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terça-feira, 28 de maio de 2019

A crise do jornalismo é multidimensional, dinâmica e complexa, por Observatório da Imprens

A crise do jornalismo é multidimensional, dinâmica e complexa
Por Equipe do Observatório da Imprensa em 21/05/2019 na edição 1038
  
 

Rogério Christofoletti em campanha de divulgação do livro A crise do jornalismo tem solução? -Ed. Estação das Letras e Cores, 2019 (Foto: Divulgação).

Rogério Christofoletti é professor de jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina e um dos principais pesquisadores da área hoje no Brasil, além de um dos coordenadores do Observatório da Ética Jornalística (objETHOS).

É autor de doze livros e mais de 70 artigos científicos publicados em revistas brasileiras e estrangeiras. Durante um período de pós-doutorado na Universidad de Sevilla, na Espanha, Christofoletti escreveu o livro que acaba de lançar: A crise do jornalismo tem solução? (104 páginas, ed. Estação das Letras e Cores).

A obra é o terceiro volume da coleção Interrogações, dirigida pela professora e pesquisadora Lucia Santaella. Por email, Rogério concedeu uma entrevista ao jornalista Pedro Varoni, publicada abaixo. O pesquisador procura pensar a crise do jornalismo num contexto global como multidimensional, dinâmica e complexa, mas com particularidades no caso brasileiro.

Rogério também falou da importância do jornalismo local para as democracias. Como todo processo disruptivo, há também novidades no cenário, com iniciativas que apontam para novas formas de fazer jornalismo.

P: Começamos pela pergunta-título de seu novo livro: a crise do jornalismo tem solução?

É claro que um título como este gera uma expectativa tremenda sobre o que o leitor vai encontrar nas próximas páginas. Estamos diante de uma realidade: o jornalismo já não é mais o que era antigamente e as pessoas e as sociedades se relacionam de forma distinta hoje, muitas vezes abrindo mão do jornalismo para isso. O que fazer? Como lidar com essas novas bases de mediação social? Como manter os provedores de informação jornalística quando muitas pessoas se acostumaram a consumir bens simbólicos aparentemente de graça? Como manter o jornalismo num tempo em que outros canais oferecem informações que aparentemente podem substituir o noticiário convencional?

As perguntas são muitas, e consequência direta da gravidade da situação. O jornalismo está em uma crise diferente de todas as que já teve. Não é só financeira, mas política, ética, de credibilidade, de governança. É uma crise multidimensional e eu trato dela desta forma no livro. Mas é importante ter em mente que não se pode resolver um problema tão complexo assim com uma bala de prata, com uma tacada perfeita. A crise afeta profissionais, públicos e organizações de forma distinta, inclusive porque tem escalas distintas. Um pequeno jornal do interior é afetado pela crise de um modo e não pode responder a ela como um New York Times. A crise é frenética, dinâmica e complexa. Enfrentá-la é urgente. Estamos não só falando de uma indústria de bilhões, mas também de um mercado de trabalho de milhões de pessoas, de uma atividade social que cumpria uma função única e de um importante escudo da democracia, da cidadania e da civilização.

O título do livro gera uma expectativa enorme e sei que um volume de cento e poucas páginas não soluciona a crise. Aliás, o livro nem se propõe a isso, afinal o título não é “Qual é a solução para a crise do jornalismo?”. Eu arrisco algumas saídas, claro, e discuto-as dentro dos contextos em que elas se apresentam. Mas meu livro é, acima de tudo, um convite para discutirmos a crise do jornalismo. Não apenas para jornalistas, mas todas as pessoas, pois este é um assunto que deve preocupar a todo o mundo, já que somos todos afetados pelas notícias.

P; Seu livro é resultado de uma pesquisa de pós-doutorado na Universidad de Sevilla, na Espanha. Qual era a proposta da pesquisa e como você avalia seus resultados?

Na verdade, o livro não é resultado do pós-doutorado, mas foi mais uma tarefa que cumpri durante minha estada em Sevilha. Foi um convite da professora Lucia Santaella, da PUC-SP, que coordena a coleção Interrogações, da Editora Estação das Letras e Cores. A Lucia me chamou porque havia lido alguns textos meus sobre o tema. A crise do jornalismo é um assunto que me interessa há algum tempo e tenho discutido isso dentro do projeto GPSJor, que investiga bases para a implantação de um jornalismo de novo tipo na cidade de Joinville (SC).

Desde 2016, estamos trabalhando nisso e, para propor novos caminhos para o jornalismo, não poderíamos deixar de discutir a crise do setor.
O livro que está sendo lançado agora não é resultado do GPSJor. É uma visão mais pessoal da crise, mas claro que estou influenciado com o que discutimos lá e no Observatório da Ética Jornalística (objETHOS), que ajudo a coordenar na UFSC.

O desafio que Lucia Santaella me propôs foi escrever um livro curto, dirigido ao grande público, que tratasse da crise do jornalismo com um tom questionador. Eu me guiei por isso e aproveitei para fazer uma síntese das informações que vinha reunindo nos últimos anos, com uma preocupação especial pela crise no mercado e na indústria brasileiros. O livro é, então, uma jornada que discute a crise do jornalismo e arrisca algumas saídas. Quanto aos resultados a que cheguei, julgar o próprio trabalho é sempre muito delicado, mas acredito que o livro oferece alguma contribuição para discutirmos o tema em nosso país e neste momento da crise.

P: No caso do Brasil, quais seriam as particularidades da crise do jornalismo?

A indústria brasileira tem particularidades, sim, e a estrutura de oligopólios no setor, um comportamento temerário do empresariado em inovar e a falta de unidade dos profissionais contribuem para uma configuração distinta. Mas é preciso ver o Brasil como o continente plural que é. Temos um jornalismo maior que muitos países europeus, um mercado consumidor de notícias invejável e capacidades técnicas e profissionais incríveis. Ao mesmo tempo, nosso jornalismo não é influente como o europeu, há imensos desertos de notícia – e o Observatório da Imprensa vem mostrando isso no Atlas da Notícia! -, e muitas vezes, nosso jornalismo é provinciano, servil aos interesses comerciais mais imediatos, descompromissado com um projeto de país e extremamente paroquial.

Enfrentar a crise do jornalismo no Brasil não é apenas inventar formas de sustentá-lo economicamente. É também enfrentar esses contradições internas, é também refazer pactos com os públicos e assumir uma função de mediação social e de defesa de valores humanos, muitas vezes ignorados. Precisamos ao mesmo tempo refazer pactos com a audiência – atendendo suas expectativas informativas e oferecendo condições para uma melhor compreensão do nosso tempo -, mas também precisamos ser criativos para atrair recursos que financiem as nossas práticas. Isto é, o jornalismo precisa mostrar à sociedade que ainda é muito útil e imprescindível, e que ninguém faz o que ele costuma fazer. As redes sociais não informam as pessoas. Os grupos de WhatsApp aprofundam a desinformação. O jornalismo precisa voltar a perseguir suas vocações e demarcar claramente o que pode oferecer aos cidadãos, às sociedades.

P: Como em todo processo disruptivo, há um jornalismo que morre e outro potencial que nasce. É possível descrever, de forma breve, esse contexto?

Eu penso que esses ciclos não são perfeitos e bem definidos. Quer dizer, tem vida e morte a todo o momento. Os números têm mostrado quedas sucessivas de assinantes de TV a cabo e isso afeta os canais de notícia 24 horas, por exemplo, mas também os de jornalismo esportivo. Ao mesmo tempo, vemos o surgimento forte de produtos jornalísticos criativos, distintos e desafiadores. O Meio, por exemplo, é um produto que é uma newsletter diária. Não é um site ou portal, é uma carta de notícias que nos chega a cada manhã. O Nexo aposta no jornalismo de contexto e tenta nos explicar o cotidiano com menos pressa e mais alargamento de perspectiva. Aos fatos e Lupa se encarregam de fazer checagem de dados. The Intercept, Pública e A Ponte oferecem grandes reportagens, aprofundamento, crítica e monitoramento de quadrantes da sociedade civil. Isso sem contar as dezenas de iniciativas locais de meios que tentam se consolidar pelo Brasil afora. Ao mesmo tempo, temos meios de comunicação tradicional ressuscitando as newsletters e apostando em podcasts, por exemplo.

O YouTube, que poderia ser uma evolução da TV, ainda é um mistério para os jornalistas, mas há casos de figurões que apostam nessa vitrine, como é o caso do William Waack, do Fernando Morais e do Bob Fernandes, para ficar em poucos exemplos. O YouTube ainda é um terreno altamente dominado por criadores de conteúdo de entretenimento no Brasil, e nenhum jornalista nacional se aproxima do rebanho que tem um Whindersson Nunes, que não oferece notícias mas tem mais de 35 milhões de telespectadores. Não imagino que algum jornalista se aproxime desse alcance, mas observar as potencialidades desse canal para chegar ao público é importante. Bem como é vital rediscutirmos o papel que têm as redes sociais e as grandes plataformas que estão drenando não só recursos de publicidade do jornalismo, mas pior: estão devorando a atenção das pessoas, que passam mais tempo vendo banalidades do que se informando para tomar suas pequenas e grandes decisões diárias…

P: Uma das discussões que emergem com a crise do jornalismo é a importância da imprensa local como agente de cidadania. O que fazer para termos uma imprensa local mais forte no Brasil?

