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terça-feira, 30 de julho de 2019

A REAÇÃO DO GOVERNO BOLSONARO CONTRA A VAZA JATO MOSTRA POR QUE NOSSAS REPORTAGENS SOBRE O ARQUIVO SECRETO SÃO TÃO VITAIS, POR INTERCEPT

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Illustration: Soohee Cho/The Intercept
A REAÇÃO DO GOVERNO BOLSONARO CONTRA A VAZA JATO MOSTRA POR QUE NOSSAS REPORTAGENS SOBRE O ARQUIVO SECRETO SÃO TÃO VITAIS
Glenn Greenwald, Leandro Demori, Betsy Reed
28 de Julho de 2019, 15h23
QUANDO FORAM PUBLICADAS, nesta semana, notícias de que a Polícia Federal prendeu quatro suspeitos de hackear o Telegram de várias autoridades brasileiras e de enviar parte desse material ao Intercept, muitos de nossos leitores se perguntaram: qual o efeito que isso terá no jornalismo que estamos produzindo a partir desse arquivo?

A resposta, em uma palavra, é: nenhum. Não terá efeito nenhum.

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O interesse público na divulgação desse material era óbvio desde o princípio: esses documentos revelam más condutas sérias e sistemáticas – e, o que nos parece claro, flagrantes ilegalidades – por parte do então juiz, agora ministro da Justiça, Sergio Moro, bem como do coordenador da operação Lava Jato Deltan Dallagnol e de outros procuradores da força-tarefa. As impropriedades cometidas por Moro e pelos demais e expostas pelas reportagens do Intercept são tão sérias que levaram alguns dos maiores aliados de Moro a abandoná-lo e exigir sua renúncia uma semana depois da publicação das primeiras matérias.

À medida em que novas revelações foram sendo publicadas – pelo Intercept e por nossos parceiros jornalísticos – eles recorreram à mesma tática empregada por autoridades no mundo todo quando vêem sua corrupção sendo revelada pela imprensa: distrair a atenção de seus atos, demonstrados pelas reportagens, preferindo fixar seu discursos contra os jornalistas e suas fontes.

É isso que Sergio Moro, se valendo de sua posição de ministro da Justiça e Segurança Pública, vem há semanas tentando fazer. Ele e seus defensores, em sua maioria do partido de Bolsonaro, falam constantemente dos supostos crimes cometidos pela fonte e insinuam que os repórteres e editores do Intercept e dos demais veículos trabalhando em cima desse arquivo são “criminosos” ou “cúmplices” devido ao papel que desempenhamos em expor a verdade. O blog que vem funcionando como porta voz oficial de Moro se refere a nós como “cúmplices”, enquanto Moro nos chama de “aliados de criminosos”.

Ontem, o presidente Bolsonaro se envolveu diretamente no assunto (depois de fugir dele por semanas), com a acusação indecorosa de que Glenn Greenwald se casou no Brasil e adotou crianças para evitar uma deportação (seu casamento ocorreu há catorze anos); e ameaçando Greenwald com prisão: “Ele pode pegar uma cana aqui no Brasil”.

Apesar de seus esforços, Moro, Bolsonaro e seus defensores se mostraram incapazes de obter uma única prova ou indício de que o Intercept tenha feito qualquer coisa além de exercer seu direito de praticar jornalismo, tal qual é garantido e protegido pela Constituição brasileira e gozado por todos os jornalistas do país. Pelo contrário: todas as insinuações e sugestões feitas por eles de que o Intercept teria agido de forma imprópria foram desmentidas pelos fatos.

Depois que a Polícia Federal anunciou as prisões, foi vazada à imprensa uma confissão de um dos suspeitos, Walter Delgatti Neto, apontado pelas autoridades como sendo o principal hacker que teria fornecido o material ao intercept. Depois de ter sido submetido a horas de interrogatório e supostamente confessar ser o hacker, Delgatti Neto disse em seu depoimento, conforme vazado:

Que nunca falou com qualquer repórter do Intercept antes de ter realizado os hackeamentos;
Que nunca pediu ou recebeu qualquer pagamento do Intercept (ou de qualquer outra parte) por fornecer os documentos;
Que só se comunicou com o Intercept de forma anônima;
Que nunca alterou os chats enviados ao Intercept, e que considera tecnicamente impossível realizar alterações desse tipo devido à forma como foram baixados do Telegram; e
Que se inspirou no whistleblower da NSA Edward Snowden, obtendo e vazando esses documentos com o objetivo de expor corrupção praticada por autoridades que a população tem o direito de saber.
Tendo em vista que nós temos não somente o direito, mas o dever – conforme a Constituição e os códigos de ética que regem nossa profissão – de proteger nossas fontes, nós não comentamos e não comentaremos sobre os indivíduos acusados pela Polícia Federal de terem hackeado contas no Telegram e de ter fornecido o material aos nossos jornalistas. Como já dito previamente, mesmo se quiséssemos, não poderíamos comentar sobre o assunto, visto que nunca soubemos o nome verdadeiro da fonte que nos enviou o arquivo contendo evidências de corrupção por parte de autoridades. O Intercept não fala sobre suas fontes anônimas, seja no caso Vaza Jato, seja em qualquer outro caso.

O que podemos confirmar, entretanto, é o que dissemos enfaticamente desde o início: o trabalho que estamos realizando é jornalismo de interesse público. Receber informações autênticas que revelam impropriedades sérias por parte das autoridades mais poderosas do país e produzir, de forma minuciosa e responsável, reportagens revelando essas impropriedades é o papel de qualquer jornalista sério em qualquer parte do mundo. Mesmo a versão da Polícia Federal sobre o depoimento do suspeito se alinha com o que estamos dizendo desde o início sobre nosso papel nessas reportagens.

Quando publicamos nossa primeira série de reportagens no dia 9 de junho, incluímos um editorial explicando os princípios jornalísticos que guiam nossas reportagens produzidas à partir do arquivo, e qual foi nosso papel em recebê-lo. Conforme escrevemos:

Mas, até agora, os procuradores da Lava Jato e Moro têm realizado parte de seu trabalho em segredo, impedindo o público de avaliar a validade das acusações contra eles. É isso que torna este acervo tão valioso do ponto de vista jornalístico: pela primeira vez, o público vai tomar conhecimento do que esses juízes e procuradores estavam dizendo e fazendo enquanto pensavam que ninguém estava ouvindo.

(…)

O único papel do The Intercept Brasil na obtenção desse material foi seu recebimento por meio de nossa fonte, que nos contatou há diversas semanas (bem antes da notícia da invasão do celular do ministro Moro, divulgada nesta semana, na qual o ministro afirmou que não houve “captação de conteúdo”) e nos informou de que já havia obtido todas as informações e estava ansiosa para repassá-las a jornalistas.

Quando recebemos o arquivo de nossa fonte, fizemos duas perguntas – as mesmas duas perguntas que jornalistas no mundo todo fazem quando começam a trabalhar numa história: 1) é possível determinar se o material é autêntico?; e 2) é de interesse público produzir reportagens sobre o material?

Se a resposta para essas perguntas for “sim” – como foi nesse caso – então temos não só o direito mas a obrigação de informar o público. É isso que estamos fazendo desde o dia 9 de junho, e continuaremos a fazer até que todo o material de interesse público tenha sido reportado. É também por isso que abrimos nossa redação e o arquivo para veículos parceiros.

Nós pudemos confirmar a autenticidade do material usando os mesmos métodos usados por pelo menos seis outros veículos jornalísticos, muitos dos quais usamos no passado para autenticar o arquivo Snowden. Esses métodos incluem comparar o conteúdo do arquivo a materiais e eventos privados para determinar se são genuínos; consultar fontes com conhecimento privado do conteúdo do arquivo; confirmar com juristas e especialistas da área que os documentos altamente complexos e não públicos só poderiam ter sido criados por alguém com conhecimento interno da operação Lava Jato. Também pudemos ver nos chats vazados as conversas dos procuradores com nossos repórteres, e verificamos que são de fato reais. Assim como nós, os demais veículos que tiveram acesso ao material fizeram a mesma verificação.

As mensagens secretas da Lava Jato
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As mensagens secretas da Lava Jato
Se a própria História do jornalismo servir de algo, as tentativas de Moro e de seus defensores de fazer o público focar nas ações da suposta fonte ao invés do conteúdo de nossas reportagens fracassarão. Grande parte do jornalismo mais importante produzido nas últimas décadas foi feito graças a fontes que obtiveram ilegalmente informações cruciais e as entregaram para jornalistas. O que fica registrado na História é o que foi revelado pelas reportagens, e não as ações das fontes que ajudaram na revelação.

Em 1971, um ex oficial do pentágono, Daniel Ellsberg, roubou dezenas de milhares de páginas de documentos secretos provando que o governo dos EUA estava mentindo para a população a respeito da guerra do Vietnã. Ellsberg entregou os documentos roubados ao New York Times e depois para o Washington Post, e ambos produziram diversas reportagens com base nesses documentos. Se hoje em dia o nome de Ellsberg é lembrado, é como um herói que permitiu que essas mentiras oficiais do governo fossem expostas por jornalistas.

