O caso trabalhista que fez o dono da Riachuelo réu por coação e injúria
26 Nov 2017
(atualizado 26/Nov 16h39)
Imbróglio começou com multa do Ministério Público do Trabalho à empresa por violações cometidas por fábricas contratadas no interior do Rio Grande do Norte
Correndo risco de ter de pagar R$ 37 milhões de indenização por supostas irregularidades em empresas subcontratadas pela Guararapes, empresa que controla a Riachuelo, Flávio Rocha foi ao Twitter em setembro questionar a decisão da procuradora Ileana Mousinho. A responsável pelo pedido de indenização foi ofendida por Rocha e pelo diretor industrial da empresa, segundo a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho.
O império Riachuelo
História
A empresa que hoje é um conglomerado começou com uma loja aberta em 1947 pelos irmãos Nevaldo e Newton Rocha em Natal (RN). Quatro anos depois veio a primeira confecção, em Recife. A Guararapes abriu o capital no início dos anos 1970 e comprou as Lojas Riachuelo em 1979. O grupo afirma ter 40 mil "colaboradores diretos".
O Grupo
A família Rocha controla a Guararapes. Juntos, Nevaldo, Flávio, Élvio e Lisiane têm 75% das ações com direito a voto no grupo. O resto está nas mãos de investidores minoritários, que compraram as ações na bolsa. Nenhum acionista chega a ter 5%. O Grupo Guararapes é dono da Riachuelo e de outras três empresas: Midway Mall, Midway Financeira e Transportadora Casa Verde.
Flávio Rocha
O empresário é CEO da Riachuelo e vice-presidente de relações com investidores do Grupo Guararapes. Apesar de não ser o presidente do conselho, cargo ocupado pelo patriarca Nevaldo, Flávio se intitula “o principal executivo do Grupo Guararapes”. Herdeiro do grupo, ele trabalha na empresa desde o início da carreira, mas teve também passagens pela política. Foi deputado federal por dois mandatos e quase disputou a Presidência da República em 1994 pelo antigo Partido Liberal. O partido desistiu da candidatura dois meses antes da eleição depois de denúncias de irregularidades na campanha. Foi sua última participação em eleições.
O modelo de produção#
Seguindo um modelo praticado por lojas de departamento em outros países, a Riachuelo produz boa parte dos itens que vende. Sua principal fábrica fica em Natal, Rio Grande do Norte, mas desde 2013 a empresa vem ampliando outro tipo de operação.A Guararapes compra a produção de fábricas espalhadas em cidades do interior do Rio Grande do Norte e de estados vizinhos. São pequenas empresas que existem basicamente para atender à demanda da Riachuelo. Em algumas, a empresa da família Rocha divide a demanda com outras grandes marcas.
São pequenas fábricas espalhadas por municípios não muito distantes da matriz, principalmente na região conhecida como Seridó. Uma reportagem da organização Repórter Brasil publicada em setembro conta que, como principal - e às vezes única - cliente, a Riachuelo atua sobre a linha de produção. É responsável por decidir o que será produzido, escolhe o tecido e o corte. Faz ainda controles de qualidade e de ritmo da produção.
As diferenças trabalhistas#
O Ministério Público do Trabalho, durante inspeções nas fábricas, constatou que os empregados das empresas contratadas pela Guararapes recebem menos e têm menos direitos que os de Natal.A Repórter Brasil visitou algumas das fábricas em 2015 e ouviu reclamações de funcionários. Alguns relataram jornadas de trabalho de 15 horas sem o pagamento de horas extras, outros falaram que recebiam menos que um salário mínimo - o que é proibido por lei.
Segundo a reportagem, os funcionários se queixam ainda da pressão pelo cumprimento de metas e a necessidade de ficar depois do expediente costurando as peças que faltaram. Apesar dos problemas, a reportagem afirma que trabalhadores têm medo de denunciar e perder o emprego.
A multa cobrada da empresa#
Depois de inspecionar 50 fábricas em 12 cidades do interior, o Ministério Público do Trabalho entrou com uma ação pública em que pede indenização de R$ 37,7 milhões à Guararapes. O órgão diz que a Guararapes tem responsabilidade sobre problemas trabalhistas que acontecem nas confecções.O Ministério Público do Trabalho argumenta que os donos das oficinas têm dificuldades para cumprir as obrigações com a receita das vendas. Segundo o jornal Valor Econômico, os preços são fixados pela Guararapes em R$ 0,35 o minuto. O órgão ressalta ainda que a demanda da Riachuelo varia de acordo com os interesses da empresa, o que dificulta a situação financeira das fábricas.
