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segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Vale, exemplo mundial de incompetência e descaso, por Francisco Campera.

Empresa repete erros que provocaram tragédia de Mariana a um custo humano e ambiental altíssimo

Tragedia Brumadinho
Bombeiros procuram vítimas da tragédia em Brumadinho. AFP

“Todas as barragens da Vale estão em risco e podem se romper a qualquer momento. A empresa não quer gastar o dinheiro necessário para recuperar o meio ambiente”. A afirmação é de um dos mais solicitados engenheiros ambientais do Brasil e que já prestou, por um longo período, consultoria à Vale. Por questões óbvias, ele não quer se identificar. Não é preciso, porém, ser perito para acreditar na veracidade desse testemunho. A repetição da tragédia demonstra que a empresa é, no mínimo, negligente.

O maior desastre ambiental na área de mineração do mundo aconteceu no município de Mariana, Minas Gerais, em 5 de novembro de 2015. Os responsáveis foram a empresa Samarco,controlada pela Vale, em sociedade com a anglo-australiana BHP Billiton. A barragem que se rompeu provocou uma enxurrada de lama tóxica, que dizimou o distrito de Bento Rodrigues e deixou19 mortos, além de devastar a bacia hidrográfica do Rio Doce, matar a vida aquática e acabar com o turismo e subsistência de milhares de pessoas.
A Vale conseguiu a façanha de destruir um rio, que nem a mineração na região, onde está localizada Ouro Preto, foi capaz ao longo de 300 anos de exploração do ouro. Pouco mais de três anos após o incidente, a Vale volta a matar. Repetiu o mesmo erro em outra barragem, em Brumadinho, Minas Gerais. Desta vez, porém, o número de vidas sacrificadas foi muito maior. Nas primeiras 24 horas foram confirmadas 34 mortes e centenas de pessoas desaparecidas.
Após a tragédia de Mariana, a Vale apoiou a criação da Fundação Renova, que se demonstrou pouco eficaz. As vítimas, que perderam suas moradias e familiares dos mortos, não foram totalmente indenizadas. A lama tóxica (embora a empresa negue) continua no mesmo lugar e o Rio Doce continua praticamente morto. Uma das líderes das comunidades ribeirinhas, Maria Auxiliadora de Fátima, diz que foi preciso lutar muito para conseguir alguma reparação. “Se não tivéssemos batalhado, não receberíamos nada”. Ninguém foi preso e punido como deveria.
Em qualquer país sério agentes públicos responsáveis e os executivos da empresa estariam presos. No mínimo a companhia já deveria ter pago multas bilionárias, o que não ocorreu. Aqui os envolvidos posam como se uma tragédia anterior não tivesse ocorrido. Dão entrevistas como se eles fossem também as vítimas do acidente. Ao invés de buscar soluções reais, a Vale aproveitou da tragédia para lucrar. Usou a Renova para ganhar tempo com as autoridades, recusando-se a cumprir o acordo fechado com o Ministério Público Estadual e levando a disputa para o lento caminho judicial.
O objetivo era deixar as ações da Samarco despencarem de valor para comprar a parte da sócia. Ironicamente, apesar do desastre ter acontecido aqui no Brasil, a BHP Billiton está sofrendo consequências da duras leis ambientais em seus países de origem, Reino Unido e Austrália. Com a Vale, porém, não foi o que aconteceu. Em matéria assinada por José Casado, veiculada em O Globo, o jornalista informa que a Vale concluiu a compra da parte da sócia estrangeira, mas as empresas não confirmaram o negócio. A Samarco continua fechada, o que facilita para a Vale não pagar indenizações e valorizar sua produção em Carajás.

Impunidade

A tragédia em Brumadinho é resultado, em primeiro lugar, da impunidade do desastre de Mariana. E também de anos de um Estado ausente, incompetente e corrupto. A começar pelo Governo Federal, dominado pela corrupção sistêmica nos últimos anos do PT e MDB. Há de se ressaltar que o defeito da Vale começou lá atrás na privatização malfeita durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, entregue praticamente de graça à iniciativa privada, mas ainda com grande participação do Estado, que não assume as suas responsabilidades perante os desastres.
Ainda é resultado da falência de Minas Gerais pelos governos do PSDB (Aécio Neves e Antônio Anastasia) e do PT (Fernando Pimentel).Tanto que um empresário desconhecido acabou se elegendo governador, Romeu Zema. No primeiro momento, pelo menos Zema e Jair Bolsonaro agiram rápido na tragédia em Brumadinho, 25 de janeiro de 2019. O presidente fez uma declaração pública na TV, criou um gabinete de crise, e visitou de helicóptero a região no dia seguinte ao acidente. Ao contrário de Dilma Rousseff que apenas se pronunciou pelo Twitter e, após críticas, somente uma semana depois fez um sobrevoo na região.
Sob o governo de Michel Temer, que tinha como ministro do Meio Ambiente Sarney Filho, a Vale continuou protegida, apesar do primoroso relatório do Comitê Interfederativo, criado para tratar da reparação da tragédia, que estipulava severas punições e ações eficazes, mas que não foram executadas. Esta será a primeira oportunidade de Bolsonaro e Zema provarem que são diferentes dos governos anteriores, que falharam vergonhosamente. Está no alcance deles providências como acionar as instituições de todos os poderes para obrigar a Vale e os responsáveis a responderem pelo crime, pagar o que devem e restaurarem o meio ambiente. O governo federal pode também intervir na empresa porque possui ações com poder de decisão.
Está claro que não foi promovida manutenção adequada pela Vale nas barragens rompidas. Aliás, o tipo de barragem escolhida pela empresa é a mais barata e perigosa, porque é apenas um aterro de terra que cede com o tempo. É assustador lembrar que só em Minas existem mais de 500 barragens. Segundo o engenheiro ambiental ouvido por este colunista, há soluções seguras e que não armazenam a lama tóxica, a água é tratada antes de voltar ao meio ambiente. É possível a exploração do minério com baixo impacto ambiental, mas isso requer tecnologia e custos.
Para limpar e manter todo o Rio Doce limpo, com água potável e a volta dos peixes, o presidente da Vale tem na mesa o orçamento de um projeto de 3 bilhões de reais, com respaldo técnico do CIF, mas que a empresa não quer assumir. Não só o Executivo, mas o legislativo e a Justiça também são cúmplices. Não se viu um parlamentar, da esquerda à direita, fazer um discurso mais duro e tomar uma medida eficaz contra a Vale.Todas as iniciativas para aprovar leis que impõem obrigações, melhoram a segurança e aumentam a punição não avançaram.Talvez porque muitos políticos recebam fortunas das mineradoras para suas campanhas eleitorais.
Agora é a oportunidade para os novos parlamentares mostrarem serviço e fazerem alguma coisa.O Estado do Espírito Santo, onde está a sede da Samarco, também lavou as mãos. O Secretário de Meio Ambiente disse que é um problema de Minas Gerais, apesar do Rio Doce atravessar o Estado.Parte da imprensa, principalmente a de Minas, também tem a sua parcela de culpa, ao se curvar às verbas publicitárias da Vale, e não revelar a verdade nua e crua. Em Minas os principais órgãos de comunicação de Belo Horizonte são de propriedade de políticos e empresários que atuam no setor. Diante dessa cumplicidade toda, o Rio Doce permanece contaminado, as vítimas continuam reclamando nos tribunais seus direitos, e a flora e fauna seguem agonizando.
De que adianta o Brasil ter assinado o Acordo de Paris, ter uma das melhores leis ambientais do mundo, se na prática não funciona a contento? A água doce é considerada o petróleo do Século XXI porque é essencial à vida e está desaparecendo do Planeta. Apenas 2,5%das águas da Terra são potáveis, e a maior quantidade (12%) está no Brasil, onde os rios estão secando em sequência. As maiores ameaças são as mineradoras, assassinas de rios e vidas. Algo precisa ser feito urgentemente antes que seja tarde. Bem que o grande poeta Carlos Drummond de Andrade, que nasceu em Itabira, Minas Gerais, (onde começou a Vale do Rio Doce, que ironicamente antes de matar o rio tirou o “Rio Doce” do nome) nos avisou décadas atrás: O Rio? É Doce; A Vale? Amarga.
Francisco Câmpera, jornalista nascido em Minas Gerais, comentarista nas Rádios Tupi Rio e Super Rádio em São Paulo.

