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terça-feira, 18 de junho de 2019

O governador Witzel e as caras ocultas no milionário negócio de reconhecimento facial, por Lúcio de Castro.


POR LÚCIO DE CASTRO · PUBLICADO 11/06/2019 - 13:00


Wilson Witzel tem verdadeira obsessão pelas câmeras de reconhecimento facial.
Promessa de campanha para o governo do estado do Rio de Janeiro, o instrumento de combate ao crime vem se multiplicando pelas ruas da capital. Por enquanto, em fase de testes, ainda sem contratação ou licitação. Uma “degustação” oferecida pelos fornecedores. Mas com todos os caminhos indicando já existirem os escolhidos. A tecnologia utilizada, conhecida como “Facewatch”, só não foi suficiente para identificar os rostos que cercam o vultoso negócio a ser feito ao longo dos próximos anos. Quando se cruzam os dados das empresas a serem beneficiadas pelos eventuais contratos, desponta a imagem de um antigo conhecido da política brasileira, correligionário de partido e eminência parda de Witzel: o Pastor Everaldo. Líder da Assembleia de Deus e presidente do Partido Social Cristão (PSC), o mesmo do governador.

Envolvido em diversos escândalos de corrupção, citado na Lava Jato por parceria com Eduardo Cunha e na delação da Odebrecht por receber R$ 6 milhões para favorecer Aécio Neves na campanha de 2014, responsável por batizar Jair Bolsonaro durante a corrida presidencial, o pastor é a ponta final, ainda que não oficialmente, que se relaciona na teia de empresas conectadas no negócio que virou prioridade para Witzel.

Não só para Witzel mas também para seus aliados na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ), onde já existe um projeto de lei do deputado Vandro Família (Solidariedade) obrigando locais como o metrô a ter câmeras de reconhecimento facial. O projeto chega a indicar especificamente o “Facewatch” e citar a empresa.

Vale a atenção. É uma cadeia que começa no fabricante inglês do “Facewatch” e vai terminar no representante brasileiro com amplo histórico de denúncias e umbilical ligação com o Pastor Everaldo.

A origem. Como nasceu o “Facewatch”
A origem do sistema de reconhecimento facial que povoa todos os planos de Wilson Witzel é curiosa.

Uma adega vitoriana na margem norte do Rio Tamisa, em Londres, foi o início de tudo.

É o Gordon Wine Bar, a mais antiga casa de vinhos do Reino Unido, aberta em 1890. Um negócio familiar, que passou de pai pra filho até chegar, em 2003, ao atual dono, Simon Gordon.

Da mesa que ocupa todas as noites, motivado por presenciar inerte cerca de 15 roubos de carteira por mês, resolveu agir. Começou a pensar em um sistema de tecnologia no qual as câmeras reconheceriam as pessoas flagradas.

Assim nasceu o “Facewatch”, o sistema que também batiza a empresa que fundou.

O brinquedo que inventou é caro.

De acordo com reportagem publicada no tradional londrino Financial Times, cada câmera utilizada sai por duas mil libras, ou seja, algo em torno de R$ 9.800,00 a unidade.

Multiplicando-se pelas dezenas ou centenas necessárias em cada projeto, é possível ter a dimensão do volume de dinheiro a caminho no negócio de reconhecimento facial xodó de Wilson Witzel.

A Teia. Como funciona:
Em 2010, Simon Gordon montou a “Facewatch Limited” para venda da tecnologia homônima de reconhecimento facial. Com sede em Londres. Em fevereiro de 2017, Simon Gordon amplia seu negócio criando a “Facewatch Internacional”.
Em seu site, a “Facewatch” inglesa apresenta a “Staff of Security Technologies do Brasil Software ltda”, aberta em junho de 2017 no Brasil, como sua parceira comercial.
Já a “Staff of Security Technologies do Brasil Software ltda” por sua vez se apresenta em seu site como “subsidiária da inglesa “Staff Security Services Limited”.
O ponto comum entre a inglesa “Staff of Security Services” e a subsidiária brasileira “Staff Security Technologies do Brasil Software ltda” é Humberto Candido Bambirra, como mostram os documentos obtidos pela reportagem no equivalente a Junta Comercial do Reino Unido. A reportagem tentou contato com a matriz para entender qual o papel da inglesa “Staff Security Services Limited”, de Humberto Bambirra, se ela é uma intermediária entre a “Facewatch” e a “Staff of Security Technologies do Brasil Software ltda” nos negócios. Sem resposta. (ver outro lado abaixo).
Dono da Staff Security Services Limited no Reino Unido:



Sócios Staff no Brasil:



A “Staff Security Technologies do Brasil Software ltda” aparece na base de dados da Receita Federal brasileira tendo como sócios Humberto Bambirra, “Retina Monitoramento e Segurança Digital ltda” e Matheus de Paiva Torres, administrador.