Durante a chamada Guerra ao Terror promovida pelos EUA e seus aliados desde os ataques de 11 de setembro de 2001, os maiores veículos de mídia do ocidente – New York Times, Washington Post, NBC News, BBC, the Guardian – receberam repetidamente informações de fontes que violaram as leis para expor sérios crimes, como a prática de tortura, a existência de prisões secretas da CIA, e o sistema ilegal de vigilância da NSA. Ainda que algumas vozes autoritárias tenham clamado pela prisão dos jornalistas que revelaram esses segredos, o público de modo geral tratou essas reportagens como fundamentais, e todas essas revelações receberam o prêmio máximo do jornalismo, o Pulitzer.

O mesmo vale para as reportagens, publicadas em 2013 e 2014, sobre o sistema secreto e massivo de espionagem na internet, afetando populações inteiras, por parte do governo dos EUA e seus aliados – reportagens essas que só foram possíveis graças a documentos obtidos ilegalmente pelo whistleblower da NSA, Edward Snowden. Dezenas de veículos de mídia no mundo todo – inclusive o grupo Globo, no Brasil – manifestaram a vontade de ter acesso aos documentos roubados para produzir reportagens sobre o sistema secreto de espionagem mantido pelo governo dos EUA, porque em casos como esses os jornalistas entendem que o que importa não são as ações ou motivações da fonte, mas o conteúdo revelado ao público.

Hoje em dia, o que é lembrado pela História sobre o assunto não são os julgamentos morais feitos pelo governo dos EUA e seus defensores acerca das ações de Snowden. O que importa – o que ficou registrado na História – é o que foi revelado pelas reportagens sobre as invasões de privacidade massivas e indiscriminada perpetradas em segredo pelas agências de segurança. 

Nunca tivemos dúvidas que Moro, Dallagnol e seus aliados usariam a mesma tática usada por Richard Nixon e seus aliados contra Daniel Ellsberg durante os escândalos do Pentagon Papers e de Watergate, e por tantas outras autoridades pelo mundo quando flagradas praticando corrupção: desviar a atenção das ilegalidades reveladas e focar a atenção do público nas ações de quem as revelou.

Tampouco tivemos dúvidas de que essas táticas fracassariam no caso da #VazaJato, como fracassaram no passado em todos os exemplos citados de jornalismo produzido nas últimas décadas. O que importa ao público é o que seus líderes mais poderosos fazem em segredo. E é por isso que uma imprensa livre é vital e indispensável à qualquer democracia saudável: só o jornalismo independente do governo e livre da influência de oficiais imorais pode garantir que o público seja informado sobre as ações de seus líderes, e desse modo evitar que governantes corruptos atuem nas sombras.

Foi guiado por esses princípios que o Intercept foi fundado em 2013. São esses os princípios que norteiam nosso jornalismo desde o surgimento de nossa organização. E são esses os princípios que – com sua ajuda e apoio – continuarão guiando nossas reportagens.

‘O RISCO TÁ BEM PAGO RS’, POR INTERCEPT BRASIL

Deltan Dallagnol e Roberson Pozzobon em audiência pública na Assembleia Legislativa do Paraná em 24 de outubro de 2016.

Deltan foi estrela de encontro com bancos e investidores organizado pela XP ‘com compromisso de confidencialidade’
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Ilustração: João Brizzi e Rodrigo Bento/The Intercept Brasil; Marcos Bizzotto/AGIF via AP
Andrew Fishman, Leandro Demori
26 de Julho de 2019, 19h01
As mensagens secretas da Lava JatoAs mensagens secretas da Lava Jato
Parte 13
Banqueiros de J.P. Morgan, Goldman Sachs e Deutsche Bank foram convidados para conversar com Deltan – e Fux – em eventos secretos

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O procurador Deltan Dallagnol foi o destaque de um evento secreto com representantes dos bancos e investidores mais influentes do Brasil e do exterior. O encontro foi organizado pela XP Investimentos em junho de 2018. A representante da XP que contactou o coordenador da força-tarefa da Lava Jato prometeu que o bate-papo seria “privado, com compromisso de confidencialidade”, e destacou que já havia feito um evento parecido com o ministro do Supremo Luiz Fux: “não saiu nenhuma nota na imprensa”, garantiu.

Dallagnol aceitou e pediu que a XP conversasse com a agência que organiza os eventos pagos do procurador, a Star Palestras, que acabou coordenando a contratação. O Intercept já revelou, com base nos chats secretos da Lava Jato, que Deltan Dallagnol disse ter faturado quase R$ 400 mil com palestras e livros em 2018. Entre as empresas que pagaram pela presença do procurador, está uma investigada pela própria Lava Jato. No caso da XP, não está claro se a ida do procurador foi remunerada.

Dallagnol e seus colegas discutiram, no Telegram, o potencial risco para suas imagens ao se sentarem com banqueiros, mas acabaram decidindo que valia a pena. “Achamos que há risco sim, mas que o risco tá bem pago rs”, escreveu Dallagnol em um chat privado com seu colega na força-tarefa, o procurador Roberson Pozzobon, em fevereiro de 2018. Pozzobon pediu um tempo: “Mas de fato é nessa questao dos bancos que a coisa é mais sensível mesmo. Vamos conversar com calma depois”.

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Reuniões secretas com banqueiros já provocaram polêmicas com vários políticos e funcionários públicos em outros países. Nos EUA, por exemplo, a recusa de Hillary Clinton em publicar transcrições de seus discursos remunerados para bancos de investimento de Wall Street — e o timing de doações feitas a sua fundação filantrópica — se tornou uma linha de ataque forte e recorrente contra sua campanha fracassada pela presidência em 2016. Eventualmente, algumas das transcrições foram vazadas e publicadas pelo WikiLeaks. A prática de palestras remuneradas é vedada por entidades como o Departamento de Justiça dos EUA e o Tribunal Penal Internacional.

Os detalhes sobre o evento com Dallagnol, realizado no dia 13 de junho de 2018 no escritório da XP, em São Paulo, são relatados em conversas privadas que fazem parte do pacote de mensagens que começamos a revelar no último dia 9 de junho. O material reúne conversas mantidas pelos procuradores da Lava Jato em vários grupos do aplicativo Telegram desde 2014.

O Intercept, junto com a Folha de S.Paulo, revelou este mês um plano de Dallagnol para lucrar com palestras junto com Roberson Pozzobon, contando com a ajuda de suas esposas. “Vamos organizar congressos e eventos e lucrar, ok? É um bom jeito de aproveitar nosso networking e visibilidade”, falou Dallagnol em um chat com sua esposa.

‘NÃO SAIU NENHUMA NOTA NA IMPRENSA’
Deltan Dallagnol e Roberson Pozzobon em audiência pública na Assembleia Legislativa do Paraná em 24 de outubro de 2016.
Deltan Dallagnol e Roberson Pozzobon em audiência pública na Assembleia Legislativa do Paraná em 24 de outubro de 2016. Foto: Pedro de Oliveira/Alep
O CONVITE DA XP INVESTIMENTOS chegou a Dallagnol via Débora Santos, que se apresenta como “consultora/ analista de política e Judiciário” da empresa. No começo da conversa, ela diz que é esposa de Eduardo Pelella, que era o chefe de gabinete e braço direito de Rodrigo Janot quando Procurador-Geral da República. Antes de trabalhar na XP, Santos era assessora particular do Ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF.

“Queria te convidar para um bate papo com investidores brasileiros e estrangeiros aqui em SP”, escreveu Santos. Dallagnol explicou que já tinha um evento agendado com a XP e pediu para Santos entrar em contato com sua secretária, mas mostrou mais interesse após a consultora explicar a natureza do evento. “Seria um público mais seleto. CEOs e tesoureiros dos grandes bancos brasileiros e internacionais”, ela detalhou. “Me passa uma lista de quem são?”, pediu Dallagnol.


17 de maio de 2018 – Chat privado

Débora Santos – 18:04:57 – JP Morgan Morgan Stanley Barclays Nomura Goldman Sachs Merrill Lynch Cresit Suisse Deutsche Bank Citibank BNP Paribas Natixis Societe Generale Standard Chartered State Street Macquarie Capital UBS Toronto Dominion Bank Royal Bank of Scotland Itaú Bradesco Verde Santander
Santos – 18:06:17 – Esses seriam os convidados. Nem todos comparecem.
Santos – 18:06:36 – Você deve estar agendado para o Expert, uma conferência grande que realizamos em setembro.
Santos – 18:07:42 – Esse bate-papo é privado, com compromisso de confidencialidade, onde o convidado fica à vontade para fazer análises e emitir pareceres sobre os temas em um ambiente mais controlado.
Santos – 18:08:17 – Semana passada recebemos o presidente do TSE, ministro Fux, por exemplo e não saiu nenhuma nota na imprensa.
Santos – 18:09:25 – Nem sobre a presença dele na XP.
Santos – 18:09:43 – Assim, já aconteceu com vários personagens importantes do cenário nacional, como você.




