Redes sociais permitiram à publicidade
sondar e explorar momentos de insegurança ou baixa estima dos usuários,
para quebrar resistências. Universidades colaboram
OutrasPalavras
Publicado 14/01/2019 às 08:44 - Atualizado 14/01/2019 às 10:43
Por George Monbiot | Tradução: Inês Castilho
Até que ponto decidimos com autonomia? Pensamos escolher o sentido de
nossa própria vida – mas será que isso é verdade? Se você ou eu
tivéssemos vivido 500 anos atrás, nossa visão de mundo, e as decisões
tomadas em decorrência dela, seriam totalmente diferentes. Nossas mentes
são formadas pelo ambiente social, particularmente pelos sistemas de
crenças projetados por aqueles que estão no poder: antes, reis,
aristocratas e teólogos; agora, corporações, bilionários e a mídia.
Humanos, mamíferos sociais por excelência, somos esponjas éticas e
intelectuais. Inconscientemente absorvemos, para o bem ou para o mal, as
influências que nos envolvem. Na verdade, a própria noção de que
podemos formar nossas mentes é uma ideia herdada que, cinco séculos
atrás, teria causado estranheza à maioria das pessoas. Não quero sugerir
que somos incapazes de pensamento com independência. Mas para
exercitá-lo, temos de – conscientemente e com grande esforço – nadar
contra a corrente que nos carrega, na maioria das vezes sem nosso
conhecimento.
No entanto, mesmo formados no meio ambiente social, será que
controlamos as pequenas decisões que tomamos? Às vezes. Talvez. Mas
também aqui estamos sujeitos a influências constantes, algumas das quais
vemos, a maioria das quais não vemos. Uma grande indústria procura
decidir em nosso nome. Suas técnicas tornam-se mais sofisticadas a cada
ano, aproveitando-se das últimas descobertas da neurociência e da
psicologia. Seu nome é publicidade.
Novos livros são publicados todo mês sobre o assunto, por exemplo com o título “O Código de Persuasão: como o neuromarketing pode ajudar você a persuadir alguém, em qualquer lugar, a qualquer momento”
Embora muitos sejam evidentemente exagerados, descrevem uma disciplina
que está capturando rapidamente nossas mentes, tornando o pensamento
independente ainda mais difícil. Publicidades mais sofisticadas
misturam-se a tecnologias digitais projetadas para eliminar as
mediações.
No começo de 2018, o psicólogo infantil Richard Freed explicou
como novas pesquisas psicológicas têm sido usadas para desenvolver
mídias sociais, jogos de computador e telefones celulares com qualidades
assumidamente viciantes. Cita um tecnólogo que se vangloria,
aparentemente com justiça: “Podemos, ao manipular alguns botões no
painel do aprendizado de máquina que construímos, levar centenas de
milhares de pessoas, em todo o mundo, a mudar silenciosamente seu
comportamento de maneira que, sem saber, imaginam repetir um hábito, mas
estão sendo conduzidas.
O propósito deste “hackeamento de cérebros” é criar plataformas mais
eficientes para a publicidade. Mas o esforço é inútil se retivermos
nossa capacidade de resistir. Essa é a razão pela qual o Facebook,
segundo vazamento de um relatório
enviado a um anunciante, desenvolveu ferramentas para determinar quando
adolescentes, ao usar a rede, sentem-se inseguros, com baixa
auto-estima ou estressados. Estes parecem ser os ótimos momentos para
atingi-los com uma promoção micro-segmentada. (O Facebook nega que
ofereceu “ferramentas para segmentar as pessoas com base em seu estado
emocional”.)
Podemos esperar que empresas comerciais lancem mão de todo e qualquer
truque. Cabe à sociedade, representada pelo governo, detê-las por meio
do tipo de regulação que até agora falta. Mas o que me intriga e
desgosta ainda mais do que esse fracasso é a disposição das
universidades em sediar pesquisas que ajudam os anunciantes a invadir
nossas mentes. O ideal do Iluminismo, que todas as universidades dizem
endossar, é que todos devem pensar por si mesmos. Então, por que mantêm
departamentos em que pesquisadores exploram novos meios de bloquear essa
capacidade?
