Fotos de
Bolsonaro e do futuro ministro da Casa Civi, Onix Lorenzoni, cuja
angulação e recorte sugerem ao fundo expressões como “anta” ou “traição
governa”; vídeo do capitão reformado lavando roupas no tanque; outro
vídeo do presidente eleito com a faca na mão em um churrasco debochando
do próprio atentado que sofreu. Tudo material distribuído pela
assessoria do presidente, pautando a grande mídia e a indignação da
esquerda, como matéria-prima para os protestos que acabam virando apenas
“metamemes”. Continua em ação uma estratégia muito mais de comunicação
do que de propaganda. Uma operação psicológica baseada nos mecanismos de
dissonância e ambiguidade diante da qual a esquerda está paralisada e
desarmada, incapaz de compreender a linguagem “alt-right”, a
ultradireita alternativa, surgida diretamente de sites como o “4chan”
(EUA) ou do “Corrupção Brasileira Memes”(CBM, Brasil). Uma linguagem
cuja mão de obra criadora é farta: a geração NEET (Not currently engaged
in Employment, Education or Training) ou “Nem-Nem”, cuja desesperança e
niilismo ganharam expressão política depois de anos de animações
politicamente incorretas como Os Simpsons, Beavis and Butt-head, South
Park, American Dad e o Rei do Pedaço.
“Por que
a ultradireita está ganhando espaço no mundo todo? Porque são
metódicos, são militares, têm disciplina. Por que nós da esquerda somos
todos fodidos? Porque é todo mundo desorganizado, tudo muito ‘hare hare’
demais”.
(Sabrina Bittencourt, ativista por trás das denúncias do guru Prem Baba e do médium João de Deus, Carta Capital, 26/12/2018)
Desde que o
ator britânico Hugh Grant foi flagrado pela polícia, na famosa Sunset
Boulevard, fazendo sexo oral em plena luz do dia com uma prostituta
chamada Divine Brown, em uma BMW branca conversível, a gestão de
Relações Públicas de crise e de imagem não foi mais a mesma.
Em 1995, Grant estava em Hollywood (graças ao sucesso do filme anterior Quatro Casamentos e um Funeral) para atuar em uma comédia piegas romântica chamada Nove Meses,
com Julianne Moore. E a sua famosa foto da ficha policial com ombros
retraídos, sorriso tímido e óculos casualmente pendurados na gola da
camisa polo foi a “redenção divina” (desculpe o trocadilho...) para
Grant em Hollywood – sem arranhão posterior na carreira, criou uma dissonância politicamente incorreta: o britânico fleumático e tímido, ator de comédias românticas, preso por atos obscenos em local público.
A alta audiência do pedido de desculpas ao vivo na TV feito no talk showde
Jay Leno, fez o programa ultrapassar o “Late Show With David
Latterman”, virando o principal atração do gênero nos EUA; a fama do
escândalo fez Divine Brown ficar rica e comprar uma mansão em Beverly
Hills; e até a então esposa de Hugh Grant, Elizabeth Hurley, virar
estrela de cinema, separando-se do ator só em 2000.
Evento
proposital ou involuntário, mas a verdade é que a foto do tímido galã
britânico fichado pela polícia ao lado da foto de uma prostituta teve
dois elementos repercussivos, muito mais do que o escândalo em si: ambiguidadee dissonância.
1995: ainda a tática de ambiguidade e dissonância estava restrito ao Marketing e Relações Públicas |
Armas semióticas
Mas isso
foi em tempos em que estratégias de Relações Públicas como essas se
limitavam ao chamado “marketing de guerrilha” de marcas como Benetton ou
táticas do “falem bem, falem mal, mas falem de mim” que impulsionavam
carreiras de atores e artistas pop.
Hoje fazem
parte do arsenal das armas semióticas das guerras híbridas colocado em
prática nas diversas “primaveras” do Leste Europeu, Oriente Médio e
Brasil, a partir de 2013. O paradoxal é que a tática de criação de
ambiguidades e dissonância não é propriamente uma estratégia de
propaganda.
Como afirma
o antropólogo Piero Leiner, professor da Universidade Federal de São
Carlos/SP e estudioso das estratégias militares, “é muito mais uma estratégia de criptografia e controle de categorias, através de um conjunto de informações dissonantes" – clique aqui.