XP e Dallagnol não confirmaram os participantes do evento para o Intercept, mas na lista de convidados havia bancos que já foram investigados pela Lava Jato. Depois da explicação do evento, os dois discutiram a logística e a data:


17 de maio de 2018 – Chat privado

Deltan Dallagnol – 23:06:04 – Mas me esclarece melhor: Vcs têm encontros regulares sem data definida? Ou querem fazer um encontro específico com alguma pauta? O ideal seria eu participar de um encontro que já exista…

18 de maio de 2018 – Chat privado

Débora Santos – 10:33:53 – Fazemos econtros regulares com atores do mercado para fazer análises conjunturis sobre temas da atualidade. Estamos na fase de ciclo de encontros sobre Lava Jato e Eleições, por isso estivemos com o ministro Fux, na semana passada, e estamos negociando data com os ministros Barroso e Alexandre de Morais tb.
Santos – 10:34:49 – Além de integrantes do Judiciário, estivemos nas últimas semanas com algumas lideranças políticas e cientistas políticos.
Santos – 10:35:33 – A reunião com vc se coloca nesse contexto do ciclo de debates sobre eleições, lava jato e conjuntura política em 2018.
Santos – 11:24:14 – A principal diferença entre a conferencia que vc fará em setembro e dessa reunião privada é o tipo de público. Na conferencia ampliada, é um público heteregeneo que compreende o cenário mais amplo, sem aprofundamentos, meio que o que já está nos jornais. O público dessas reuniões privadas é mais qualificado, se aprofunda em conceitos de debates.




O ministro Fux não respondeu ao Intercept. Já os ministros Barroso e Moraes negaram ter participado em eventos do tipo.

Quatro dias depois, Dallagnol perguntou sobre um possível cachê.


22 de maio de 2018 – Chat privado

Deltan Dallagnol – 23:08:33 – Débora, a ida dos Ministros é remunerada como palestra?
Dallagnol – 23:09:01 – Os encontros são convocados então tendo em vista um convidado específico, certo?
Débora Santos – 23:42:49 – Sim, fazem parte de um projeto que vem sendo desenvolvido ao longo do ano, mas são convocadas rodadas para cada convidado
Santos – 23:44:40 – Temos como hábito respeitar a privacidade dos nossos convidados
Dallagnol – 23:55:23 – Opa entendo perfeitamente.
Dallagnol – 23:55:44 – Debora vou pedir para a SUPRIMIDO que me ajuda com essas palestras para falar com Vc.

23 de maio de 2018 – Chat privado

Débora Santos – 00:01:15 – Tudo bem.




Àquela altura, o procurador já sabia muito bem seu valor no mercado de palestras. Em várias conversas anteriores, Dallagnol discutiu a remuneração de outras figuras públicas – ele queria estabelecer seu próprio preço. Em um documento intitulado “Projeto palestras.docx”, criado em dezembro de 2015 e editado pela última vez em fevereiro de 2016, Dallagnol anotou três conversas relevantes:

Sobre as palestras pagas:
– SUPRIMIDO do Markets Group: Com certeza, Dr Dallagnol. Na verdade, quase todas as autoridades cobram para dar palestra. O Joaquim Barbosa, por exemplo, cobra 70 mil reais por palestra. O FHC, 360 mil. Se eles cobram, é porque tem quem pague. Pedro Malan, Mailson da Nobrega… Por ai vai. Empresas como a minha não pagam palestrantes, pois organizar conferências é a nossa atividade-fim. Mas sei que investment banks costumam trazer palestrantes de peso para falar para investidores e costumam pagar por isso.
– SUPRIMIDO da Star: FHC cobraria cento e poucos mil; Joaquim Barbosa, 99 mil. Ricardo Amorim, 34.600. Uma iniciante que está com ela, 6 mil.
– Orlando: colega do MP que participou do CDC viajou fazendo muitas palestras, cobrando por isso.

A XP se recusou a confirmar a existência do evento secreto ou de pagamentos a Dallagnol por sua participação. A Star Palestras, que agencia os eventos do procurador, respondeu que os dados sobre clientes são privados e “por isso não fornecemos informações”. Ainda afirmou que “se conduz em sua atividade segundo a lei e a ética”.

Mas é certo que o evento secreto aconteceu. Com a aprovação da XP, Dallagnol levou um integrante da Transparência Internacional. A organização, que se descreve como “dedicada à luta contra a corrupção”, juntou-se aos procuradores da força-tarefa para criar as “Novas Medidas contra a Corrupção”, e confirmou que Guilherme Donega, consultor do Programa de Integridade em Mercados Emergentes, esteve presente e falou sobre a iniciativa.

Perguntado sobre o conflito ético de reuniões privadas de procuradores – possivelmente remuneradas – com bancos, a Transparência Internacional respondeu que “devem ser evitadas atividades de qualquer tipo – mesmo as privadas – que possam comprometer a integridade, equidade e imparcialidade necessárias à função que exercem”. “Em caso de dúvida, recomenda-se que esta seja levada a um órgão competente para um parecer prévio”, acrescentou a entidade, que informou ainda que Donega não foi remunerado por sua participação.

‘LULA NÃO PODE DAR PALESTRA, PROCURADOR QUE GANHA SUPER SALÁRIO PODE. . .’
dd-gif-comp2-1564159878 GIF: Reprodução/YouTube
Um ano antes do encontro secreto com grandes investidores, Dallagnol já tinha dado uma palestra numa conferência da XP Investimentos. Ele recebeu R$ 33.250. O evento aconteceu quando as palestras do procurador já eram foco de muito escrutínio da imprensa e do próprio Ministério Público.

A preocupação, à época, era tanta que um assessor sugeriu que seria uma boa ideia barrar a imprensa dos eventos em São Paulo e no Rio:


15 de junho de 2017 – Chat privado

Assessor 1 – 00:21:06 – na verdade, não sei se é uma boa ideia a imprensa cobrir estas palestras em SP ou no Rio. acho que vale a pena qdo é em cidades cuja imprensa não costuma ter acesso a vcs. mas em SP e Rio o risco de uma cobertura mais “crítica” é maior.
Assessor 1 – 00:21:24 – não achei ruim, mas não foi tão positivo assim.
Deltan Dallagnol – 00:21:25 – pois é, a ideia era não ter
Dallagnol – 00:21:32 – acho que eles se infiltraram
Dallagnol – 00:21:49 – alguém até perguntou: como conseguiram credenciais?
Dallagnol – 00:21:59 – na XP, na próxima semana, deve ter o mesmo problema
Assessor 1 – 00:22:12 – uai… Assessor 2 disse que a imprensa ia cobrir, entendi que tinha sido combinado com a assessoria do evento.
Assessor 1 – 00:24:19 – a assessoria deles pode barrar, se quiser. mas eles capitalizam os eventos com vc, então é difícil. um congresso como o de hj não teria espaço na Folha, no Globo e no Valor se vc não tivesse participado.




Dias depois, a corregedoria do Ministério Público abriu uma investigação após a imprensa descobrir que uma agência estava pedindo até R$ 40 mil por palestras do procurador. Ele afirmou que recebeu R$ 219 mil por eventos no ano anterior. A Associação Nacional de Procuradores da República soltou uma nota em defesa de Dallagnol.

O que não se sabia, até agora, e que os chats da Vaza Jato revelam, é que o próprio Dallagnol editou e aprovou a nota em apoio a si mesmo antes da publicação. O procurador debateu o texto em conversas privadas com a procuradora e diretora cultural da ANPR, Lívia Tinoco. Além de mandar a nota para aprovação de Deltan, Tinoco repassou informações de bastidores para o procurador, antecipando o resultado da investigação contra ele: “não vai dar em nada”.


23 de junho de 2017 – Chat privado

Lívia Tinoco – 15:56:21 – Deltan
Tinoco – 15:56:43 – Ja recebeu a nota da ANPR sobre a questão das palestras remuneradas ?
Tinoco – 15:56:51 – Aprova aí pra gente soltar
Tinoco – 15:57:40 – Peço sigilo a vc, mas a ANPR conversou com Hindemburgoque concorda não haver qualquer problema com as palestras remuneradas
Deltan Dallagnol – 15:57:51 – NÃO VI
Tinoco – 15:57:56 – Com certeza a coisa vai bater na corregedoria do MPF
Dallagnol – 15:57:58 – ótimo, boa notícia
Dallagnol – 15:58:05 – CNMP mandou pra corregedoria
Tinoco – 15:58:05 – E não vai dar em nada
Tinoco – 15:58:09 – Ele vai arquivar
Tinoco – 15:58:19 – Por favor, não comente isso
Dallagnol – 15:58:26 – claro, obrigado
Tinoco – 15:58:27 – Só para te tranquilizar
Dallagnol – 15:58:32 – obrigado Livia
Tinoco – 15:58:33 – Vou mandar a nota agora
Tinoco – 15:58:36 – Espere aí




Tinoco estava certa: a investigação sobre a comercialização das palestras de Dallagnol foi arquivada menos de dois meses depois.

A ANPR e a corregedoria não comentaram esta reportagem.

LEGENDA (via AP) Ilustração: João Brizzi e Rodrigo Bento/The Intercept Brasil; Marcos Bizzotto/AGIF via AP
XP, A CLIENTE FIEL. ‘NÃO É SHOW???’
À época, Dallagnol passou várias horas conversando com seus assessores de comunicação para tentar conter os danos públicos à sua reputação causados pelas palestras. Ele queria criar uma estratégia para responder aos jornalistas, mas parecia não entender exatamente os riscos da decisão.

Os assessores conseguiram convencê-lo a não responder aos críticos nas redes. O procurador queria postar uma mensagem em que deixava claro que fazia “o que quiser com o dinheiro das minhas palestras”. Indignado com o que chamou de “acusações absurdas”, Dallagnol desafiava os políticos críticos a ele a mostrar que doavam “para a sociedade seu dinheiro”, como ele afirmava fazer, em vez de “drenar recursos públicos”. Terminou: “Então, podemos começar a conversar”.