Por que Bolsonaro vai cair? por Luiz Augusto Gollo

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Créditos - Laerte
Jair é fruto da classe social a que se convencionou chamar, em meados do século passado, “remediada”. Gente pobre trabalhadora, com princípios morais e uma ânsia louca por subir um degrau na escala, comer peru no Natal e ovo de chocolate na Páscoa. Na luta pelas três refeições diárias, os Bolsonaros viveram dos 11 aos 17 anos de Jair em Eldorado Paulista, lugar pequeno e insignificante onde o pai do deputado Rubens Paiva tinha uma fazenda e o capitão Carlos Lamarca saiu do quartel para a luta armada, atirando pela rua assustando o menino de 15 anos que assistiu a tudo escondido como foi possível. Ali devem ter tomado forma em sua personalidade a antipatia pelos ricos em geral e a consciência reacionária desenvolvida no serviço militar. Ainda hoje, Jair tem lembranças da família e do próprio Rubens Paiva como pessoas arrogantes, e de Lamarca e a guerrilha urbana como traidores da ordem e do progresso.
Como grande parte da população brasileira, Jair aprendeu desde cedo a se virar para ter o que desejava, porque o estado jamais esteve aí para atender as necessidades de ninguém. Assim, ele forjou o caráter brigando pelo que julgava seus direitos atropelando normas e regulamentos, como na reivindicação de aumento do soldo na década de 1980, quando escreveu artigo na Veja e deu entrevista expondo-se às sanções previstas no RDE, a bíblia do exército. Esta indisciplina encerrou sua carreira militar, mas abriu a porta da política, por onde entrou e segue até hoje, com muito mais proveito pessoal.
Na sua cabeça, a rebeldia na caserna resultou premiada com a passagem para a reserva remunerada – e se é assim que a banda toca, foi em frente também na política adotando práticas escusas que aprendeu pelo caminho, apropriando-se da maior parte do salário dos assessores nomeados, usando o auxílio moradia para “comer gente”, o prestígio parlamentar em benefício próprio, usufruindo das inúmeras vantagens da doce vida de um parlamentar brasileiro. Em mais de uma oportunidade insinuou usar cada centavo posto à disposição de seu gabinete pela Câmara dos Deputados como dinheiro seu, e admitiu em entrevista sonegar o quanto pode em impostos e taxas que deveria pagar.
Esperto, introduziu os filhos na mamata e foram felizes por um bom tempo. De um lado praticavam todas as fraudes possíveis e de outro xingavam minorias e elogiavam a violência alheios a mudanças que o tempo trouxe para o país e para a prática legislativa em particular. Os Bolsonaros estão acima dos modismos, são a raiz do machismo, do racismo, da misoginia, da intolerância, do preconceito e da homofobia. O politicamente correto, os direitos humanos e os princípios civilizatórios incorporados à sociedade brasileira em tempos recentes foram e são ridicularizados segundo a ótica primária e a compreensão rasa características dos Bolsonaros e da parcela que representam.
Às vezes um deles tromba de frente com o estado e escapa ileso, graças ao convívio e à intimidade com os subterrâneos das instituições. Por exemplo, em 1995, quando o chefe do clã foi assaltado no Rio de Janeiro e levaram a motocicleta, o dinheiro e a pistola Glock. Em um par de dias a polícia recuperou a moto e tempos depois prendeu o assaltante num condomínio de luxo no Nordeste. Trazido para o Rio, amanheceu morto na cela, enforcado com a camisa. Caso encerrado. Não espantam, portanto, os desvios de comportamento nos dias atuais. Os Bolsonaros são amigos dos militares, dos policiais e dos milicianos, sempre abrigaram com empregos pessoas com registros de mortes em trabalho na PM como o Queiroz. Como Jair e seus pupilos, são aproveitadores das chances que aparecem no caminho, gente como boa parte dos brasileiros acostumados à selva em que vivemos.
Milicianos fazem o que querem para atingir os objetivos, os Bolsonaros também, e como são pessoas públicas poderosas fazem “arminhas” com as mãos, dispõem dos empregados como propriedade pessoal, ditam verdades e esperam que o mundo acredite nelas. É este “porém” que está pegando agora. O patriarca Jair, empolgado com a ascensão política meteórica, não mediu as consequências do salto a que se propôs. E seus garotos, que sempre o seguiram cegamente embevecidos, estão na mesma “viagem”. Some-se a esse despreparo o desapontamento rápido da base eleitoral fluida e sem conteúdo, e temos o cenário patético e assustador em que estamos.
A aventura dos Bolsonaros está próxima do fim, isto parece certo. A questão agora é: o que vem por aí? Pobre Brasil, pobre gente seduzida e abandonada mais uma vez…

As ligações dos Bolsonaro com as milícias, por Cecília Olliveira.

BRASÍLIA, DF, 27.11.2018 - JAIR-BOLSONARO - O presidente eleito, Jair Bolsonaro, acompanhado do filho Flavio Bolsonaro, senador eleito pelo PSL-RJ, nesta terça feira, 27, durante entrevista realizada na sede do governo de transição, no CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil). (Foto: Mateus Bonomi/Agif/Folhapress)
“Hoje é no amor!” A cena do miliciano Major Rocha felizão em um churrasco, em que ele comemora com tiros para o alto os quatro anos do centro comunitário em “Rio das Rochas”, no filme Tropa de Elite 2, é um bom retrato da realidade das milícias no Rio de Janeiro. “É tudo nosso!”, ele grita. Mas um dia a casa cai. E foi o que aconteceu hoje, quando o Ministério Público e a Polícia Civil anunciaram a prisão de cinco milicianos acusados de grilagem de terras na zona oeste do Rio de Janeiro. Não era a intenção – mas, por tabela, a operação, batizada de Intocáveis, também esbarrou em dois suspeitos da execução de Marielle Franco e Anderson Gomes.
Um deles, preso na operação, é o major da PM Ronald Paulo Alves Pereira. Segundo a polícia, ele é grileiro nos bairros de Vargem Grande e Vargem Pequena e chefe da milícia de Muzema, no bairro do Itanhangá – de onde o carro usado no assassinato de Marielle partiu. O outro é Adriano Magalhães da Nóbrega, chefe da milícia de Rio das Pedras e ex-policial do Batalhão de Operações Especiais, o Bope, que está foragido. Expulso da PM por envolvimento com um dos principais clãs da máfia do jogo do bicho no Rio, o ex-capitão investiu na carreira de mercenário, trabalhando para bicheiros, políticos e para quem mais pagasse bem.
O envolvimento do ex-caveira com o assassinato da vereadora e seu motorista foi revelado pelo Intercept na semana passada. Ao menos seis testemunhas citam o policial como o assassino. A escolha da arma, o uso de munição de uso restrito e a competência técnica na execução do crime apontaram para o Bope ainda em maio de 2018.

Diga-me com quem andas e eu te direi quem és

Devido ao ótimo “perfil técnico”, em 2005 Adriano Magalhães da Nóbrega recebeu a medalha Tiradentes, a mais alta honraria do Legislativo fluminense, por indicação do então deputado estadual, hoje senador eleito, Flávio Bolsonaro, do PSL, o filho 02 de Jair Bolsonaro. O ex-caveira também recebeu outras duas honrarias, de louvor e congratulações por serviços prestados à corporação, por atuar “direta e indiretamente em ações promotoras de segurança e tranquilidade para a sociedade”.
Flávio Bolsonaro também condecorou o major da PM Ronald Paulo Alves Pereira, que recebeu moção honrosa quando já era investigado como um dos autores de uma chacina de cinco jovens na antiga boate Via Show, em 2003, na Baixada Fluminense.
Quando estourou o escândalo do Coaf, Queiroz – velho amigo da família Bolsonaro – se escondeu em Rio das Pedras, reduto miliciano.
Os dois são suspeitos de integrar o “Escritório do Crime”, um grupo de extermínio apontado como responsável pelo assassinato da vereadora Marielle Franco. Quatro PMs ligados ao grupo já foram presos. Pereira será julgado em 10 de abril deste ano. O grupo é acusado ainda de extorsão de moradores e comerciantes, agiotagem e pagamento de propina.
Segundo o MP, o grupo de milicianos presos na operação Intocáveis agia na região das comunidades de Rio das Pedras, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Foi justamente para lá que Fabrício Queiroz, o ex-PM e ex-assessor do senador eleito do PSL Flávio Bolsonaro foi se esconder depois que estourou o escândalo sobre sua movimentação financeira suspeita.
O Coaf detectou uma movimentação de R$ 7 milhões, incompatível com a renda do ex-assessor. O dinheiro era depositado por outros assessores de Flávio Bolsonaro e de seu pai, Jair Bolsonaro. A primeira-dama Michelle Bolsonaro chegou a receber um cheque de R$ 24 mil de Queiroz. Já Flávio Bolsonaro recebeu 48 depósitos suspeitos no valor de R$ 2 mil cada.

Família, a sagrada base de tudo

A preocupação de Flávio Bolsonaro com a família é tocante. Além de arranjar emprego para a esposa e filhas de Fabrício Queiroz – uma delas como assessora fantasma de seu pai –, ele empregou também a mãe e a esposa do ex-Bope Adriano Nóbrega. Sim, o mesmo que é apontado como um dos assassinos de Marielle Franco.
A mãe do ex-policial, Raimunda Veras Magalhães, também é sócia de um restaurante que fica longe da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, mas em frente à do Banco Itaú onde foram feitos 17 depósitos em dinheiro vivo na conta de Queiroz. Ela é citada nas movimentações suspeitas detectadas pelo Coaf.
Flávio Bolsonaro segue a cartilha de dizer que “não sabia de nada”. Nem do que faziam seus próprios funcionários.
Assim como “certos petistas”, Flávio Bolsonaro disse em nota que não sabia de nada e que, devido às últimas notícias, se sente perseguido. “Quanto ao parentesco constatado da funcionária, que é mãe de um foragido, já condenado pela Justiça, reafirmo que é mais uma ilação irresponsável daqueles que pretendem me difamar”. O senador eleito jogou no colo do ex-assessor Queiroz a responsabilidade pelas indicações de seus assessores. Seu ex-funcionário aceitou de bom grado, enviando até uma nota à imprensa esclarecendo que, de fato, conhecida o ex-caveira Adriano e foi o responsável por indicar suas parentes para trabalhar para Bolsonaro.
Flávio ostenta no próprio Instagram sua foto com o pai, Jair Bolsonaro, e com os PMs Alan e Alex, presos na operação Quarto Elemento.
Flávio ostenta no próprio Instagram sua foto com o pai, Jair Bolsonaro, e com os PMs Alan e Alex, 
presos na operação Quarto Elemento.
Divulgação.
É possível que Flávio Bolsonaro também não soubesse a ficha técnica de outros dois policiais que participaram de sua campanha e foram presos na Operação Quarto Elemento, também desencadeada pelo Ministério Público, que investigava uma quadrilha de policiais especializada em extorsões. Pode ser que ele também não soubesse que, de acordo com o MP, a milícia de São Gonçalo organizou um ato de campanha em favor do Coronel Salema, seu colega de partido, eleito deputado estadual com quase 100 mil votos.
Ah, essa última é difícil de negar: além dos dois terem feito campanha juntos, Flávio Bolsonaro chegou a anunciar: “mais um guerreiro ao nosso lado!”. Parece que agora está ficando claro a qual lado ele estava se referindo.

