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sábado, 14 de maio de 2016

#AgoraÉQueSãoOsCanalhas, por Xico Sá.


“Embarquei na tua nau
Sem rumo. Eu e tu.
Tu, porque não sabias
Para onde querias ir.
Eu, porque já tomei muitos rumos
Sem chegar a lugar nenhum.”

Michel Temer, poeta, no livro Anônima Intimidade, ed. Topbooks (168 pp, R$ 39).
O vice que agora versa, pelo que se viu no primeiro dia da farsa institucional, usou as mãos de tesoura do preconceito como critério para montar o seu time administrativo.
Não há desculpa, a não ser em um regime de exceção, para compor uma equipe de governo no Brasil de 2016 sem mulheres ou negros. Só estes ficaram de fora. O resto tem de sobra, a começar pelos sete distintos cavalheiros que são alvos na Operação Lava Jato.
Podemos operar uma matemática que é ridícula e diz tudo: depois de 128 anos da dita alforria dos escravos parte da classe média brasileira ainda berra contra as cotas para negros; 84 anos depois do direito ao voto feminino, quem disse que os partidos conseguem sequer preencher o número mínimo de candidatas nas eleições?!
Nesta mesma semana em que o religioso Temer retrocedeu aos tempos da ditadura do general Geisel (1974-1979), bom lembrar que o papa acenou com a quebra de um tabu medieval: em breve as freiras poderão ministrar o batismo, distribuir comunhão e celebrar casamentos, como você lê aqui no EL PAÍS.
Nunca o Brasil esteve tão porco chauvinista. Sai do tempo do #AgoraÉQueSãoElas, lembrado neste texto de André de Oliveira, e retorna ao #AgoraÉQueSãoOsCanalhas. Sai Dilma, entra o Temer, antes de tudo um verbo da segunda conjugação da nossa língua portuguesa.

Da lama ao caos

Para lembrar Paulo Mendes Campos, meu cronista preferido, mais do que nunca somos o mais estranho de todos os países. PMC escreveu tal sentença em 1966, ditadura braba: “E o Brasil viverá do improviso, que não é o vento do espírito, mas a mesma força que dormia no caos, antes que a Terra fosse criada.”
Gostaria de estar mais lírico nesse momento. Amaria não ter largado aqui nesse espaço a habitual crônica do amor louco. Sinto muito. Saturno nos trópicos, alerta com um verso de Roberto e Erasmo: minha alegria é triste.
Não creio na esperança, repentinamente vendida na televisão, como se milagre houvesse. Meus mercados não são os mesmos que compram almas mortas (se liga no velho Gogol, jovens ao Google!) de escravos e terceirizados para revender na bacia da B&MF, a tal da bolsa de mercadorias e futuros.
Meus mercados são o centrais e afetivos, com o cheiro de torresmo e cachaça em BH, com o cheiro de bode com cuscuz na Encruzilhada (Recife), com vigor do caldo do Pau do Guarda (Crato, Ceará), com o antigão do Peixe de Salvador, com o São José de Laranjeiras (Rio), com o de Pinheiros, em SP – onde é possível sentir, ainda hoje, o cheiro da minha mais proustiana madeleine, falo do cheiro de pequi nos ares, aquele que me devolve, em um segundo, à infância nos derredores da Chapada do Araripe.

Poetas comparados

Em matéria de presidente não há saudade alguma de José Sarney, vade-retro. Lendo os versos do Temer, caro Millôr Fernandes, juro, senti uma certa nostalgia dos poemas do maranhense de “Marimbondos de Fogo”, obra que você criticou com engenho e arte, sonetos e emendas. O beletrismo, a ideia do poetastro, voltou a mandar no Brasil, amigo. Que azar o nosso. O país condenado aos contrastes, onde um presidente tido e havido como analfabeto, um tal de Lula, criou 18 universidades federais e, repare só, os doutores renomados, tipo FHC, passaram em branco. Como se diz em bom cearensês, que diabé-isso, macho?
Xico Sá, escritor e jornalista, é autor de “Big Jato” (ed. Companhia das Letras), entre outros livros. Na televisão, é comentarista dos programas “Papo de Segunda” (GNT) e “Redação Sportv”.

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