20 de junho de 2017 – Chat DD-Assessor2-Assessor1

Deltan Dallagnol – 12:33:07 – Mas por que a polêmica sobre isso é ruim?
Dallagnol – 12:33:26 – Vai reforçar coisa boa
Assessor 1 – 12:34:20 – não vai, esse é que é o problema. o que chama a atenção é o negativo, não o positivo.
Assessor 1 – 12:34:56 – Lula não pode dar palestra, procurador que ganha super salário pode…
Assessor 1 – 12:35:32 – procurador fatura e ainda tenta posar de bom moço…




Em nenhum momento nos chats Dallagnol cogitou parar de receber para palestrar. Apesar das críticas, da investigação na corregedoria, das matérias jornalísticas e do risco à sua reputação relatado pela assessoria, Dallagnol e seus colegas continuavam empolgados com a perspectiva de novas palestras remuneradas. Em fevereiro de 2018, – depois da palestra pública na XP e antes do encontro secreto com os bancos – o procurador relatou a Roberson Pozzobon um novo convite da XP e pareceu se importar pouco com as considerações éticas e as consequências para sua imagem.


8 de fevereiro de 2018 – Chat privado

Deltan Dallagnol – 15:51:25 – Robito, recebemos o seguinte convite: A XP Investimentos quer você de novo este ano mas quer fazer uma painel com você, Dr. Carlos Fernando, Diogoe Robinho. Querem os 4. Alguém da XP irá fazer perguntas. Não é show??? Vocês fariam isso, certo? Eu fiquei super animada, acho que vai ser o melhor painel EVER! Temos que ver uma data entre 20 e 22 de setembro. Me fala o que vc acha, por favor? Pra Vc ofereceram 25.000. Tem risco de imagem, mas CF e eu achamos que dá pra irmos, apesar do risco.
Roberson Pozzobon – 16:28:37 – Castor também achou que nao há risco, Delta?
Dallagnol – 16:58:41 – castor respondeu: “vou ficar rico”
Dallagnol – 16:58:54 – Achamos que há risco sim, mas que o risco tá bem pago rs.
Dallagnol – 16:59:16 – Cara, olho o quanto apanho publicamente. Uma a mais não vai fazer diferença rs.
Dallagnol – 16:59:21 – (pra mim)
Dallagnol – 16:59:30 – Não sendo nada errado…
Dallagnol – 17:02:41 – Ah, CF acha que tem mais risco no caso de Vc e Júlio, que estão sentando com os bancos
Dallagnol – 17:02:58 – Podemos conversar sobre isso depois, se quiser, mas gostaria de dar resposta, se possível, até amanhã
Pozzobon – 17:37:15 – kkkkkkk
Pozzobon – 17:37:34 – Beleza!
Pozzobon – 17:37:48 – Vamos conversar sim
Pozzobon – 17:39:09 – Não vejo diferença, pois o procedimento é da FT
Pozzobon – 17:40:03 – Mas de fato é nessa questao dos bancos que a coisa é mais sensível mesmo. Vamos conversar com calma depois




Pozzobon e Dallagnol aceitaram o convite e participaram do evento ao lado dos colegas Carlos Fernando dos Santos Lima e Diogo Castor de Mattos.

A força-tarefa da Lava Jato não comentou o conteúdo da reportagem e enviou sua resposta padrão: “não reconhece as mensagens que têm sido atribuídas a seus integrantes”, que “pautam sua conduta pela lei e pela ética”.

‘É QUE FIZ PALESTRA PRA ELES.’
UNAFISCO Seminar
Foto: Suamy Beydoun/AGIF via AP
Ironicamente, palestras remuneradas constituíram uma peça central no argumento da força-tarefa, sob o comando de Dallagnol, para a quebra de sigilo fiscal e bancário do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na sua decisão autorizando a quebra, o então juiz Sergio Moro escreveu que os valores altos — mesmo sem indício de crime — eram suficientes para criar “dúvidas” e justificar a investigação: “Não se pode concluir pela ilicitude dessas transferências, mas é forçoso reconhecer que tratam-se de valores vultosos para doações e palestras, o que, no contexto do esquema criminoso da Petrobras, gera dúvidas sobre a generosidade das aludidas empresas e autoriza pelo menos o aprofundamento das investigações.” As palestras de Lula também geraram bastante atenção da imprensa.

O código de ética do Ministério Público brasileiro é mais ameno do que o de muitos de seus pares estrangeiros. O Gabinete do Procurador do Tribunal Penal Internacional, por exemplo, veda a seus membros “aceitar remuneração de qualquer fonte externa para qualquer publicação, palestra externa ou outro ato que esteja relacionado aos propósitos, atividades ou interesses da Corte, como taxa de palestras, honorário ou outro abono”. O Departamento de Justiça dos EUA também proíbe este tipo de atuação por parte de seus procuradores e outros funcionários:

“Geralmente, um funcionário não pode ser [financeiramente] recompensado por falas ou textos que se relacionem com seus deveres oficiais. Um assunto se relaciona com as funções oficiais de um funcionário se uma parte significativa trata de um tema que foi atribuído ao empregado atualmente designado ou no último ano; qualquer política, programa ou operação em curso ou anunciada do Departamento…”

O Departamento de Justiça também estipula que “um funcionário é proibido de participar de qualquer assunto em que tenha interesse financeiro”. Na sua primeira palestra para a XP sobre “ética e Lava Jato”, Dallagnol brincou abertamente sobre o fato de possuir ações da Petrobras e do BTG Pactual na Bolsa.

‘Se não estiver, vou fazer, como fizemos tb na XP… agora se estiver no radar, não’
Essas regulações internacionais existem não apenas para diminuir o risco de corrupção nas entidades, mas — de igual importância — para evitar a possibilidade de percepção de corrupção. “A percepção pública da ética dos funcionários públicos é extremamente importante”, explica um livro didático sobre corrupção global endossado pela ONU e pela Transparência Internacional. “Se o público acreditar, mesmo que erroneamente, que os funcionários públicos são antiéticos, as instituições democráticas sofrerão com a erosão da confiança pública.”

A ombudsman do Banco Central da Europa pediu no ano passado que os líderes da instituição parassem de participar de encontros fechados com grandes bancos privados. Ela argumentou que a nova medida “inegavelmente ajudaria a reforçar a confiança do público no BCE”.

Ao criar regras rígidas, as instituições evitam situações em que seus funcionários possam ser tentados a flexibilizar normas éticas, mesmo que violações flagrantes não ocorram. Além disso, tentam impedir que a população enxergue funcionários públicos como pessoas de valores “flexíveis”, a depender do pagamento.

Em alguns casos, Dallagnol e sua equipe claramente se mostraram cientes de potenciais armadilhas éticas em trabalhos remunerados por terceiros e tentaram evitar aceitar dinheiro de entidades que estavam sob investigação da Lava Jato.


26 de março de 2019 – Chat Incendiários ROJ

Deltan Dallagnol – 01:10:37 – Caros, imagino que não esteja no radar pq nca ouvi falar, mas melhor garantir. O Banco Pan está no radar pra algo? Eles entraram em contato com a Fernanda da Star pedindo palestra pra semana de compliance deles
Dallagnol – 01:11:30 – Se não estiver, vou fazer, como fizemos tb na XP… agora se estiver no radar, não
Júlio Noronha – 05:29:04 – Não está no radar. Mande ver




Mas o conceito de “influência” pode ser mais difuso. Em novembro de 2017, um assessor de comunicação de Dallagnol avisou que havia chegado “um pedido da Federação Nacional dos Combustíveis para fazer uma entrevista”, mas acrescentou que a publicação era pequena: “Não tem repercussão, seria mais para “ganhar ? ? pontos com o pessoal do setor, se interessar.” Dallagnol respondeu: “to na dúvida se vale a pena falar algo”, e continuou: “É que fiz palestra pra eles. Eles mandaram uma lista enorme de perguntas. Pedi pra mandarem 3 ou 4 que respondo rs”. A entrevista, aparentemente, não aconteceu.

Após a palestra secreta na XP Investimentos, seu contato com a empresa, Débora Santos, enviou uma série de perguntas em off para Dallagnol, aproveitando o relacionamento estreitado no encontro. “Olá, Deltan. Uma ajuda. Em off total, como vc avalia a decisão do Supremo de proibir as conduções coercitivas?”, perguntou Santos em 14 de junho de 2018. Deltan respondeu, cauteloso: “postei no tt de madrugada até… atacando pilares da LJ… como Fachin colocou, esse papo de garantias individuais é um discurso pra proteger oligarquias. Coisa de capitalismo de compadrio”. Em fevereiro de 2019, a contratante fez uma outra pergunta no Telegram: “Oi Deltan. Tudo bom. Em off, quais as impressões de vcs sobre o novo juiz da LJ? Pode embarreirar os trabalhos? Vcs já se conheciam?” A XP parecia querer cobrar a conta, buscando acesso privilegiado junto ao procurador. Dallagnol, desta vez, não respondeu.

No mesmo documento em que anotara, anos atrás, os valores de palestras cobrados por figurões da República, Dallagnol mapeou os “próximos passos” de sua carreira de palestrante e escreveu uma nota para si mesmo. Ele registrou: “Acho que onde eu posso agregar hoje é treinamento em setor de compliance e eventualmente ética empresarial, mas precisaria estudar mais ética… complicado.” O estudo não teria feito mal.