O Mecanismo

Orgulhosa de ser militarista, a dinastia Bolsonaro nunca escondeu seu apreço pela milícia, grupos de paramilitares formados por ex-policiais, PMs, bombeiros e agentes penitenciários que torturam, roubam, traficam e dominam economicamente, grande parte do Rio de Janeiro.
Flávio Bolsonaro já propôs inclusive a legalização desses grupos paramilitares. No início de seu segundo mandato na Assembléia Legislativa do Rio, em 2007, ele votou contra a instalação da CPI das milícias, que entrou em pauta após um grupo de milicianos torturar por horas a fio uma equipe de jornalistas do jornal O Dia. A justificativa? Milícias não eram tão ruins assim e as pessoas são muito felizes em áreas dominadas por paramilitares.
“Sempre que ouço relatos de pessoas que residem nessas comunidades, supostamente dominadas por milicianos, não raro é constatada a felicidade dessas pessoas que antes tinham que se submeter à escravidão, a uma imposição hedionda por parte dos traficantes e que agora pelo menos dispõem dessa garantia, desse direito constitucional, que é a segurança pública”, disse à época, na Alerj.
Em casa a banda toca nesse ritmo. Em 27 anos de discursos como deputado na Câmara, o pai Jair Bolsonaro defendeu milicianos “do bem” e grupos de extermínio pelo menos quatro vezes. A primeira, em 2003, ao defender grupos de extermínio:
“Enquanto o Estado não tiver coragem de adotar a pena de morte, o crime de extermínio, no meu entender, será muito bem-vindo. Se não houver espaço para ele na Bahia, pode ir para o Rio de Janeiro. Se depender de mim, terão todo o meu apoio, porque no meu Estado só as pessoas inocentes são dizimadas.”
Em 2008, ao criticar o relatório final da CPI das Milícias, Bolsonaro disse que “não se pode generalizar” ao falar de milicianos. Na época, a CPI pediu o indiciamento de 266 pessoas, entre elas sete políticos, suspeitas de ligação com grupos paramilitares no Rio.
“Querem atacar o miliciano, que passou a ser o símbolo da maldade e pior do que os traficantes. Existe miliciano que não tem nada a ver com ‘gatonet’, com venda de gás. Como ele ganha 850 reais por mês, que é quanto ganha um soldado da PM ou do bombeiro, e tem a sua própria arma, ele organiza a segurança na sua comunidade. Nada a ver com milícia ou exploração de ‘gatonet’, venda de gás ou transporte alternativo. Então, Sr. Presidente, não podemos generalizar.”
Quando foi relembrado sobre este apreço pelas milícias durante a campanha eleitoral de 2018, Bolsonaro fez a egípcia e se disse desinteressado no tema. “Hoje em dia ninguém apoia milícia mais não. Mas não me interessa mais discutir isso”, disse.
Jair Bolsonaro, vale lembrar, foi o único presidenciável a não se manifestar sobre a execução de Marielle Franco e Anderson Gomes. E Flávio Bolsonaro foi o único deputado que votou contra a vereadora assassinada receber a medalha Tiradentes como uma homenagem póstuma.
No fim das contas, o brasileiro parece ter eleito o Major Rocha achando que estava votando no Coronel Nascimento. Talvez seus eleitores precisem assistir à Tropa de Elite de novo.
Correção: 22 de janeiro de 2019, às 20h46
Este texto inicialmente afirmou que a mãe e a esposa do ex-PM Adriano Nóbrega fizeram depósitos na conta do Fabrício Queiroz. Na verdade, foi apenas Raimunda, a mãe do ex-policial. O texto foi atualizado para refletir a mudança.

Quem matou Marielle Franco, por Sérgio Ramalho.



Atualização: 22 de janeiro, 17h50
Nesta terça-feira pela manhã, agentes do Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado do Ministério Público do Rio, o Gaeco, e a Polícia Civil fizeram uma operação para prender 13 homens apontados pelas autoridades como parte da milícia que controla a favela de Rio das Pedras, na zona oeste da capital fluminense. O grupo é investigado por grilagem de terras, entre outros crimes. Ao menos cinco deles são suspeitos de terem participado também do assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes, de acordo com o jornal O Globo. Entre eles está o ex-capitão do Bope descrito nesta reportagem como o principal suspeito pelas mortes. Em uma versão anterior deste texto, o Intercept optou por não revelar o nome do policial por considerar que a divulgação de sua identidade poderia atrapalhar as investigações, ainda em andamento. Agora que os mandados de prisão foram expedidos a reportagem foi atualizada para incluir seu nome: Adriano Magalhães da Nóbrega. Ele é apontado como o líder do “Escritório do Crime”, braço armado da milícia, especializado em assassinatos por encomenda.
O Globo também revelou que o ex-capitão do Bope tem diversas conexões com a família do presidente Jair Bolsonaro. Até pouco tempo atrás, a esposa de Nóbrega, Danielle Mendonça da Costa da Nóbrega, e a sua mãe, Raimunda Veras Magalhães, eram funcionárias da Assembleia Legislativa do Rio, lotadas no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, filho mais velho de Bolsonaro. Flávio negou qualquer irregularidade e, em um post em suas redes sociais, disse ser “vítima de uma campanha de difamação com o objetivo de ferir o governo de Bolsonaro”. Em seu pronunciamento, o senador eleito argumentou que a mãe de Nóbrega foi contratada e era supervisionada por seu ex-assessor Fabrício Queiroz. “Não posso ser responsabilizado por atos que desconheço, revelados apenas agora” pelos investigadores do governo.
De acordo com O Globo, Magalhães depositou ao menos R$ 4,6 mil na conta de Queiroz. Outros R$ 91.796 foram depositados na conta de Queiroz a partir de um banco localizado do outro lado da rua de um restaurante do qual a mãe do ex-capitão do Bope é sócia. Queiroz e Flávio estavam sendo investigados por movimentações bancárias suspeitas até a semana passada, quando o Supremo Tribunal Federal suspendeu temporariamente as investigações a pedido de Flávio.
Os policiais não conseguiram localizar Nóbrega, atualmente considerado foragido. Tanto ele quanto o outro principal alvo da operação realizada nesta terça, o ex-major Ronald Paulo Alvez Pereira, receberam a medalha Tiradentes, maior honraria da Assembleia Legislativa do Rio, em 2003 e 2004, respectivamente. Eles foram indicados por Flávio Bolsonaro, único membro da Alerj a votar contra conceder a medalha postumamente a Marielle Franco.

Foi nas fileiras do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar que o principal suspeito de assassinar Marielle Franco e Anderson Gomes se aperfeiçoou nas técnicas de matar pessoas. Expulso da PM por envolvimento com um dos principais clãs da máfia do jogo do bicho no Rio, o ex-capitão do Bope Adriano Magalhães da Nóbrega passou, então, a trabalhar exclusivamente como mercenário de bicheiros, políticos e quem mais estivesse disposto a pagar por seus serviços. Sua especialidade: matar.
O Intercept teve acesso ao inquérito que a Justiça proibiu que a Rede Globo divulgasse. Nele, ao menos seis testemunhas citam o policial como assassino da vereadora e do motorista. A reportagem leu o documento por intermédio de uma fonte envolvida na investigação que pediu para não ser revelada.
Seu grupo paramilitar tem ao menos outros dois ex-caveiras, homens altamente treinados – capacitados numa unidade de elite mantida com nossos impostos –, que desvirtuaram o aprendizado em troca de dinheiro. Um deles é também ex-oficial, parceiro dos tempos de academia, conforme o inquérito da Polícia Civil. Ambos tiveram participação no assassinato de Marielle, de acordo com o inquérito. O Bope foi criado para atuar em resgate de reféns e salvar vidas, mas se tornou uma ampla tropa de guerra urbana e, não é segredo para ninguém, alguns de seus policiais trabalham para o crime organizado.

A elite da tropa do crime

Adriano Magalhães da Nóbrega já mantinha ligações umbilicais com a contravenção quando ingressou na Academia Dom João VI, o centro de formação de oficiais da Polícia Militar, de acordo com o inquérito. Posteriormente, fez o curso do Bope. Há tempos, a polícia sabe que os bicheiros recrutam e formam oficiais que paralelamente atuam na sua proteção. O ex-capitão entrou para o crime organizado dessa forma, mas a hipótese de envolvimento de bicheiros no crime contra Marielle e Anderson é praticamente descartada pela Divisão de Homicídios. Milicianos são os principais suspeitos de serem os mandantes do crime.
Foto: Mauro Pimentel/AFP/Getty Images
O Intercept já tinha antecipado em maio do ano passado as suspeitas de o assassino ter ligações com o Bope, além das possíveis armas usadas no crime – justamente aquelas com as quais os atiradores de elite estão mais familiarizados.
Agora, a DH chegou ao nome do suspeito. Primeiro, por meio de depoimentos, depois, ao revisar inquéritos relacionados às execuções de dois ex-sargentos da PM: Geraldo Antônio Pereira e Marcos Vieira de Souza – o Falcon, ex-presidente da escola de samba Portela e, à época, candidato a vereador.
Pereira e Falcon foram executados, respectivamente, em maio e setembro de 2016. Ambos já tinham sido investigados por envolvimento com milícias e a máfia dos jogos. No caso de Falcon, testemunhas ouvidas pela DH na ocasião relataram que quatro homens encapuzados portando fuzis foram responsáveis pela execução. O grupo chegou ao seu comitê eleitoral em um Gol prata. Três deles saíram do veículo, dois entraram no comitê. Falcon foi surpreendido sem sua escolta de segurança e morto a tiros que atingiram o peito e a cabeça. Após o crime, os bandidos fugiram no mesmo carro. Passados dois anos da execução, a DH não conseguiu identificar os assassinos e a motivação por trás do crime.
Pereira também foi assassinado a tiros de fuzil, e os matadores usaram veículos com placas clonadas e não deixaram rastros, dinâmica muito parecida com o atentado contra Marielle e Anderson.
Os investigadores então foram a campo e concentraram esforços na região do Itanhangá, sobretudo em Rio das Pedras, onde o ex-capitão lidera um grupo de mercenários. Depois de rodarem a zona atrás de câmeras de segurança, eles conseguiram finalmente imagens do Chevrolet Cobalt usado pelos matadores da vereadora e de seu motorista. O carro foi abastecido em um posto de gasolina na área, na véspera do crime.

