. Estou estarrecido com esses comportamentos autoritários e abertamente ilícitos” – afirmou Serrano.
Para ele, a finalidade desses abusos “é de calar críticos, como ocorreu com Reinaldo Azevedo e advogados. Uma imensa ruptura com a Constituição e a democracia está em andamento, enquanto muitos cidadãos se entretem com o circo das noticias de operações espetaculosas” – concluiu.
Também nas redes sociais, o Advogado Criminalista Marcelo Feller fez uma dura cobrança a jornalistas que tem endossado esse arbítrio. “De vocês, jornalistas de hoje que aplaudem e estimulam esse estado de coisas, a sociedade cobrará a conta. Espero que não esqueçamos da responsabilidade de vocês, como esquecemos todos os dias do papel principal da imprensa no golpe de 64” – afirmou o advogado.

Vem aí uma Globalização chineza? por Pepe Escobar.

Xi elogiou o mestre da navegação da dinastia Ming, almirante Zheng He – como "emissário amistoso" – antes de oferecer uma metáfora da nova ordem comercial mundial que acabava de delinear.
“Xi elogiou o mestre da navegação da dinastia Ming, almirante Zheng He, antes de oferecer uma metáfora da nova ordem comercial mundial que acabava de delinear”
Pequim lança Nova Rota da Seda, megaprojeto de infraestrutura que terá enorme impacto na Ásia e chegará à Europa Ocidental. Presidente Xi afirma que não se trata de neocolonialismo disfarçado
Por Pepe Escobar
O presidente Xi Jinping invoca heróis da dinastia Ming, estratégias geopolíticas de desenvolvimento e analogias com os gansos selvagens asiáticos para retratar a iniciativa chinesa Novas Rotas da Seda como nave madrinha de uma nova ordem mundial focada no comércio.
O presidente Xi Jinping usou o Fórum Internacional Nova Rota da Seda, de dois dias, em Pequim, para fixar a China como a nave madrinha de nova ordem mundial benigna, focada no comércio. Esse é, disse Xi, um “novo modelo de ganha-ganha e cooperação” que prevalecerá sobre a diplomacia dos canhões.
No início da conferência, a rede estatal chinesa Xinhua cuidou de esclarecer que a iniciativa – oficialmente chamada, antes, de “Um Cinturão, Uma Estrada” [ing. One Belt, One Road (OBOR)] e chamada agora “Iniciativa Cinturão e Estrada” [ing. Belt and Road (BRI)] — nada tinha de “neocolonialismo disfarçado”.
“A China não carece de estados fantoches” – disse Xinhua, repetindo, na essência, o que Xi disse em seu discurso histórico.
“A China quer partilhar sua experiência de desenvolvimento com o resto do mundo” – disse Xi –, “mas não intervirá nos assuntos internos de outros países, não trabalhará para exportar nosso sistema social e nosso modelo de desenvolvimento, nem forçará outros países a aceitá-los.”
O Comunicado que o Fórum distribuiu – um resumo dos pontos principais do discurso de Xi – registrava que as nações representadas em Pequim comprometiam-se a promover “cooperação prática por estradas, ferrovias, portos, vias marítimas e internas de transporte por água, aviação, oleodutos e gasodutos de energia, eletricidade e telecomunicações “.
170516-China
O Big Business também estava lá representado e, pelo que se diz, entusiasmadíssimo.
Jack Ma de Alibaba, tão comprometido com promover uma Plataforma eletrônica de Comércio Mundial, falou à mídia chinesa durante o Fórum e saudou o movimento da iniciativa BRI para “incluir jovens, mulheres, empresas pequenas e países em desenvolvimento.”
No último dia do Fórum, Pequim construiu até uma espécie de Nações Unidas da Nova Rota da Seda, no formato de uma Mesa Redonda de Líderes, com microfones igualmente abertos e acessíveis a todos. O evento foi ilustração elegante e cheia de estilo de como Xi deseja que o mundo veja a iniciativa chinesa.
“A intenção primária e mais alto objetivo da ‘Iniciativa Cinturão e Estrada'” é permitir que cada membro se associe ao processo de enfrentar os desafios econômicos globais, encontre novas oportunidades e motores de crescimento, alcance situação de ganha-ganha e continue a andar na direção de uma comunidade com destino coletivo” – disse Xi.
