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terça-feira, 30 de outubro de 2018

‘Vitória de Bolsonaro faz soar um alarme mundial’, por João Paulo Charleaux.


29 Out 2018
(atualizado 29/Out 21h49)

José Miguel Vivanco, diretor para as Américas da ONG internacional de direitos humanos Human Rights Watch, compara Bolsonaro a Chávez e diz que Brasil se converteu numa das prioridades da organização

Foto: John Vizcaino/Reuters - 03.02.2010
Jose Vivanco
José Miguel Vivanco em entrevista a jornalistas em Bogotá
José Miguel Vivanco foi expulso da Venezuela em 2009 por denunciar violações aos direitos humanos cometidas pelo então presidente Hugo Chávez. O diretor para as Américas da Human Rights Watch, uma das maiores e mais influentes organizações de direitos humanos do mundo, já previa então que o país se tornaria uma ditadura.
Nesta segunda-feira (29), um dia depois da eleição de Jair Bolsonaro (PSL) para presidente, Vivanco disse ao Nexo, de Washington, por telefone, que teme que o Brasil siga caminho semelhante, em alguns aspectos, não apenas ao da Venezuela, mas também ao de países como Filipinas, Rússia, Turquia e outros, que passaram a ser governados por populistas autoritários de diferentes matizes.
A vitória de Bolsonaro “faz soar um alarme que é muito, muito sério”, disse Vivanco. O professor de direito nas universidades Georgetown e John Hopkins, ambas nos EUA, alertou ainda: “Muitos pensam que é preciso estar preocupado com o que um político faz, não com o que ele diz. Nossa experiência mostra que o discurso contrário aos direitos humanos tem que ser sempre identificado a tempo. Do contrário, pode ser tarde demais”.
Ele avisou que pretende “mobilizar a opinião pública mundial e todos os mecanismos disponíveis, tanto na Organização das Nações Unidas quanto na Organização dos Estados Americanos, além dos governos democráticos e amigos que se importam com os direitos humanos, seja na América Latina, na Europa ou na América do Norte, para defender a vigência dos direitos fundamentais no Brasil”.

Qual é sua preocupação com o Brasil a partir do resultado da eleição presidencial?

José Miguel Vivanco Penso que esta é a primeira vez na história moderna da América Latina que por votação popular, numa decisão democrática, alguém cuja plataforma política e cujas promessas de campanha são, na maioria, contrárias a valores e princípios básicos em matéria de direitos humanos, se consagra.
Que um candidato populista como este, com um discurso demagogo desses, chegue ao poder, não é propriamente uma surpresa. Há muitos políticos populistas demagogos eleitos, começando por Donald Trump, nos EUA. Mas a eleição de um candidato que faz apologia à ditadura militar brasileira, que defende o uso da tortura, que promove o fácil acesso às armas por parte dos cidadãos, e que promete que, no futuro, policiais que matem delinquentes sejam premiados, condecorados ou promovidos, implicando numa licença para matar sem prestar contas, alguém que trata os meios de comunicação como fake news, que abertamente adere a posições racistas e discriminatórias contra as mulheres, contra os negros, contra aqueles que têm uma orientação sexual diferente, que ameaça as instituições, incluindo as instituições judiciais, e que, nesta condição, é eleito com o apoio de uma ampla maioria dos eleitores, implica não somente numa ameaça muito séria ao sistema democrático brasileiro e à vigência dos direitos humanos de caráter universal, pelo tamanho do país, pelo fato de o Brasil ser um gigante na América Latina, mas representa também um perigo, um risco muito, muito grave para a defesa dos direitos mais básicos em toda a América.

O que a sua organização pretende fazer em relação a isso?