Eu me preocupo muito com o jornalismo local por uma razão muito simples: a crise do jornalismo acontece em meio a uma crise de confiança nas instituições. Isto é, a democracia está sendo questionada, o sistema de representação política está sendo questionado, a escola e a ciência estão sendo colocados contra a parede. É uma época muitíssimo complicada porque nossos sistemas de crenças parecem estar se dissolvendo diante de nossos olhos. Isso acontece no nível macro e no micro.

O jornalismo local tem uma grande importância no enfrentamento dessas crises porque ele nos permite criar contextos de diálogo e ação. Como a escala é menor, as medidas a tomar podem ter impactos mais concretos e visíveis. Imagine uma cidade de 20 mil habitantes que tem um jornal impresso diário, duas emissoras de rádio e um site local de informação. Ora, com uma configuração dessas, com profissionais cobrindo os problemas da cidade, acompanhando a rotina da prefeitura e do comércio local, e monitorando a Câmara de Vereadores e a segurança pública, teremos uma sociedade com mais potencial de enfrentar seus problemas próximos. Note que eu propus um cenário com muito pouca competição interna nos segmentos, mas que não é um monopólio. Um único jornal impresso e um único site. Duas pequenas emissoras de rádio. Mas cada um deles fazendo bem o seu trabalho, disputando atenção e anúncios, ou formas de financiamento do negócio. Isto é, meu exemplo se vale de um cenário de não-monopólio.

Se tivermos uma paisagem mais concentrada, corremos outros riscos, como a padronização da informação, a fabricação de consensos, o domínio hegemônico de um discurso e possíveis alinhamentos políticos que podem comprometer a emancipação do público. De qualquer forma, penso que parte das soluções para a crise do jornalismo passa pelo fortalecimento dos meios locais. E não basta que a gente apenas “curta” ou “compartilhe” o conteúdo desses meios. Precisamos assiná-los, fazer parte deles, ajudá-los a pagar suas contas. Se a pessoa gasta 30 reais com a Netflix, por que não pode ajudar a manter dois ou três meios locais que pedem 10 reais mensais?? Precisamos pensar sobre isso.

P: Qual a orientação que você daria para uma pessoa que pensa em abrir um jornal local hoje no Brasil?

Não tenho fórmula mágica, mas o que venho percebendo após anos de estudo, de pesquisa e de conversa com gente do ramo, da academia e do público, é que um meio local precisa ter no seu horizonte um conjunto de características que vai além da qualidade técnica. Oferecer produtos e serviços bons é um ponto de partida inegociável e, por isso, um meio local deve ser feito por profissionais capacitados. Jornalismo profissional tem a ver também com princípios editoriais claros e bem definidos, alinhados com compromissos comunitários. Quer dizer, um meio local precisa ser transparente com seu público e dizer que tipo de jornalismo quer fazer e faz. E esse jornalismo precisa contribuir para que aquela comunidade se desenvolva.

Isso tem a ver com fazer pactos com a audiência e os demais grupos de interesse, tem a ver com defender causas locais, com uma governança aberta e participativa, e com transparência. A meu ver, um meio local de informação não deve se preocupar em explorar comercialmente aquele território, mas trabalhar para que aquela comunidade evolua e se desenvolva de forma a permitir que aquele jornalismo subsista. Diálogo, senso de comunidade, bom humor e empatia também podem ser úteis. Acredito que possamos criar e manter meios de comunicação assim em diversas paisagens. Afinal, estamos dispostos a abrir mão do que o jornalismo nos proporciona? Eu penso que ainda não.

Robotox, o robô que tuíta sempre que o Governo Federal libera um registro de novo agrotóxico, por Agência Pública


Por Agência Pública e Repórter Brasil em 21/05/2019 na edição 1038
  
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Publicado originalmente por Agência Pública.

(Foto: Divulgação rede social do Robotox)

De janeiro até hoje, o Governo Federal publicou no Diário Oficial da União as aprovações de 166 novos registros de agrotóxicos. Desses, 48 são classificados como extremamente tóxicos. Desde 2016, as liberações têm batido recordes: só no ano passado, 450 pesticidas passaram a ser vendidos de formas diferentes no Brasil. Embora os ingredientes ativos dos produtos já fossem vendidos, os novos registros autorizam uso em novas culturas, fabricação por novas empresas ou combinações com outros químicos.

Para deixar o cidadão a par de todas essas liberações, o projeto Por Trás do Alimento, parceria da Agência Pública com a Repórter Brasil, lança o Robotox, um robô que vai publicar no Twitter todas as novas liberações de agrotóxicos concedidas pelo Governo Federal. Basta seguir a conta @orobotox, ou www.twitter.com/orobotox.

A fonte das informações do Robotox é o Diário Oficial da União. “Criamos essa ferramenta para os cidadãos poderem acompanhar, de perto e com informações oficiais, todos os novos produtos agrotóxicos que forem liberados no mercado brasileiro. É preciso que essa política tenha mais transparência e seja mais debatida com a população”, explica Natalia Viana, co-diretora da Pública.

O Robotox também vai informar o número total de agrotóxicos aprovados, grau de toxicidade, nome do produto e da empresa. Um levantamento do Por Trás do Alimento revela que, dos 166 pesticidas com registros aprovados neste ano, apenas 5% são totalmente produzidos em solo nacional. Isso mostra que estamos nos tornando cada vez mais não só consumidores, mas importadores de agrotóxicos.

O robô vai fazer postagens todos os dias. Caso não haja novas aprovações, vai informar o número de pesticidas liberados desde o início do ano e quantos produtos são comercializados no Brasil atualmente.

Quando houver liberação, o Robotox vai disparar tuítes com a marca do produto, cidade sede da empresa, nome comercial, classificação toxicológica e as culturas indicadas para uso.

“Essa é a segunda ferramenta com dados sobre agrotóxicos que lançamos esse ano, a primeira foi o mapa sobre a contaminação da água que chega às torneiras dos brasileiros. Nos dois casos, trabalhamos para dar transparência a dados que são públicos”, afirma Ana Aranha, jornalista da Repórter Brasil.

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A Agência Pública tem como missão produzir reportagens de fôlego pautadas pelo interesse público, visando o fortalecimento do direito à informação, à qualificação do debate democrático e a promoção dos direitos humanos. Em 2018, nossas reportagens foram reproduzidas por mais de 700 veículos, sob a licença creative commons. A Pública também atua para promover o jornalismo investigativo independente no Brasil e na América Latina. Site da organização: https://apublica.org/

A Repórter Brasil é uma agência de jornalismo investigativo, fundada em 2001, que denuncia violações de direitos humanos, trabalhistas e socioambientais no país. Especializada na cobertura sobre trabalho escravos e em investigação das cadeias produtivas de setores do agronegócio, a organização investiga, em parceria com a Agência Pública, os diversos impactos do crescente uso dos agrotóxicos nas plantações brasileiras. Site da organização: www.reporterbrasil.org.br

O governo Bolsonaro morre pela boca, por Carlos Wagner


Publicado originalmente pelo blog Histórias Mal Contadas.
No dia 15, os estudantes, professores e funcionários das universidades e instituto federais ocuparam as ruas reclamando contra o corte de verbas do governo federal. (Foto: arquivo pessoal).
Nas conversas entre os repórteres, é comum aparecer o relato sobre um tipo de entrevistado para o qual corremos nas ocasiões em que os noticiários estão pobres de manchetes: a fonte que não tem freio na língua e diz o que pensa, sem se preocupar com a repercussão que suas palavras causam, devido ao posto que ocupa no governo. Todo governo, seja municipal, estadual ou federal, tem em suas fileiras esse personagem. Mas jamais tinha visto, em 40 anos de profissão de repórter, um governo como é o do presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL-RJ), com tamanha abundância desse tipo de personagem. Não por outro motivo que se fala nas redações que o governo federal “morre pela boca” e que ele não precisa de oposição para dificultar a sua vida. Ele se complica por conta própria.
O fato mais recente. Os números não foram comparados. Mas, pelo que foi noticiado, o número de pessoas protestando contra o contingenciamento de verbas para as universidades e institutos federais foi igual ou superior ao dos protestos de 2013, que ficaram conhecidos como Manifestações dos 20 centavos. Até então, a oposição não tinha conseguido reunir mais de algumas dezenas de pessoas protestando contra o governo Bolsonaro. Os três últimos presidentes da República fizeram contingenciamento de verbas para o ensino. O que houve de diferente no caso do Bolsonaro? A história é conhecida. O ministro da Educação, Abraham Weintraub, anunciou que três universidades federais terão cortes em suas verbas devido a balbúrdias. A declaração do ministro foi interpretada como uma retaliação ideológica.
As declarações sobre a balbúrdia teriam sido um balão de ensaio para sentir o pulso da opinião pública sobre o que estava para vir? Se foram, nunca vai se saber. O fato é que, logo que foi anunciado que haveria contingenciamento de verbas para todas as universidades e em todos os institutos federais, de imediato o contingenciamento tornou-se sinônimo de corte e as ruas se inundaram de protestos. No auge dos protestos, Bolsonaro chama os manifestantes de “idiotas, inúteis e massa de manobra”. Foi a cereja do bolo. Weintraub substitui no cargo o ex-ministro da Educação Ricardo Vélez Rodriguez, que era um “desastrado”. Weintraub é o que nós, repórteres, descrevemos como “boca de conflito”: tudo o que ele diz vira confusão.
Citei esse fato recente. Mas há dezenas de outros fatos – todos disponíveis na internet – de pessoas do primeiro escalão do governo falando bobagens que viraram manchetes nos noticiários. Incluindo o próprio presidente e os seus filhos. Passados os primeiros quatro meses do governo Bolsonaro, eu entendo o desespero dos colegas americanos, logo no início da administração do presidente Donald Trump. Lembro que, na ocasião, falei com um velho repórter, que conheci nos anos 1980 e que hoje trabalha em Washington cobrindo Trump. Ele o definiu em uma única palavra: “louco”. Entendi a dimensão do que ele falou quando li o livro de Michael Wolf chamado Fogo e Fúria.
No Brasil, em uma leitura nos conteúdos de todos os noticiários e nos comentários dos principais comentaristas políticos do país, fica claro que nós, jornalistas, ainda não conseguimos entender o governo Bolsonaro. Vejamos: tudo o que o governo toca vira confusão. No início, avaliamos que as confusões eram para desviar a nossa atenção dos problemas sérios do país, tipo desemprego, segurança pública e outras questões estruturais. Acredito que é muito mais do que isso. As confusões criadas por Bolsonaro e seus ministros e ocupantes do segundo escalão do governo têm a ver com o desconhecimento da máquina administrativa do país. Têm a ver com o fato de considerarem apenas militares da reserva como pessoas capacitadas intelectualmente e de honestidade ilibada para ocupar postos no governo. Têm a ver com a imperícia política de transitarem entre os parlamentares.
Por que as redações dos jornais não estão fazendo a avaliação correta do governo? Há muitas respostas para essa pergunta. Mas há uma que resume a situação. As demissões em massa das redações desqualificaram a produção jornalística. E os que ficaram estão com uma enorme carga de trabalho, salários baixos e convivendo com a ameaça constante do desemprego. Dos meus 40 anos de profissão, 30 e poucos vivi dentro da redação de um grande jornal. Sei como as coisas funcionam. Na nossa profissão, escrever, falar, registrar em vídeo é a parte mais fácil da notícia. Interpretar as informações recolhidas para a matéria é a parte mais difícil, porque requer tempo para pensar, conhecimento de causa e muitos telefonemas. Tudo o que não temos hoje. É simples assim.

