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segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Nossa democracia está falida, rebaixada e desacreditada - mas há sempre maneiras de consertá-la, por George Monbiot.

George MonbiotJames Duncan Davidson


Trump e Brexit são respostas a um sistema político que está implodindo. Mas poderia um redesenho radical arrancá-la dos mentirosos?



Rebaixada e sem bases: essa é a condição do nosso sistema político. Corrupto, ele não mais preenche seu potencial democrático. Também perdeu sua base: a população engajada politicamente a partir da qual a democracia supostamente deveria crescer. O sentido de apropriação foi erodido a tal ponto que, para milhões de norte-americanos, Donald Trump aparece como o melhor que o sistema pode oferecer.

Eu não culpo as pessoas por terem votado nele, ou no Brexit: são respostas a um sistema desacreditado e deturpado. Eleições capturadas pelo dinheiro, pelos lobistas e pela mídia; convergência de políticas entre os principais partidos, esmagando escolhas efetivas; esvaziamento dos parlamentos e outras instituições políticas e a transferência de seus poderes para corpos incontáveis; estas são a fórmula perfeita para o alheamento e a desilusão. O aumento global de demagogos e claros mentirosos sugere que o sistema construído nominalmente no consenso e na participação está implodindo.

Então como podemos fazer melhor? Poderia um sistema mais direto ser desenhado da madeira estragada da humanidade?  Este é o segundo de minha série ocasional sobre possíveis soluções para as crises múltiplas que nos confrontam. Ele explora alguns dos meios pelo qual a democracia pode ser melhorada. Ao longo dos últimos meses, eu li dezenas de propostas, algumas transparentemente horríveis, outras bem boas. O resultado geral até aqui é este: não há fórmula mágica, nem plano único que poderia resolver nossos problemas democráticos sem criar piores ainda.  Mas há muitas ideias, algumas delas que vale a pena mencionar e que poderiam melhorar nossa política.


A primeira mudança necessária é uma reforma radical no financiamento das campanhas (fundo político). O poder do dinheiro na política envenena tudo – até literalmente em alguns casos. Na minha coluna da semana passada, eu mencionei o paradoxo da poluição: as empresas mais sujas precisam gastar muito na política se não querem ser excluídas pela regulação, assim a política acaba sendo dominada pelas empresas mais sujas. E isso se aplica também fora do país. Os bancos desenham instrumentos financeiros duvidosos; indústrias farmacêuticas vendem drogas ultrapassadas; companhias de jogos buscam sufocar os controles; empresas alimentícias vendem porcaria “obesogênica”; companhias de varejo exploram seus empregados; todas têm um incentivo extra para comprar espaço político que, num sistema justo, como todos, se encontrariam sob pressão. O sistema cede para acomodar suas demandas.

Minha proposta para rever as finanças de campanha é brutalmente simples. Cada partido teria direito a ter cobrar aa mesma pequena taxa por membro (talvez 50 libras ou dólares), que receberia então o mesmo montante do Estado, com um múltiplo fixo. Qualquer outro recurso financeiro político, direto ou indireto, seria ilegal. Isto forçaria os partidos a se reengajar com os eleitores. Muito caro? Nem um pouco. A corrupção de nossa política pelo dinheiro privado nos custa centenas mais que um sistema de financiamento em que pagássemos diretamente. Aquela corrupção que levou a crises financeiras causadas pelo fracasso dos políticos em regular os bancos, as crises no meio ambiente causados pelo poder político das empresas mais sujas, e os contratos lucrativos dos financiadores privados; e ainda sobrecarregados pelas indústrias farmacêuticas bem relacionadas.

A próxima reforma crucial é ajudar os eleitores a fazer escolhas informados. A Alemanha oferece um ótimo exemplo de como isso pode ser feito: sua agência federal para a educação cívica publica oferece guias para os assuntos políticos chaves, confiáveis mas acessíveis, organiza festivais de cinema, e teatro, organiza viagens e competições, e busca engajar grupos que dão as costas para a política democrática. Milhões confiam e a consultam.