Mello Franco: Relatório da Aeronáutica desmente Bolsonaro; pai do presidente da OAB estava sob custódia do Estado quando foi assassinado, por Viomundo.

Mello Franco: Relatório da Aeronáutica desmente Bolsonaro; pai do presidente da OAB estava sob custódia do Estado quando foi assassinado

Veja o trecho do relatório que cita a prisão de Fernando Santa Cruz:
DENÚNCIAS
Mello Franco: Relatório da Aeronáutica desmente Bolsonaro; pai do presidente da OAB estava sob custódia do Estado quando foi assassinado
29/07/2019 - 22h55 
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Relatório da Aeronáutica desmente Bolsonaro sobre vítima da ditadura

por Bernardo Mello Franco, em O Globo


Um documento secreto da Aeronáutica desmente a versão de Jair Bolsonaro para o desaparecimento de Fernando Santa Cruz, morto em 1974 pela ditadura militar.

Nesta segunda-feira, o presidente disse que o estudante, pai do presidente da OAB Felipe Santa Cruz, teria sido assassinado por outros militantes de esquerda.

— Não foram os militares que mataram ele não, tá? É muito fácil culpar os militares por tudo o que acontece — disse.

Segundo a versão de Bolsonaro, Santa Cruz teria sido morto por outros militantes da Ação Popular, uma das organizações que combatiam a ditadura.

No entanto, o relatório secreto RPB 655, do Comando Costeiro da Aeronáutica, atesta que o estudante foi preso pelo regime em 22 de fevereiro de 1974, no Rio de Janeiro.

O documento, anexado ao relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), comprova que Santa Cruz estava sob custódia do Estado quando foi assassinado.

Em depoimento à CNV, o ex-delegado Cláudio Guerra disse que o corpo teria sido incinerado na Usina Cambahyba, em Campos.

A família de Santa Cruz nunca recebeu informações oficiais sobre o paradeiro de Fernando. Em 1995, o nome dele foi incluído na Lei dos Desaparecidos Políticos, sancionada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso.

Lideranças e Cimi responsabilizam discurso de ódio e agressão de Bolsonaro por assassinato e ataques a povo Wajãpi;

Lideranças e Cimi responsabilizam discurso de ódio e agressão de Bolsonaro por assassinato e ataques a povo Wajãpi; vídeo
Foto: Rede de Cooperação Amazônica (RCA)
DENÚNCIAS
Lideranças e Cimi responsabilizam discurso de ódio e agressão de Bolsonaro por assassinato e ataques a povo Wajãpi; vídeo
29/07/2019 - 14h55 
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Em nota, Wajãpi relatam fuga de aldeia após invasão por homens armados

Após assassinato de liderança dentro do território por garimpeiros, Conselho das Aldeias Wajãpi – Apina relata ocupação de aldeia por homens armados

por Assessoria de Comunicação do Cimi 

Em nota divulgada neste domingo (28), o Conselho das Aldeias Wajãpi – Apina afirma que uma aldeia inteira, dentro da Terra Indígena (TI) Wajãpi, chegou a ser tomada pelos invasores não indígenas que eles denunciam como responsáveis pelo assassinato do chefe Emyra Wajãpi, ocorrido no dia 22 de julho.

Os indígenas relatam no documento que encontraram evidências de que a morte de Emyra foi causada por “pessoas não-indígenas, de fora da TI”.

A nota conta, ainda, que na noite de sexta-feira (26), um grupo de invasores ocupou à força uma casa da aldeia Yvytotõ, no interior da TI, ameaçando seus moradores.

Um documento da Coordenação Regional da Funai estima os invasores não indígenas entre dez e quinze pessoas “de posse de armas de fogo de grosso calibre”.

“No dia seguinte, os moradores do Yvytotõ fugiram com medo para outra aldeia na mesma região”, afirma a Apina.

A organização Wajãpi destaca que invasores também foram vistos nas proximidades de outra aldeia, chamada Karapijuty, e que no sábado chegaram a ser ouvidos tiros na região da aldeia Jakare, próxima à BR-210.

No momento, entretanto, também não havia indígenas nessa aldeia, que fica no caminho de saída da terra indígena.

Segundo relatos, a área foi abandonada pelos Wajãpi, com receio de que os invasores, em fuga, pudessem passar por lá.

No sábado, após denúncia do vereador Jawaruwa Wajãpi, do município de Pedra Branca do Amapari (AP), o senador Randolfe Rodrigues (Rede/AP) divulgou em suas redes sociais o assassinato e a invasão à terra dos Wajãpi.

“Estamos pedindo socorro”, afirmou o vereador. “Uma comunidade Wajãpi está em risco de morte e briga. Precisamos dar segurança para as famílias que se encontram no norte da TI Wajãpi”.

No mesmo dia, o Ministério Público Federal (MPF) abriu uma apuração sobre a morte do chefe Wajãpi e a possível invasão de garimpeiros na terra indígena.

Deslocado para o local, um efetivo da Polícia Federal e do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar (Bope) chegou à terra indígena na manhã de domingo.

Bolsonaro defende exploração de terras indígenas

A grave situação ocorre em meio às insistentes declarações do presidente Jair Bolsonaro e de seus ministros em defesa da exploração e da legalização da mineração em terras indígenas.

Na semana em que os ataques aos Wajãpi ocorreram, Bolsonaro criticou publicamente ao menos duas vezes as demarcações de terras indígenas e defendeu a “legalização do garimpo”.

A primeira delas, no dia 25, a afirmação foi feita durante reunião do Conselho de Administração da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa).

No dia 27,data em que os conflitos na TI Wajãpi vieram a público, Bolsonaro afirmou, durante uma formatura na Vila Militar do Rio de Janeiro, que está buscando o “primeiro mundo para explorar essas áreas em parceria e agregando valor”.

O presidente destacou que esta será uma das atribuições de seu filho, Eduardo Bolsonaro, na embaixada dos EUA, para a qual foi indicado pelo pai.

Em março, o ministro de Minas e Energia de Bolsonaro, Bento Albuquerque, em um evento com investidores e grandes empresários estrangeiros do setor, no Canadá, afirmou que o governo poderá “autorizar” a mineração em terras indígenas sem que os povos fossem consultados.

“Os discursos de ódio e agressão do presidente Bolsonaro e demais representantes de seu governo servem de combustível e estimulam a invasão, o esbulho territorial e ações violentas contra os povos indígenas em nosso país”, afirma, em nota (na íntegra, ao final), o Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

“Esperamos que os órgãos e autoridades públicas tomem medidas urgentes, estruturantes e isentas politicamente para identificar e punir, na forma da lei, os responsáveis pelo ataque aos Wajãpi”, reivindica o Cimi.

Nos últimos dias, diversas organizações, entidades, artistas e políticos manifestaram-se em apoio aos Wajãpi. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) defende que seja assegurada a integridade dos Wajãpi e sejam “apuradas as notícias da ocorrência de crimes de homicídio e esbulho possessório”.

A Articulação Dos Povos e Organizações Indígenas do Amapá e Norte do Pará (Apoianp) afirma que as declarações de Bolsonaro em favor da abertura das terras tradicionais à exploração, ao agronegócio e à mineração “contribuem com as invasões nas terras indígenas, levando o assassinato de nosso povo”.

A Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Povos Indígenas informou, no dia 27, ter solicitado providências ao Ministério da Justiça e exigiu que sejam garantidos aos povos originários “medidas que evitem a prática constante contra a vida e os seus bens e de proteção devida diante da grave violação dos seus direitos”.

No mesmo dia, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) manifestou preocupação com as informações recebidas sobre o caso e afirmou ter solicitado “a devida diligência do Estado brasileiro para proteger e prevenir possíveis violações” dos direitos humanos dos Wajãpi.

A relatora da ONU para os Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, afirmou ao UOL que os conflitos no Amapá têm relação com as recorrentes manifestações de Bolsonaro contra os direitos dos povos indígenas e a favor da exploração de suas terras.

“Ele é o chefe-de-estado e, ao fazer tais pronunciamentos nessa linha, então claro que esses grupos vão tentar controlar essas terras, invadir esses territórios”, criticou Tauli-Corpuz.

Histórico de conflito

Os Wajãpi, ao longo dos anos, sofreram com diversas ameaças e invasões provocadas por garimpeiros, iniciadas na década de 1970, explica, em postagem de sua página pessoal no Facebook, a pesquisadora e professora da Universidade de São Paulo (USP) Dominique Gallois.

Tais conflitos foram agravados pela construção, naquela mesma década, da estrada Perimetral Norte, que cruza a terra indígena, demarcada apenas em 1996. No decurso dos anos, diversos Wajãpi morreram infectados pelo sarampo que era levado pelos invasores.

“Ninguém esperava que, tantos anos depois, surgisse novamente o pesadelo das invasões de garimpeiros. Voltou à tona o medo das violências e da contaminação por doenças”, afirma Gallois, indicando que a memória das invasões antigas reacende, entre os Wajãpi, o temor de novos massacres.


Povo Wajãpi, durante comemoração dos vinte anos da demarcação da TI, em 2016. Foto: Rede de Cooperação Amazônica (RCA)

Confira, abaixo, a íntegra da nota da Apina divulgada neste domingo:

NOTA DO APINA SOBRE A INVASÃO DA TERRA INDÍGENA WAJÃPI

Nós do Conselho das Aldeias Wajãpi – Apina queremos divulgar as informações que temos até agora sobre a invasão da Terra Indígena Wajãpi.