Os dez posts mais compartilhados no Facebook sobre as manifestações de 15 de maio, por Observatório da Imprensa

Os dez posts mais compartilhados no Facebook sobre as manifestações de 15 de maio
Por Monitor do debate político no meio digital em 21/05/2019 na edição 1038
  
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Depois de ser surpreendida pela abrangência das manifestações em defesa da educação, a direita reagiu. Durante todo o dia, os protestos contra os cortes na educação foram o assunto dominante. Páginas de esquerda defenderam a educação pública e repercutiram as mobilizações de rua. Páginas de direita, por outro lado, acusaram os protestos de serem partidários e defenderem “Lula livre”. Abaixo os 10 posts mais compartilhados:

1. Kim Kataguiri – Metade dos estudantes que foram protestar não sabem a diferença entre corte e contingenciamento, e a outra metade na verdade não são estudantes.
50 mil compartilhamentos

2. Quebrando o Tabu – “É natural, é natural, mas a maioria ali é militante. Se você perguntar a fórmula da água, não sabe, não sabe nada. São uns idiotas úteis que estão sendo usados de massa de manobra”, disse Bolsonaro na porta do hotel de Dallas, onde ficará hospedado. Dezenas de Universidades com verbas cortadas, pesquisadores sem bolsa, abandonando pesquisas de anos, professores perseguidos, escolas caindo aos pedaços, e quem reclama contra isso é “idiota útil usado como massa de manobra”. Ninguém precisa nos convencer, presidente. O problema tá aqui, e tá muito claro pra todo mundo. Um presidente deveria ouvir a população, não ofendê-la.
35 mil compartilhamentos

3. Nando Moura – É pela “educassaum ÇIM!” Pode acreditar, abiguinho!
33 mil compartihamentos

4. Kim Kataguiri – Em defesa de educação/ Lula Livre
27 mil compartilhamentos

5. Carla Zambelli – Pelo ‘Brasil inteiro’, manifestações exibem nada além de pequenas marolas vermelhas de sindicatos, associações e partidos de esquerda.
25 mil compartilhamentos

6. Quebrando o Tabu – Idiota útil para tirar o idiota inútil
24 mil compartilhamentos

7. Paulo Eduardo Martins – Bandeiras de Sindicatos, faixas de partidos de extrema-esquerda, camisetas e bandeiras “Lula Livre”. Pois é, entre as pautas defendidas hoje estão a não aprovação da reforma da Previdência, a não privatização de estatais deficitárias e – pasmem – a soltura de um criminoso condenado.
24 mil compartilhamentos

8. Enio Verri – URGENTE: Bolsonaro chama estudantes que estão protestando contra o corte de verba na Educação de “idiotas” e “imbecis”
24 mil compartilhamentos

9. Rua Direita – Só a educação trazerá conhecimento. Mas, por enquanto, trazeu só militantes analfabetos mesmo.
24 mil compartilhamentos

10. Alcides Ribeiro – As camisas são vermelhas; as bandeiras são de sindicatos; os gritos são de Lula Livre; Alguém acredita que a greve é pela educação?
19 mil compartilhamentos



Como é feito o levantamento dos dados:

O “Monitor do debate político no meio digital” é um projeto que busca mapear, mensurar e analisar o ecossistema de debate político no meio digital. A primeira ferramenta que desenvolvemos recolhe todas as matérias de política brasileira de 118 fontes de 82 veículos de comunicação. Atualmente, podemos analisar o número de matérias produzidas e o número de compartilhamentos e comentários de cada matéria, por veículo e por categoria agregada; podemos também fazer análises quantitativas das palavras utilizadas nas manchetes e na descrição (lead ou resumo da matéria).

A lista consolidada de fontes que utilizamos nas últimas coletas é a seguinte:

–  Jornais impressos: Folha de S.Paulo, Valor Econômico, O Globo, O Estado de S. Paulo, Correio Braziliense, Extra, O Dia, Zero Hora, Gazeta do Povo, Estado de Minas e O Tempo
– Revistas impressas semanais: Veja, Exame, Carta Capital, IstoÉ, Época
– Portais: R7, G1, UOL e Terra
– Revistas e jornais impressos mensais: Revista Fórum, Le Monde Diplomatique, Brasileiros, Caros Amigos
– Jornais digitais: Nexo, BBC Brasil, El País Brasil, EBC, HuffPost Brasil, Congresso em Foco, InfoMoney, Jornal do Brasil, A Pública, Ponte, Fluxo, Global Voices, Plus55, Observatório da Imprensa
– Imprensa e comentário alternativo de esquerda: O Cafezinho, Carta Maior, Pragmatismo Político, Jornalistas Livres, Opera Mundi, Outras Palavras, Jornal GGN, Diário do Centro do Mundo, Rede Brasil Atual, Viomundo, Tijolaço, Portal Vermelho, Socialista Morena, Brasil 247, Democratize, Blog do Rovai, Escrivinhador, Sul21, PassaPalavra, A Nova Democracia, blog Maria Frô, Geledés, Agência PT, Diário Liberdade, Rede de Informações Anarquista, Canal Ibase
– Imprensa e comentário alternativo de direita: Pensa Brasil, O Reacionário, Correio do Poder, O Implicante, O Antagonista, Folha Política, Spotniks, Gazeta Social, Crítica Política, O Financista, Rádio Vox, Revolta Brasil, blog do Rodrigo Constantino, Folha do Povo, Política na Rede, Reaçonaria

Acreditamos que essas fontes cobrem a maior parte da informação política do Brasil, tanto a jornalística como a de opinião. Entre as nossas limitações conhecidas, não coletamos as matérias da revista piauí, do site Folha Centro Sul, do site Mídia Ninja e dos principais jornais impressos de Fortaleza e Recife.

A classificação acima foi feita da seguinte maneira: agrupamos os principais jornais diários impressos, as revistas semanais impressas, as publicações impressas mensais e os grandes portais. A maior parte das publicações restantes pôde facilmente e intuitivamente ser agrupada como imprensa e comentário alternativo de direita ou de esquerda. As publicações que julgamos que não podiam facilmente ser agrupadas pela orientação política colocamos sob a categoria “jornais digitais”. Embora essa classificação seja algo arbitrária, acreditamos que é um instrumento de análise útil. De qualquer maneira, como nosso levantamento apresenta os dados também por veículo, qualquer usuário pode reclassificar os resultados utilizando outras chaves analíticas.

Além dessas fontes, incluímos cerca de 400 páginas entre as maiores e mais relevantes que tratam de política no Facebook. A análise da comunidade de leitores dessas páginas indica que elas se estruturam em dois pólos: anti-petistas e anti-anti-petistas. A lista completa das páginas e a classificação obtida pela análise estão disponíveis aqui.

Não é só mais um clichê pela democracia, por Carlos Nascimento Marciano.

 
  
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Publicado originalmente por objETHOS.


Estudantes e professores de institutos federais e universidades fazem manifestação na Avenida Presidente Vargas em protesto contra o bloqueio de verbas da educação. (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

Quantas pessoas unidas são necessárias para considerarmos digna uma manifestação? Bom, depende, e não só de quem conta. Parece apenas uma questão matemática, mas, na mensuração do que é benemérito na luta por direitos, faz-se necessário considerar nesse cálculo não apenas o número de participantes, e sim, principalmente, de que lado você está no tema que é defendido por quem vai às ruas.

Na última quarta-feira (15), em mais de 200 cidades houve manifestações contra o “contingenciamento” de recursos para a educação. Estudantes, militantes e simpatizantes à causa ocuparam as ruas em todos os estados brasileiros e no Distrito Federal. Com faixas, cartazes e gritos de guerra, as vozes ecoaram no horizonte democrático, cada vez mais frágil e hostil diante da divergência de pensamento.