Desde o
início, a campanha de Bolsonaro à presidência foi considerada tosca e
amadora, com recursos escassos, uma estética pobre do material de
divulgação e dona de um discurso limítrofe, incapaz de articular três
frases sem um erro de concordância.
Nunca foi
uma campanha clássica de propaganda – sob a aparência de cacos de
conceitos ideológicos (meritocracia, Estado Mínimo, menos imposto,
etc.), a parte da comunicação se resumiu a memes, vlogs, a
ridicularização de qualquer um que se opunha, e uma postura geral
“ensaboada” – provocar, xingar e sair correndo.
Mas,
principalmente, provocações que causavam dissonâncias, confundiam a
opinião pública e pareciam descoordenados, fazendo os opositores
(principalmente a esquerda) reagirem como estivesse diante de uma turba
de fascistas hidrófobos, alucinados e cheios de ódio. Mas são
disciplinados, cuja tática está fundamentada nas operações psicológicas
das estratégias militares da Guerra Híbrida.
Loucos do "Brasil Profundo" ou organizada Operação Psicológica? |
“Caneladas” e expressões subliminares
Um exemplo
foram as famosas “caneladas” a qual Bolsonaro se referia sobre as
supostas divergências de opinião entre ele e as figuras de comando da
campanha – p. ex., divergências sobre a questão do 13o salário
e a CPMF com o vice General Mourão e o economista Paulo Guedes.
Resultado: uma blitzkrieg de ocupação da pauta da grande mídia e da
“secada” da esquerda contra seu rival. Enquanto isso, o também suposto
programa de governo do candidato era colocado entre parêntesis no
debate.
Após a
vitória eleitoral e nesse momento de governo de transição, ainda
continua a todo vapor a criação de dissonâncias e ambiguidades com o
propósito de gerar uma verdadeira cortina de fumaça para a opinião
pública.
É o caso
das fotos divulgadas pela assessoria de comunicação do futuro governo,
feitas durante as reuniões do governo de transição, que criaram
mensagens inusitadas que dão margem a duplo sentido. Em pelo menos três
imagens, o termo “transição governamental” inscrito no cenário de fundo
ganhou novas configurações em fotos com as presenças de Bolsonaro e do
futuro ministro da Casa Civil, Onix Lorenzoni (DEM-RS).
O recorte
das fotos sugere a palavra “anta” atrás de Bolsonaro; e atrás de Onix,
surge “transão” e “traição governa”. Tudo por conta do ângulo tomado
pela lente e pelo recorte do plano. O detalhe é que as fotos foram
feitas pela própria equipe do governo, em ambiente em que a imprensa não
tem acesso.
Imagens que
fizeram a delícia da oposição e viralizaram nas redes sociais. Um
fotógrafo espera uma carreira inteira para clicar imagens com poder
simbólico como essas... Mas a assessoria de comunicação consegue
divulgar no atacado fotos que nada mais que ilustram as próprias
críticas da oposição: subliminarmente, um fotógrafo denuncia um governo
promíscuo, traiçoeiro e liderado por uma anta...
Uma variação dessa estratégia foi a divulgação de um vídeo do “mito” lavando roupa suja no tanque no Natal em Marambaia, RJ.
Ou ainda o
vídeo (também divulgado pela assessoria do presidente) em que Bolsonaro,
com uma faca na mão em um churrasco, brincando aponta para um dos
atendentes e debocha: "Olha aqui.
Se eu fizer um corte desse aqui em você, você vai ser presidente da
ONU”, disse Bolsonaro aos risos em meio às gargalhadas dos apoiadores ao
redor. Provocativamente, o capitão da reserva faz escárnio do próprio
atentado que o catapultou à presidência.
Alimentando o inimigo
É como se a
estratégia de comunicação do clã Bolsonaro fosse alimentar
continuamente a oposição com matéria-prima para memes (como por exemplo,
a apropriação da foto de Marambaia em tom laranja para ironizar o Caso
Queiroz que “tinge de laranja a posse da presidência”) e para o wishful thinking das
esquerdas sobre supostas fissuras internas na equipe do governo ou auto
sabotagem subliminar de profissionais na assessoria do presidente.