No fim da teia está o Pastor Everaldo, todo-poderoso eminência parda de Witzel
Matheus de Paiva Torres aparece na sociedade da “Staff Security Technologies do Brasil Software ltda” e da “Retina Monitoramento”. Há outro ponto em comum entre as duas”: o endereço da “Retina Monitoramento” na Receita Federal e o da “Staff Security Technologies do Brasil Software ltda” no próprio site é o mesmo: um escritório na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro.

Esse mesmo Matheus de Paiva Torres, administrador da “Staff of Security Technologies do Brasil Software ltda” e sócio da “Retina Monitoramento e Segurança Digital ltda” é filho de Edson da Silva Torres. Sócio da “Dinâmica Segurança Patrimonial” e da “Dinâmica Consultoria em Construção Civil e Incorporações”.
É na “Dinâmica” que o vínculo entre o Pastor Everaldo e Edson da Silva Torres, (pai de Matheus, o sócio da empresa de reconhecimento facial), aparece diversas vezes.
Em um contrato de 2015, a prefeitura de São João do Meriti, município do Rio, celebra aditivo com a Dinâmica, “representada no contrato social por Edson da Silva Torres e Laércio de Almeida Pereira”. Laércio é filho do pastor Everaldo.



Na base de dados da Receita Federal, a Dinâmica ainda tem como um dos sócios Adão de Jesus Rabelo de Almeida, que tem entre suas participações societárias uma “Assembleia de Deus”, igreja do Pastor Everaldo.

A “Operação Cui Bono”, uma das fases da Lava Jato, também não faz por menos e apresenta o Pastor Everaldo como sócio oculto da Dinâmica. Numa troca de mensagens entre o então deputado federal Eduardo Cunha e o ex-ministro Geddel Vieira de Lima, os dois falam da necessidade de dar propina ao Pastor Everaldo, utilizando para isso a “Dinâmica”, de Edson da Silva Torres. Na conversa, Cunha e Geddel mencionam o Pastor Everaldo ser o homem por trás da Dinâmica.



Também na justiça as ligações do Pastor Everaldo com a Dinâmica sobressaem. Na 3ª Vara do Trabalho de São João do Meriti, o processo RTOrd-0010400-37.2014.5.01.0323 tem o pedido de inclusão de Laércio de Almeida Pereira, o filho do pastor, no polo passivo da empresa para penhora que possa suportar a execução no valor de causa que correu ali.

Já no processo 0000219-48.2012.5.01.0031, do TRT-1, o texto do acórdão não faz por menos em relação a quem responde no papel pela empresa do negócio de reconhecimento facial que virou o xodó de Wilson Witzel. No caso, Matheus de Paiva Torres, apontado pela 10ª Turma daquele tribunal como “laranja para ocultação do patrimônio” na Dinâmica.

Deputado aliado de Witzel apresentou projeto de lei indicando citando a Facewatch
Se no poder executivo do estado do Rio a empresa de laços bem próximos ao Pastor Everaldo tem tido aliado incondicional em Wilson Witzel, não é diferente no legislativo. No último dia 3 de abril, o deputado estadual Vandro Família, do Solidariedade, aliado de primeira hora e braço do governador na câmara, apresentou no plenário da Alerj o “Projeto de Lei Nº 342/2019”.

E o que diz o projeto do aliado de Wilson Witzel?

Logo em seu artigo primeiro, “determina que as empresas concessionárias que operam o serviço público de metrô, trens e barcas no âmbito do estado do Rio de Janeiro, instalem câmeras de segurança com monitoramento online e tecnologia de reconhecimento facial de suspeitos e procurados da Justiça”.

E no parágrafo 1º do mesmo artigo, determina a grande quantidade de câmeras e locais a serem cobertos: “os equipamentos previstos no caput deverão ser instalados nas plataformas e estações, em todas as entradas e saídas, bem como, no embarque e desembarque”.

Para não deixar margem de erro (e de concorrência), o projeto vai além e nomeia a empresa que tem a expertise no ramo. E descreve a experiência dos escolhidos, citando nominalmente o “Facewatch” e “empresa britânica Staff of Technology Solutions”, sem no entanto citar que a tal empresa britância tem uma subsidiária brasileira. E muito menos quem são as conexões dessa subsidiária:

“Frise-se que tal tecnologia já é realidade em vários países, e está, como já dito, em fase testes no Estado Rio de Janeiro em um convênio firmado entre o serviço Disque Denúncia e a empresa britânica “Staff of Technology Solutions”, que permite que cerca de 1.100 dos suspeitos mais perigosos do Estado sejam automaticamente reconhecidos quando passarem por uma das câmeras que compõem o sistema denominado Facewatch, o reconhecimento facial se destina à segurança pública e privada. O Facewatch é utilizado há sete anos no Reino Unido, sendo homologado pelas principais entidades de segurança britânicas em mais de 30 mil câmeras espalhadas pelo país. Acrescenta-se ainda que existem câmeras de reconhecimento facial em três shoppings da capital do RJ, além de edifícios comerciais”.