Não há como negar que, nos últimos anos, as manifestações ganharam força como ferramenta para expor a indignação com o governo vigente, mas então por que destacar essa última, se já houve outras, talvez até com mais participantes? Ora, porque o jornalismo está aí para isso, para noticiar os fatos, acima de tudo para incomodar em prol da boa reflexão.

Ao contrário das manifestações de 2018, a do dia 15 não precede um processo eleitoral, seu foco não apoia um candidato ou outro, mas se insere em um contexto político cujas ações cada vez mais parecem desconexas ao bem da nação. Governantes e governados apoiadores parecem não olhar para frente. Insistem em ressaltar os erros do passado para legitimar suas futuras falhas, a destilar seu ódio político para deslegitimar qualquer opinião contrária.

Questionar o governo virou sinônimo de ser comunista, a imprensa que não é chapa branca está espalhando fake news, as universidades públicas que prezam pela liberdade de cátedra e não punem professores opositores merecem ter os recursos retidos.

Ao contrário do que muitos pensaram, os manifestantes do dia 15 não eram baderneiros, massa de manobra ou “idiotas úteis”, para usar as palavras do próprio presidente. Estavam na manifestação estudantes, simpatizantes e educadores que prezam pela saúde intelectual dos jovens; pelos laboratórios de referência que atraem intercambistas do mundo todo; pelo acesso democrático à educação sem distinção de raça, religião, orientação sexual ou renda familiar; pelas pesquisas reconhecidas internacionalmente como ao ser finalista em uma competição de Harvard ou ganhar o prêmio máximo na maior feira de Ciências do mundo ou ainda sair na frente no tratamento contra microcefalia.

É fato que nem toda universidade é um mar de rosas, que existem, sim, performances, pesquisas e descasos com o patrimônio público que deixam muito a desejar. Mas será que a solução está mesmo em apenas acusar os antigos governantes sem destacar alguma solução? Em “contingenciar” recursos sem ao menos deixar claros quais os critérios adotados? Em divulgar nas redes as pichações de foices e machados como símbolos da balbúrdia, mas ignorar os desenhos das suásticas, os dizeres de morte aos gays e os cartazes exaltando a KKK com sua supremacia branca?

Não foi só pelos recursos na educação pública que os manifestantes foram às ruas no dia 15, foi também para zelar pela integridade dos alunos e professores diante do discurso armamentista; pela preservação da liberdade em dialogar e estimular o pensamento crítico do aluno frente à Escola sem Partido; pela garantia de trabalhar destilando amor naquilo que faz e gozar de pelo menos 30 anos de aposentadoria sem se preocupar se terá ou não dinheiro para comprar remédios ou viajar com a família.

O governo eleito com a bandeira de ser a nova política, sem conchavos e amarras, está cada vez mais preso à velhas desculpas, ao conservadorismo, à discriminação de quem é ou pensa diferente. As universidades públicas têm, sim, problemas que devem ser enfrentados, mas também conquistas que merecem ser ressaltadas. Não se conserta uma parede apenas criticando o construtor anterior que fez o buraco; é preciso comprar os materiais adequados, realizar os ajustes e, no fim, com as benfeitorias de ambos os construtores, a casa estará sólida e digna de admiração.

Reconhecer as falhas anteriores para melhorá-las é válido; ater-se a elas para justificar as escolhas não planejadas é descaso, é desprezível. Tudo indica que as políticas educacionais hoje não tratam de planejamento, mas sim de uma rixa ideológica e partidária que não favorecerá lado nenhum. Foi isso que os manifestantes de instituições públicas e privadas quiseram mostrar no último dia 15; é isso que o governo precisa entender para além de seu egocentrismo.

Falta-lhe humildade, ou, melhor dizendo, humanidade para reconhecer que “contingenciar” investimentos na educação de um país para reestruturá-lo é o mesmo que abrir espaço em um terreno ateando fogo na nossa própria casa sem sair com a família de dentro dela.

Black blocs, Chomsky e o não-acontecimento do "manifesto do apocalipse" de Bolsonaro, por Wilson Roberto Vieira Ferreira


Cadê os black blocs? De 2013 a 2016, em toda manifestação de rua, lá estavam eles fazendo poses épicas para câmera e cinegrafistas em meio a chamas e destruição, enquanto eram incensados por alguns pesquisadores e artistas como “linda anarquia” antiglobalização. Por que desapareceram? Onde estavam nas grandes manifestações de rua, no dia 15, por todo o País contra os cortes na educação? Talvez suas ausências tenham uma relação direta com o atual governo que ocupa Brasília, embora o “manifesto do apocalipse” compartilhado por Bolsonaro nas redes sociais aponte para um governo vítima dos “interesses corporativos”. Ironicamente, um “manifesto” escrito por um espécime do mercado financeiro com seus interesses bem corporativos – um “não-acontecimento”.  Sem black blocs, Bolsonaro responde às ruas através de um manifesto semioticamente criptografado para elevar o moral das milícias virtuais e reais. Numa estratégia de manter-se sempre no centro das atenções, seja como herói ou “boi de piranha”. Um discurso monofásico e repetitivo, como apontou o linguista Noam Chomsky em relação à estratégia midiática de Donald Trump, emulada por Bolsonaro.

Nos anos 1950, o linguista Noam Chomsky criou uma das mais influentes abordagens sobre a gramática das línguas humanas – a “Sintaxe Gerativa”. Em rápidas palavras, consiste na descoberta de que todas as línguas humanas são capazes de criar um número infinito de expressões linguísticas (frases, sintagmas etc.) a partir de um conjunto limitado de fonemas, morfemas, palavras e regras computacionais. Uma surpreendente capacidade gerativa de fazer um uso infinito de recursos finitos.
Talvez isso explique a indignação de Chomsky com a criação artificial do consenso político na opinião pública através da mídia por meio de um discurso monofásico, repetitivo, previsível, mas de grande eficiência ideológica. Uma linguagem com pouquíssima variação. Repetitiva, mas eficiente.
Isso pode ser percebido na entrevista de Noam Chomsky concedida a Jan Ahrens do El País. Para Chomsky, “as pessoas já não acreditam nos fatos” porque "as pessoas não confiam mais em ninguém” – clique aqui.
“Nem mesmo nos veículos de comunicação?”, indagou Jan Ahrens. 
“A maioria está servindo os interesses do Trump”, disparou Chomsky diante da surpresa do jornalista. 
“Mas há alguns críticos, como The New York Times, The Washington Post, CNN...”, pontuou o repórter.
E Chomsky respondeu:
“Olhe a televisão e as primeiras páginas dos jornais. Não há nada mais que Trump, Trump, Trump. A mídia caiu na estratégia traçada por Trump. Todo dia ele lhes dá um estímulo ou uma mentira para se manter sob os holofotes e ser o centro da atenção. Enquanto isso, o flanco selvagem dos republicanos vai desenvolvendo sua política de extrema direita, cortando direitos dos trabalhadores e abandonando a luta contra a mudança climática, que é precisamente aquilo que pode acabar com todos nós”.

Chomsky em seu escritório na Universidade do Arizona, Tucson 
(Apu Gomes - El País)

Despolitização de extrema-direita
Acredito que é sob esse olhar perspicaz de Chomsky que deve ser interpretado o “texto bomba”, “manifesto do apocalipse”, “manifesto de Dallas” ou simplesmente “carta bomba” que o capitão da reserva dublê de presidente Jair Bolsonaro compartilhou no WhatsApp para seus contatos.
Escrito por Paulo Portinho (filiado ao Partido Novo pelo qual concorreu a vereador no Rio de Janeiro em 2018 e trabalha na Comissão de Valores Mobiliários - CVM), o típico “textão de Facebook” no qual desfila todos os clichês da atual onda de despolitização promovida pela extrema-direita. 
Lamentos sobre um país “ingovernável” porque a política tem que se submeter a “conchavos”. Além disso, o textão diz que Bolsonaro ajuda a revelar toda essa “podridão” quando confronta os “interesses das corporações”. 
“Não existe compromisso de campanha que pode ser cumprido sem que as corporações deem suas bênçãos”, para terminar em tom apocalíptico alerta para a ingovernabilidade, desemprego, inflação. Afinal, a “agenda de Bolsonaro não é dos interesses das corporações” e, por isso, o presidente está de mãos atadas pela “velha política”. Por isso, “Sell”, venda! Típica exortação do mercado financeiro no qual o missivista trabalha – ele parece fazer uma curiosa distinção entre “interesses de corporações” (os vilões) e “mercado financeiro” (no qual trabalha).
Não-acontecimento
O episódio tem todos os ingredientes de um “não-acontecimento” ou “pseudo-evento”, no sentido atribuído por Daniel Boorstin (clique aqui) ou Jean Baudrillard (clique aqui). O que aproxima ainda mais das observações de Chomsky: estratégia deliberada para manter sempre Bolsonaro no centro das atenções enquanto o “flanco selvagem” põe em ação a política de terra arrasada neoliberal.