Arma fantasma

O bando age com sofisticação e, além de empregar placas clonadas, usa o que eles chamam de “armas fantasmas” para eliminar seus alvos, de acordo com o inquérito.
A estratégia é simples. Policiais corruptos apreendem armas em operações, geralmente contra traficantes. É um espólio de guerra. A maioria das armas são entregues ao estado depois de apreendidas, como requer o procedimento. Mas as melhores não são recolhidas ao depósito da Polícia Civil – são ilegalmente desviadas para a formação dos arsenais particulares dos maus policiais. Algumas delas seriam guardadas até mesmo nos paióis dos próprios batalhões onde eles atuam.
O tamanho desses arsenais é desconhecido, já que são compostos por armas sem apreensão registrada pela polícia e, em grande parte, importadas ilegalmente pelo crime. Foi justamente a suspeita do uso de uma arma fantasma nos assassinatos de Marielle e Anderson que levou a DH a solicitar perícia em submetralhadoras 9 mm recolhidas em unidades da PM, entre elas o Bope.

Miliciano, vereador, grilagem de terras, exploração de saibro

Sem provas cabais que liguem diretamente o bando do ex-capitão caveira à execução da vereadora e de seu motorista, a DH passou a revisar os casos de homicídios nos quais o grupo era o principal suspeito. Além das mortes dos ex-sargentos Pereira e Falcon, os investigadores também retornaram aos inquéritos sobre o assassinato de José Luiz de Barros Lopes, o Zé Personal, em setembro de 2011, e de Myro Garcia, em abril de 2017. Eles eram, respectivamente, genro e filho do banqueiro do jogo do bicho Waldomiro Paes Garcia, o Maninho, morto em setembro de 2004.
A estratégia de tentar encontrar pontos de ligação entre os suspeitos de envolvimento nas mortes de Marielle e Anderson em antigos inquéritos levou a polícia e o Ministério Público a abrirem, em outubro passado, uma investigação separada que apura o envolvimento de milicianos na grilagem de terras e exploração de saibro na zona oeste.
A ação serviu de base ao pedido de quebra dos sigilos bancário, telefônico e de dados do vereador Marcello Siciliano, apontado por uma testemunha do inquérito de Marielle como mandante do crime. O processo resultou ainda na realização de busca e apreensão na casa e no gabinete do vereador do PHS.
Num trecho da ação, os promotores ressaltam que Marcello Siciliano participou de mais de 80 transações imobiliárias envolvendo a cessão de terras em áreas dominadas por grupos paramilitares nos últimos dez anos. O documento cita também uma negociação entre Siciliano e um empresário envolvido na exploração de saibro cujo irmão foi preso sob acusação de ser miliciano. O vereador negou envolvimento com paramilitares e afirmou que as negociações imobiliárias foram legais e registradas em cartório. Ele também nega ser o mandante do duplo homicídio. Pela linha de investigação, Marielle seria um entrave aos negócios do grupo, mas a polícia ainda não apresentou provas que sustentem a hipótese.
Hoje, Siciliano é o principal suspeito de ter encomendado o assassinato, em associação com o suposto miliciano Orlando Oliveira de Araújo, o Orlando Curicica. O vereador já depôs várias vezes, mas a polícia não o acusou formalmente pelo crime. De acordo com O Globo, um motorista de Curicica, preso por outro homicídio, disse aos investigadores que levou seu chefe para encontrar Siciliano pelo menos quatro vezes, o que contradiz a afirmação dos dois de que mal se conhecem.
Uma testemunha disse à polícia que, em um dos encontros, Siciliano disse a Curicica: “Tem que ver a situação da Marielle. A mulher está me atrapalhando”. Logo depois, o vereador teria dito que “precisamos resolver isso logo”. Segundo essa linha de investigação, assessores de Marielle estavam se alinhando com moradores da zona oeste que buscavam regularização de áreas que seriam do interesse do grupo de Siciliano.
Em 2018, Curicica foi condenado a quatro anos e um mês de prisão por posse ilegal de arma.
Menos de um mês depois do crime, dois homens foram mortos a tiros no Rio. Um trabalhava no gabinete de Siciliano, e outro era um policial aposentado. Os dois teriam ligação com milicianos, e, na época, fontes da polícia disseram ao Intercept que as mortes eram queima de arquivo.
Mentor de Marielle na política, o deputado estadual Marcelo Freixo, do PSOL, já colocou dúvidas sobre a grilagem de terras como motivação para o assassinato da vereadora. “Eu não vejo a possibilidade da morte da Marielle ter algum vínculo em relação ao nosso trabalho com as milícias”, disse Freixo em dezembro. “Se o secretário diz que a motivação é a questão fundiária ou é a questão das milícias, esta frase tem que ser acompanhada de provas”, afirmou.
O governador Wilson Witzel fez flexões no Bope na semana passada. Depois de participar de ato que quebrou placa em homenagem à Marielle, ele agora comanda a polícia que investiga sua morte.
Foto: Carlos Magno/Governo do Estado do Rio de Janeiro

Placa quebrada

Dez meses depois das execuções de Marielle e Anderson, DH e MP parecem, enfim, estar sintonizados e próximos de reunir todas as peças desse intrincado quebra-cabeças. O general Walter Braga Netto, ex-interventor federal na segurança pública do Rio, disse no dia 11 ao jornal O Globo que as investigações sobre a morte de Marielle e Anderson estão adiantadas e que o resultado virá “em breve”.
“Eu poderia ter anunciado quem a gente acha que foi, ou dito ao (general) Richard (Nunes, secretário de Segurança Pública durante a intervenção, para que o fizesse), mas quisemos fazer um trabalho realmente profissional”, afirmou o ex-interventor num evento militar em Brasília.
O encaixe dessa peças, contudo, pode estar nas mãos do governador Wilson Witzel, que recentemente postou um vídeo fazendo flexões no Bope. No ano passado, ele participou de um evento no qual dois candidatos da última eleição exibiram como troféu a placa com nome de Marielle quebrada ao meio.

Slavoj Zizek sobre Roma, de Alfonso Cuarón: "célebre pelos motivos errados".

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Em uma coluna publicada por The Spectator, o sociólogo esloveno critica o filme do diretor mexicano que concorre ao Oscar. "É muito difícil se livrar das correntes nas quais não só nos sentimos cômodos, como também sentimos que estamos fazendo algo bom", escreveu Zizek. A reportagem foi publicada por La Tercera, 19-01-2019. A tradução é de Graziela Wolfart.

“A primeira vez que vi Roma senti um gosto amargo”, escreveu Slavoj Zizek. “Sim, a maioria dos críticos tem razão ao celebrá-lo como um clássico instantâneo, mas não consegui me desfazer da ideia de que esta percepção predominante se apoia em uma aterradora – quase obscena – leitura ruim, e que o filme é célebre pelos motivos errados”.
Roma, filme de Alfonso Cuarón que estreou na Netflix em 2018, foi apoiado pela crítica especializada e premiado no Festival de Cinema de Veneza, pelos Globos de Ouro e pelo Critic’s Choice Awards. Atualmente, é um forte candidato aos Prêmios do Oscar como Melhor Filme em Língua estrangeira.
No entanto, o filósofo, sociólogo e psicanalista esloveno Slavoj Zizek, não concorda. Pelo menos não se baseando nos argumentos levantados até agora nas diversas resenhas. Zizek argumenta que as apreciações publicadas são superficiais e que omitiram as mensagens que seu diretor, Alfonso Cuarón, deixou entre linhas.
Roma realmente só celebra a bondade de Cleo e a dedicação altruísta à família? Realmente ela pode se reduzir a um objeto precioso de uma família de classe média alta, (quase) aceita como parte da família para ser explorada física e emocionalmente? A trama do filme está cheia de pistas sutis que indicam que a imagem de bondade de Cleo é uma armadilha, objeto de crítica implícita, que denuncia sua dedicação como resultado de sua cegueira ideológica”, escreveu Zizek.
O esloveno exemplifica com a inconsequente expressão de carinho por parte de sua patroa, Sofia, e das crianças, e a mudança repentina, exigindo que cumprisse diversas tarefas na casa. O que mais chocou Zizek é a cena em que Sofia estaciona o grande Ford Galaxy, raspando-o contra as paredes do estreito corredor.
“Mesmo que sua brutalidade possa se justificar pelo seu subjetivo sofrimento (ser abandonada por seu esposo), a lição é que, por sua posição dominante, ela pode se permitir atos como esse (os empregados consertarão a parede), enquanto Cleo, que está em uma posição mais difícil, simplesmente não pode se permitir essas explosões espontâneas, mesmo que seu mundo esteja caindo aos pedaços, o trabalho deve continuar...”.