Xi elogiou o mestre da navegação da dinastia Ming, almirante Zheng He – como “emissário amistoso” – antes de oferecer uma metáfora da nova ordem comercial mundial que acabava de delinear.
“Os gansos-cisnes selvagens“, disse ele, de uma grande ave selvagem, rara, encontrada na Ásia, mas não na Europa” – voam muito longe e em plena segurança vencendo ventos e tempestades, porque voam em bandos e ajudam-se uns os outros, como equipe.”
Monte num cisne selvagem
Não há dúvidas de que as Novas Rotas da Seda encontrarão turbulência pela frente. No Fórum, a ministra de Economia e Energia da Alemanha, Brigitte Zypries, ameaçou não assinar o comunicado final, se não houvesse firmes garantias para livres concorrentes – sem favoritismos para empresas chinesas – relacionados a outros projetos futuros de OBOR/BRI.
Sim, mas… em termos de expansão/exploração/construção de ferrovias, quem poderia competir com a China?
Trens de carga partem já regularmente da China oriental e da China central, atravessando as estepes da Ásia Central e apontam pontualmente a milhares de quilômetros de distância em 17 dias, antes de chegar a Londres, Madrid, Duisburg ou Lyon. Partem lotados de produtos domésticos, roupas e peças de reposição de maquinário, e voltam com produtos químicos, vinhos e produtos para bebês.
É duas vezes mais rápido que o comércio por mar, ainda que um trem de carga carregue menos de 100 contêineres, comparados com os mais de 20 mil que viajam por navios cargueiros. Mas o que realmente interessa é que até aí é só a primeira perna de uma futura rede de ferrovias para trens de alta velocidade que ligarão o leste da China à Europa via a Ásia Central.
Estão previstas no plano de expansão também parcerias público-privadas. Por exemplo, o primeiro ramo da Ferrovia Rota da Seda, que liga Chongqing a Duisburg, foi promovida na verdade, há seis anos passado, não por políticas de Pequim, mas pela gigante Hewlett-Packard do Vale do Silício, para embarcar milhões de notebooks para a Europa, por trem.
Mas agora a política da China avança rapidamente por toda a Europa. No Fórum, a Europa Oriental estava pesadamente representada e a região está sendo ajudada por um fundo criado há três anos, para investir, inicialmente, US$10 bilhões de euros.
Ano passado, China Everbright comprou o aeroporto de Tirana, na Albânia. O China Exim Bank está financiando a construção de rodovias em Macedônia e Montenegro. Em 2014, China Road & Bridge Corporation construiu uma ponte sobre o rio Danúbio em Belgrado, a chamada “ponte da amizade sino-sérvia”, a maior parte da qual foi financiada pelo China Exim Bank.
E há a ferrovia de trens de alta velocidade entre Atenas e Budapeste, via Macedônia e Belgrado. O ramo crucial Budapeste-Belgrado – não liberado pela União Europeia – deve entrar em operação finalmente ainda esse ano.
Mais uma vez, a geoeconomia empurra a geopolítica. Ao investir num corredor do Mar Egeu até a Europa Central, Pequim estará estimulando ativamente o comércio a partir do famoso porto grego de Pireu, que na verdade já está sob controle chinês desde 2010.
E agora a batalha por soft power
Zhou Wenzhong, secretário-geral dos fóruns regionais de negócios de alto nível, o Boao Forum para Ásia, fala das Novas Rotas da Seda como “a resposta da China à globalização”. Mas é realmente mais que isso. É realmente a visão do novo mundo. Visão composta de tantas partes, todas em movimento constante, que até agora continua difícil de definir.
Xi usou o Fórum para tentar esclarecer o conceito, mas verdade é que só as condições e circunstâncias em campo definirão as diferentes estratégias no futuro. Incluirão, para cada projeto, coordenação política e de financiamento que tenham potência para empurrar a iniciativa além de um boom de infraestrutura.