"Não sabia que ia ter tanta repercussão...", diz "surpreso" o autor Paulo Portinho

Se não, vejamos:
(a) Tanto o autor como o dublê de presidente se dizem “surpresos” com a repercussão do textão. Em suas santas inocências ou espontaneidade, pretendiam apenas partilhar “com amigos e contatos” ... Como se em redes sociais fosse possível algum tipo discrição.
(b) Paulo Portinho publica o texto nos dias que antecediam às manifestações contra os cortes na educação no dia 15 de maio – que acabaram sendo gigantescas por todo País.
(c) Timing e oportunidade: Bolsonaro compartilha o textão “com os amigos” em meio a uma agenda midiática negativa – a quebra do sigilo bancário do filho Flávio Bolsonaro e Fabrício Queiroz e os protestos nas ruas contra os cortes nas verbas da educação.
(d) Paulo Portinho é um típico espécime do mercado financeiro: criar pseudo-eventos, boatos ou não-notícias para produzir movimentos especulativos de compra e venda. Por isso, o tom genérico de “interesses das corporações”, assim como jornalistas criam não-notícias a partir de expressões como “segundo fontes”...
(e) O “manifesto do apocalipse” tem todos os elementos do terrorismo de mercado financeiro análogo às publicações financeiras da Empiricus Research durante à guerra híbrida que culminou no golpe de 2016 – banners pipocando por toda a Internet com previsões assustadoras para o País caso a presidenta Dilma e o PT não fossem tirados do poder.
(f) Óbvio que o mercado financeiro é o principal interessado por esse jogo de chantagem e terra arrasada que mantenha Bolsonaro sempre sob os holofotes: o capitão jogado à opinião pública como um “boi de piranha”, enquanto as “reformas” são gestadas e até ampliadas – Paulo Guedes agora quer “fundir” o Banco do Brasil com o Bank of America...


"Desculpe o transtorno, estamos mudando o País..."

Cadê os black blocs?
Mas a principal evidência da natureza de não-acontecimento desse “manifesto de Dallas” pode ser encontrada respondendo a uma simples pergunta: cadê os black blocs nas manifestações de rua em 15 de maio? 
Figuras onipresentes (2013-16) no pelotão de frente das manifestações que pediam desculpas pelo transtorno por estarem “mudando o Brasil”, tão rapidamente como surgiram, desapareceram. Atraíram a simpatia de acadêmicos e pesquisadores que, romanticamente, viam nos jovens que posavam epicamente para as câmeras e cinegrafistas, o “novo” ou a ressurgimento do anarquismo nas táticas de ação direta nas ruas. Supostamente, grupos “antiglobalização” que, também, combatiam as “corporações”.
Consumada a “mudança” do País, sintomaticamente sumiram – coincidentemente, também na esteira das revoluções coloridas pelo planeta, black blocs sempre desaparecerem após a consumação de uma Revolução Popular Híbrida – clique aqui.
 Se realmente essas ações diretas fossem táticas antiglobalização anarquistas, também estariam nas ruas contra essa consequência nefasta da globalização financeira sobre a soberania dos estados nacionais: cortes na educação e nos programas sociais exigidos pela banca credora. 


Bolsonaro precisa da crise

Como todo não-acontecimento, o “manifesto do apocalipse” joga com o chamado “dilema midiático” que sequestra tanto a mídia como a esquerda: se quiserem ignorar o “buzz”, ficará por fora do debate público; porém se participam, darão visibilidade involuntária ao não-acontecimento – essa é a infernal fórmula da intitulada “mídia espontânea” das estratégias de marketing de guerrilha. Como bem intuiu o linguista Noam Chomsky
Assanhada e cheia de esperanças, a esquerda começa a ver fissuras, um governo em crise ou a própria confissão do desejo de renúncia do capitão da reserva, emulando uma espécie de Jânio Quadros em pleno século XXI. 
Outros até veem a “família mais poderosa do Brasil” (os Marinhos) abandonando o governo Bolsonaro no telejornalismo da TV Globo ou nos editoriais do jornal do grupo.
É óbvio e gritante que o compartilhamento “desavisado” (o capitão supostamente nem lê o que compartilha) foi uma resposta aos protestos bem-sucedidos dos estudantes nas ruas. Bolsonaro quer elevar o moral da tropa e também colocar nas ruas e redes sociais suas milícias analógicas e digitais.
E também que a única alternativa para a esquerda para furar a armadilha do dilema midiático na guerra semiótica criptografada é ocupar as ruas numa escalada crescente, até tornar o País, aí sim, realmente ingovernável.
Desde que sofreu controversa facada na campanha eleitoral, a guerra semiótica de Bolsonaro tem como meta fugir de qualquer debate político-econômico e colocá-lo sempre no campo conspiratório e moralista. Criar deliberadamente polêmicas, dissonâncias, crises e, através da estratégia do dilema midiático, convocar mídia e oposição para jogar os holofotes em Bolsonaro. Seja como herói lacrador e mito ou simplesmente como “boi de piranha”.
Esse é o único papel que um deputado do baixo clero poderia assumir: emissor de um discurso monofásico, repetitivo, que emula o discurso de extrema-direita de Donald Trump. Um ruído insuportável demais para um linguista como Chomsky, fascinado pelas potencialidades infinitas da linguagem.

Com Trump e Bolsonaro, o video game molda a política, por Wilson Roberto Vieira Ferreira.




Depois de Trump e Bolsonaro a política nunca mais será a mesma: são duas figuras que despontaram na superfície de um movimento mais profundo que vem intrigando pesquisadores que estudam as transformações da política através da tecnologia: como na nossa sociedade os elementos lúdicos vem invadindo diversas esferas com a proliferação dos jogos, principalmente os eletrônicos. O cinismo e desilusão com a democracia representativa combinados com elementos inerentemente lúdicos das tecnologias digitais, plataformas e aplicativos estariam gerando uma “gamecracia”, “casual política” ou simplesmente uma “neodemocracia”. Assim como nos games, a política estaria sendo moldada por uma irresponsabilidade lúdica, como se tudo fosse apenas um jogo eletrônico no qual as consequências do erro são minimizadas para dar fluência à partida. Afinal, num videogame temos muitas vidas para perder. E até aqui, no espectro político, a direita é aquela que está mais antenada nessas transformações. 

Foi no extinto programa de humor da Globo Tá no Ar: a TV na TV(2014-19). Em um esquete vemos uma cliente, acompanhada pelo vendedor, procurando itens de compra em uma espécie de loja de departamentos. Ela se detém diante de um estande no qual posa um general ombreado por dois soldados empunhando fuzis. Todos eles trajados com modelos antigos de uniformes do exército brasileiro. Alguma coisa datada dos anos 1960. 
“Gostei desse... ele é bom?” - pergunta a entusiasmada consumidora. O vendedor é cuidadoso com as palavras, dizendo que “pode ser” sem muita convicção. “Ah... mas, qualquer coisa, eu posso trocar, né?”, pergunta a mulher, insegura. O general, até então imóvel como uma estátua, intervém irritado: “Trocar nada! Vai ficar com a gente por 21 anos!” ... E ordena aos soldados armados: “podem prendê-la!”, arrastando a assustada consumidora que não entende nada.
O esquete era uma evidente ironia não só ao tempo que durou a ditadura militar brasileira, como ao estranho nostalgismo pós-moderno de pessoas que não viveram aquele período, mas são capazes de acreditar que foram os melhores momentos da recente história brasileira. E certamente serão esses que estarão nas manifestações convocadas pelo capitão da reserva dublê de presidente, para esse domingo, clamando por intervenção militar no Congresso e STF.

Irresponsabilidade lúdica

A felicidade desse esquete é que ele retrata uma certa maneira de focar a política que cresce na atualidade  – apresenta de forma engraçada uma espécie de irresponsabilidade lúdica, como se a Política fosse um jogo eletrônico (“qualquer coisa, a gente troca...”) que permite diversas tentativas, minimizando os erros e dando fluência ao game e passagens de níveis na partida.
Nesse curto e simples esquete encontramos uma síntese preocupante daquilo que muitos pesquisadores atuais como Alex Gekker (“Gamocracy: Political Communication in the Age of Play”), Alexander Galloway (“Protocol: How Control Exists After Decentralization”) ou Jodi Dean (“Why the Net is not a Public Sphere”) chamam de “neodemocracia”, “política casual” ou, simplesmente, “gamecracia” (“Gamocracy”).
O ponto em comum em todos esses pesquisadores é que o elemento inerentemente lúdico está se tornando proeminente na sociedade atual pela grande proliferação de jogos (principalmente eletrônicos) e que as teses em torno dos estudos culturais sobre jogos e entretenimento seriam fundamentais para compreendermos as atuais estratégias de comunicação na política.

Alex Gekker e o aplicativo da campanha de Obama em 2008

Casual política

A confluência das mídias de convergência com as mídias tradicionais, junto com a perda da legitimidade das formas tradicionais de representatividade na política (partidos, sindicatos etc.) transformariam o espaço midiático num decisivo campo onde o poder se confundiria com o lúdico. Em outras palavras, o elemento lúdico, presente nos jogos formais e incorporado nos designs de jogos, estariam contaminando campos que, por sua natureza, não se constituem como “games” – política, economia, processos seletivos corporativos etc. – sobre a gameficação corporativa, clique aqui.
Por exemplo, para Gekker os meta-processos dos games resultam na “casual política”: além da utilização de aplicativos (vide o caso de aplicativos desenhados exclusivamente para a campanha de Obama em 2008 ou o papel das redes sociais e WhatsApp no caso Trump e Bolsonaro) a política passa a priorizar interfaces tecnológicas marcadas pela imediaticidade visual, controle intuitivo, simplificação das tarefas e clara definição de objetivos. A “usabilidade” passa a ser um dos principais quesitos para esse novo ativismo político, assim como nos designs de jogos.
A casual política é pensada para um tipo de ativismo bem distinto da velha militância centrada por motivações político-ideológicas – ela é desenhada para intervenções rápidas (“short bursts”), em pequenas ações de acordo com o tempo ou expertise que o ativista tem disponível. 
Mas principalmente, assim como nos jogos, o engajamento ocorre em um game que exibe uma atitude de perdão em relação ao erro. Permite diversas tentativas, sempre no sentido de manter a fluidez e a ininterruptibilidade do jogo – o game pode ser sério ou difícil, mas permite em caso de erro não ser necessário repetir fases anteriores do jogo.