A Suíça oferece o melhor exemplo do próximo passo: seu sistema de voto inteligente apresenta uma lista de escolhas políticas, então com os quais você concorda ou discorda, então compara suas respostas com as políticas dos partidos e dos candidatos que disputam as eleições. Então,  produz um gráfico mostrando qual posição corresponde mais a seu interesse. Há excelente tecnologia cívica produzida por grupos voluntários (como O Clube Democrático, “Crowdpac”, e o “ no Reino Unido). Mas sem o financiamento e a capacidade do Estado, ele teria dificuldades para atingir as pessoas que não são já bem informadas.

Uma vez que estas reformas sejam feitas, o próximo passo é mudar a arquitetura. Como ambas eleições, a presidencial norte-americana (distorcida pelo sistema de Colégio Eleitoral) e a geral inglesa (que permite que uma minoria do eleitorado possa ditar as regras para uma maioria), sugerem, esta deveria começar por uma mudança na representação proporcional. Idealmente, nas eleições parlamentares isto iria misturar o nacional com o local retendo ligações do distrito eleitoral, como o “voto único transferível” e o “sistema de membro adicional”.

Há muitas propostas para substituir a democracia representativa com seja sorteio (delegados escolhidos aleatoriamente) ou democracia direta (referendos e iniciativas de cidadãos). Tais sistemas poderiam ter funcionado bem em pequenas cidades-estado com um limitado direito de voto (sorteio era usado na velha Atenas e na Veneza medieval e Florença). Mas com populações amplas e complexas com as nossas, essas propostas são a fórmula para o desastre. É difícil ver como podemos escapar da necessidade de políticos profissionais e dedicados em tempo integral. (Talvez, em um sistema justo e responsável, possamos aprender a amá-los)

Mas eu acredito que ambos enfoques podem ser usados para equilibrar a democracia representativa. Sorteio pode ser visto como um serviço político como um júri, no qual os cidadãos escolhidos ao acaso são apresentados a testemunhos de especialistas e então solicitados a tomar decisões. Como uma ferramenta de consulta, poderia manter a política representativa colada ao mundo real. Ele poderia ser usado para criar “convenções constitucionais”, nas quais propostas para melhorar o sistema político são exaustivamente discutidos. Pode, inclusive, haver alguma virtude na ideia de uma segunda instância parlamentar (como a Câmara dos Lordes ou o Senado norte-americano) escolhida por segmento.

Mas precisamos estar atentos aos perigos. O primeiro experimento do governo de Westminster com jurados cidadãos (a tentativa de Gordon Brown de determinar se médicos cirurgiões poderiam ser substituídos por clínicas gigantes) for corrompido de saída. Os jurados eram escolhidos a dedo e apresentados com evidências de partidarização, e, portanto, os resultados foram enterrados quando eles deram “errado”. Nenhum sistema é imune à fraude.

Uma vez que o financiamento político foi reformado, iniciativas eleitorais do tipo utilizados nos Estados Unidos – se você angariar assinaturas suficientes, pode demandar uma eleição – tornam-se poderosos instrumentos políticos, permitindo que as pessoas proponham legislação sem esperar por seus representantes (sem as reformas seriam outro meio com que bilionários manipulam o sistema). Referendos em questões significativas, como nossa participação na União Europeia, sofrem com o desequilíbrio entre a complexidade do assunto e a simplicidade do instrumento: eles demandam níveis impossíveis de conhecimento político. Mas, para certas questões simples, em especial, questões locais – deveria uma nova estrada ser construída? Deve um certo conjunto de apartamentos ser demolido? – eles podem, se desenhados cuidadosamente, ampliar a transparência política.

Também, ao nível local, o método chamado de “sociocracia” pode melhorar a democracia. Este é um sistema desenhado para produzir decisões inclusivas mas unânimes, ao encorajar membros de um grupo para manter objetando a uma proposta até que, entre eles, produzam uma resposta todos possam conviver com ela. Uma versão desenhada pela firma Endergurg Electronics na Holanda foi amplamente utilizada por empresas e cooperativas. Não é difícil ver que produz melhores decisões que o usual encontro com autoridades locais. Mas é difícil imaginar como pode ser ampliado sem perda de inteligibilidade .

Fazer qualquer um desses mecanismos acontecer...bem, isso é o desafio. Eu voltarei a isso nas próximas colunas. Mas mudança ocorre quando se decide o que se quer, antes que o que pensamos poder conseguir. Uma democracia que funcione é uma demanda ultrajante?

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