“A verdade iniciou sua marcha, e nada poderá detê-la”.
Emile Zola, analisando os movimentos da opinião pública no caso Dreyffus.
Há uma certeza e uma incógnita no quadro político atual.
A certeza, é que o governo Bolsonaro acabou. Dificilmente escapará de
um processo de impeachment. A incógnita é o que virá, após ele.
Nossa hipótese parte das seguintes peças.
Peça 1 – a dinâmica dos escândalos políticos
Flávio Bolsonaro entrou definitivamente na alça de mira da cobertura
midiática relevante com as trapalhadas que cercaram o caso do motorista
Queiroz. Não bastou a falta de explicações. Teve que agravar o quadro
fugindo dos depoimentos ao Ministério Público Estadual do Rio,
internando Queiroz no mais caro hospital do país, e, finalmente,
recorrendo ao STF (Supremo Tribunal Federal) para trancar o inquérito.
Nas próximas semanas haverá uma caçada implacável aos negócios dos
Bolsonaro. A revelação, pelo Jornal Nacional, de uma operação de R$ 1
milhão – ainda sem se saber quem é o beneficiário – muda drasticamente a
escala das suspeitas.
No dia 07/01/2018, a Folha lançou
as primeiras suspeitas sobre Flávio. Identificou 19 operações
imobiliárias dele na zona sul do Rio de Janeiro e na Barra da Tijuca.
Em novembro de 2010, uma certa MCA Participações, que tem entre os
sócios uma firma do Panamá, adquiriu 7 de 12 salas ee um prédio
comercial, que Flávio havia adquirido apenas 45 dias antes. Consegiu um
lucro de R$ 300 mil.
Em 2012, no mesmo dia Flávio comprou dois apartamentos. Menos de um
ano depois, revendeu lucrando R$ 813 mil apenas com a valorização.
Em 2014 declarou à Justiça Eleitoral um apartamento de R$ 566 mil. Em
2016 o preço foi reavaliado para R$ 846 mil. No fim do ano, a compra
foi registrado por R$ 1,7 milhão. Um ano depois, revendeu por R$ 2,4
milhões.
Ou seja, não se trata apenas de pedágio pago pelos assessores
políticos, dentro da lógica do baixo clero. As investigações irão dar
inexoravelmente nas ligações dos Bolsonaro, particularmente Flávio, com
negócios obscuros por trás dos quais há grande probabilidade de estarem
as milícias do Rio de Janeiro.
Peça 2 – a Operação Quarto Elemento
A Operação que chegará ao centro da questão não é a Furna da Onça, mas a Operação Quarto Elemento.
Deflagrada no dia 25 de abril de 2018 pelo Ministério Público
Estadual, destinou-se a desbaratar a maior milícia do estado, que atuava
na Zona Oeste do Rio.
Foram presas 43 pessoas. O maior negócio da quadrilha era a extorsão.
A ala Administração atuava na 34ª DP (Bangu), 36ª DP (Bangu) e na
Delegacia de Proteção à Criança e Adolescente (DPCA) de Niterói, na
Região Metropolitana do Rio. Identificavam pessoas que seriam alvos de
operações e iam na frente, para extorqui-las.
Foram detidos 23 policiais civis, cinco policiais militares, dois bombeiros e um agente penitenciário.
O líder da organização é Wellington da Silva Braga, o Ecko,
que assumiu o comando depois da morte de seu irmão Carlinhos Alexandre
Braga, o Carlinhos Três Pontes. Outros irmãos participavam da quadrilha,
incluindo Luiz Antônio Braga, Zinho, dono de uma empresa, a Macla
Extração e Comércio de Saibro.
O mapa abaixo é incipiente. Foi montado exclusivamente com
informações divulgadas pela imprensa do Rio, especialmente jornais O
Dia, Extra e G1 e mostra a abrangência de atuação da milícia.
Carlinhos Três Pontes era o cappo da milícia. Morto, foi substituído
pelo irmão Wellington da Silva Braga, secundado pelos também irmãos
Wallace e Luiz Antônio, conhecido como Zinho.
Vamos ao jogo de relacionamentos:
- Zinho é o principal suspeito de ter contratado o assassino da vereadora Marielle Franco. Na campanha, o ato de maior impacto foi o do futuro governador do Rio, Wilson Witzel, comemorando dois brutamontes arrebentando a placa com o nome de Marielle.
- Na operação foram presos os irmãos gêmeos, PMs Alan e Alex Rodrigues de Oliveira, que atuavam como seguranças de Flávio Bolsonaro na campanha de 2018. Flávio defendeu-se tratando-os apenas como voluntários sem maiores ligações. Fotos no Twitter desmentiam, mostrando intimidade ampla dos Bolsonaro – pai e filho - com os irmãos.