Minimização do erro

Esse humilde blogueiro jamais esquecerá as primeiras experiências perceptivas ao passar de uma máquina de escrever para um editor de texto em um computador. Tudo parecia lúdico, como fosse um jogo. Mas, principalmente, percebi assombrado que as consequências do erro eram minimizadas: enquanto numa máquina de escrever, diante do erro datilográfico, ou você pacientemente tentava bater a tecla sobre o corretor para encobrir a letra errada, ou arrancava o papel, amassava, jogava na lixeira e começava tudo de novo. 
Para meu assombro, num computador bastava apertar a tecla “delete” ou dar um “backspace”.
Lembro-me que naqueles anos 1990, muitos pesquisadores (prontamente qualificados como “tecnofóbicos”) apontavam as consequências ético-morais para essa espécie de irresponsabilidade do erro. Por exemplo, Michel Heim no livro “Metaphisics of Virtual Reality” (Oxford Press, 1993) apontava para essa perda do peso erro: bastaria apertar a tecla “esc” ou “delete” e poderíamos abandonar uma tarefa, eliminar um erro, sem enfrentar consequências de perder tudo e recomeçar um trabalho.
Nesse simples evento corriqueiro no qual a tecnologia nos salvaria de nós mesmos, estaria a eliminação das âncoras que nos prenderiam ao mundo real: finitude, temporalidade e senso de fragilidade corporal. Em outras palavras, esse alívio frente as consequências do erro geraria uma visão de mundo amoral.
Claro que poderíamos afirmar que a tecnologia é regida pela lei do menor esforço, desempenho e praticidade. O problema é quando esse paradigma começa a contaminar as outras esferas de natureza não-tecnológica da sociedade, como a Política.


Da estética à gameficação

Sabemos que, no espectro político, a extrema-direita historicamente sempre foi mais antenada com a aplicação das novas tecnologias do momento no campo político. Desde o nazi-fascismo no século XX, no qual a política foi estetizada por meio da propaganda política através do cinema e do rádio.
No século XXI, mais uma vez, a extrema-direita inova com a verdadeira blitzkrieg através dos algoritmos das redes sociais. Os casos do Brexit e as eleições de Trump e Bolsonaro mostram que foi dado mais um passo à frente: da estetização do século passado, agora temos a gameficação da política– a política levada a termo através dos paradigmas dos jogos eletrônicos: usabilidade, ininterruptibilidade e, principalmente, a irresponsabilidade do erro.
“Qualquer coisa, a gente troca!”, dizia a incauta compradora sem entender as consequências da sua opção. A política reduzida à interface dos aplicativos parece ter reduzido a complexidade político-ideológica em um simples jogo, com tarefas facilmente identificadas (por meio da polarização do espectro político) e a possibilidade de desbloquear etapas e subir nos níveis da partida – através do incremento dos laços nas redes sociais através do compartilhamento de fotos, memes etc.
 Essa irresponsabilidade feliz (típica de gamers que sabem ter infinitas tentativas e várias vidas a perder) é certamente o que está por trás das galhofas da chamada “direita alternativa” (alt-right): mãos fazendo arminha, fetichização de revólveres, fuzis, balas, munições e meganhagem (sobre esse conceito, clique aqui). 
Como falam nas “raids” (ataques de surpresa em sites, fóruns e salas de bate papo), é tudo “zoeira” ou “for the lulz” – apenas “por diversão”.  


O pesquisador canadense Arthur Kroker, em 1994, parece ter pressentido esse caráter lúdico regressivo, próprio da adolescência, na crescente virtualização das relações sociais:
“A masculinidade burguesa sempre foi pré-adolescente: pensamentos de pequenos garotos achando que poderão controlar o mundo, mas agora o mundo é ciberespaço. O sonho de ser deus do ciberespaço – ideologia pública como fantasia de garotos pré-adolescentes: uma regressão do sexo para uma autística forma de poder” (KROKER, Arthur & WEINSTEIN, Michael. Data Trash: the theory of the virtual class.N. York, St. Martin Press, 1994, p. 11.)
Diante de tudo isso, passamos a desconfiar da função ideológica diversionista de todo o debate sobre a suposta influência ou efeitos negativos dos videogames no comportamento dos jogadores como ações violentas ou doenças emocionais. A questão não são os videogames em si, mas como os meta-processos dessas plataformas está moldando múltiplas esferas sociais que passam a acomodar uma certa lógica midiática.
Na política, o cinismo e desilusão com a representação e engajamento políticos combinados com essa espécie de “democracia direta” pelas plataformas digitais produz essa gameficação: a transformação do drama político num mero jogo de ganha/perde no qual as consequências são desprezadas. Afinal, temos muitas vidas para perder...

'POR QUE ESSE HOMEM AINDA TÁ VIVO?' A vida dos Akroá-Gamella dois anos após terem as mãos decepadas, por Sabrina Felipe.

“Às vezes passo necessidade por não poder ir pescar, por não poder caçar um bichinho pra comer”, conta Aldeli de Jesus Ribeiro Akroá-Gamella.
“Às vezes passo necessidade por não poder ir pescar, por não poder caçar um bichinho pra comer”, conta Aldeli de Jesus Ribeiro Akroá-Gamella.
‘POR QUE ESSE HOMEM AINDA TÁ VIVO?'
A vida dos Akroá-Gamella dois anos após terem as mãos decepadas
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“Às vezes passo necessidade por não poder ir pescar, por não poder caçar um bichinho pra comer”, conta Aldeli de Jesus Ribeiro Akroá-Gamella. Foto: Ana Mendes/The Intercept Brasil
Sabrina Felipe
27 de Maio de 2019, 9h03
Em parceria com


O INVERNO AMAZÔNICO é quente. Em Viana, noroeste do Maranhão, fazia 26 graus às cinco da tarde, mas parecia mais por causa do mormaço das chuvas constantes. A umidade do ar e o suor colavam a roupa no corpo, aumentando a sensação de calor. Contrariando a quentura, Aldeli vestia um roupão grosso e felpudo. Mas não era frio que ele sentia. Era dor.

“São os ferros que esfriam com a chuva”, me disse. Placas de metal foram implantadas nos dois antebraços de Aldeli para unirem as mãos novamente ao corpo: seus membros foram brutalmente decepados a golpes de facão na tarde de 30 de abril de 2017.

Naquele dia, mais de 200 pessoas atacaram com armas de fogo, facões e pedaços de pau cerca de 30 indígenas Akroá-Gamella, uma etnia que tenta há quatro décadas a demarcação de suas terras tradicionais no Maranhão.


O ataque aconteceu quando os indígenas tentavam retomar as terras de seus antepassados sobre as quais o comerciante Jamilo Aires Pinto assentou uma propriedade rural privada nos meados do século 20. Por meio de grilagem, dezenas de povoados foram sobrepostos ao território tradicional Taquaritiua, que o povo Akroá-Gamella ocupa pelo menos desde o século 18.

Segundo documentos históricos, os indígenas perderam suas terras durante o século passado, quando fazendeiros e grileiros invadiram o local e registraram a posse das terras em cartório. Na ocasião, o único documento físico que os indígenas tinham para comprovar a propriedade – um registro de doação da coroa portuguesa – foi perdido. Os indígenas tentam há décadas retomar suas terras, mas o processo de demarcação é lento e burocrático. Em 2014, em uma assembleia, eles se autodeclararam povo Akroá-Gamella e começaram o processo de retomada das terras, ocupando as fazendas. Quatro delas foram retomadas e os indígenas se reestabeleceram em partes do território ancestral. Mas, na quinta, eles foram massacrados.

Mapa do século 18 identifica "Terra dos Índios" ainda em 1765 na região de Viana, Maranhão (no alto, à esquerda). Mapa do século 18 identifica “Terra dos Índios” ainda em 1765 na região de Viana, Maranhão (no alto, à esquerda). Mapa: Domínio Público
Naquele 30 de abril, a retomada mal havia se concretizado no interior da fazenda quando os cerca de 30 Akroá-Gamella, entre mulheres, homens e adolescentes, foram surpreendidos por gritos de ódio da multidão e uma “chuva de balas”.  Os agressores vieram de cinco povoados que se ergueram sobre as terras indígenas, a pouco mais de 215 km da capital São Luís.

Aldeli de Jesus Ribeiro Akroá-Gamella, hoje com 39 anos, foi um dos 22 indígenas feridos. Um homem o golpeou com facão diversas vezes, arrancando quase por completo suas mãos, que ficaram penduradas por um mínimo pedaço de pele. Na testa, a lâmina abriu um corte profundo de cerca de 10 centímetros de comprimento. Um tiro pegou de raspão no tórax, outro quebrou sua perna esquerda. Uma bala segue alojada em seu corpo.

Na época, o governo maranhense minimizou o ocorrido. Um dia após o massacre, enquanto a notícia corria, o governador do Maranhão, Flávio Dino, do PCdoB, hoje reeleito, publicava em sua conta no Twitter que até aquele momento “não houve nenhuma vítima com mãos decepadas”:


Flávio Dino
@FlavioDino
 Até agora não houve nenhuma vítima com mãos decepadas. Continuamos procurando e cuidando dos 3 hospitalizados.