O Fórum já deixou claro como atores muito significativos disputam posições. Já se observa surto de competição entre Hong Kong e Londres sobre quem será a fonte privilegiada de financiamento. Enquanto Hong Kong mantém-se como centro offshore número um do mundo para compensações em yuan, o chanceler britânico Philip Hammond já enfatiza que Londres continua a ser o principal centro financeiro do mundo, insuperável para prover as necessidades “de banking internacional” das Novas Rotas da Seda.
A revoada dos gansos-cisnes já começou. A próxima grande pergunta é com que ênfase as Novas Rotas da Seda reescreverão as regras do jogo do comércio global, sem agitar demais atores ultrassensíveis, como a Índia. Mas é bem aí que se insere o chip do soft power.
Agora, os gansos-cisnes de Pequim começam a trabalhar para seduzir o Sul Global e trazê-lo para uma parceria irresistível que transcende o mero comércio

STJ nega liberdade a mãe de quatro crianças condenada por furtar ovos de Páscoa, por Jornal EXTRA


    


O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Nefi Cordeiro negou liberdade a uma mãe de quatro crianças condenada a três anos, dois meses e três dias por furtar ovos de Páscoa e um quilo de peito de frango. Ela vive com seu bebê recém-nascido numa cela lotada da Penitenciária Feminina de Pirajuí, em São Paulo.
A Defensoria Pública de São Paulo havia pedido o habeas corpus na última sexta-feira, com os argumentos de que a sentença era desproporcional à tentativa de furto e de que Maria* é mãe de quatro crianças — de 13, 10 e 3 anos de idade, além de bebê de 1 mês que está com ela na penitenciária, mas que será separado da mãe ao completar 6 meses.
Nesta semana, EXTRA mostrou que a sentença de Maria* supera a pena de pelo menos sete condenados na Operação Lava-Jato. Uma desproporção do sistema penal que afeta toda a família: desligados do convívio diário com a mãe, os quatro menores crescem separados também de seus irmãos.
Para a defensora Maíra Coraci Diniz, a extensão da pena da mãe é “absurda”, ao se considerar o caráter pouco impactante e lesivo do crime. Diante disso, ela acionou o STJ para pedir a atipicidade material da conduta (anulação por ser crime insignificante), a readequação da pena ou a prisão domiciliar, garantida pela lei às mães responsáveis por filhos menores de 12 anos.
Relator da ação, Cordeiro não enxergou “evidente constragimento ilegal” que justificasse a concessão da liminar de soltura de Maria*. A decisão foi publicada na manhã desta quinta-feira e consta no acompanhamento processual da Corte. O habeas corpus, segundo ele, é medida excepcional.
“Esta não é uma situação presente, onde as pretensões de absolvição por aplicação do princípio da insignificância, readequação da pena ou determinação de que a condenação seja cumprida em prisão domiciliar são claramente satisfativas”, escreveu o ministro.
Cordeiro manteve Maria* em regime fechado por “não vislumbrar a presença dos requisitos autorizativos da medida urgente”. Não haveria suficiente base legal para concretizar o direito pleiteado pela Defensoria Pública, na avaliação do relator.
“A admissão de circunstâncias judiciais gravosas ao réu incidente faz admitir como possível a fixação do regime prisional fechado, devendo ser oportunamente analisado o pleito pelo colegiado”, destacou Cordeiro, ao indeferir a liminar.
O CASO
Maria* foi presa em flagrante, há dois anos, por furtar produtos de um supermercado de Matão, em São Paulo. Permaneceu reclusa por cinco meses, até que um juiz concedeu a liberdade provisória. Condenada em primeiro grau, ela teve a sentença mantida em segunda instância e voltou ao cárcere em novembro de 2016, grávida. A detenta deu à luz no último 28 de abril e vive com o filho em uma cela, cuja capacidade é de 12 pessoas, ao lado de outras 18 lactantes.
Uma das duas mulheres que cometeram o furto com Maria já recebeu liminar favorável.
O caso de Maria* levanta debate sobre a Justiça — que garantiu a liberdade à outra mulher presa no mesmo furto e a prisão domiciliar à mulher do ex-governador Sérgio Cabral, Adriana Ancelmo, por ter filhos pequenos. Mostra ainda certa desproporção das penas no Direito Penal. Na Operação Lava-Jato, ao menos sete condenados vão cumprir menos tempo de cadeia que a dona de casa. Cinco deles recorrem em liberdade, um está preso em domicílio.
