“O Brasil assistiu a um golpe político, mas em um quadro legal. Cada um analisa como quer, isso é a democracia, mas estava tudo lá, previsto, dentro do quadro legal. Foi um golpe político, mas no âmbito institucional. Se as pessoas entendem que isso não pode vir a acontecer, tem que reformar o pacto institucional.”
Essa é a resposta que dá o eurodeputado português Carlos Zorrinho, vice-presidente da delegação UE/Brasil, integrante do PS (Partido Socialista português) e membro do Grupo da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas no Parlamento Europeu, quando questionado sobre como vê o processo de crise política e impeachment pela qual o Brasil passa no momento. Opera Mundi conversou com Zorrinho no gabinete dele, em Bruxelas, em meados de maio.
“Vejo a situação brasileira com preocupação”, diz. “Minha sensibilidade, quando olho, é que a questão-chave é que as pessoas recuperem a confiança no país”, afirma, apontando as questões econômicas como um dos motores para a crise política.
“Acho que houve uma mudança econômica global que não foi bem comunicada aos brasileiros e, a partir daí, gerou-se uma crise muito forte de confiança. Põe em causa a estabilidade democrática e os ganhos extraordinários que o país fez”, afirma.
O deputado aponta três pontos-chave para os atuais problemas políticos e econômicos do Brasil. “Mesmo quando tudo parecia estar a correr bem, havia três questões: uma tinha a ver com a extrema dependência de quatro ou cinco produtos da economia brasileira; a segunda tinha a ver com o modelo de financiamento dos partidos – não sei se vai ser aceito, mas o modelo mais europeu de financiamento público sai muito mais barato e é muito mais transparente –; e a terceira, à não fidelização: toda vez que vou ao Congresso brasileiro, ao Senado, fico espantado. Já fui parlamentar também, já fiz de quase tudo na vida. Mas é impossível imaginar como consegue se fazer política quando se tem que conquistar cada voto em cada votação”, diz.
Para Zorrinho, a saída para a crise exige reformas. “[A situação] Implica uma reforma econômica ousada, o Brasil não pode estar tão dependente das commodities, e implica uma coisa bastante mais difícil, reformar o sistema político. E essas duas coisas estão muito ligadas: confiança política pode ajudar a recuperar a confiança econômica. E a confiança econômica pode criar espaço para fazer a reforma política. As duas ao mesmo tempo, em negativo, é muito complicado.”
Reinvenção da esquerda
Segundo o deputado, a esquerda na América Latina precisa se reinventar – e cita a presidente chilena Michelle Bachelet, que voltou ao governo do país após um mandato da direita, como exemplo.
"O grande desafio é que a esquerda latino-americana não perca os filhos de quem a elegeu, que os reconquistem. Mas não se pode reconquistar com o mesmo que se deu aos pais. Aos pais deram comida, arroz, pão, educação para os filhos; para estes, tem que dar mais. Não se podem perder estes filhos, e esta é a questão-chave. Se os filhos passam para o outro lado, perdem o poder”, afirma
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