José Miguel Vivanco Nossa organização tem o mandato de investigar e mostrar a fotografia mais nítida possível do comportamento dos Estados em relação aos direitos humanos no mundo todo. Para nós, a chegada de alguém como Bolsonaro, eleito democraticamente no Brasil, converte o país numa das principais prioridades da organização.
Nossa experiência indica que os discursos e as promessas de campanha, a retórica, especialmente quando se trata de uma retórica tão negativa, tão provocadora, mais que provocadora, tão anti-direitos humanos, como é a dele, é um alarme. Isso faz soar um alarme que é muito, muito sério. É um alarme igual ao que temos hoje em relação a Rodrigo Duterte, [presidente] nas Filipinas. Queremos informar ao mundo tudo o que possa começar a ocorrer no Brasil a partir de 1º de janeiro de 2019.
Estaremos atentos para registrar como vão se dando os acontecimentos, quais são as políticas específicas que Bolsonaro tentará implementar na hora de cumprir suas promessas de campanha.
Muitos pensam que é preciso estar preocupado com o que um político faz, não com o que ele diz. Nossa experiência mostra que o discurso contrário aos direitos humanos tem que ser sempre identificado a tempo. Do contrário, pode ser tarde demais.
Nós fomos talvez a primeira organização mundial de direitos humanos a fazer soar o alarme em relação a Hugo Chávez na Venezuela. Estou falando de 2003, 2004, quando Chávez começou a abertamente atacar os meios de comunicação, a falar em censura à imprensa, a retirar arbitrariamente a concessão de funcionamento do principal canal de televisão do país, a RCTV, e a impor controles aos meios de comunicação audiovisual, assim como quando Chávez começou a criticar o Poder Judiciário, a falar contra os mecanismos de controle do Estado.
Quando alertávamos sobre isso, muitos nos diziam: “deixe-o tranquilo, isso é parte de um debate político muito polarizado. Não se deve dar atenção a esse tipo de declaração, porque são provocações. Espere para ver se ele vai fazer o que diz”. Eu acho que todos os que baixaram a guarda finalmente lamentaram, depois, terem chegado tarde demais para defender as liberdades públicas e os direitos básicos.
Bolsonaro desenhou claramente um plano de ação. E, nisso, ele foi muito claro. Ele foi muito claro a respeito de suas posições contra os direitos humanos. Isso é mais do que suficiente para nos obrigar a estarmos muito atentos a tudo o que aconteça, para mobilizar a opinião pública mundial e todos os mecanismos disponíveis, tanto na Organização das Nações Unidas quanto na Organização dos Estados Americanos, além dos governos democráticos e amigos que se importam com os direitos humanos. Seja na América Latina, na Europa ou na América do Norte, estaremos muito atentos para mobilizar esses governos, para defender a vigência dos direitos fundamentais no Brasil.

A Venezuela foi um assunto muito recorrente nas mensagens de campanha de Bolsonaro, como uma ameaça de que o Brasil, pelas mãos do PT, seria convertido numa nova Venezuela. Mas o sr. menciona a Venezuela agora como um risco de destino ao qual o Brasil poderia chegar pelas mãos do próprio Bolsonaro. Como esses extremos, à direita e à esquerda, chegam ao mesmo lugar em relação aos direitos humanos?

José Miguel Vivanco A única diferença entre o discurso de extrema direita e o discurso de extrema esquerda é a ideologia. Mas ambos estão unidos por um discurso messiânico, fundamentalista e populista, um discurso que ignora ou desconhece as instituições democráticas.
São políticos que surgem prometendo o paraíso na Terra, quando nossos povos estão passando por etapas difíceis, quando há um grande desprestígio da classe política, quando há medo e há incerteza em relação ao futuro, quando a credibilidade do jogo democrático está em jogo — esse é exatamente o caldo de cultura no qual aparecem esses falsos profetas, esses messias que exploram os temores das pessoas e que oferecem soluções demagogas, simplistas, como a mão dura, a força bruta. Eles dizem que as pessoas devem depositar uma fé cega neles, com a promessa de que, com isso, as coisas mudam. Mas toda a história, toda a nossa experiência demonstra que, com a ausência de controles institucionais, há mais abusos, mais violência. Quando as pessoas têm acesso fácil às armas, há inevitavelmente mais violência. Quando os policiais recebem autorização para matar antes de perguntar, também há como consequência mais violência, mais milícias, mais grupos de extermínio e mais injustiça, mais abusos.
Insisto: a diferença é essencialmente ideológica, mas o populismo é o mesmo. A irresponsabilidade é a mesma. A aposta no caudilhismo é a mesma. E digo mais: muitas vezes, um dos principais obstáculos para os que promovem a vigência dos direitos humanos são os setores que se deixam levar pela ideologia de maneira tal que começam a aplicar um duplo padrão, que é um padrão de fazer vista grossa para fatos atrozes, sob a justificativa de possuir uma afinidade ideológica em relação a um determinado governo.
Quando essas pessoas se deixam levar por afinidades ideológicas — que são perfeitamente legítimas — é preciso parar, distinguir e dizer: “eu me sinto ideologicamente simpatizante deste modelo, mas rechaço categoricamente as violações aos direitos humanos, as perseguições contra minorias e os abusos contra as liberdades de expressão que este mesmo governo promove. Mesmo estando próximo ideologicamente deste governo, sou capaz de identificar, de reconhecer, que este modelo, neste país, está cometendo ou vai cometer violações de direitos humanos, porque o líder é autoritário, reivindica a ditadura e diz que o pior erro da ditadura foi ter torturado sem ter matado as vítimas da repressão”.
Com esse tipo de proposta, são claríssimos os problemas que Bolsonaro representa para os direitos humanos, e é clarríssimo identificar onde estão as semelhanças entre esse discurso autoritário e o discurso que Nicolás Maduro promove na Venezuela.