Dessa
forma, o clã Bolsonaro alimenta não só a pauta da grande mídia como
também a própria oposição – provoca, ao que a esquerda responde se
apropriando das imagens e audiovisuais, para criar metamemes.
O fato é
que a esquerda parece desarmada ou incapaz de lidar com essa estratégia,
muito mais de comunicação do que de propaganda – um tipo de linguagem
que se tornou a vanguarda da chamada “Alt-right”, a direita alternativa
nos EUA, iniciada no site 4chan. Uma estratégia alimentada por
aquilo que o escritor que quadrinhos americanos Dale Beran chama de
“ideologia da desesperança” – clique aqui.
E no
Brasil, a misteriosa aquisição do site Corrupção Brasileira Memes (CBM)
pelo Movimento Brasil Livre (MBL), para, como nos EUA como 4chan, criar
um discurso de alopração generalizada, niilista, que integra também a
nova direita brasileira.
Dale Beran: de onde veio a "alt-right"? |
Nova direita e a geração “Nem-nem”
Para Dale
Beran, o 4chan, de comunidade on-line nerd para compartilhamento de
animes, videogames e HQs, nos últimos anos tornou-se a usina do discurso
da vanguarda da ultradireita – o inventor dos memes como usamos hoje e o
próprio método de intercalar gifs e imagens com diálogos em aplicativos
de mensagens. O chamado estilo “4chaniano” marcou profundamente
comportamentos e interações.
Para Beran,
há um quê de “Senhor das Moscas” (livro de William Golding, de 1954)
nos valores dessa ultradireita “4chaniana” – uma sociedade anárquica e
agressiva de adolescentes, ou pelo menos de adultos com mentes de
garotos: “jovens adultos”. “Um
tipo de bandeira de livre expressão libertária, em que meninos-homens
isolados afirmavam seu direito de fazer ou dizer o que quer que fosse,
desprezando sentimentos alheios”, afirma Beran.
Dessa
forma, postar suásticas, pornografias, xingamentos raciais e demais
conteúdos perniciosos para outras pessoas e organizar “raids” (ataques
surpresa em sites, fóruns e salas de bate papo) é apenas “for the lulz”,
zoeira niilista e desesperançada.
O
combustível (ou a mão de obra) da ultradireita está na chamada geração
NEET (Not currently engaged in Employment, Education or Training) –
jovens sem emprego, estágio ou que simplesmente não estudam. Um
preocupante e crescente fenômeno social que aqui no Brasil chamam-se os
“nem-nem”, que já compõe um quarto da população de jovens na faixa de 15
a 29 anos.
Sites como o 4chan viram uma espécie de Clube da Luta–
filme de David Fincher de 1999 sobre homens que recobram sua virilidade
por meio da violência depois de terem sido aviltados pela cultura
corporativa moderna. E para os “jovens” nem-nem da ultradireita, o
inimigo a ser “zoado” (o culpado pelas sua condição de “impotência”) é a
cultura politicamente correta globalista – feministas, ONU, ativistas
de esquerda, ecologistas, coletivos de defesa dos direitos de minorias
etc.
Seja Trump
nos EUA ou Bolsonaro no Brasil, seus eleitores não foram atraídos por
promessas, mas por uma total desesperança. Bolsonaro presidente?... for
the lulz! Rsrsrsrsrs...
E daí se o
ângulo da foto do novo presidente figura a palavra “anta” ao fundo? Como
afirma Paulo Nogueira Batista Jr. em seu artigo “Falsos Idiotas” (clique aqui),
Bolsonaro mostra traços de genialidade ao comportar-se como um perfeito
idiota. A simulação da idiotice cai como uma luva na rede de valores
niilistas dos desesperançados da geração nem-nem.
Anos de humor e sarcasmo niilista de Os Simpsons, Beavis and Butt-head, South Park, American Dad e o Rei do Pedaço encontraram a tradução política com o alt-right americano e brasileiro.
Agora, só
nos resta apertar os cintos enquanto a esquerda está paralisada e em
choque. Até entender o que significa abandonar o seu discurso
confortável de “luta e resistência” para descer no mesmo campo semiótico
onde a ultradireita ganha por WO.
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