O ponto chave de Roma

Parte crucial da história é o nascimento da filha de Cleo, que é tirada de seu ventre sem vida. Ela a toma em seus braços por alguns momentos antes de perdê-la para sempre. “Muitos críticos que viram nesta cena o momento mais traumático do filme, perderam sua ambiguidade: como nos inteiramos mais adiante no filme (mas que podemos suspeitar desde agora), o que realmente a traumatiza é o fato de que não queria a sua filha; assim, um bebê morto em seus braços é uma boa notícia”, interpretou o filósofo.
Mas, mesmo depois desta experiência dolorosa, Zizek argumenta que a família continua explorando-a, já que o convite para ir à praia por parte de Sofia e das crianças é uma mera desculpa para ter uma empregada durante as férias. No entanto, quando Cleo salva as crianças arrastadas pela força do mar – mesmo que ela não soubesse nadar – a família se une em um abraço de agradecimento, no qual Cleo confessa seu sentimento de culpa. “Um momento que simplesmente confirma que Cleo está presa em uma armadilha que a escraviza...”, conclui Zizek.
“Estou sonhando? Minha leitura é muito louca? Penso que Cuarón fornece uma pista sutil nesta direção no âmbito da forma. Toda a cena de Cleo salvando as crianças está em uma única tomada longa, com a câmera se movendo transversalmente, sempre focando Cleo. Quando alguém vê esta cena, não consegue evitar a sensação de uma estranha dissonância entre a forma e o conteúdo: enquanto o conteúdo é um gesto patético de Cleo que, pouco depois de seu traumático parto, arrisca sua vida pelas crianças, a forma ignora totalmente o contexto dramático”.
E é aí que o crítico cultural vê uma falta de “tensão dramática”, sem a perspectiva do que Cleo está vendo ao entrar no mar. “Esta estranha inércia da câmera, sua negação em participar do drama, é crucial no desengate de Cleo do patético papel da empregada disposta a se sacrificar”.
Slavoj Zizek põe ênfase na frase que Cleo disse a Adela em seu retorno para casa: “Tenho muita coisa para te contar”. Uma frase que convida à sua libertação ou mudança de vida, segundo suspeita o esloveno. “É muito difícil se livrar das correntes nas quais não só nos sentimos cômodos, como também sentimos que estamos fazendo algo bom. Como disse T.S. Eliot em seu livro Assassinato na catedral, o maior pecado é fazer o certo pelo motivo errado”, finaliza Zizek sobre Roma em The Spectator.

Xadrez do elo perdido que liga Flávio Bolsonaro a Mariele, por Luis Nassif


Peça 1 – o suspeito-chave

No “Xadrez do fim do governo Bolsonaro” montei um mapa mostrando uma série de correlações entre Flávio Bolsonaro, as milícias e a morte de Marielle Franco.
Agora de manhã, foi deflagrada a Operação Intocáveis do Rio das Pedras, que visa uma das maiores milícias do Estado, entocada no Rio das Pedras. Segundo as primeiras informações, se teria chegado ao Escritório do Crime, braço armado da organização especializado em assassinatos sob encomenda.
https://extra.globo.com/incoming/2781403-892-07e/w640h360-PROP/x2011101444059.jpg.pagespeed.ic.gS3xYr4fxN.jpgFoi detido o Major Ronald Paulo Alves Pereira, um dos grandes assassinos mantidos na Policia Militar do Rio. Ele foi o responsável pela Chacina da Vila Show, sequestro e assassinato de quatro jovens que saíam de uma festa.
Ronald passou em um concurso para a PM, foi considerado inapto no exame psicológico, por "demonstrar irritabilidade e onipotência", segundo o laudo, o que indicaria um perfil incompatível com a função. Conseguiu entrar graças a uma liminar obtida em 1995. Um mês após a chacina, recebeu uma moção de louvor do então deputado Flávio Bolsonaro.
Mas o personagem-chave na saga das milícias é o Capitão Adriano Magalhães da Nóbrega, apontado como o chefe do Escritório da Morte, grupo especializado em execuções sob encomenda, e também preso na operação.
É mais grave que isso.
Há pelo menos seis meses a equipe que investiga a morte de Marielle Franco tem convicção de que foi ele o autor dos disparos que mataram a vereadora. Demorou-se mais tempo que o normal nas investigações depois que a equipe se deparou com as ligações do capitão com o gabinete de Flávio Bolsonaro, filho de Jair. As menções a figuras políticas influentes que impediriam as investigações não se referiam a meros vereadores, deputados ou políticos do PMDB. Era a uma força maior. Daí o nome da operação: Os Intocáveis.
Redobraram-se os cuidados para alicerçar a denúncia em provas irrefutáveis. Se, hoje, houve a prisão de Adriano Nóbrega, provavelmente é porque as provas foram consideradas consistentes.
Na operação foi detido também o contador da milícia e apreendido o cofre forte que guardava toda a documentação das operações – incluindo pagamentos de subornos.
E aí se entra no maior imbróglio político das últimas décadas.

Peça 2 – o mapa das correlações

Vamos a uma pequena atualização do mapa anterior, à luz de novos fatos.
No episódio do assassinato de Marielle Franco, aparecem três personagens centrais:
  • Vereador Marcelo Siciliano, apontado como o homem que encomendou a morte de Marielle.
  • Zinho, chefe de milícia, detido na Operação Quarto Elemento, e apontado como a pessoa que acertou com o assassino.
  • Capitão Adriano Magalhães da Nóbrega, principal suspeito de ter sido o assassino.
Até agora, aparecem as seguintes correlações com os Bolsonaro

Marcelo Siciliano à Michele Bolsonaro.

 O vereador foi autor de lei autorizando a construção de um templo de cinco andares da Igreja Batista Atitude, na Barra da Tijuca, frequentado pelo casal Jair Bolsonaro, depois que Michele rompeu com o pastor Silas Malafaia. O guru do casal é o pastor Josué Valandro Jr. Foi lá que Jair apareceu, logo após as eleições, orou, ficou de joelhos, chorou e atribuiu a vitória a Deus, segundo reportagem da Folha.

Capitão Adriano à Flávio Bolsonaro à Fabrício Queiroz

Há mais coincidências incômodas. Segundo reportagem de O Globo, Raimunda é sócia de um restaurante localizado na rua Aristides Lobo, no Rio Comprido. Ele fica em frente à agência 5664 do Banco Itaú, na qual foram realizados 17 depósitos em dinheiro vivo na conta do motorista Fabrício Queiroz.
Uma nota na coluna de Lauro Jardim, de O Globo, diz que, no período em que se escondeu da imprensa e do Ministério Público Estadual, Queiroz se abrigou no Rio das Pedras, totalmente dominada pela milícia que comanda a região, alvo da Operação Os Intocáveis.
Segundo reportagem de 26/10/2018, de O Globo,  os milicianos dominam completamente o Rio das Pedras . Cobram pela água, pelo estacionamento, cobram taxas de segurança. Antes, a taxa era cobrada apenas do comércio. Agora, é de toda a população.

Fabrício Queiroz à Michele Bolsonaro

E aqui se chega no Fiat Elba de Bolsonaro – aliás, episódio muito mais grave que o álibi encontrado pelo Congresso para o impeachment de Collor: os R$ 40 mil depositados na conta de Michele Bolsonaro pelo motorista Fabrício Queiroz. O cheque coloca o presidente no meio da fogueira. Não é verossímil sua explicação de que foi pagamento de dívida. Ainda mais depois de reveladas as movimentações na conta de Queiroz.
Flávio Bolsonaro aparece enredado em várias teias. Dois dos PMs detidos, membros da mil[icia, trabalhavam em suas segurança. A irmã deles é tesoureira do PSL. Vários dos milicianos foram alvo de homenagens e moções de aplauso. Mãe e esposa do principal suspeito pela morte de Marielle trabalhavam em seu gabinete. E ainda há o aumento patrimonial e as transferências de dinheiro mal explicadas.

Peça 3 – a frente de brigas dos Bolsonaros

Até agora, os Bolsonaro abriram as seguintes frentes de briga:
  • Com o Congresso, com a estratégia de negociar com blocos e não com partidos.
  • Com o sistema CNI (Confederação Nacional da Indústria) e CNC (Confederação Nacional do Comércio) com a ameaça de cortar os recursos do sistema S.
  • Com a mídia off-line, com a mudança de diretrizes da Secretaria de Comunicação. Mais especificamente, com as Organizações Globo e a Folha
  • Com os movimentos sociais.
  • Com sua própria base política, devido ao estilo extremamente truculento dos filhos.
  • Daqui para a frente, com o agronegócio, depois de anunciado o descredenciamento de frigoríficos brasileiros que exportavam para a Arábia Saudita, em represália à proposta fundamentalista de Bolsonaro, de mudar a capital de Israel para Jerusalem.
  • E, agora, com o próprio mercado, depois do vexame histórico de Davos, não apenas pelo total despreparo de Bolsonaro, mas pela incapacidade da equipe de chegar a um consenso mínimo sobre o discurso a ser feito. Dos 30 minutos a que tinha direito, utilizou apenas 6 minutos, tempo suficiente para expor seu notável despreparo. Pior: a notícia de que manteria encontros apenas com líderes nacionalistas antiglobalização, comandados por Steve Bannon, o homem da eleição de Donald Trump.
Enquanto isto, o vice-presidente, general Hamilton Mourão, tem sido cada vez mais procurado pelo meio empresarial, por aparentemente ser o único foco de racionalidade no governo, capaz de ouvir e entender.