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19:49 - 1 de mai de 2017
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Dois anos depois do que ficou conhecido como o massacre Gamella, as quatro cirurgias e dezenas de sessões de fisioterapia realizadas em seis meses de internação na Casa de Saúde do Índio, a Casai, em São Luís, não foram suficientes para fazer Aldeli recuperar o movimento normal das mãos. Ele sente dor todos os dias. E tudo piora no inverno de Viana, período de chuvas que vai de dezembro a julho. Os metais no antebraço são os primeiros a anunciar o frio que vem com a chuva. “Quando a chuva vai passando lá longe, aqui eu já tô sentindo”, ele me disse. O roupão grosso e felpudo foi presente da irmã, numa tentativa aquecer o corpo para aliviar suas dores.

A força e destreza que sobraram nas mãos não são mais suficientes para Aldeli realizar tarefas antes rotineiras, como pescar, capinar, plantar e colher. “Às vezes passo necessidade por não poder ir pescar, por não poder caçar um bichinho pra comer”, conta. Quem faz o serviço na roça é sua companheira, Joseane Maracanã Ribeiro Guajajara, 39 anos. É ela também quem o ajuda a se levantar da rede suspendendo-o pelo braço. Ele não tem mais força para se erguer apoiando-se nas mãos.

Aldeli informa que recebeu um auxílio-doença de três meses no valor total de R$ 3.470, mas, apesar de ter passado por duas perícias do INSS, até hoje o órgão não o considerou elegível para a aposentadoria. O órgão diz, por meio de sua assessoria, que o auxílio-doença foi encerrado em novembro de 2018 e que Aldeli não solicitou a prorrogação. “O INSS fica condicionando que o Aldeli volte várias vezes para São Luís [para ser periciado], como se fosse uma desconfiança sobre se realmente é o caso de aposentá-lo ou não. Isso é um rito que o médico está criando, porque não é necessário”, me disse Viviane Pedro, advogada do Conselho Indigenista Missionário do Maranhão, o CIMI. Pelas regras do INSS, cabe ao perito médico avaliar a incapacidade do segurado para o trabalho.

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Aldeli e a companheira vivem do que ela planta para consumo próprio e dos artesanatos que ela faz com madeira e miçangas e vende aos indígenas, e também de doações de parentes. Mas, mesmo quando há algum dinheiro, a comida não chega fácil. Para o açúcar, o óleo, o sal e o café, precisam ir a Viana, a cerca de 14 quilômetros de Centro do Antero, aldeia onde vivem. Apenas Joseane vai, e com receio. Depois do massacre de 30 de abril de 2017, ficou ainda mais perigoso ser índio em Viana. Aldeli nunca mais pisou lá. Teme ser novamente atacado pelos fazendeiros da cidade. “Eles querem comer a gente. Eles agora comem carne de gente”, ele me disse, reverberando ainda o horror que viveu há dois anos.


Aldeli, em 2017, ainda no hospital, e hoje.Fotos: Ana Mendes/The Intercept Brasil

Um membro que não lhe pertence
Era noite na aldeia Taquaritiua. No dia 25 de janeiro de 2019, a chuva já tinha caído, suspendido e caído de novo. O tempo estava abafado, mas Leonete dos Santos Mendes Akroá-Gamella, 36 anos, botou no fogo uma panela com água para amornar e com ela aliviar a dor da mão direita do marido, José Ribamar Mendes Akroá-Gamella, de 52 anos. Só assim ele conseguiria dormir. Zé Canário, como Ribamar é conhecido, foi outro dos mais machucados no ataque. Ele também teve a mão decepada por um golpe de facão.

A mão direita de Canário, presa por uma mínima pele, foi reafixada ao antebraço com uma placa de metal. O inverno para ele, assim como para Aldeli, é um martírio. “Não tive melhora nenhuma. Tá toda morta minha mão. Sinto muita dor, dói muito. Toda hora eu sinto, toda hora. Eu tô andando por aqui com vocês, mas eu tô sentindo. A mão o tempo todo pesada. Esse ferro aqui. Pode garrá aí, é muito grande esse ferro”, me disse, estendendo a mão pra eu tocar a estrutura de metal que fica visível sob a pele.

A aparência e temperatura da mão direita de Canário são as mesmas da mão de um defunto: fria e estática. A pele não tem viço. “Não corre sangue”, ele afirma. O ferro é tão pesado que ele precisa segurar a mão direita com a mão esquerda quase o tempo todo. Canário parece amparar um membro que está nele, mas não lhe pertence.

“Ele era um batedor de tambor. Pegava um tambor que só largava de manhã. Batia, cantava”, me disse Leonete sobre o marido, que tocava tambor nas festas e rituais Akroá-Gamella. Hoje, Zé Canário não usa mais a mão direita, e como sempre foi destro, ainda precisa se esforçar para usar a esquerda com alguma desenvoltura em tarefas básicas, como tomar banho ou levar comida à boca com um talher. “Na situação dele, é difícil até pra tomar banho. Se ele for se banhar, ele vai só jogar água. Ele vai banhar se eu for pra esfregar ele. Eu passo a palha nele pra poder sair o sujo da pele, da poeira de quando dá o vento”, diz Leonete.

Canário também manca com a perna esquerda e sente dor, resultado do golpe de facão que recebeu quando já estava caído. O agressor, ele conta, precisou pisar em sua perna para retirar o facão que ficou cravado no osso, como quem retira um machado cravado no tronco de uma árvore recém-abatida.

Não foi apenas a vida de Adeli e Zé Canário que mudou radicalmente depois do massacre. Sua mulher e três das quatro filhas do casal – as mais novas – precisaram alterar a rotina para se adaptar à nova realidade física dele. “Mudou tudo”, lamenta Leonete.

Quando voltaram da temporada de seis meses que passaram em São Luís para o tratamento de Canário na Casai, Leonete e o marido encontraram parte da casa depenada. Ladrões levaram galinhas, porcos e ferramentas de trabalho. Leonete precisou pegar um empréstimo para comprar tudo de novo. Ela voltou a criar galinhas, patos, porcos e um casal de perus. A roça fica por conta das filhas Ana Kelly, Talita e Tainara dos Santos Mendes Akroá-Gamella, de 13, 14 e 16 anos.

Quase dois anos depois do massacre, Zé Canário passou a receber aposentadoria de um salário mínimo, R$ 954. É com esse dinheiro que ele paga de quatro a cinco trabalhadores, a uma diária de 50 reais cada, para de tempos em tempos tocarem a roça e darem um alívio à esposa e às filhas. Do último salário, a família usou quase tudo para pagar os trabalhadores. Sobrou o suficiente para comprar um pacote de café, três barras de sabão e três pacotes de palha de aço.


Zé Canário.Fotos: Ana Mendes/The Intercept Brasil

Um crime sem culpados
Após mais de dois anos, o inquérito policial aberto para apurar a autoria e circunstâncias do massacre ainda não foi concluído, segundo o Ministério Público Federal e a Polícia Federal no Maranhão. As principais vítimas das agressões, como Aldeli e Canário, nunca foram ouvidas, assim como alguns suspeitos, entre eles, políticos, policiais, lideranças evangélicas e fazendeiros. O local do crime sequer foi periciado.

O inquérito, aberto pela Polícia Civil de Viana, foi transferido à Polícia Federal por se tratar de violação de direitos de povos indígenas. Segundo a assessoria de imprensa da PF, o prazo para a conclusão é  junho, “podendo ser necessário solicitar prorrogação, considerando as notícias de ameaças de novos conflitos na região, o que dificulta o esclarecimento de alguns pontos”.

Na época do crime, o então diretor técnico do Hospital Geral Tarquínio Lopes Filho, Newton Gripp, também negava o decepamento das mãos dos Akroá-Gamella. Segundo ele, no caso de Aldeli, “a mão ficou presa por estruturas musculares e tendões”. Para o médico, não houve rompimento de artéria nenhuma e, por isso, a mão do indígena permaneceu viva.

“A posição do Flávio Dino ao dizer que os índios Akroá-Gamella não tiveram as mãos decepadas retira a grandeza da violência cometida contra eles. O estado deveria proporcionar segurança aos indígenas, mas acabou não fazendo”, me disse Gilderlan Rodrigues da Silva, coordenador do CIMI Maranhão.

As mãos que Flávio Dino e Newton Gripp defenderam nunca terem sido arrancadas do corpo de Aldeli e Zé Canário não são as mesmas que os indígenas hoje têm consigo. “Essa conversa de que eu fui decepado não era pra comentar, eles ficavam brabo lá, o pessoal do hospital. Uma [médica] chegou e disse pros outros ‘por que esse homem ainda tá vivo? Tudo nele tá cortado, isso tá apartado de tudo’”, diz Aldeli, relembrando conversas que ouviu quando ainda estava internado no Hospital Geral. A situação de Zé Canário é igual. “Ele só não perdeu porque grudaram de novo”, diz Leonete, sua mulher. “O que adiantou ter a mão sem movimento nenhum?”

Procurei a assessoria de imprensa do governo do Maranhão e do hospital público estadual onde trabalha Newton Gripp, mas não obtive retorno.

24-05-2019-gamellas-6-1558728259
Indígenas reunidos um dia depois do ataque. A polícia havia acabado de chegar para fazer corpo de delito nas vítimas.
O medo venceu a esperança
Não foi só o decepamento das mãos que foi colocado em dúvida depois do massacre. Na época, o Ministério da Justiça e Segurança Pública chamou os Akroá-Gamella de “supostos indígenas”. Um major da polícia se referiu a eles como “esses que dizem ser índios”.