Faço a pergunta, enquanto observo o frenesi do consumismo que eleva
além dos níveis habituais o lixo do planeta neste final de ano, porque
esbarrei num artigo
que me deixou pasmo. Foi escrito por acadêmicos de universidades
públicas na Holanda e nos EUA. Seu propósito me pareceu completamente em
desacordo com o interesse público. Eles procuram identificar “as
diferentes maneiras pelas quais os consumidores resistem à publicidade e
as táticas que podem ser usadas para combater ou evitar essa
resistência”.
Dentre as técnicas “neutralizadoras” destacam-se “disfarçar a
intenção de persuadir ou o emissor da mensagem”; distrair nossa atenção
usando frases confusas que dificultam perceber as intenções do
anunciante; e “usar o empobrecimento cognitivo como tática para reduzir a
capacidade do consumidor de questionar as mensagens”. Isso significa
nos atingir com um número de propagandas suficiente para exaurir nossos
recursos mentais, quebrando nossa capacidade de pensar.
Intrigado, comecei a buscar outros artigos acadêmicos sobre o mesmo
tema, e encontrei uma enorme literatura. Havia artigos sobre cada
aspecto possível da resistência à publicidade, e dicas úteis para
superá-la. Por exemplo, um artigo que ensina
anunciantes a reconstruir a confiança do público quando a celebridade
com quem trabalham se mete em problemas. Em vez de abandonar esse ativo
lucrativo, os pesquisadores aconselharam que o melhor meio para melhorar
“o autêntico apelo persuasivo de uma celebridade” cujo prestígio tenha
caído é fazer com que exiba “um sorriso de Duchenne”, conhecido também
como “sorriso genuíno”. Eles detalham esses sorrisos com precisão,
mostram como identificá-los e discutem a “construção” da sinceridade e
da “franqueza”: um exercício magnífico de autenticidade inautêntica.
Outro artigo
sugere como persuadir pessoas céticas a acatar as afirmações sobre
responsabilidade social corporativa de uma empresa, especialmente quando
essas afirmações entram em conflito com o conjunto dos objetivos da
empresa. (Um exemplo óbvio são as tentativas atuais da Exxon Mobil de
convencer as pessoas de que é ambientalmente responsável, porque está
pesquisando combustíveis de algas que poderiam um dia reduzir o CO2 –
mesmo que continue bombeando
10 milhões de barris de óleo fóssil por dia). Esperava que o jornal
recomendasse que o melhor meio de persuadir as pessoas é a empresa mudar
suas práticas. Ao invés disso, os autores da pesquisa mostraram como
imagens e declarações podem ser habilmente combinadas para “minimizar o
ceticismo das partes envolvidas”.
Outro artigo discutia anúncios que trabalham com o estímulo ao medo de perder [fear of missing out, FOMO]. Notava que essas publicidades funcionam através da “motivação controlada”, que é um “anátema para o bem-estar”. Anúncios FOMO,
explicava o artigo, tendem a causar desconforto significativo àqueles
que o recebem. Depois seguia mostrando que melhorar o entendimento da
resposta das pessoas “oferece a oportunidade de melhorar a eficácia do FOMO
como disparador da compra.” Uma tática proposta é continuar estimulando
o medo de perder, durante e depois da decisão de comprar. Isso, sugere,
tornará as pessoas mais suscetíveis a outros anúncios na mesma linha.
Sim, eu sei: trabalho num setor que recebe a maior parte de seus
recursos financeiros da publicidade, então sou cúmplice também. Mas
assim somos todos nós. A publicidade e seus impactos destrutivos no
planeta vivo, em nossa paz de espírito e nosso livre arbítrio está no
coração da economia que se baseia no “crescimento”. Isso nos dá ainda
mais motivos para desafiá-la. Dentre os lugares onde o desafio deve
começar estão as universidades e sociedades acadêmicas, que supostamente
estabelecem e mantêm padrões éticos. Se elas não podem nadar contra as
correntes do desejo construído e do pensamento construído, quem poderá?
Gostou do texto? Contribua para manter e ampliar nosso jornalismo de profundidade: OutrosQuinhentos
Nenhum comentário:
Postar um comentário