2ª feira, dia 22/07, no final da tarde, o chefe Emyra Wajãpi foi morto de forma violenta na região da sua aldeia Waseity, próxima à aldeia Mariry.

A morte não foi testemunhada por nenhum Wajãpi e só foi percebida e divulgada para todas as aldeias na manhã do dia seguinte (3ª feira, dia 23). Nos dias seguintes, parentes examinaram o local e encontraram rastros e outros sinais de que a morte foi causada por pessoas não-indígenas, de fora da Terra Indígena.

6ª feira, dia 26, os Wajãpi da aldeia Yvytotõ, que fica na mesma região, encontraram um grupo de não-índios armados nos arredores da aldeia e avisaram as demais aldeias pelo rádio.

À noite, os invasores entraram na aldeia e se instalaram em uma das casas, ameaçando os moradores.

No dia seguinte, os moradores do Yvytotõ fugiram com medo para outra aldeia na mesma região (aldeia Mariry). No dia 26 à noite, nós informamos a Funai e o MPF sobre a invasão e pedimos para a PF ser acionada. Na madrugada de sexta para sábado, moradores da aldeia Karapijuty avistaram um invasor perto de sua aldeia.

No dia 27, sábado, nós começamos a divulgar a notícia para nossos aliados, na tentativa de apressar a vinda da Polícia Federal.

Um grupo de guerreiros wajãpi de outras regiões da Terra Indígena foi até a região do Mariry para dar apoio aos moradores de lá enquanto a Polícia Federal não chegasse.

No dia 27 à tarde, representantes da Funai chegaram à TIW e foram até a aldeia Jakare entrevistar parentes do chefe morto, que se deslocaram até lá.

s representantes da Funai voltaram para Macapá para acionar a Polícia Federal.

Os guerreiros wajãpi ficaram de guarda próximo ao local onde os invasores se encontram e nas aldeias que ficam na rota de saída da Terra Indígena.

Durante a noite, foram ouvidos tiros na região da aldeia Jakare, junto à BR 210, onde não havia nenhum Wajãpi.

No dia 28 pela manhã um grupo de policiais federais e do BOPE chegou à TIW e se dirigiu ao local para prender os invasores.

Isso é o que sabemos até agora. Quando tivermos mais informações faremos outro documento para divulgação.

Posto Aramirã – Terra Indígena Wajãpi, 28 de julho de 2019


Foto: Rede de Cooperação Amazônica (RCA)

Nota do Cimi sobre o assassinato de liderança na Terra Indígena Wajãpi

Conselho Indigenista Missionário –Cimi

O Cimi recebe com imensa preocupação e pesar as notícias de ataque de garimpeiros e assassinato de uma liderança do povo Wajãpi, no estado do Amapá. Os discursos de ódio e agressão do presidente Bolsonaro e demais representantes de seu governo servem de combustível e estimulam a invasão, o esbulho territorial e ações violentas contra os povos indígenas em nosso país.

Esperamos que os órgãos e autoridades públicas tomem medidas urgentes, estruturantes e isentas politicamente para identificar e punir, na forma da lei, os responsáveis pelo ataque aos Wajãpi. Esperamos também que o governo Bolsonaro adote medidas amplas de combate à invasão e esbulho possessório das terras indígenas no país.

Por fim, o Cimi exige que o presidente Bolsonaro respeite a Constituição Brasileira e pare imediatamente de fazer discursos preconceituosos, racistas e atentatórios contra os povos originários e seus direitos em nosso país.

Respeite os povos indígenas, presidente Bolsonaro.

ONU cobra do governo brasileiro investigação sobre assassinato de líder indígena no Amapá, por Opera Mundi.


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Michele Bachelet afirmou que morte de Emyra Waiãpi é 'um sintoma inquietante do crescente problema da invasão das terras indígenas' no país

REDAÇÃO OPERA MUNDI
São Paulo (Brasil)
29 de jul de 2019 às 16:30

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A alta comissária da ONU para os direitos humanos, Michelle Bachelet, condenou nesta segunda-feira (29/07) o assassinato do líder do povo indígena Waiãpi, Emyra Waiãpi, e cobrou do governo do presidente Jair Bolsonaro investigações rápidas e efetivas.

"É essencial que as autoridades reajam rápida e efetivamente para investigar esse incidente e levar à justiça os responsáveis de acordo com a lei", disse. Bachelet ainda afirmou que "o assassinato de Emyra Waiãpi, líder dos indígenas waiãpi, é trágico e condenável por si só. Também é um sintoma inquietante do crescente problema da invasão das terras indígenas, especialmente nas florestas, por parte de mineradores, madeireiros e agricultores no Brasil".

A chefe de direitos humanos da ONU apontou que "a política proposta pelo governo brasileiro de abrir mais áreas da Amazônia para a mineração pode levar a incidentes de violência, intimidação e assassinatos do tipo infligido ao povo Waiãpi na semana passada".

"Peço para o governo do Brasil reconsiderar suas políticas para povos indígenas e suas terras, para que o assassinato de Emyra Waiãpi não dê início a uma nova onda de violência que afugente as pessoas de suas terras ancestrais e permita mais destruição da floresta tropical", diz o comunicado.


Flickr/Ministério da Cultura
Michele Bachelet afirmou que morte de Emyra Waiãpi é 'um sintoma inquietante do crescente problema da invasão das terras indígenas' no país
A alta comissária disse também que "a proteção dos povos indígenas e da terra em que vivem tem sido uma questão importante em todo o mundo, não apenas no Brasil". Ela destacou que "embora tenham sido feitos alguns progressos nos últimos anos", também tem se visto a "fraca aplicação das leis e políticas existentes e, em alguns casos, o desmantelamento das estruturas institucionais ambientais e indígenas existentes, como agora parece ser o caso no Brasil".

Assassinato


Um grupo de 10 a 15 mineradores de ouro fortemente armados invadiu na noite de sexta para sábado (27/07) a remota reserva indígena que fica no norte do Brasil, no estado do Amapá, próximo à Guiana Francesa. Durante a semana, autoridades informaram que os mineradores esfaquearam até à morte o líder Emrya Waiãpi, que tinha 68 anos.

Nesta segunda-feira, o presidente Jair Bolsonaro chegou a afirmar que, até o momento, não houve "nenhum indício forte" de que o líder Waiãpi tenha sido assassinado.

'O bolsonarismo é o neofacismo adaptado ao Brasil do século 21', por Ricardo Viel.


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Para Manuel Loff, estudioso português de governos autoritários, bolsonarismo soma “nostalgia da ditadura, discurso sobre a corrupção” e “ligação ao mundo evangélico”

RICARDO VIEL
Agência Pública Agência Pública

Lisboa (Portugal)
29 de jul de 2019 às 16:20

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Manuel Loff tinha 9 anos quando um grupo de capitães e soldados portugueses, cansados de serem mandados à África para uma guerra sanguinária contra os movimentos de libertação das colônias, derrubou uma ditadura que já durava 41 anos – a mais longeva da Europa. A lembrança mais viva que tem daquele dia 25 de abril de 1974, quando a Revolução dos Cravos derrubou o regime salazarista (fundado por António de Oliveira Salazar), é do irmão, que tinha 14 anos, bêbado, a gritar: “Já não vou para a guerra!”.

Há pouco tempo uma amiga de infância fez Loff recordar que com 10 anos ele escreveu e dirigiu uma peça de teatro para ser encenada pelos colegas da escola. O tema era os últimos dias de Hitler no bunker. “A mim próprio me surpreende, não sei como cheguei até lá com essa idade”, confessa. Quando era criança, o pai lhe contava histórias sobre a Guerra Civil Espanhola. Ainda garoto, ia a bibliotecas tomar emprestados livros sobre as Grandes Guerras e pedia de presente de Natal obras sobre o nazismo. Hoje, aos 54 anos, é um dos historiadores mais respeitados em Portugal quando o assunto são regimes autoritários, em especial como o salazarismo e o franquismo. É autor de vários livros, entre eles O nosso século é fascista (2008) e Ditaduras e revoluções (2015) – nenhum deles publicado no Brasil.

Atualmente divide o seu tempo entre Portugal, onde é professor associado do Departamento de História e Estudos Políticos e Internacionais da Universidade do Porto e pesquisador no Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, e Espanha, onde realiza parte da sua investigação. É doutor pelo Instituto Universitário Europeu, em Florença, na Itália, e colabora com várias universidades e centros de investigação europeus e americanos. Também escreve com frequência para jornais e revistas portugueses. Acompanha com atenção e preocupação o crescimento da extrema direita no mundo. Não hesita em classificar o governo de Jair Bolsonaro como representante do neofascismo. “O discurso que tem sobre os movimentos sociais e políticos que se lhe opõem, sobre as mulheres, as minorias étnicas, a família, a nação, o Ocidente configura um neofascismo adaptado ao Brasil do século 21”, resume. Leia abaixo a entrevista.



Você estuda há mais de 30 anos os regimes autoritários. Quando olha para a extrema direita do século passado e a de agora, quais diferenças vê?

