Jair é fruto da classe social a que se convencionou chamar, em meados
do século passado, “remediada”. Gente pobre trabalhadora, com
princípios morais e uma ânsia louca por subir um degrau na escala, comer
peru no Natal e ovo de chocolate na Páscoa. Na luta pelas três
refeições diárias, os Bolsonaros viveram dos 11 aos 17 anos de Jair em
Eldorado Paulista, lugar pequeno e insignificante onde o pai do deputado
Rubens Paiva tinha uma fazenda e o capitão Carlos Lamarca saiu do
quartel para a luta armada, atirando pela rua assustando o menino de 15
anos que assistiu a tudo escondido como foi possível. Ali devem ter
tomado forma em sua personalidade a antipatia pelos ricos em geral e a
consciência reacionária desenvolvida no serviço militar. Ainda hoje,
Jair tem lembranças da família e do próprio Rubens Paiva como pessoas
arrogantes, e de Lamarca e a guerrilha urbana como traidores da ordem e
do progresso.
Como grande parte da população brasileira, Jair aprendeu desde cedo a
se virar para ter o que desejava, porque o estado jamais esteve aí para
atender as necessidades de ninguém. Assim, ele forjou o caráter
brigando pelo que julgava seus direitos atropelando normas e
regulamentos, como na reivindicação de aumento do soldo na década de
1980, quando escreveu artigo na Veja e deu entrevista expondo-se às
sanções previstas no RDE, a bíblia do exército. Esta indisciplina
encerrou sua carreira militar, mas abriu a porta da política, por onde
entrou e segue até hoje, com muito mais proveito pessoal.
Na sua cabeça, a rebeldia na caserna resultou premiada com a passagem
para a reserva remunerada – e se é assim que a banda toca, foi em
frente também na política adotando práticas escusas que aprendeu pelo
caminho, apropriando-se da maior parte do salário dos assessores
nomeados, usando o auxílio moradia para “comer gente”, o prestígio
parlamentar em benefício próprio, usufruindo das inúmeras vantagens da
doce vida de um parlamentar brasileiro. Em mais de uma oportunidade
insinuou usar cada centavo posto à disposição de seu gabinete pela
Câmara dos Deputados como dinheiro seu, e admitiu em entrevista sonegar o
quanto pode em impostos e taxas que deveria pagar.
Esperto, introduziu os filhos na mamata e foram felizes por um bom
tempo. De um lado praticavam todas as fraudes possíveis e de outro
xingavam minorias e elogiavam a violência alheios a mudanças que o tempo
trouxe para o país e para a prática legislativa em particular. Os
Bolsonaros estão acima dos modismos, são a raiz do machismo, do racismo,
da misoginia, da intolerância, do preconceito e da homofobia. O
politicamente correto, os direitos humanos e os princípios
civilizatórios incorporados à sociedade brasileira em tempos recentes
foram e são ridicularizados segundo a ótica primária e a compreensão
rasa características dos Bolsonaros e da parcela que representam.
Às vezes um deles tromba de frente com o estado e escapa ileso,
graças ao convívio e à intimidade com os subterrâneos das instituições.
Por exemplo, em 1995, quando o chefe do clã foi assaltado no Rio de
Janeiro e levaram a motocicleta, o dinheiro e a pistola Glock. Em um par
de dias a polícia recuperou a moto e tempos depois prendeu o assaltante
num condomínio de luxo no Nordeste. Trazido para o Rio, amanheceu morto
na cela, enforcado com a camisa. Caso encerrado. Não espantam,
portanto, os desvios de comportamento nos dias atuais. Os Bolsonaros são
amigos dos militares, dos policiais e dos milicianos, sempre abrigaram
com empregos pessoas com registros de mortes em trabalho na PM como o
Queiroz. Como Jair e seus pupilos, são aproveitadores das chances que
aparecem no caminho, gente como boa parte dos brasileiros acostumados à
selva em que vivemos.
Milicianos fazem o que querem para atingir os objetivos, os
Bolsonaros também, e como são pessoas públicas poderosas fazem
“arminhas” com as mãos, dispõem dos empregados como propriedade pessoal,
ditam verdades e esperam que o mundo acredite nelas. É este “porém” que
está pegando agora. O patriarca Jair, empolgado com a ascensão política
meteórica, não mediu as consequências do salto a que se propôs. E seus
garotos, que sempre o seguiram cegamente embevecidos, estão na mesma
“viagem”. Some-se a esse despreparo o desapontamento rápido da base
eleitoral fluida e sem conteúdo, e temos o cenário patético e assustador
em que estamos.
A aventura dos Bolsonaros está próxima do fim, isto parece certo. A
questão agora é: o que vem por aí? Pobre Brasil, pobre gente seduzida e
abandonada mais uma vez…
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