Segundo nota oficial, a Guararapes “mantém contratos regulares de prestação de serviço com oficinas de costura” e que as terceirizadas “se comprometem a cumprir algumas obrigações, inclusive a de respeitar integralmente a legislação trabalhista, o que é verificado por meio de auditorias periódicas em suas instalações”.
As críticas à atuação da procuradora#
Depois da multa, Flávio Rocha foi às redes sociais criticar a atuação do Ministério Público do Trabalho. No Instagram, disse que falava não como acionista da empresa, mas como “porta-voz de toda a cadeia produtiva”. Ele questionou a atuação da procuradora Ileana Mousinho, responsável pelo pedido de multa - algo que teria de ser aprovado pela Justiça. Um dos posts dizia o seguinte:“Ao nos expulsar do nosso próprio estado, a sra. nos obrigou a construir novas fábricas em outros estados e países que nos recebem com o respeito que merece quem cria empregos e riquezas. É em nome deles, doutora, que pedimos que pare e nos deixe trabalhar”Um dia depois, em 20 de setembro, ele pediu desculpas à procuradora e disse que não queria ofendê-la nem incitar a violência contra ela. A essa altura, a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho já havia divulgado uma nota de desagravo em solidariedade a Mousinho.
Na nota da associação há críticas a Flávio Rocha e ao executivo Jairo Amorim. O texto diz que a procuradora foi chamada de “louca”, “exterminadora do emprego” e “câncer”. Não fica claro, segundo a nota da associação, quem exatamente publicou tais mensagens ofensivas. Elas não estão no Twitter de Flávio Rocha. O empresário nega ter escrito e/ou pagado posts do gênero.
“Os executivos da Guararapes buscam pessoalizar e individualizar a atuação do Ministério Público do Trabalho na figura da procuradora ofendida, instigando o ódio das pessoas contra a referida agente pública. (...) E, repita-se, a ação foi proposta para garantir o cumprimento da lei”
A questão política#
Em meio à polêmica dos posts, Flávio Rocha ajudou a convocar um protesto contra o Ministério Público do Trabalho. Com a ajuda do MBL (Movimento Brasil Livre), o empresário chamou uma manifestação na porta do prédio da instituição em Natal. Tanto o MBL quanto Rocha são defensores da diminuição das regras do mercado de trabalho.Funcionários da fábrica de Natal foram transportados de ônibus para a manifestação, segundo a reportagem da Repórter Brasil. Eles levaram cartazes com mensagens elogiosas à Guararapes: “amo minha empresa”, “fábrica dos sonhos” e “nossa maior marca é o caráter” eram alguns dos dizeres. Além de elogios à empresa dos Rocha, havia também críticas à procuradora, chamada de “doutora” e “senhora”.
O processo contra o empresário#
Em outubro, o Ministério Público Federal denunciou Flávio Rocha por coação, calúnia e injúria por ter, segundo os procuradores da República, ofendido a procuradora do trabalho. O Ministério Público Federal afirma que o empresário é responsável por lançar a hashtag "#exterminadoradeemprego" contra Ileana. Em nota, o Ministério Público Federal citou ainda a manifestação convocada por Rocha contra Mousinho.“O expediente da Procuradoria teve que ser reduzido, por questões de segurança. O denunciado postou frases como 'o nosso povo está animado...', 'entendeu o recado, doutora?”A denúncia foi aceita pela Justiça Federal do Rio Grande do Norte em 14 de novembro. No dia 15, Rocha retuitou uma mensagem dizendo que os funcionários das empresas terceirizadas tinham decidido doar um dia de trabalho para pagar sua defesa.
O que diz a Guararapes#
Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo em 19 de setembro, Flávio Rocha negou que tenha sido machista nas críticas à procuradora e voltou a questionar a atuação do Ministério Público do Trabalho. Ele e a Guararapes criticam a interpretação do órgão, que responsabiliza o conglomerado pelos problemas nas terceirizadas.O plano, segundo o empresário, era ter muito mais fábricas terceirizadas, mas a “pressão policialesca” do Ministério Público do Trabalho diminuiu o ímpeto. Agora, com a lei da terceirização aprovada, ele acredita que não há mais vácuo jurídico e que os procuradores estão apelando para uma nova teoria.
“A lei de terceirização é clara. Não tem mais vácuo jurídico a ser preenchido. Aí surgiu uma nova tese, que foi abraçada pelo Ministério Público que é essa subordinação estrutural, que tenta invalidar a terceirização sem que tivéssemos afrontado nenhuma lei. Em cima disso fomos autuados em R$ 38 milhões, mais a exigência de assinar as carteiras de 4.000 funcionários de 60 fábricas terceirizadas. E tem fábricas dessas que atendem outras empresas. Como vou assinar carteira de todo mundo, se lá está passando peça de outros?”
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