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segunda-feira, 27 de novembro de 2017

A prisão em tempos (e lugares) de governamentalidade neoliberal, por Fernando Salla.

A prisão em tempos (e lugares) de governamentalidade neoliberal

Rafael Godoi se propôs a fazer algo um tanto raro no meio acadêmico brasileiro nessa área: articular o local e o global, pensar a experiência prisional de São Paulo no contexto das tendências de encarceramento em massa que se apresentam no mundo contemporâneo.


Por Fernando Salla.

Nas últimas décadas, houve um grande interesse dos estudiosos de diversas áreas do conhecimento em relação ao encarceramento e seus efeitos na sociedade. O resultado foi o aparecimento de muitas pesquisas, livros, artigos, teses e ensaios que trouxeram uma compreensão mais alargada sobre o encarceramento no século XXI. Isso não significa, no entanto, que tenham se esgotado os temas e problemas sociais a serem pesquisados em relação ao mundo prisional. Nem que tenham sido muitos os avanços teóricos e metodológicos nessa área. O livro Fluxos em cadeia: as prisões em São Paulo na virada dos tempos de Rafael Godoi, amparado numa sólida base teórica e na sua trajetória de pesquisa, traz novidades para esse campo de reflexão. Diante de uma situação prisional que em muitos aspectos parece não se alterar, e em meio a uma certa inércia dos recursos explicativos disponíveis, o autor dá conta de fazer deslocamentos analíticos e de provocar novos caminhos de argumentação.

Com a análise que realiza sobre os três focos de interesse no livro – o regime de processamento da execução penal, o processo de interiorização penitenciária e o sistema de abastecimento das prisões – somos efetivamente convencidos de que há na sua pesquisa contribuições inovadoras nesse campo e que novos arranjos teóricos e metodológicos foram apontados para o avanço na compreensão das prisões.
Rafael Godoi se propôs a fazer algo um tanto raro no meio acadêmico brasileiro nessa área: articular o local e o global, pensar a experiência prisional de São Paulo no contexto das tendências de encarceramento em massa que se apresentam no mundo contemporâneo. Ou seja, verificar como e em quê a nossa experiência permite melhor compreender a “prisão em tempos (e lugares) de governamentalidade neoliberal”.
Sob essa inspiração, analisa o governo das prisões como um sofisticado agenciamento de instituições, sujeitos, objetos que vai muito além dos seus muros. Godoi reconfigura as tradicionais análises entre o dentro e o fora das prisões, destacando os “vasos comunicantes”, os muitos circuitos que conectam os espaços prisionais com os territórios urbanos. Mostra como o dispositivo carcerário alcança e organiza de modo capilar os fluxos para a realização das visitas, submetendo as mulheres, crianças, amigos dos presos a filas multifacetadas, infindáveis, fragmentadas no tempo e nos territórios; regulando os objetos permitidos e proibidos, impondo pequenas e grandes barreiras para o encontro atrás das grades. O governo das prisões alcança ainda o plano da subjetividade dos presos e de seus parentes. São muitas as expectativas, as angústias em relação à execução penal, à expectativa dos benefícios, à perspectiva de transferência, de livramento condicional ou liberdade definitiva. As temporalidades se cruzam; a instantaneidade, a velocidade das coisas se combinando com as angustiantes esperas e demoras.
O leitor que quiser um bom exemplo de trabalho de pesquisa consistente, criativo, atualizado, instigante, tem no livro de Rafael Godoi motivos de sobra para mergulhar nesse fluxo em cadeia.
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Cadeias no Brasil e no mundo hoje são escolas de muitas coisas. Na França, por exemplo, são escolas de radicalização. Acompanhando de muito perto a experiência da punição no sistema prisional paulista, Rafael Godoi descobriu que elas são antes de tudo escolas onde se aprende a esperar. Descobriu que o tempo vivido nas dimensões de um sistema punitivo caracterizado pelo regime de progressão e pela jurisdicionalização da execução penal, que prende em massa para soltar aos poucos os sobreviventes, é um tempo de espera ativa impulsionado pelo esforço desesperado de fazer o inacessível processo de cada um andar. Fazer a Justiça andar, esse o real e absurdo trabalho do cárcere. Ao invés de só incapacitar e deixar apodrecer, como é da natureza da onda punitiva contemporânea, mobiliza. Dentro e fora das grades. Paulo

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