O deputado Vandro Família, autor do projeto, é um dos mais aguerridos e fieis da tropa de choque de Wilson Witzel na assembleia legislativa. O ex-prefeito de Magé foi preso em 2012, acusado de homicídio e de chefiar uma milícia na Baixada Fluminense.

No último mês, no dia 21 de maio, a polícia civil realizou operação para cumprir mandado de busca e apreensão na residência do deputado, acusado de ser mandante de outro homicídio em Magé, desta vez de um inimigo político.

Na foto: Witzel e o deputado Vandro Família:


Metro, shoppings, Maracanã, pontos turísticos. Para qualquer coisa, em qualquer lugar, Witzel tem na ponta da língua a solução: câmeras de reconhecimento facial. Foi assim em abril. Na manhã seguinte ao vandalismo sofrido pela estátua de Noel Rosa, em Vila Isabel, o governador não fez por menos: “vamos instalar câmeras de reconhecimento facial lá e acabar com isso”, afirmou.

Ainda não ocorreram licitações nem compras para tal equipamento. Até aqui, o fabricante inglês ofereceu “degustações” do sistema para o governo do estado. Simon Gordon, dono da Facewatch, tem chamado tal período de “momento beta”, fase conhecida no mundo dos negócios como aquele no qual o fabricante disponibiliza o produto ainda em testes e por fazer ajustes mas já com intenção de fazer marketing.

No entanto, em mais uma envidência de que o reconhecimento facial do mandato de Witzel passa pela cara do Pastor Everaldo, na última semana de maio, o governador do Rio nomeou André Moura, ex-deputado federal do PSC-SE, não reeleito no último pleito, quando tentou o senado. O cargo presenteado por Witzel foi a cadeira da “Secretaria Extraordinária de Representação Extraordinária em Brasília”. O ex-parlamentar sergipano foi o mais fiel escudeiro de Eduardo Cunha na Câmara. Chegou a ser condenado por lesar os cofres públicos durante seu mandato de prefeito em Pirambu (SE), em desvio apontado de R$ 1,4 milhão. Outros dez processos contra aquele que foi também líder de Michel Temer no Congresso correm no Supremo Tribunal Federal, no Tribunal de Contas da União e no Tribunal de Justiça de Sergipe. Mesmo assim, Witzel, que assumiu condenando nomeaçõs políticas e com discurso da moralidade, nomeou aquele que já foi protegido de Eduardo Cunha e agora tem como padrinho o Pastor Everaldo.

Cumprida a promessa de campanha, o governador Wilson Witzel irá cobrir de ponta a ponta do estado do Rio com câmeras de reconhecimento facial. Sob a benção do Pastor Everaldo.

Outro lado:

Governador Wilson Witzel:

A reportagem enviou questões para o governador Wilson Witzel sobre a empresa de reconhecimento facial, as ligações da teia de empresas que desembocam no Pastor Everaldo e sobre os processos envolvendo Matheus Torres, um dos sócios da Staff Brasil. O governador enviou a resposta abaixo através da assessoria de imprensa:

“Os técnicos do Governo do Estado do Rio de Janeiro conversaram com representantes de mais de uma dezena de empresas, com o objetivo de entender o funcionamento da tecnologia de reconhecimento facial e suas possibilidades de utilização. Entre as diversas empresas que apresentaram seus produtos aos técnicos, está a empresa citada na sua demanda. Porém, não houve contratação da mesma, ou mesmo foi iniciado qualquer processo nesse sentido”.

“Staff Security Services”, na Inglaterra: A reportagem enviou questões para a empresa, sem resposta.

“Staff Security Technologies do Brasil Software ltda”:A reportagem enviou questões para a empresa, sem resposta.

“Facewatch Internacional”, Inglaterra: A reportagem enviou e-mails para Simon Gordon, proprietário da “Facewatch Internacional”, tanto pela empresa como pelo “Gordon Wine Bar”, também de propriedade dele, sem resposta.

Deputado Vandro Família: A reportagem enviou questões para o deputado, sem resposta.

Pastor Everaldo:A reportagem tentou as respostas do Pastor Everaldo através de contato pessoal nas redes sociais do presidente do PSC e ainda via o próprio partido, sem resposta.

Nota da Agência Sportlight de Jornalismo Investigativo:
Após a publicação da reportagem, às 17h28 de 11/6, o Pastor Everaldo, através de sua assessoria de imprensa, enviou a seguinte resposta:

“O Pastor Everaldo refuta qualquer ilação a respeito de uma suposta ingerência no Governo do Estado do Rio de Janeiro. Ressalta, mais uma vez, que não responde a qualquer inquérito e não é investigado em nenhuma ação sobre qualquer assunto”.

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