Líderes populistas e nacionalistas de extrema direita acusam organizações como a sua, assim como a imprensa, de tentar limitar ou controlar governos autônomos, que foram eleitos democraticamente justamente para executar o plano que foi apresentado ao longo de uma campanha. Como o sr. vê essa acusação de intromissão?

José Miguel Vivanco Isso faz parte do repertório dessas pessoas. Foi o que fez Alberto Fujimori no Peru. Ele foi eleito democraticamente. Derrotou [o escritor peruano, prêmio Nobel de Literatura e candidato presidencial na eleição de 1990, Mario Vargas] Llosa, num contexto muito difícil que o Peru então atravessava, e, um ano depois de tomar posse, deu um autogolpe e começou a governar diretamente como um ditador. Ele perseguiu a sociedade civil, os meios de comunicação e o Poder Judiciário. Há muitos exemplos como esse.
São governantes que acreditam que são eleitos com poderes para fazer e para desfazer. Acham que basta a legitimidade de origem: se é eleito democraticamente, tem liberdade para governar e para fazer o que quiser, pois tem o mandato dado pela maioria. Eles não entendem que os valores democráticos implicam, primeiro, serem eleito em eleições limpas, competitivas e sem fraudes. Mas, depois, é preciso governar democraticamente. E o governo democrático se define pelo respeito às minorias, não às maiorias. E pelo respeito às instituições do Judiciário, à liberdade dos meios de comunicação, para que possam promover sempre um debate público aberto e sem censura, e à sociedade civil.
Há exemplos à esquerda e à direita de caudilhos populistas que atacam principalmente e primeiramente a sociedade civil, os meios de comunicação e os juízes. Aí está centrada toda a artilharia. Foi o que fez Fujimori, foi o que fez Álvaro Uribe [presidente da Colômbia de 2002 a 2010], foi o que fez Rafael Correa [presidente do Equador de 2007 a 2017], foi o que fez Hugo Chávez [presidente da Venezuela de 1999 a 2013] e Nicolás Maduro [sucessor de Chávez, desde 2013 até hoje], assim está fazendo Donald Trump nos EUA, assim faz Viktor Orban [primeiro-ministro da Hungria desde 2010], Recep Erdogan [presidente da Turquia desde 2014] e Vladimir Putin [presidente da Rússia desde 2012].
Há inúmeros exemplos de líderes que assumiram em eleições democráticas, ou não tão democráticas assim, mas que, logo, passaram a governar como autocratas. Para eles, o primeiro alvo da artilharia são as vozes independentes, são os mecanismos de controle, os especialistas que falam sobre mudanças climáticas, os especialistas que podem converter-se numa pedra no sapato para o governante autoritário. Por isso, nós estaremos extremamente atentos ao trabalho dos juízes, dos meios de comunicação independentes e, com certeza, da sociedade civil brasileira.

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