Em primeiro lugar, é preciso dizer que já havia extrema direita antes do fascismo: desde o início do século 19 havia uma extrema direita antiliberal e contrarrevolucionária, mas era muito elitista. A extrema direita fascista, que é mais moderna, nasce a partir do fim da Primeira Guerra Mundial – como nasce a esquerda radical também. Depois de 1945, há um primeiro ciclo da extrema direita em que, em grande parte dos países europeus, ela, embora presente, é ilegalizada. Por exemplo, logo a partir de 1947 na Alemanha há partidos da extrema direita, com vários nomes, e só um deles é ilegalizado. É a geração dos nostálgicos e daqueles que se organizavam, em grande parte clandestinamente, para tentar salvar da Justiça muita gente que era procurada. Portanto, a extrema direita de 1945 até 1968, mais ou menos, é de uma geração que viveu a Segunda Guerra Mundial, viveu os regimes fascistas italiano, alemão e os movimentos fascistas de toda a Europa. Depois há uma segunda geração que, como evidentemente a esquerda dos anos 60, é diferente da anterior, que aprendeu várias das lições do passado. Por exemplo: abandonou o discurso abertamente racista para passar a um discurso culturalista. Desde a libertação de Auschwitz, em 1945, o racismo perdeu um enorme espaço, embora esteja presente, não pode ser assumido. Hoje, os racistas dizem que a sua incompatibilidade com as minorias é de natureza cultural.

Você concorda com a ideia de que a extrema direita vem crescendo em poder e importância desde o começo dos anos 1970 no mundo?

Bom, a derrota do nazifascismo foi uma grande derrota da cultura política da direita e significou, mais do que em qualquer momento político na história, uma virada à esquerda do ponto de vista social, da cultura política e do triunfo dos valores da esquerda em torno da democracia e de uma versão da democracia que exigia uma certa distribuição da riqueza e bem-estar social. Tanto que a maioria dos Estados capitalistas do Ocidente “rico”, que se chamava a si próprio desenvolvido, adotaram essas políticas de natureza social.

E havia uma ideia de que esses direitos individuais e coletivos eram um bem adquirido que não seriam perdidos…

Evidentemente. O que vemos hoje é um ataque a toda lógica redistributiva das políticas sociais. Estão, por exemplo, as propostas de flat tax, como agora chamam na Itália, de que todos pagam rigorosamente a mesma coisa… A primeira versão de uma extrema direita com sucesso na Europa foi na Escandinávia: antes de atacar a imigração, focou-se contra o Estado de bem-estar social, pelo peso dos impostos. O seu primeiro alvo foram os mais pobres, dizendo que se estava a criar uma classe de preguiçosos que não querem trabalhar, para depois passarem a dizer, com mais sucesso, que os imigrantes vinham para “mamar da teta” do Estado de bem-estar social. Obviamente, invertendo tudo, pretendendo ignorar que qualquer comunidade de imigrante, de não nacionais, em qualquer sociedade, é em média muito mais jovem do que a média daquela sociedade e trabalha muito mais e ganha muito menos, portanto contribui incomparavelmente mais para a produção de riqueza e para a segurança social.

E qual é o momento atual da extrema direita mundial?

A partir dos anos 70 e 80, sobretudo a partir da consolidação da tese do choque de civilizações, a extrema direita toma Israel como vanguarda do Ocidente na luta contra o Islã e abandona o antissemitismo, que passou a ser um componente claramente minoritário no seu discurso. O alvo passa a ser a imigração, sobretudo se ela é muçulmana. E isso permite juntar o Sul do mundo com uma característica que, para a extrema direita, do ponto de vista identitário, é central, que é a religião. Porque a extrema direita nunca abandonou uma descrição do Ocidente branco e cristão que colonizou o resto do mundo – hoje, visto como um Ocidente judaico-cristão herdeiro das duas religiões monoteístas do Livro Sagrado. Isso é particularmente visível nas Américas, particularmente nos EUA e no Brasil, por via das novas igrejas pentecostais e evangélicas que deram uma virada de 180 graus na visão que tinham dos judeus.

Edir Macedo, para essa aproximação com Israel, mudou até de visual, adotando barba e quipá…

Essa é, portanto, uma das evoluções da extrema direita. Ela tende a abandonar a dimensão do discurso negacionista do Holocausto, sabe que tem que o fazer, e concentrar-se no novo inimigo, o Islã. Esse racismo culturalista permite criar uma plataforma de convergência de todas as sensibilidades reacionárias que descrevem a imigração, o imigrante, como “o outro”, e atrai muita gente que não partilha, ou não partilhava, muitas outras das bandeiras da extrema direita. E depois soma-se um outro ponto, que é muito visível no caso latino-americano – e nesse sentido o bolsonarismo é a versão mais completa e mais despudorada da extrema direita –, que é o do discurso da ditadura cultural marxista. Nesse ponto o bolsonarismo é mais Steve Bannon [estrategista da campanha política de Donald Trump em 2016 e conselheiro informal da campanha de Bolsonaro] que o próprio Trump.

Por quê?

A partir da tese de que há uma ditadura cultural marxista da esquerda, a extrema direita, numa escala internacional, avança com a explicação de que aquela se teria imposto através da escola pública. O que significa que a universidade e a escola pública seriam formadoras de esquerdistas. No fundo, com essa tese, eles atacam todas as ciências sociais, tudo quanto dizem a sociologia, a antropologia e a história. E no Brasil levou-se isso muito mais longe politicamente, e com mais eficácia, com o movimento Escola Sem Partido, cuja tese é de que todas as ciências sociais são engajadas, militantes, e portanto nenhuma delas é objetiva. Todas elas pretenderiam, desde há décadas, minar os fundamentos da natureza, da comunidade, da ordem social: a família, a pátria, a nação etc. Há ainda outra coisa que é muito visível no discurso do Bolsonaro, e também no do Trump, que já existia com Berlusconi, que é o papel das mulheres na sociedade. Já nem digo o universo LGBT, o mundo gay, mas particularmente as mulheres. É a tese de que todo feminismo é radical, todo feminismo é uma invenção da ditadura cultural da esquerda e o único que pretende é legitimar uma “ofensiva contra Deus”, como diria o ministro das relações exteriores do Bolsonaro. E, segundo eles, qual é a melhor forma de se agredir a Deus, e a ordem social e a família? Transformando o papel da mulher nas famílias e criando novas formas de família. E a extrema direita brasileira levou isso muito mais longe, não acho que do ponto de vista da formulação teórica, mas com muito mais sucesso do que noutro país.

Você defende a tese de que o mundo vive uma “transição autoritária” desde o 11 de Setembro de 2011. E o Brasil, em que ponto estaria nesse caminho até o fim da democracia?

O Brasil é dos casos mais avançados, porque a agenda política do governo atual inclui um programa aberto, explícito, de repressão e intimidação dos adversários, ameaça de ilegalização do maior partido da oposição, repressão sobre os movimentos sociais e ameaça de detenção de dirigentes políticos da oposição. E ainda que isso não se concretizasse… Bem, o Lula está preso, o Fernando Haddad ainda não, mas houve uma ameaça nesse sentido; Bolsonaro disse abertamente que ele deveria ser preso e o PT, ilegalizado.

E disse que as alternativas eram exílio ou fuzilamento…

Exatamente. As sociedades autoritárias não são simplesmente aquelas em que o Estado é autoritário, mas também a sociedade é autoritária. O que está a acontecer é uma intimidação sobre os adversários que vai reduzir a capacidade de manobra das oposições sociais e da resistência social – potencialmente é assim, agora falta ver os dados da realidade.


Isac Nóbrega/PR
Loff: 'Programa de Bolsonaro é socialmente tão reacionário que deverá avaliar a necessidade de usar uma violência institucional'
Isso é próprio de um Estado neofascista?

Isso é próprio de um Estado em transição para o autoritarismo que pode ou não reunir todas as características clássicas do fascismo. Mas isso é como a democracia, eu pergunto: os Estados em que nós vivemos são puramente democráticos? O Estado português é puramente democrático? Eu tenho muitas dúvidas em relação a isso. Quando falamos de regimes fascistas e regimes democráticos, falamos de processos de construção permanente da democracia e também do fascismo. A transição autoritária começa quando se degrada a democracia. E quando é que termina? Termina quando já não há democracia. Falta agora estabelecer se já não há democracia no Brasil.


Quem defende que o governo do Bolsonaro não é fascista diz que é impossível que haja 50 milhões de fascistas no Brasil.

Exatamente, e era impossível que na Alemanha, em 1933, existissem 17 milhões de nazistas…

Mas eu penso na frase que você escreveu num artigo recentemente: “O regime fascista não se sustenta só com fascistas”.

Nunca, em momento nenhum da história ele nasceu ou se consolidou apenas com fascistas.

Portanto, no Brasil não há 50 e tantos milhões de fascistas, mas há um percentual grande da população que tolera, aceita ou não se levanta contra isso.

Claro. Todas as soluções autoritárias se sustentam mais sobre o apoio, sobre a intimidação e o medo, ou a indiferença, dos demais. Em todas as soluções autoritárias há uma economia da violência, não se exerce violência sobre todos. E normalmente, quando se exagera, quando se perde o controle do exercício da violência, a reação pode ser demasiado forte e pode provocar, por exemplo, uma guerra civil e a derrota do regime opressor. A indiferença é tão central na sustentação de um regime quanto é o nível de apoio. É totalmente a-histórico e associal imaginar soluções políticas, por mais totalitárias que elas fossem, apoiadas por 100% ou 99% das pessoas. Elas só sobrevivem se tiverem uma minoria muito escassa e sem apoio, ou sem suficiente apoio, que lhe resista e sobre a qual se possa exercer essa repressão “econômica”. E precisa de ter um nível suficiente de apoio, que até pode ser muito reduzido, desde que haja uma grande maioria de indiferentes ou intimidados. Era entre estes que, durante a ditadura em Portugal, se escutava a frase “a minha política é o trabalho”.