- Três PMs membros da organização, e detidos pela operação - Leonardo Ferreira de Andrade, Carlos Menezes de Lima, Bruno Duarte Pinho - , foram alvos de moções de louvor e congratulações de Flávio, quando deputado estadual. Dizia a moção:
A Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro,
ao longo de mais de dois séculos de imaculada existência, sempre
cumpriu seu sagrado dever constitucional de proteção de nossa sociedade.
(...) Dentre tais sucessos, merece especial citação e motiva a presente
moção o confronto armado em comunidade localizada em Santa Cruz que
culminou na prisão de diversos criminosos – dentre eles o chefe de
tráfico conhecido pelo vulgo de “Zé da Colina”, possuidor de extensa
ficha criminal
Segundo a Operação Quarto Elemento, “o esquema teve início quando
os policiais eram lotados na 36ª DP (Santa Cruz) e continuou após a
transferência do grupo para a Delegacia de Proteção à Criança e ao
Adolescente (DPCA) de Niterói, a partir de maio de 2017”
Peça 3 – o histórico dos Bolsonaro com as milícias
Eleito deputado federal, em 12/08/2003, Jair Bolsonaro proferiu discurso na Câmara defendendo a entrada das milícias no Rio de Janeiro.
Quero dizer aos companheiros da Bahia
— há pouco ouvi um Parlamentar criticar os grupos de extermínio — que
enquanto o Estado não tiver coragem de adotar a pena de morte, o crime
de extermínio, no meu entender, será muito bem-vindo. Se não houver
espaço para ele na Bahia, pode ir para o Rio de Janeiro. Se depender de
mim, terão todo o meu apoio, porque no meu Estado só as pessoas
inocentes são dizimadas.
No dia 17/12/2008, outro discurso defendendo os milicianos das críticas de Marcelo Freixo, do PSOL, marcado para morrer.
Nenhum Deputado Estadual faz campanha
para buscar, realmente, diminuir o poder de fogo dos traficantes,
diminuir a venda de drogas no nosso Estado. Não. Querem atacar o
miliciano, que passou a ser o símbolo da maldade e pior do que os
traficantes.
Eleito deputado estadual em 2007, com 43.099 votos, Flávio Bolsonaro
passou a integrar a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia
Legislativa do Rio. Na época, foi visto com uma camiseta com os dizeres
"Direitos Humanos, a excrescência da vagabundagem”.
Na época, frequentava uma comunidade do Orkut “Estuprador merece a morte”.
Em seus discursos, defendia o pagamento de taxa de proteção às milícias por parte dos moradores dos territórios ocupados.
"As classes mais altas pagam
segurança particular, e o pobre, como faz para ter segurança? O Estado
não tem capacidade para estar nas quase mil favelas do Rio. Dizem que as
mílicias cobram tarifas, mas eu conheço comunidades em que os
trabalhadores fazem questão de pagar R$ 15 para não ter traficantes".
Flávio atuou fortemente contra a CPI das Milícias e anunciou sua
intenção de apresentar um projeto regulamentando a profissão das
“polícias mineiras”, termo da época para policiais que atuavam fora dos
regulamentos.
Peça 4 – a serventia dos Bolsonaro
A Operação Quarto Elemento ocorreu em plena campanha eleitoral. Deu
alguma repercussão, mas as informações foram abafadas para não
influenciar as eleições e a candidatura de Fernando Haddad.
Àquela altura, mídia, mercado., Círculos Militares, o general Villas
Boas, tentavam pegar carona na onda anti-PT. Quando Bolsonaro passou a
cavalga-la, foi poupado em nome da causa maior: ele tinha serventia.
Agora, não tem mais. Pelo contrário. A cada dia torna-se um peso
excessivo para ser carregado por seu maior avalista, o estamento
militar.
Não é Sérgio Moro quem está vazando informações. Aliás, Moro está
mais agarrado ao cargo que caranguejo na pedra. Muito provavelmente é o
próprio MPE do Rio, que há tempos entendeu a extensão do envolvimento
dos Bolsonaro com as milícias.
Esse processo terá consequências sobre as instituições.
Mídia – com os fatos se sucedendo, rompeu definitiva e precocemente a blindagem sobre Bolsonaro.
Forças Armadas – dificilmente manterão o aval a um
governo ligado às milícias, tendo se mostrado um carro desgovernado,
incapaz de se articular minimamente.
Ministério Público – com o aval da mídia, e com o
impacto das revelações sobre Flávio, continuará agindo e tirando da
gaveta mais informações sobre a família.
Supremo Tribunal Federal – com a opinião militar
mudando, recuperará a valentia e endossará as ações da PGR e do MPE. O
Ministro Luiz Fux ficou literalmente com a broxa na mão.
Senado – o caos em que se transformou o PSL,
facilitando a eleição de Renan Calheiros, deixará o Senado como poder
autônomo em relação a Bolsonaro, especialmente agora, que se vislumbra o
desmonte da blindagem institucional.
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