Mais uma semana, mais um tiroteio, desta vez em Parkland, na Flórida. Lugar? Uma escola. Número de mortos? Dezessete.
Enquanto a história se repete, três letrinhas continuam a tornar quase impossível o controle de armas de fogo nos EUA: NRA, a Associação Nacional do Rifle. Como então podemos barrar um grupo que já foi considerado “a pior força da política” (Huffington Post) e “provavelmente a mais poderosa organização de lobby” (Washington Post) do país, cujo ex-presidente, o falecido Charlton Heston, certa vez afirmou que o governo federal só conseguiria tirar as armas de fogo dos membros da NRA se as arrancasse de suas “mãos frias e mortas”?
Bem, tenho uma inusitada proposta para solucionar o problema sem colocar nenhuma vida em risco: e se todos os muçulmanos dos EUA entrassem para a NRA? Sim, todos. Cada. Um. Deles.
Imaginem só. Há entre três e sete milhões de muçulmanos nos Estados Unidos. A NRA tem apenas cerca de cinco milhões de membros. Uma campanha de associação em massa pelos muçulmanos do país poderia efetivamente dar a eles o controle da organização.
Conservadores de todos os cantos do país ficariam estarrecidos. Em poucos dias, o presidente da Câmara, o republicano Paul Ryan, estaria reunindo seus colegas de partido no Congresso para apoiar medidas legislativas emergenciais, tais como verificação universal de antecedentes e tempos de espera mais longos para aquisição de armas. Alguns analistas de direita talvez até começassem a questionar a própria Segunda Emenda [à Constituição dos EUA]. Enquanto isso, o presidente Trump provavelmente iniciaria um ataque pelo Twitter aos “fracassados” da NRA por darem abrigo ao “islamismo radical”.
Afinal de contas, se os atiradores em Parkland ou Las Vegas fossem muçulmanos, alguém duvida que esses massacres teriam sido imediatamente enquadrados como atos de “terrorismo”? Ou que o presidente teria exigido restrições de viagem ainda mais amplas e talvez até a criação de campos de concentração? Até mesmo Tom Friedman levantou essa questão no New York Times, depois do ataque em Las Vegas: “se [o atirador] Stephen Paddock fosse muçulmano, […] se tivéssemos uma foto dele posando com o Alcorão em uma mão e um rifle semiautomático na outra […], certamente haveria comoção imediata exigindo uma comissão de inquérito para avaliar quais leis precisariam ser aprovadas para assegurar que isso não se repetisse.”
Está bem claro que a sociedade tem dois pesos e duas medidas no que se refere aos muçulmanos, então por que não usá-los para sabotar a onipotente NRA e subvertê-la por dentro?
O pessoal de direita talvez tente argumentar que a organização receberia de braços abertos os milhões de novos associados muçulmanos, porque a NRA se dedica a promover o direito de portar armas e a defender seus proprietários, independentemente de raça ou religião.
Ora, não me façam rir. É preciso lembrar de Philando Castile, o motorista negro de Minnesota que foi morto a tiros depois de ser parado por um policial em julho de 2016? Embora ele tivesse licença para porte oculto de armas, a NRA permaneceu em ostensivo silêncio sobre sua morte. (Um representante da NRA inclusive tentou culpar Castile pelo tiro que o matou.)
Houve ainda o episódio da chegada de um grupo de Panteras Negras aos degraus da Assembleia Legislativa da Califórnia, portando revólveres e espingardas, em maio de 1967. O ato levou o então governador, o republicano Ronald Reagan, a assinar a Lei Mulford, que proibiu o porte aberto de armas carregadas, com total apoio da NRA.
Se os republicanos já não gostam muito que os negros americanos tenham armas, o que será que pensariam no caso dos muçulmanos? Três em cada quatro membros da NRA são republicanos, e, segundo uma pesquisa conduzida pelo centro de pesquisas Pew Research Center, a franca maioria dos republicanos acredita que os muçulmanos que vivem nos EUA apoiam o extremismo. Quase nove entre cada dez republicanos dizem estar preocupados com o extremismo em nome do Islã nos EUA.
Falando francamente: esse pessoal já tem uma conduta de suspeição e hostilidade em relação aos vizinhos muçulmanos pacíficos e desarmados; dá para imaginar o tamanho do choque que sentiriam diante da perspectiva de viver lado a lado com muçulmanos legalmente armados. E detentores de carteirinhas da NRA e autorizações de porte oculto de arma, para piorar. O horror, o horror!
Pensem em como eles reagiriam às possíveis campanhas de divulgação: fotos de mulheres usando hijabs e portando rifles de assalto AR-15 no clube de tiro perto de casa; outdoors trazendo a mensagem de que “a única forma de parar um bandido armado é… um bom muçulmano armado”; hashtags #MuçulmanosNRA e #AllahAmaArmas viralizando.
Os conservadores ficariam malucos, divididos entre sua suposta lealdade à Segunda Emenda e o medo e o desprezo que sentem pelos muçulmanos. É por isso que uma adesão em massa dos muçulmanos iria enfraquecer simultaneamente a NRA, a Segunda Emenda e a destrutiva cultura armamentista americana. De brinde, ainda encerraria de uma vez por todas um debate preguiçoso: “Por que os muçulmanos não se integram à cultura?”. Afinal, se a pistola é uma tradição americana tão forte quanto a torta de maçã, os muçulmanos patriotas não deveriam estar armados também? Ter muitas armas?
A entrada de muçulmanos na NRA também ajudaria a tornar a associação um pouco mais moderada. Atualmente, há muito em comum entre o grupo dos fanáticos proprietários de armas e o dos extremistas islâmicos: ambos são reacionários ultraconservadores; ambos são predominantemente masculinos; ambos são apaixonados pela violência; ambos são obcecados por uma leitura literal dos livros sagrados (de que outra forma podemos descrever o relacionamento da NRA com a Segunda Emenda?). Os muçulmanos que se consideram moderados, por outro lado, têm um longo histórico de enfrentamento aos extremistas dentro de suas comunidades; eles certamente se dariam bem enfrentando também os extremistas dentro da comunidade dos proprietários de armas.
Então, se você vive nos EUA e se chama Mohammed ou Ali ou Omar, seja patriota e aja em prol do controle das armas de fogo: vá se inscrever na NRA. Aqui está o formulário.
Tradução: Deborah Leão