Pai do liberalismo econômico, o escocês era
muito mais refinado que seus seguidores contemporâneos. E nunca disse
muitas das insanidades marotamente atribuídas e ele
OutrasPalavras
Publicado 12/01/2019 às 09:46
Por David Deccache, editor do Economia à Esquerda
Com o decreto de reajuste do salário
mínimo abaixo do previsto no orçamento, muitos liberais brasileiros
voltaram a atacar a política de salário mínimo. Para tal, recorrem,
supostamente, a Adam Smith, o pai da Economia.
Eles argumentam algo assim: “salário mínimo não deveria nem existir.
Como ensinou Adam Smith, deveríamos deixar a mão invisível (oferta e
procura) agir livremente para determinar os salários, gerando o
bem-estar geral”.
Mas ora, o que Adam Smith pensava sobre o mercado de trabalho? Para
Smith os salários seriam realmente determinados pela suposta mão
invisível do mercado?
Para responder à questão, que tal entrevistarmos o próprio Smith?
(trechos selecionados do livro de economia mais importante da história, A Riqueza das Nações, de Adam Smith)
1. Smith, como se dão as negociações salariais entre trabalhadores e patrões?
“Os trabalhadores desejam ganhar o máximo possível, os patrões pagar o
mínimo possível. Os primeiros procuram associar-se entre si para
levantar os salários do trabalho, os patrões fazem o mesmo para
baixá-los.”
2. E quem costuma vencer essa disputa? Smith responde:
“Não é difícil prever qual das duas partes, normalmente, leva
vantagem na disputa e no poder de forçar a outra a concordar com as suas
próprias cláusulas. Os patrões, por serem menos numerosos, podem
associar-se com maior facilidade; além disso, a lei autoriza ou pelo
menos não os proíbe, ao passo que para os trabalhadores ela proíbe. Não
há leis do Parlamento que proíbam os patrões de combinar uma redução dos
salários; muitas são, porém, as leis do Parlamento que proíbem
associações para aumentar os salários”
3. Além disso, quem aguenta mais tempo nessa disputa?
“Em todas essas disputas, o empresário tem capacidade para aguentar
por muito mais tempo. Um proprietário rural, um agricultor ou um
comerciante, mesmo sem empregar um trabalhador sequer, conseguiriam
geralmente viver um ano ou dois com o patrimônio que já puderam
acumular. Ao contrário, muitos trabalhadores não conseguiriam subsistir
uma semana, poucos conseguiriam subsistir um mês e dificilmente algum
conseguiria subsistir um ano, sem emprego. A longo prazo, o trabalhador
pode ser tão necessário ao seu patrão, quanto este o é para o
trabalhador; porém esta necessidade não é tão imediata.”
4. Sr. Smith, como os patrões se organizam para reduzir salários e aumentar lucros?
“Tem-se afirmado que é raro ouvir falar das associações entre
patrões, ao passo que com freqüência se ouve falar das associações entre
operários. Entretanto, se alguém imaginar que os patrões raramente se
associam para combinar medidas comuns, dá provas de que desconhece
completamente o assunto. Os patrões estão sempre e em toda parte em
conluio tácito, mas constante e uniforme para não elevar os salários do
trabalho acima de sua taxa em vigor. Violar esse conluio é sempre um ato
altamente impopular, e uma espécie de reprovação para o patrão no seio
da categoria. Raramente ouvimos falar de conluios que tais porque
costumeiros, podendo dizer-se constituírem o natural estado de coisas de
que ninguém ouve falar freqüentemente, os patrões também fazem
conchavos destinados a baixar os salários do trabalho, mesmo aquém de
sua taxa em vigor.”
5. E como se dá o conluio entre patrões e governo?
“Essas combinações sempre são conduzidas sob o máximo silêncio e
sigilo, que perdura até ao momento da execução; e quando os
trabalhadores cedem, como fazem às vezes, sem resistir, embora
profundamente ressentidos, isso jamais é sabido de público.”
6. Como os trabalhadores reagem aos ataques realizados pelos patrões contra os direitos trabalhistas?
“Muitas vezes, porém, os trabalhadores reagem a tais conluios com
suas associações defensivas; por vezes, sem serem provocados, os
trabalhadores combinam entre si elevar o preço de seu trabalho. Seus
pretextos usuais são, às vezes, os altos preços dos mantimentos; por
vezes, reclamam contra os altos lucros que os patrões auferem do
trabalho deles. Entretanto, quer se trate de conchavos ofensivos, quer
defensivos, todos são sempre alvo de comentário geral. No intuito de
resolver com rapidez o impasse, os trabalhadores sempre têm o recurso ao
mais ruidoso clamor, e às vezes à violência mais chocante e atroz.
Desesperam-se agindo com loucura e extravagância que caracterizam
pessoas desesperadas que devem morrer de fome ou lutar contra seus
patrões para que se chegue a um acordo imediato para com suas
exigências. Em tais ocasiões, os patrões fazem o mesmo alarido de seu
lado, e nunca cessam de clamar alto pela intervenção da autoridade e
pelo cumprimento das leis estabelecidas com tanto rigor contra as
associações dos serviçais, trabalhadores e diaristas. Por isso, os
trabalhadores raramente auferem alguma vantagem da violência dessas
associações tumultuosas, que, em parte devido à interferência da
autoridade, em parte à firmeza dos patrões, e em parte por causa da
necessidade à qual a maioria dos trabalhadores está sujeita por força da
subsistência atual — geralmente não resultando senão na punição ou
ruína dos líderes”
7. O “empreendedorismo seria uma boa saída para o trabalhador
se livrar do dilema anteriormente apresentado? Smith responde que não:
“Um trabalhador, dificilmente, consegue acumular capital suficiente para se tornar patrão.
Às vezes, ocorre realmente que um trabalhador independente tenha
capital suficiente tanto para comprar os materiais para seu trabalho,
como para manter-se até completá-lo. Nesse caso, ele é ao mesmo tempo
patrão e operário, desfrutando sozinho do produto integral de seu
trabalho, ou seja, do valor integral que seu trabalho acrescenta aos
materiais por ele processados. Esse valor inclui o que geralmente são
duas rendas diferentes, pertencentes a duas pessoas distintas: o lucro
do capital e os salários do trabalho.
Contudo, esses casos não são muito freqüentes, e em todas as partes
da Europa, para cada trabalhador autônomo existem vinte que servem a um
patrão; subentende-se que os salários do trabalho são em todos os
lugares como geralmente são, quando o trabalhador é uma pessoa, e o
proprietário do capital que emprega o trabalhador é outra pessoa.”
8. Então como o trabalhador faz para sair dessa sinuca de bico?
Essa pergunta Smith não responde com clareza. Mas Marx, quase um século depois, dá a dica:
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