A etnia tenta, há quatro décadas, ter suas terras demarcadas pela Funai. Nos anos 1980, um grupo de cinco Akroá-Gamella foi à sede da fundação em Brasília requerer políticas públicas de proteção e apoio, e ouviram que teriam que fazer um exame de sangue para que o órgão confirmasse se eram índios ou não.

“Foi tirado sangue de quatro pessoas pra ter certeza se eram índio, mas nós nunca recebemos o resultado desse exame”, me contou Francisco Borges dos Santos Meireles Akroá-Gamella, 61 anos, recuperando relatos do tio que teve amostra de sangue coletada. “Isso tinha na cabeça das pessoas, que o exame ia dizer quem ele era ou quem ele não era. Mas sempre a gente insistiu nisso com a Funai [de que são povo Akroá-Gamella]. Eles que quiseram esconder os Gamella, mas os Gamella nunca se escondeu na vida.”

No final do século 20, a etnia foi declarada como extinta pelo estado brasileiro. “Essa foi uma prática comum, desde o período colonial, para negar a existência de indígenas que adotaram estratégias de resistência e sobrevivência diante da violência imposta tanto naquele período como em tempos atuais”, escreveu a missionária Rosimeire de Jesus Diniz Santos, que atua há 20 anos com indígenas no Maranhão, em um relatório sobre violência contra os povos indígenas no Brasil.

Em agosto de 2014, em uma assembleia, os cerca de 1200 indígenas da etnia se autodeclararam povo Akroá-Gamella. Desde então, divididos em seis aldeias na zona rural de Viana – Taquaritiua, Centro do Antero, Nova Vila, Tabocal, Ribeirão e Cajueiro-Piraí –, eles vêm tentando, sob hostilidades e ameaças de moradores, políticos e lideranças de igrejas evangélicas de Viana, recuperar as terras de seus ancestrais, hoje usadas para a criação de boi, búfalo e retirada de barro para fábricas de tijolos.

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Crianças Akroá-Gamella brincam no ritual de São Bilibeu na aldeia Cajueiro-Piraí, no Maranhão. Foto: Ana Mendes/The Intercept Brasil
DESDE 2015, quatro fazendas foram retomadas pelos indígenas. Na ação, que tem sido implementada por outros povos além dos Akroá-Gamella, os indígenas ultrapassam as cercas e arames que bloqueiam o acesso às terras e as retomam. Os fazendeiros não costumam viver nessas propriedades. Caseiros e outros empregados que vivem e trabalham no local se retiram, levando consigo bens e pertences pessoais. Após negociações, os indígenas autorizam os fazendeiros a retirarem gado, plantações e outros bens que se encontram na área.

Reestabelecidos em suas terras, eles interrompem o processo de desmatamento iniciado e mantido pelos ocupantes anteriores e replantam árvores nativas, fazem roças de milho, mandioca, arroz e feijão, e preservam as nascentes e os lugares que consideram sagrados, como rios.

Nas fazendas retomadas pelo povo Akroá-Gamella, a regeneração da vida natural já pode ser vista a olho nu. Onde um rio havia sido assoreado, hoje corre um fio de água cristalina que chega a cobrir os pés. Bacurizeiros, pés de juçara, caju e guarimã ressurgiram sobre mares de capim. “Tatu a gente encontra bastante, paca voltou, cotia voltou. Macaco, esse não tem. Tucano tem, sabiá. As terras tão melhorando, onde eles meteram as máquinas, o mato tá crescendo. O coelho, que a gente não via mais, a gente vê passando de carreira”, me disse Leonete Akroá-Gamella.

A quinta fazenda a ser retomada pelos indígenas seria a de Jamilo Aires Pinto, no povoado Bahias, e que culminou com o massacre. Depois da tragédia, os gamella ocuparam por três semanas o prédio da Funai, em São Luis, exigindo a criação de um grupo de trabalho para iniciar o processo de identificação e delimitação de suas terras.

A reivindicação foi aceita e o grupo, composto por antropólogos, biólogos e outros profissionais, iniciou os trabalhos com uma reunião geral na aldeia Cajueiro-Piraí. Acompanhei o encontro, em 10 de novembro de 2018, aberto à imprensa, e vi a esperança dos Akroá-Gamella. A expectativa, no entanto, deu lugar à apreensão com a Medida Provisória 870/19, assinada pelo presidente Jair Bolsonaro em seu primeiro dia de mandato, que reestrutura ministérios e retirava da Funai o poder de identificar e demarcar terras indígenas e entregava ao Ministério da Agricultura – nas mãos dos ruralistas.

No último dia 22 de maio, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou o texto da MP 870, mas com modificações importantes para os povos indígenas: as demarcações voltaram a ficar a cargo da Funai, e não mais do Ministério da Agricultura. A fundação também retornou ao Ministério da Justiça, saindo do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, ao qual se encontrava submetida por força da MP publicada em janeiro.

A modificação do texto-base aconteceu após intensa pressão dos movimentos indígenas sobre o governo Bolsonaro. A vitória, porém, não é definitiva. A votação da MP ainda deve passar pelo Senado, e precisa ser sancionada pelo presidente até 3 de junho.

A Funai não respondeu meus pedidos de informação e entrevista. Segundo a advogada Viviane Pedro, o Ministério Público Federal garantiu que o grupo de trabalho continuará discutindo o reconhecimento dos Akroá-Gamella.

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Mulher consola o marido na aldeia Cajueiro-Piraí um dia depois do ataque. Foto: Ana Mendes/The Intercept Brasil
‘Índio tem que morrer’
Depois da barbárie de 2017, as hostilidades contra indígenas em Viana aumentaram, e a eleição de Jair Bolsonaro, com seu discurso racista contra indígenas e quilombolas, tornou tudo mais violento.

Os Akroá-Gamella resistem a ir para Viana. Quando vão, evitam estar com braços, pernas e rostos pintados com grafismos típicos da etnia. Ouvi relatos de olhares de ódio e ameaças vocalizadas pelas ruas e nos comércios: “índio tem que morrer”, dizem quando os veem passar. Como parte da estratégia de terror psicológico, moradores de Viana, ao modo Bolsonaro, simulam uma arma com os dedos polegar e indicador em riste e a apontam aos indígenas.

À noite, tiros são disparados para o interior das aldeias retomadas. “Vocês ouviram o pessoal que passou pela estrada nessa madrugada xingando a gente de ladrão e vagabundo?”, me perguntou Pe’gre Akroá-Gamella, 41 anos, durante uma das minhas visitas ao território.

Em Centro do Antero, Aldeli e Joseane estão cercados por não indígenas que, ao longo de décadas, compraram terras griladas e se instalaram na aldeia. O casal relatou que tiros são disparados com frequência nos arredores da casa por alguns vizinhos com o objetivo de amedrontá-los. Em uma de minhas visitas à aldeia, ouvi um disparo enquanto a equipe de vídeo capturava imagens com drone, por volta de 9h.

Em outro momento da apuração em campo, precisamos ficar em alerta: por volta das 20h30, um homem abandonou uma moto a poucos metros da entrada principal da aldeia onde estávamos. Ele se escondeu no mato à beira da estrada. Cerca de uma hora depois, saiu do esconderijo – uma vala do outro lado da pista – e partiu em retirada no veículo. A moto não tinha placa. A polícia de Viana foi acionada pelos Akroá-Gamella enquanto o homem ainda estava escondido, mas chegou horas depois que o suspeito já tinha ido embora. “Era uma emboscada. Se a gente se aproximasse pra ver quem era, ele podia matar a gente”, avaliou um dos indígenas na ocasião.

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Cemitério na aldeia Taquaritiua, no território Akroá-Gamella. Foto: Ana Mendes/The Intercept Brasil
No dia seguinte, por volta de 11h, uma jovem Akroá-Gamella de 16 anos foi abordada no povoado Santeiro por dois jagunços encapuzados numa moto. Eles queriam saber onde se encontrava uma das lideranças do território. Com uma arma apontada para sua cabeça, a jovem negou conhecê-lo. Só depois de ameaçar gritar, ela foi liberada pelos pistoleiros.

Entre outubro de 2018 e fevereiro deste ano, oito ocorrências de ameaças e ataques com arma de fogo foram registradas pelos indígenas na Delegacia Especializada em Conflitos Agrários de São Luís. “Desde que Bolsonaro pegou a presidência, a ameaça ficou muito mais perigosa pra nós. Agora, eles tão diretamente nos ameaçando, e até querendo entrar pra dentro do território onde a gente tá”, me disse um dos indígenas que tem sido procurado por jagunços em Viana e que pediu para não ser identificado.

Em 21 de fevereiro de 2019, o deputado federal Aluísio Mendes, do Podemos maranhense, publicou em sua conta no Facebook fotos de uma reunião com o presidente da Funai, o general Franklimberg Farias, e escreveu a seguinte legenda: “Em pauta, as terras de Viana e Matinha, ocupadas por pessoas que se autointitulam índios Gamelas (sic) e a necessidade de ampliação da rede de transmissão de energia elétrica para atender estas regiões. (…) Quanto à insegurança jurídica dos pequenos fazendeiros de Viana e Matinha, vítimas das invasões, defendemos a posse de suas propriedades.”

O post repetiu as mesmas palavras e ideias que ele proferiu em um discurso durante a Manifestação pela Paz feita em 30 de abril de 2017 numa praça do povoado Santeiro, em Viana. Poucas horas depois, aconteceria o massacre contra os Akroá-Gamella.



Reportagem realizada com apoio do Rainforest Journalism Fund em associação com o Pulitzer Center.

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Crianças brincam em açude da aldeia Cajueiro-Piraí, uma antiga fazenda, agora retomada. Foto: Ana Mendes/The Intercept Brasil