Peça 4 – a campanha do impeachment

O que vai restar dessa lambança toda?
Há uma certeza e uma incógnita. A certeza é que Bolsonaro será impichado. A incógnita é quanto ao tempo que irá demorar o processo.
Seu único trunfo, junto ao bloco do impeachment, seria a eventualidade de sua queda provocar a volta do PT. Não ocorrerá. Sua queda promoveria a ascensão natural do general Mourão, preservando a unidade em torno de um comando mais racional.
Positivamente, não tem WhatsApp ou Twitter que o salve da fogueira.
Será curioso analisar o comportamento do Ministro Sérgio Moro, da Justiça. Na foto divulgada, do voo para Davos, vê-se Bolsonaro ao telefone. Com todo o Estado Maior no avião, a hipótese aventada é que estaria tratando da estratégia de defesa com o filho Flávio. No mesmo ambiente, uma das testemunhas da conversa é seu Ministro da Justiça, ex-juiz Sérgio Moro.
Enquanto isto, a cobertura das Organizações Globo tem sido de uma objetividade mortal. Há seis meses seus repórteres já sabiam das suspeitas com o capitão Adriano. Mas mantiveram um pacto de silêncio com o Ministério Público Estadual (MPE), para não atrapalhar as investigações.
A nota sobre o refúgio de Queiroz no Rio Comprido saiu um dia antes da Operação Os Intocáveis. Nos próximos dias – talvez até no Jornal Nacional de hoje – serão revelados os detalhes sobre o capitão Adriano.
Os Bolsonaro estão apanhando até no seu campo de batalha: as redes sociais.
É até possível que a Operação Marielle tenha acontecido sem conhecimento prévio de Flávio Bolsonaro e ele não passasse de um joguete nas mãos do motorista. É significativo o fato de ter publicado um Twitter se solidarizando com Mairelle e, em seguida, tê-lo apagado. Fará diferença em uma investigação criminal, não em um julgamento político.
Se valer um palpite, acho que haverá um desfecho relativamente rápido dessa crise.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Xadrez do fim do governo Bolsonaro, por Luis Nassif.


“A verdade iniciou sua marcha, e nada poderá detê-la”.

Emile Zola, analisando os movimentos da opinião pública no caso Dreyffus.
Há uma certeza e uma incógnita no quadro político atual.
A certeza, é que o governo Bolsonaro acabou. Dificilmente escapará de um processo de impeachment. A incógnita é o que virá, após ele.
Nossa hipótese parte das seguintes peças.

Peça 1 – a dinâmica dos escândalos políticos

Flávio Bolsonaro entrou definitivamente na alça de mira da cobertura midiática relevante com as trapalhadas que cercaram o caso do motorista Queiroz. Não bastou a falta de explicações. Teve que agravar o quadro fugindo dos depoimentos ao Ministério Público Estadual do Rio, internando Queiroz no mais caro hospital do país, e, finalmente, recorrendo ao STF (Supremo Tribunal Federal) para trancar o inquérito.
Nas próximas semanas haverá uma caçada implacável aos negócios dos Bolsonaro. A revelação, pelo Jornal Nacional, de uma operação de R$ 1 milhão – ainda sem se saber quem é o beneficiário – muda drasticamente a escala das suspeitas.
No dia 07/01/2018, a Folha lançou as primeiras suspeitas sobre Flávio. Identificou 19 operações imobiliárias dele na zona sul do Rio de Janeiro e na Barra da Tijuca.
Em novembro de 2010, uma certa MCA Participações, que tem entre os sócios uma firma do Panamá, adquiriu 7 de 12 salas ee um prédio comercial, que Flávio havia adquirido apenas 45 dias antes. Consegiu um lucro de R$ 300 mil.
Em 2012, no mesmo dia Flávio comprou dois apartamentos. Menos de um ano depois, revendeu lucrando R$ 813 mil apenas com a valorização.
Em 2014 declarou à Justiça Eleitoral um apartamento de R$ 566 mil. Em 2016 o preço foi reavaliado para R$ 846 mil. No fim do ano, a compra foi registrado por R$ 1,7 milhão. Um ano depois, revendeu por R$ 2,4 milhões.
Ou seja, não se trata apenas de pedágio pago pelos assessores políticos, dentro da lógica do baixo clero. As investigações irão dar inexoravelmente nas ligações dos Bolsonaro, particularmente Flávio, com negócios obscuros por trás dos quais há grande probabilidade de estarem as milícias do Rio de Janeiro.

Peça 2 – a Operação Quarto Elemento

A Operação que chegará ao centro da questão não é a Furna da Onça, mas a Operação Quarto Elemento.
Deflagrada no dia 25 de abril de 2018 pelo Ministério Público Estadual, destinou-se a desbaratar a maior milícia do estado, que atuava na Zona Oeste do Rio.
Foram presas 43 pessoas. O maior negócio da quadrilha era a extorsão. A ala Administração atuava na 34ª DP (Bangu), 36ª DP (Bangu) e na Delegacia de Proteção à Criança e Adolescente (DPCA) de Niterói, na Região Metropolitana do Rio. Identificavam pessoas que seriam alvos de operações e iam na frente, para extorqui-las.
Foram detidos 23 policiais civis, cinco policiais militares, dois bombeiros e um agente penitenciário.
O líder da organização é Wellington da Silva Braga, o Ecko, que assumiu o comando depois da morte de seu irmão Carlinhos Alexandre Braga, o Carlinhos Três Pontes. Outros irmãos participavam da quadrilha, incluindo Luiz Antônio Braga, Zinho, dono de uma empresa, a Macla Extração e Comércio de Saibro.
O mapa abaixo é incipiente. Foi montado exclusivamente com informações divulgadas pela imprensa do Rio, especialmente jornais O Dia, Extra e G1 e mostra a abrangência de atuação da milícia.
Carlinhos Três Pontes era o cappo da milícia. Morto, foi substituído pelo irmão Wellington da Silva Braga, secundado pelos também irmãos Wallace e Luiz Antônio, conhecido como Zinho.
Vamos ao jogo de relacionamentos:
  1. Zinho é o principal suspeito de ter contratado o assassino da vereadora Marielle Franco. Na campanha, o ato de maior impacto foi o do futuro governador do Rio, Wilson Witzel, comemorando dois brutamontes arrebentando a placa com o nome de Marielle.
Imagem relacionada
  1. Na operação foram presos os irmãos gêmeos, PMs Alan e Alex Rodrigues de Oliveira, que atuavam como seguranças de Flávio Bolsonaro na campanha de 2018. Flávio defendeu-se tratando-os apenas como voluntários sem maiores ligações. Fotos no Twitter desmentiam, mostrando intimidade ampla dos Bolsonaro – pai e filho - com os irmãos.
  1. Três PMs membros da organização, e detidos pela operação - Leonardo Ferreira de Andrade, Carlos Menezes de Lima, Bruno Duarte Pinho  - , foram alvos de moções de louvor e congratulações de Flávio, quando deputado estadual. Dizia a moção:
A Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, ao longo de mais de dois séculos de imaculada existência, sempre cumpriu seu sagrado dever constitucional de proteção de nossa sociedade. (...) Dentre tais sucessos, merece especial citação e motiva a presente moção o confronto armado em comunidade localizada em Santa Cruz que culminou na prisão de diversos criminosos – dentre eles o chefe de tráfico conhecido pelo vulgo de “Zé da Colina”, possuidor de extensa ficha criminal
Segundo a Operação Quarto Elemento, “o esquema teve início quando os policiais eram lotados na 36ª DP (Santa Cruz) e continuou após a transferência do grupo para a Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) de Niterói, a partir de maio de 2017”

Peça 3 – o histórico dos Bolsonaro com as milícias

Quero dizer aos companheiros da Bahia — há pouco ouvi um Parlamentar criticar os grupos de extermínio — que enquanto o Estado não tiver coragem de adotar a pena de morte, o crime de extermínio, no meu entender, será muito bem-vindo. Se não houver espaço para ele na Bahia, pode ir para o Rio de Janeiro. Se depender de mim, terão todo o meu apoio, porque no meu Estado só as pessoas inocentes são dizimadas.
No dia 17/12/2008, outro discurso defendendo os milicianos das críticas de Marcelo Freixo, do PSOL, marcado para morrer.
Nenhum Deputado Estadual faz campanha para buscar, realmente, diminuir o poder de fogo dos traficantes, diminuir a venda de drogas no nosso Estado. Não. Querem atacar o miliciano, que passou a ser o símbolo da maldade e pior do que os traficantes.
Eleito deputado estadual em 2007, com 43.099 votos, Flávio Bolsonaro passou a integrar a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio. Na época, foi visto com uma camiseta com os dizeres "Direitos Humanos, a excrescência da vagabundagem”.
Na época, frequentava uma comunidade do Orkut “Estuprador merece a morte”.
Em seus discursos, defendia o pagamento de taxa de proteção às milícias por parte dos moradores dos territórios ocupados.
"As classes mais altas pagam segurança particular, e o pobre, como faz para ter segurança? O Estado não tem capacidade para estar nas quase mil favelas do Rio. Dizem que as mílicias cobram tarifas, mas eu conheço comunidades em que os trabalhadores fazem questão de pagar R$ 15 para não ter traficantes".
Flávio atuou fortemente contra a CPI das Milícias e anunciou sua intenção de apresentar um projeto regulamentando a profissão das “polícias mineiras”, termo da época para policiais que atuavam fora dos regulamentos.