Em nota, o STJ informou que o valor furtado é excessivamente alto para aplicação do princípio da insignificância.
“Importante destacar o fato da condenada ser reincidente e estar cumprindo pena em regime aberto quando cometeu os furtos. O valor Furtado é excessivamente alto para aplicação do princípio da insignificância, como pede a defensoria. Com esse fundamento, o ministro do STJ Nefi Cordeiro negou liminar a mulher condenada pelo furto de 19 ovos de Páscoa, sete barras de chocolate, dois peitos de frango e quatro vidros de perfume em São Paulo (estes em outro estabelecimento) – valor de R$ 1.196, em 2015 (isso as três rés juntas)”, diz nota.
Sobre a liminar dada à corré, o STJ informou que os embargos não foram divulgados. “Quanto à liminar dada a corré, se deveu ao fato estar em situação processual diferente, porque a defesa dela recorreu da condenação no TJSP e os embargos ainda não foram julgados”.

segunda-feira, 22 de maio de 2017

A razão em transe, por Fernando Horta.



A razão em transe
por Fernando Horta
Há mais de 400 anos fundava-se a chamada “ciência moderna”. O nome pomposo nada mais significa que um método para conhecer as coisas que buscava se afastar das formas medievais de construção das verdades. Na “ciência moderna” o intelecto humano tomava parte, mas não sozinho. Era necessário que o intelecto tivesse “amarras”, “ferramentas” no que se sustentar. Reconhecia-se que a mente pouco consegue diferenciar imaginação de realidade. O autoconvencimento é, enfim, entendido como o maior problema do ato de “conhecer”. Crianças, por exemplo, levam alguns anos para perceberem que são diferentes do mundo externo. A bem da verdade, nos dias de hoje, uma quantidade impressionante de pessoas parece não ter atingido ainda esta percepção. Continuam acreditando que o mundo é tanto quanto sua crença diz que é. Sem ferramentas apropriadas a realidade é somente o que a mim parece. Nada mais.
Esta perigosa crença não é nem medieval. Na Idade Média existia um componente moral muito forte no conhecimento. Este componente, entretanto, era delimitado e definido por pessoas que tinham um conhecimento muito mais apurado do que a média da população. Hoje, estamos desconstruindo o conhecimento baseado na teoria do “eu acho”. Eu me convenço das coisas buscando o menor caminho entre a realidade e o que “eu acho”. Normalmente este menor caminho são memes, falsas informações e a negação da própria realidade.
Se eu me convenço de que A é corrupto, eu vou à realidade buscar apenas as informações que corroborem com a minha tese. Por menores e mais estranhas que sejam. Não há a preocupação de questionar-se, não há o interesse em exercitar uma humildade sadia: “Será que o mundo, as coisas, são, realmente, como eu penso que são?” O caminho para “provar” a minha verdade é assim:
Se A é corrupto, então A enriqueceu. Mas as evidências mostram que A não enriqueceu.
O racional seria, diante de uma resposta negativa para uma pergunta que eu faço ao mundo, eu questiono minha teoria. Talvez, apenas talvez, A não seja corrupto. É isto que se faz há 400 anos. É isto que o mundo, e o Brasil parece ter esquecido.
Diante da dor de perceber que a realidade não é como eu quero que seja, eu nego a realidade. De forma irracional e ilógica mesmo.
Se A é corrupto, e eu não consigo provar que A enriqueceu, então A esconde o fruto de sua corrupção. Logo A deve provar que não esconde.
Veja que o delírio irracional não submete A à prova da riqueza – que já foi descartada no primeiro questionamento. Não se trata de perguntar a A se ele tem riqueza. Trata-se de exigir que ele prove que não está escondendo. Mas como fazer prova negativa? Como eu provo que não escondo? Como eu provo que não sei? Como eu provo que não tive? Se ao fazer a prova eu apenas fortaleço a irracionalidade de quem me acusa?
Se desnudarmos A e nada encontrarmos, tanto mais claro fica que A está escondendo, já que eu não encontrei em A o que tenho certeza. O efeito da ocultação de A é o mesmo efeito de A não ter o que eu acho que A tem.