Você considera que o governo Bolsonaro tem características suficientes para ser chamado de fascista ou neofascista?

O fascismo não se impõe, como disse, da noite para o dia: o programa do governo Bolsonaro é socialmente tão reacionário e, na sua tentativa de fundir os interesses das direitas políticas e econômicas do Brasil, tão ambicioso que deverá avaliar da necessidade de usar uma violência institucional, paralegal, que está fora do alcance de qualquer governo democrático. Se não hesitar em usá-la, a prática será muito próxima da abordagem fascista. O discurso que tem sobre os movimentos sociais e políticos que se lhe opõem, sobre as mulheres, as minorias étnicas, a família, a nação, o Ocidente configura um neofascismo adaptado ao Brasil do século 21.

Voltando à questão do ataque aos movimentos feministas, essa resposta abertamente machista, de um discurso de retomada de poder, é uma das características desse novo fascismo?

Há uma evidente falocracia e um neopatriarcalismo em tudo isto. A extrema direita raramente assume abertamente a defesa da desigualdade social e política entre homens e mulheres: limita-se a defender o que era a família tradicional. Muitos dos discursos que a extrema direita tem desde 1945 são discursos que transformam o perpetrador numa vítima. Por exemplo, os ex-combatentes de guerras ofensivas perpetradas por vários países ocidentais em vítimas da própria guerra; no Brasil, transformaram os militares que torturaram em vítimas da guerrilha da esquerda, da mesma forma como nos EUA transformaram os combatentes da Guerra do Vietnã em vítimas dos vietnamitas. A mesma coisa é feita com os homens hoje, como se faz com o patrão que é vítima do empregado que não trabalha e está poderosamente defendido por um sindicato, o patrão esmagado pelo Estado que lhe rouba os impostos. Reinventa a organização da sociedade e inverte tudo: o homem, afinal, é que é vítima das mulheres feministas, o empregador é vítima do empregado… E desta forma recupera como vítimas da contemporaneidade, da democratização das relações sociais, aqueles que eram/são os grupos dominantes.


Se na Europa a extrema direita usa a “ameaça” da imigração para fomentar o discurso do medo e ganhar votos, no Brasil o demônio é o comunismo, embora eles aparentemente nem sabem muito bem o que é e quem seja comunista.

Mas sabem porque usam o comunismo. É muito revelador no bolsonarismo, logo desde a sua primeira versão antipetista, como recuperaram toda a linguagem anticomunista dos anos 60 e 70. O Brasil tem dois partidos comunistas, o velho Partidão e o PCdoB, que são comparativamente menores em relação a outros países, e foram aliados menores do PT no poder. Será tudo, menos razoável, dizer que há uma “ameaça comunista” no Brasil – ao contrário do que aconteceu em Portugal, em que estiveram no poder, na França, até na Espanha, em que em determinadas regiões governaram. E ainda assim, eles recuperam diretamente o velho discurso anticomunista. É, também, uma questão de memória, e isso tem um significado particular porque eles sabem que ainda funciona.

E esse ataque às universidades também não é uma coisa nova, verdade?

Todos os Estados autoritários atacam as universidades. Todas as fórmulas políticas, e sobretudo quando se transformam em Estado, querem ter os seus instrumentos de formação e de enquadramento – e as escolas e universidades são alguns deles – e querem ter, ao mesmo tempo, uma bolsa de intelectuais orgânicos que consigam formular, com um discurso relativamente erudito e outro, mais aberto, voltado às massas, aquilo que é a sua ideologia. Se lermos as intervenções espontâneas do Bolsonaro, e mesmo os discursos redigidos, aquilo é de uma grande pobreza de construção. Pode ter um grande sucesso dizer coisas como “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, é verdade, mas é pobre.

É importante, portanto, controlar o pensamento crítico nas escolas e universidades…

O que hoje a extrema direita faz atacando a universidade e a escola pública já tem 200 anos, existe desde as revoluções liberais no final do século 18, início do 19, quando se criam os sistemas públicos de educação. Foi quando o Estado veio dizer que a educação é uma tarefa do Estado e dever dos cidadãos, retirou o monopólio da pouca educação que havia das mãos das igrejas e entrou diretamente num campo, o da formação moral doutrinária, que as igrejas tinham para si próprias. Antes de as extremas direitas do século 20 atacarem a educação pública, já a Igreja havia atacado a educação pública no século anterior. As direitas descreveram o Estado da forma como as igrejas sempre fizeram, acusando-o de querer doutrinar as crianças e roubá-las das famílias – depois de as igrejas terem querido ensinar às crianças tudo sobre a família, sobre identidade de gênero, sobre sexualidade, ordem e obediência. Essa disputa de hegemonia através da educação entre os Estados liberais, e depois democráticos, e as igrejas hoje é reproduzida pela extrema direita que acusa todas as ciências sociais, todas as humanidades de terem uma versão abertamente ideológica. Diga-se de passagem que isso só tem sucesso porque uma grande parte da sociedade também pensa dessa forma. Eu vivo rodeado de gente que entende que o que disserem as ciências tecnológicas e exatas é mais ou menos indiscutível, mas o que diz a ciência social não é especializado; que o que eu, um historiador, disser, ou um antropólogo ou sociólogo, é sempre opinião.

O discurso do governo atual no Brasil é de que a formação deve seguir uma lógica utilitária e que cursos como filosofia e sociologia não trazem retorno para a sociedade.

Em Portugal, até o final da ditadura salazarista, não havia sociologia, antropologia ou psicologia na universidade. Em todos esses casos só havia curso nas escolas de formação de funcionários coloniais. Uma visão utilitarista. Aliás, as primeiras ciências sociais do século 19 nascem para ajudar a dominação, para o conhecimento dos povos colonizados. Aconteceu também no Brasil, era para conhecer os indígenas. De repente, quando a ciência passou a ser um instrumento de emancipação, os detentores da ordem passam a não gostar dela e entender que ela é pecaminosa, blasfema ou, na sua versão no século 20/21, militante. Desde Galileu foi assim. Ou seja, tudo o que eu investigo, interpreto e concluo com uma metodologia científica da interpretação da realidade é simplesmente um discurso que sustenta uma ideologia.

A velha batalha fé versus ciência.

Para esta extrema direita religiosa, o que conta é o texto sagrado, é uma descrição da natureza feita a partir do sagrado, e que é imutável. Esse debate tem milhares de anos. E, portanto, este ataque não é novidade nenhuma, e digamos também que não é exclusivo da extrema direita. Mas é muito grave o que se está passando agora: o neoliberalismo começou a reverter uma política de investimento na educação que vinha desde os anos 40, desde o fim da Segunda Guerra, em vários países ocidentais, e entra no discurso de que a universidade tem que se ligar ao mundo do trabalho – que é o mundo da empresa, na verdade –, de que a universidade – e a escola em geral – deve mostrar o seu caráter prático, e que portanto é um desperdício de bens públicos formar essa gente. E pior ainda se são um “bando de vermelhos”.

O bolsonarismo é uma fórmula que pode se espalhar pela América Latina?

Acho que tem algumas características que lhe permitiriam claramente expandir-se. O bolsonarismo é, sobretudo, uma somatória de nostalgia da ditadura militar, com demagogia anticorrupção e um discurso político centrado na questão moral. Na questão puramente moral, dois dos líderes das direitas clássicas que subiram ao poder com o apoio da extrema direita, Silvio Berlusconi e Donald Trump, são homens que não podem reclamar probidade alguma na sua vida profissional tributária e familiar. Isso não impede que, em ambos os casos, possam fazer discursos profundamente reacionários sobre a família. Com uma “cara de pau”, como vocês brasileiros dizem, um despudor, que não tem nome. O Berlusconi fazia discurso sobre a família depois de publicamente meter a mão nas mulheres. O Trump é a mesma coisa. Portanto, o bolsonarismo é simplesmente o somatório dessa nostalgia da ditadura, discurso sobre a corrupção –portanto demagogia moralista –, a que se soma depois uma ligação ao mundo evangélico. E se essas três condições existirem em outras sociedades latino-americanas, o bolsonarismo poderia se expandir, conseguiria se replicar. E creio que há características muito semelhantes na direita venezuelana, mexicana, argentina e chilena, para que isso aconteça.

Você é capaz de arriscar uma previsão para o futuro próximo? A extrema direita ainda continuará a crescer pelo mundo ou já chegou no teto?

Do ponto de vista estritamente eleitoral, creio que ainda não atingiu teto na maioria dos casos. O problema, contudo, não creio ser eleitoral: a extrema direita não chegou nunca sozinha ao poder, nem chegará no futuro. O seu triunfo depende da capacidade de contaminar as políticas do Estado por via das suas alianças com o resto das direitas, que ocupam facilmente o poder, e por via dos apoios muito substanciais que têm dentro dos grupos sociais dominantes, dentro do próprio aparelho de Estado, sobretudo nas forças armadas e policiais, nos serviços de informação, na própria magistratura. O perigo para a democracia não é exterior ao Estado e aos sistemas de representação, ele está no seu interior.