Peça 4 – a serventia dos Bolsonaro

A Operação Quarto Elemento ocorreu em plena campanha eleitoral. Deu alguma repercussão, mas as informações foram abafadas para não influenciar as eleições e a candidatura de Fernando Haddad.
Àquela altura, mídia, mercado., Círculos Militares, o general Villas Boas, tentavam pegar carona na onda anti-PT. Quando Bolsonaro passou a cavalga-la, foi poupado em nome da causa maior: ele tinha serventia. Agora, não tem mais. Pelo contrário. A cada dia torna-se um peso excessivo para ser carregado por seu maior avalista, o estamento militar.
Não é Sérgio Moro quem está vazando informações. Aliás, Moro está mais agarrado ao cargo que caranguejo na pedra. Muito provavelmente é o próprio MPE do Rio, que há tempos entendeu a extensão do envolvimento dos Bolsonaro com as milícias.
Esse processo terá consequências sobre as instituições.
Mídia – com os fatos se sucedendo, rompeu definitiva e precocemente a blindagem sobre Bolsonaro.
Forças Armadas – dificilmente manterão o aval a um governo ligado às milícias, tendo se mostrado um carro desgovernado, incapaz de se articular minimamente.
Ministério Público – com o aval da mídia, e com o impacto das revelações sobre Flávio, continuará agindo e tirando da gaveta mais informações sobre a família.
Supremo Tribunal Federal – com a opinião militar mudando, recuperará a valentia e endossará as ações da PGR e do MPE. O Ministro Luiz Fux ficou literalmente com a broxa na mão.
Senado – o caos em que se transformou o PSL, facilitando a eleição de Renan Calheiros, deixará o Senado como poder autônomo em relação a Bolsonaro, especialmente agora, que se vislumbra o desmonte da blindagem institucional.

Haddad: “Não sei o que levou Gleisi a Caracas. É preciso cuidar do gesto, mas também da comunicação do gesto”,

Haddad: “Não sei o que levou Gleisi a Caracas. É preciso cuidar do gesto, mas também da comunicação do gesto”

Ex-prefeito diz que o ambiente na Venezuela "não é democrático" e faz crítica à ida de presidenta do PT à posse de Maduro. Sobre Ciro Gomes, diz: "Você retoma o diálogo com quem quer dialogar"

Entrevista Fernando Haddad
Fernando Haddad em sua casa em São Paulo.


Indagado se está de férias "desde o fim das eleições", Fernando Haddad, candidato derrotado por Jair Bolsonaro na disputa pelo Planalto em 2018, se surpreende. "Férias? Você acha que professor tem férias desse jeito? Estou preparando curso", afirma o petista em entrevista ao EL PAÍS. O ex-prefeito paulistano, professor de administração e gestão pública no Insper, volta ao trabalho em 11 de fevereiro. Com relação à política, seu papel ainda é incerto. Sem mandato e com seu maior padrinho eleitoral —Lula— atrás das grades,  Haddad tem pela frente o desafio de se manter relevante para não sofrer o mesmo destino de Marina Silva, de ver se esvair o capital político dos 47 milhões de votos que obteve nas urnas. O professor rejeita o papel de "líder" da oposição ao Governo de Bolsonaro e diz que vai atuar sem almejar qualquer posto no PT. Em conversa de pouco mais de uma hora em sua casa em São Paulo, em 14 de janeiro, o ex-prefeito falou sobre a Venezuela ("o ambiente lá não é democrático") e deixou sugerida uma crítica a ida de Gleisi Hoffmann a Caracas para a posse de Nicolás Maduro. “Não sei o que levou Gleisi a Caracas. É preciso cuidar não só do gesto, mas da comunicação.”

Pergunta. O PT enviou sua presidenta para a cerimônia de posse de Nicolás Maduro, isolado por quase todos os países da região. Por que o PT apoia Maduro?
Resposta. Eu gostaria de situar essa discussão em um plano um pouco diferente. Se não fosse a mediação pessoal do Lula durante seu Governo, já teria ocorrido uma intervenção dos Estados Unidos na Venezuela.
P. Mas passaram-se anos, muitas coisas aconteceram depois disso...
R. A obsessão da esquerda brasileira tem que ser com a paz, com a não ingerência. Evidentemente a situação na Venezuela se deteriorou. E o ambiente na Venezuela hoje não é democrático. Porque as partes não reconhecem os processos.
P. Mas essa degradação do ambiente democrático, você credita isso só à oposição?
R. Acredito que o Governo Maduro tem uma parte de responsabilidade. É evidente que não há por parte da oposição um enorme compromisso. Seria ingenuidade imaginar que a oposição não tem seus interesses, inclusive de buscar um status quo anterior, que era o da Venezuela como um quintal cheio de petróleo para os americanos. A obsessão do PT é buscar um caminho no qual possamos restabelecer o ambiente democrático na Venezuela. Que está difícil. Não é uma tarefa fácil. Mas pode se tornar mais difícil ainda se houver uma intervenção militar.