A, portanto, não tem; e pode não ter por realmente não ter, ou pode não ter por estar ocultando. A razão me diz para seguir o primeiro: se eu não acho em A o que penso que ele tem, meu pensamento está errado. A irracionalidade trilha o segundo caminho. Se eu não acho em A o que eu penso que ele tem, A é um ocultador magistral.
Dizendo de outra forma, se o mundo não é exata e tão somente o que eu penso que ele seja, errado está o mundo. Esta irracionalidade bebe de um narcisismo intelectual que acredita que eu conheço o mundo e o faço de forma inquestionável. Para me manter neste caminho eu tenho que negar tudo e todos que, de alguma forma, conhecem e enxergam diferente. Eu tenho que retirar deles o direito mesmo de conhecer ou, ao menos, sua vontade de questionar.
O Brasil vive esta distopia. Em todos os campos, foram criados mecanismos de irracionalidade que se apoiam no sentimento psicológico do egocentrismo narcisista. Eu sou tal que conheço, a despeito dos outros, das evidências e das teorias em contrário. Eu tenho esta capacidade inata de conhecer perfeitamente.
Isto estanca o sentimento de inferioridade de quem efetivamente não conhece, através da desqualificação daquele que conhece. Isto é chamado de anti-intelectualismo. Como quem não conhece é, normalmente, maior em número do que quem conhece, o argumento da maioria entra em jogo. Tudo vira opinião, e se toda opinião tem o mesmo valor o número de opiniões define a realidade.
Conhecer passa a ser um defeito se for crítico. É preciso calar os críticos. É preciso conter os que conhecem, negar-lhes legitimidade. “Conhecem? Não! Usam um “falso conhecer” com o objetivo (político) de me convencer de que o meu conhecimento é errado”. Quando o conhecer é submisso, então ele é benéfico, ele é bom. Quando o conhecer serve para reforçar o que eu já penso sobre a realidade, este conhecer reforça o meu ego, chancela o que eu digo sobre o mundo. Logo, ele é um conhecimento cheio de virtudes.
Não é à toa que os primeiros atos do governo Temer foram atacar a ciência, a educação e os professores. Todos. O conhecimento virou uma mercadoria de pouco valor, e que pode ser substituída por qualquer outra, ao gosto de quem detém o poder econômico. A educação virou um trabalho dos mais desimportantes, quase marginalizado. Seus trabalhadores estão sendo tratados como mão de obra descartável.
O efeito disto é que um presidente pode mudar a vida das pessoas sem nenhuma legitimidade eleitoral, porque memes dizem “que não foi ‘gópi’”.
O efeito disto é que um congresso pode se dar anistia de dívidas e, ao mesmo tempo, prejudicar milhões de trabalhadores, porque a mídia diz “que isto será bom para você”.
O efeito disto é que um tribunal superior pode dizer qualquer coisa diferente da Constituição porque, afinal, o tribunal diz-se acima do pacto político que criou a própria Constituição.
O efeito disto é que um indivíduo gravado, filmado, rastreado cometendo crimes, tem a cada de pau de vir à público dizer que é tudo falso. Que aquela realidade inexiste. Que é tudo política.
E a maioria da nós, que perdeu a capacidade de se questionar, porque haveria agora de questionar o (vice)presidente? A maioria de nós, ao defender a irracionalidade para si, já perdeu a capacidade de criticar.
Estamos em transe, estamos mudos, estamos perdido

Mídia está desembarcando do governo Temer, diz João Feres Jr.


Ao GGN, coordenador do Manchetômetro analisou o comportamento da mídia desde o impeachment de Dilma. Lançado em 2014, projeto que fornece dados sobre a qualidade da cobertura jornalística ganhou versão 2.0 neste ano. Gráficos mostram queda nas críticas ao governo federal após posse de Temer e blindagem a Sergio Moro
Jornal GGN - Atingido repentina e duramente pela delação da JBS, o governo Temer começou a perder o apoio incondicional dos principais veículos da grande mídia, segundo análise do cientista político e coordenador do Manchetômetro, João Feres Jr. Para ele, a Globo lidera a "campanha ferrenha" contra o presidente da República, enquanto Folha de S. Paulo e Estadão ainda resistem um pouco, comportando-se como bombeiros em meio a um incêndio.
"O que vai acontecer a partir dessa crise do governo Temer, dessa exposição dos áudios de Temer e Aécio Neves, eu não sei. Minha impressão é que parte da mídia está desembarcando do governo Temer, mas eles estão sem direção. Não sabem aonde embarcar", disse Feres ao GGN.
A entrevista ocorreu no último dia 18, um dia após a bomba da JBS cair sobre Brasília, mas horas antes do Supremo Tribunal Federal divulgar a gravação de Joesley Batista. No áudio, Temer toma conhecimento de tentativas de obstrução de Justiça, incluindo suposta compra de silêncio de Eduardo Cunha, além de mostrar que o governo aceitou pressão da empresa investigada para resolver seus problemas com órgãos ligados ao Ministério da Fazenda.
Reportagem publicada pelo GGN na manhã seguinte à divulgação do áudio mostrou que enquanto Globo joga lenha na fogueira do impeachment revelando novas acusações a cada dia, Folha de S. Paulo lidera a compra da versão do acusado, chegando a omitir trechos da flagrante gravação para blindar Henrique Meirelles, o homen das reformas impopulares. 
Para Feres, a mudança no comportamento da Globo é um marco na cobertura da grande mídia desde a reeleição de Dilma Rousseff e seus desdobramentos. Desde que tomou o poder, Temer vinha ganhando uma cobertura muito mais neutra do que a presidente afastada pelo impeachment.
O Manchetômetro de Feres e outros acadêmicos, criado pelo Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (LEMEP-UERJ), fornece dados sobre a qualidade da cobertura jornalística em relação a temas econômicos e políticos desde 2014. Como o projeto ganhou até uma versão 2.0 neste ano, é possível traçar um paralelo entre o tratamento dispensado à Dilma no auge de sua crise, e a cobertura do governo Temer.
No site, "uma comparação interessante de fazer é pegar a variável 'governo federal' e ver como ela evoluiu. No período Dilma, a quantidade negativa [de notícias] era 3 vezes maior, em média, que a de [notícias] neutras. Bastou a Dilma sair que a curva de [notícias] contrárias despencou. Ou seja, Temer começou com tratamento muito mais positivo ou privilegiado em relação à Dilma. Outra coisa que a gente nota é que esse tipo de tratamento continua ao longo do governo. Vamos ver como se comporta com esse novo escândalo [delações da JBS]", avaliou Feres.
Em 2017, o Manchetômetro ganhou uma versão 2.0. Agora, o internauta pode gerar gráficos com diferentes variáveis, ou seja, selecionando os personagens, temas e jornais que pretende analisar. O gráfico acima, por exemplo, expõe a cobertura de todos os veículos envolvidos no projeto (Folha, Estadão, O Globo e Jornal Nacional) sobre os governos Dilma e Temer, de maio de 2015 (um ano antes do início do impeachment no Senado) até os dias atuais
DILMA X TEMER
Para Feres, a disparidade na cobertura do governo Dilma em relação a Temer ajuda a desmontar o argumento de que a grande mídia serve de "cão de guarda" do interesse público, ou seja, promove uma cobertura igualmente dura em relação a qualquer governante. 
"Um crítico poderia dizer que não, que Dilma tinha crise econômica [e isso justificaria a cobertura mais negativa]. Mas o governo Temer também está em crime econômica. Ou que Dilma tinha denúncia de corrupção. Mas Temer está crivado de acusações de corrupção. Então controlando essas variáveis todas, você vê que a única maneira de explicar isso é que a mídia realmente trata diferentemente os partidos que estão no poder." 
Feres lembrou que o Manchetômetro comparou a eleição de 1998 com a de 2014 e chegou à mesma conclusão. "Eram as reeleições de Fernando Henrique Cardoso e Dilma. Fernando Henrique enfrentava uma crise econômica muito pior que Dilma, e ainda assim ele tinha mais coberturas favoráveis e neutras que negativas. Então, a tese do cão de guarda em relação à mídia nacional não se aplica e pode ser refutada de várias maneiras diferentes." (Leia mais aqui)
A AGENDA DA GRANDE MÍDIA
O gráfico abaixo, que compara a cobertura de Folha, Estadão, O Globo e Jornal Nacional sobre Dilma, Lula e Temer, de maio de 2015 (um ano antes do início do impeachment no Senado) até maio de 2017, ajuda a entender a agenda da grande mídia.