P. Você teria ido à posse do Maduro?
R. Não participei da discussão, não sei os argumentos e o que levou a Gleisi (Hoffmann) a ir para Caracas. Existe uma questão que considero importante, que é da mensagem que você passa ao tomar qualquer decisão. É preciso cuidar não só do gesto que você considera mais adequado, mas da comunicação desse gesto para a opinião pública mundial.
P. A justificativa do PT para não comparecer à cerimônia de posse do Bolsonaro é que o processo democrático foi inadequado devido à prisão de Lula. Você acha que a Venezuela tem um processo democrático mais transparente que o Brasil?
"A obsessão do PT é buscar um caminho no qual possamos restabelecer o ambiente democrático na Venezuela"
R. São situações diferentes.
P. Por quê?
R. A questão do Brasil é que o líder das pesquisas foi impedido de participar da eleição.
P. Na Venezuela também. O opositor Leopoldo López está em prisão domiciliar.
R. O que eu digo e repito: a obsessão do PT com a qual eu compartilho é evitar um conflito militar na região. Brasil está há mais de 140 anos sem conflito militar com seus vizinhos. A obsessão da centro-esquerda pacifista é buscar uma solução negociada. Outra questão é comunicar adequadamente o que você quer comunicar com seu gesto [a ida de Gleisi à posse de Maduro].
P. A ida dela não pode ser entendida como uma chancela do PT ao Governo Maduro?
R. O PT nasceu do questionamento de ditaduras de esquerda.
P. Considera o Governo de Maduro uma ditadura?
R. O que eu disse na campanha e eu repeti é que o ambiente na Venezuela não é democrático. As forças políticas venezuelanas hoje não respeitam o resultado de qualquer consulta que você faça. Veja quantas consultas foram feitas nos últimos três anos ao povo venezuelano, nenhum resultado foi considerado legítimo.
P. Em que medida o PT tenta se aproximar da oposição venezuelana?
R. Aí você está perguntado para mim, o que eu penso não é necessário o que o PT pensa. Para saber o que o PT pensa você tem que fazer uma entrevista com a Gleisi. O que eu penso e defendi na campanha foi isso, não mudei de ideia. Considero a situação da Venezuela grave do ponto de vista democrático, porque as partes não se reconhecem.
"O PT nasceu do questionamento de ditaduras de esquerda"
P. Você já disse que Bolsonaro era uma ameaça à democracia. Ainda enxerga assim?
R. Se você tem um conceito estrito, tanques de guerra na rua, alguém está armado te ameaçando... Nesse conceito de democracia a ameaça pode estar mais distante. Mas se você entende democracia enquanto ambiente onde são cultivados certos valores, inclusive de proteção às minorias, sem dúvida, neste conceito, a democracia está ameaçada. Os indígenas estão se sentindo ameaçados, a comunidade LGBTQ, os professores e líderes de movimentos sociais também, porque podem ser considerados terroristas a qualquer momento pelo presidente. A oposição está se sentindo ameaçada, porque ele anunciou que ela terá dois caminhos, a cadeia ou o exílio. Este conceito que eu acredito de democracia, sim, está ameaçado. As instituições tem que funcionar com um propósito, de fazer as pessoas se sentirem seguras independente do que pensam, de sua orientação sexual.
P. O Congresso e o Supremo Tribunal Federal não estão preparados para exercer um contrapeso a estas medidas?
R. Veremos. Os sinais do Executivo são os piores possíveis, então temos que ver se os contrapesos funcionarão. Veremos como reagem a imprensa, o Judiciário e o Congresso a estas ameaças, que são reais.
P. Qual o papel do PT na oposição?
R. O PT já foi oposição no Brasil. Até 2002 nós éramos um partido de oposição. E o PT fez uma oposição bastante qualificada à época. Tanto é que logrou resultados na campanha de 2002 [quando Lula foi eleito pela primeira vez], e a transição do Fernando Henrique para o Lula foi uma transição muito tranquila e civilizada, o que demonstra de certa forma que as relações entre oposição e situação no Brasil mantinham um padrão adequado. Estamos voltando à oposição desde o impeachment da Dilma, mas tendo a experiência de 13 anos de Governo, o que significa que vamos poder fazer uma oposição muito mais qualificada do que fizemos antes.
P. Qual seria seu papel no PT nos próximos anos?
R. Meu papel é o que exercia antes e passo a exercer agora: não tenho cargo, mas nunca tive antes de o PT chegar ao poder, e nem por isso deixava de exercer na plenitude minha cidadania como professor e articulista. Lembrando que o próprio Lula nunca precisou de cargos para exercer cidadania, para conversar com o país, conversar com outras forças democráticas do continente e da Europa.
P. Você gostaria de assumir a presidência do PT?
R. Não está nos meus planos. Eu nunca fiz parte da burocracia partidária, nunca participei da vida interna do partido a não ser quando convidado, na condição de professor universitário.
Fernando Haddad em sua casa em São Paulo. ampliar foto
Fernando Haddad em sua casa em São Paulo.
P. Você pretende liderar a oposição no Brasil?
R. Eu não acredito que alguém possa ter essa pretensão. Estamos em um sistema multipartidário, nós ainda temos 30 partidos. Acredito que ninguém possa se arvorar a ser o chefe da oposição.
P. Durante a campanha o rapper Mano Brown fez um discurso forte com relação ao PT, dizendo que o partido tinha perdido contato com suas bases. O que vocês têm feito de diferente para reverter isso?
R. Em primeiro lugar, o PT foi para o segundo turno com 30% dos votos, e chegou ao final da eleição com 45% dos votos. Contra 51% de 2014. Então nós não perdemos [as bases]...
P. Tem uma base ampla, mas não o suficiente para ganhar...
R. Estamos falando de um partido que ganhou quatro eleições consecutivas. E perdeu a quinta tendo disputado em condições competitivas. Eu acredito que, se não fosse a ação das fake news e o dinheiro de empresários para disseminá-las, nós iríamos dar muito mais trabalho.
P. Mas na época da campanha você deu razão ao Brown...
R. Dei.
P. E agora está falando que houve desgaste no Governo, fake news...
"Quando você é Governo durante quatro mandatos existe um processo de distanciamento das bases"
R. Uma coisa não tem a ver com a outra. As duas são verdadeiras. Quando você é Governo durante quatro mandatos existe um processo de distanciamento das bases em função do fato de que a maioria dos quadros são assimilados pela máquina estatal. Isso é um processo muito desagradável, infeliz, mas acontece. O sucesso eleitoral do PT enfraqueceu o próprio partido em sua conexão com as bases. O outro fenômeno é a crise política, ética, e econômica que aconteceu.
E a outra questão é que há novos atores no Brasil. Por exemplo, as igrejas evangélicas tinham um tamanho quando ganhamos em 2002, e têm outro tamanho agora. E nós não aprendemos a dialogar com a base dessa igreja, muito menos com os líderes, que são em geral bastante conservadores.
P. Como recompor o cinturão vermelho, tradicional reduto petista em São Paulo e onde desde as eleições municipais de 2016 vocês perdem terreno?
R. Acho que vai haver um processo natural de migração do partido da máquina do Estado para a base. E nessa reconexão vai haver um aprendizado. Vamos nos deparar com outro país. Muito fruto inclusive do sucesso dos nossos Governos, mas que não necessariamente se identificam com nossos valores. Não está dado que um pobre que deixa a pobreza mantenha seus valores igualitários, por exemplo.
P. Alguns analistas dizem que o PT foi vítima do seu próprio erro, ao tirar pessoas da pobreza, mas não formar cidadãos. Como analisa essa crítica?
R. Eu acho que deveríamos ter trabalhado mais a questão da consciência política. O avanço objetivo tinha que ter sido acompanhado de um avanço subjetivo. O avanço material tem quer vir acompanhado de um avanço espiritual. Essas coisas tem que vir juntas para que o processo se consolide. Espiritual não no sentido religioso, mas no sentido ético, de valores. A ética tem que ser uma obsessão de um partido que transforma a vida material das pessoas. Se você dissocia isso as pessoas atribuem o próprio êxito a questões que... Claro que tudo depende do esforço individual também, mas isso tem que vir acompanhado de um processo de formação política.
P. O pilar da crítica feita ao PT é a corrupção. Como enfrentar isso?
"Cabe a um Governo progressista fortalecer todos os mecanismos estatais de combate à corrupção. E ninguém fez isso melhor do que o PT"
R. O que cabia ao Governo fazer? Fortalecer os mecanismos de combate à corrupção. Cabe a um governo progressista fortalecer todos os mecanismos estatais de combate à corrupção. E ninguém fez isso melhor do que o PT. A Polícia Federal nunca esteve tão bem quanto no Governo do PT. O ministério Público Federal idem. O Tribunal de Contas, o Judiciário, a Controladoria Geral da União...Nunca atuaram tanto. Jamais haveria combate à corrupção sem essas medidas. E nunca houve orientação do Governo para parar investigação. Toda a legislação usada na Lava Jato foi aprovada durante os Governos do PT.
Isso é um ponto. Outro ponto: além de fortalecer os mecanismo de combate, você tem que fortalecer as instituições de maneira a que se evite a corrupção. Nesse ponto acho que nós falhamos em não aprovar a reforma política. Porque nós sabíamos, está no nosso plano de Governo, a defesa do financiamento público de campanha. O PT sabe desde sempre que havia uma vulnerabilidade muito grande no sistema ao permitir, e não fomos nós que inventamos a regra, o financiamento privado, mais do que privado, empresarial, das campanhas eleitorais. E isso afetou todo o sistema político, sem exceção.
Quando você permite o financiamento empresarial você cria um ambiente em que as decisões individuais importam. E quando o comportamento individual fala mais que o institucional, você está com um risco elevadíssimo de alguém estar cometendo um erro em seu nome e te tornando vulnerável. A verdade é que se pedia dinheiro no sistema político sem nenhum protocolo. E isso foi se tornando a regra em todos os partidos. E abriu espaço para crimes pequenos e para crimes enormes.
P. Que peso o Lula terá na coordenação do PT enquanto oposição?
R. O Lula vai ser sempre ouvido.
P. Você considera que o Lula ainda é mais um ativo do que um fardo para o partido?
R. Vamos supor que tivesse acontecido o seguinte cenário: acharam uma conta em dólares do Lula e da Marisa num paraíso fiscal. Se fosse algo assim, "tá aqui". Se tivessem apresentado uma prova que tivesse convencido o partido de que realmente houve uma falha, um crime, e que sendo ele cidadão brasileiro teria que responder por aquilo, acho que nós teríamos lamentado, mas teríamos seguido adiante. Mas não foi o que aconteceu. Eu me envolvi pessoalmente com o processo do tríplex e lhe asseguro: ele não se sustenta. Não há prova cabal, como aconteceu com os outros que estão presos. Com eles está lá: conta no exterior, dinheiro na mala, diálogo gravado... Então, sim, ele é um ativo.
Fernando Haddad, excandidato del PT a la presidencia de Brasil, en su casa de São Paulo
Fernando Haddad, excandidato del PT a la presidencia de Brasil, en su casa de São Paulo

P. Qual o campo onde a oposição deve agir?
R. Há dois componentes importantes. Um que é mais amplo, que é o campo da defesa dos direitos civis, que no meu juízo estão ameaçados no Brasil. Estamos vendo aí os direitos indígenas sendo atacados, na contramão do que reza a Constituição Federal. Temos visto questões ambientais muito delicadas sendo questionadas pelo Governo, tratados internacionais assinados pelo Brasil [ameaçados]... As Nações Unidas sendo questionadas em todas suas decisões e orientações, acabamos de sair do pacto de imigração, sendo que somos um país que foi feito por imigrantes. Nós estamos vendo a comunidade LGBTQ sendo ameaçada nas ruas sem que as autoridades emitam nenhum juízo a este respeito. Estamos vendo professores sendo ameaçados de monitoramento. Então são sintomas muito preocupantes.
Há um outro plano de direitos sociais e econômicos. Aí inclui política de valorização do salário mínimo, o destino do nosso patrimônio público, nossas reservas de petróleo, cambiais, nossas estatais, o destino das políticas de promoção da igualdade de renda em um dos países mais desiguais do mundo, direitos trabalhistas, que já passaram por uma primeira onda de reformas liberalizantes e desprotetoras do trabalhador, e se anuncia uma segunda rodada de reformas que colocariam, se aprovadas, o trabalhador em uma situação de maior vulnerabilidade perante o capital. Direitos sociais ligados a serviços públicos, sobretudo saúde e educação, que estão na mira do Governo...
P. O PT é muito cobrado a fazer uma autocrítica com relação aos erros. Você falou da reforma política, há algo mais?
R. Eu faço sempre a mesma consideração. Erramos muito ao não fazer a reforma política, tínhamos que ter tentado fazer, e acho que a condução da política econômica depois de 2012 teve problemas. E a maneira como se pretendeu resolver esses problemas depois da reeleição também foi um equívoco.
"Erramos muito ao não fazer a reforma política, tínhamos que ter tentado fazer, e acho que a condução da política econômica depois de 2012 teve problemas"
P. O PT aparentemente foi surpreendido por uma rede bem estruturada de WhatsApp por parte da campanha de Bolsonaro. Vocês pretendem investir nessa ferramenta de olho em 2022?
R. Fala-se do WhatsApp, mas na verdade essa ferramenta foi acompanhada de três expedientes ilegais [por parte da campanha de Bolsonaro]: o primeiro foi turbinar o aplicativo com caixa 2. O segundo foi usar cadastro de terceiros. E o último foi caluniar os opositores com mentiras. De que eu era dono de Ferrari, tinha relógio de 500.000 reais, que eu era a favor do incesto... Então foram três ilegalidades cometidas.
P. Mas aparentemente a campanha dele tinha uma rede estruturada há mais tempo, e mais experiência no seu uso.
R. Isso sim. Nós poderíamos ter feito. Mas o que de fato alavancou a candidatura dele no final do segundo turno não foi isso. Porque se fosse isso ele já teria avançado previamente. Ele batia sempre no patamar de 18% das intenções de voto. Não passava de 20%. O que fez ele passar este patamar foi, em primeiro lugar, a facada, que levou ele para 26%. E depois disso ele só cresceu com o uso ilegal do WhatsApp.
P. O Ciro Gomes, a quem você chamava de amigo, bateu muito no PT durante a campanha. Retomaram o diálogo?
R. Olha, você retoma o diálogo com quem quer dialogar. As declarações do Ciro têm sido muito duras. Acho que existem episódios que ele descreve que não são dessa maneira. O episódio do PSB, por exemplo. O PSB fez um acordo com o PT, divulgado com transparência: nós apoiávamos o Paulo Câmara em Pernambuco em troca do apoio deles ao Fernando Pimentel em Minas, e da neutralidade no plano nacional. Foi uma construção do PSB. Isso é do jogo democrático.