Lula e Dilma continuaram sendo o alvo preferido da cobertura negativa mesmo após o afastamento pelo Senado, em maio de 2016. São poucas as ocasiões em que Temer têm cobertura mais negativa que os petistas. E, nitidamente, nem Dilma nem Lula tiveram o benefício da cobertura neutra como Temer tem desde que assumiu a Presidência.
De acordo com a análise de João Feres, atacar Dilma e Lula faz parte da agenda com "duplo objetivo" da grande mídia. 
"Desde 2015, pelo menos, a cobertura da grande mídia tem duplo objetivo: um era retirar a Dilma, e esse já foi atingido, e outro é retirar os direitos políticos de Lula - nisto ainda estão muito engajados como mostra a cobertura feita, por exemplo, do depoimento dado a Sergio Moro recentemente [caso triplex]. É impressionante o viés do Jornal Nacional do dia seguinte ao depoimento. É comparável à edição histórica do debate entre Collor e Lula, tamanha a manipulação editorial. Para se ter ideia, os âncoras do telejornal se dedicam a ficar apontando contradições na fala de Lula. Editorializam o tempo todo nessa edição."
A BLINDAGEM A SERGIO MORO
Permear na opinião pública a ideia de que Lula será inevitavelmente condenado na Lava Jato e ficará indisponível para a próxima eleição passa pelo desafio de criar um antagonista para o ex-presidente. É nesse cenário que entra a blindagem ao juiz Sergio Moro.
O gráfico acima é uma análise da cobertura dos três principais jornais impressos, mais Jornal Nacional, sobre Dilma, Lula e Sergio Moro, de maio de 2015 a maio de 2017. Nesse intervalo, o juiz da Lava Jato ganhou mais destaque na cobertura da grande mídia em março de 2016, mês em que ele vazou à GloboNews o áudio de uma conversa entre Dilma e Lula sobre o termo de posse como ministro da Casa Civil. A repercussão negativa impediu Lula de ser titular da Pasta e ajudou a criar o clima ideal para a primeira votação do impeachment, na Câmara. 
Por mais que tenha sido um dos episódios mais críticos para Moro - ele teve de pedir desculpas ao Supremo por ter vazado um áudio envolvendo presidente da República - ainda assim, a cobertura em relação ao magistrado foi majoritariamente neutra, enquanto Dilma e Lula atingiram picos incomparáveis de matérias negativas.
Desde então, Moro vem marcando território nos jornais, raramente com cobertura negativa.
SOBRE O MANCHETÔMETRO
O Manchetômetro nasceu em 2014 como uma "ferramenta de cidadania", disse João Feres Jr ao GGN. "A ideia era não só intervir no debate sobre a qualidade da informação no Brasil, mas dar às pessoas condições de criticar a cobertura jornalística que elas recebem diariamente."
Antes, o portal analisava a capa dos jornais O Globo, Folha de S. Paulo e Estadão, além de todas as matérias sobre economia e política veiculadas pelo Jornal Nacional. Agora, além das capas, o Manchetômetro analisa as páginas de opinião e editoriais dos jornais impressos.
O site foi relançado em 2017 para expandir o público leitor e facilitar a análise de dados. Mais interativo, o Manchetômetro agora permite a geração de gráficos com diferentes variáveis. O internauta pode analisar o tema, o personagem e o veículo que quiser.
Além disso, os organizadores publicam periodicamente análises na sessão "Série M", usando dados levantados pelo Manchetômetro mas que nem sempre estão disponíveis no portal. Isso porque, segundo Feres, tudo ainda é lançado no site de maneira manual, o que deve mudar em breve. "A gente está desenvolvendo uma tecnologia de codificação computadorizada das matérias."
"Por fim, o próximo passo é entrarmos nas redes sociais. Ou seja, o Manchetômetro funcionar também como observatório da política nas redes sociais, mas sempre tendo como perspectiva a grande mídia. Ou seja, no caso das redes sociais, seria mais o rebatimento que os grandes meios têm nas redes sociais", revelou Feres.