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segunda-feira, 18 de julho de 2016

Curso para o coxinha esclarecido, por Luiz Carlos Azenha.

Agora que você conseguiu derrubar uma presidente da República com premissas e argumentos falsos, é hora de sofisticar sua capacidade de debate.
Não seja confundido com um mero seguidor do intelectual pornô Alexandre Frota. Pega mal na turma.
Você certamente é muito mais sofisticado que isso.
Provavelmente você é admirador dos Estados Unidos e, ao mesmo tempo, do Estado Mínimo, escrito assim em maiúsculas para denotar a centralidade deste item na pauta neoliberal.
Nunca confunda uma coisa com outra. Por mais que a Miriam Leitão sugira isso, os Estados Unidos não são um Estado Mínimo.
Palavra de quem morou lá duas décadas e tem duas filhas novaiorquinas (na verdade, de tripla nacionalidade, dentre as quais preferem a brasileira), com direito a tirar proveito do estado de bem estar social dos Estados Unidos.
Você costuma confundir estado de bem estar social com comunismo (como em Bolsa Família, médicos cubanos, etc.). Nos Estados Unidos, ele é resultado do anticomunismo.
Preste atenção: quem implantou o estado de bem estar social nos Estados Unidos foi o presidente Roosevelt. O país vinha do crash econômico de 1929. Depressão econômica. Os sindicatos eram fortes.
Para cooptar os sindicatos e evitar a ascensão dos comunistas, Roosevelt resolveu implantar programas sociais e salvar o capitalismo. Portanto, as coisas que ele bolou e implantou eram uma forma de combater o comunismo. Logo, anticomunistas.
Chamar o Roosevelt de comunista é tão absurdo quanto chamar o Lula ou a Dilma ou o PT de comunista. Eles são social democratas.
No Brasil, o partido que tem social e democratas no nome não é nem uma coisa, nem outra.
Voltemos aos Estados Unidos. Por mais que a partir daquele seu grande herói, o Reagan, os EUA tenham dilapidado o estado de bem estar social, os pilares deles subsistem: Social Security, Medicare, Medicaid e Food Stamps.
Pode chamar de Previdência Social, Bolsa Terceira Idade, Bolsa Plano de Saúde e Bolsa Família.
Essa ideia, de que o Estado deve ajudar a cuidar dos mais fodidos, é uma coisa antiga, que surgiu em outro país que você admira muito, a Alemanha. Mas não quero dar overload de informação no seu cérebro.
Basta você registrar isso: por causa dos programas sociais acima — e de outros fatos que apresentarei em seguida — os Estados Unidos não são um Estado Mínimo.
Pelo contrário, os EUA se assentam sobre um Megaestado, muito maior que o brasileiro.
Se você quer alguns exemplos de Estado Mínimo, eu os ofereço: México, Honduras e Paraguai, países que você certamente despreza e nunca utiliza como exemplo para reforçar seus argumentos.
Portanto, sempre que você falar em Estado Mínimo, esqueça os Estados Unidos e diga: “Devemos fazer como lá no Paraguai, que…”
Acrescente, em seguida, os argumentos pelos quais o Brasil deve seguir o mesmo caminho. A gente quer coxinhas sofisticados e intelectualmente honestos!
INTERVENCIONISMO ESTATAL
Caro amigo, você passou com louvor pela primeira aula. Para encarar a segunda, temos de voltar no tempo.
Vamos falar sobre intervencionismo estatal.
Anos 70. Você não tinha nascido. Eu estudava na Old Mill Senior High School, no condado de Glen Burnie, estado de Maryland. Fiz todas aquelas bobagens que você vê nos filmes de escola gringa, inclusive levar a linda Töve, estudante sueca, ao baile de formatura.
Meu pai americano era vendedor de seguros e trabalhava em Baltimore, cidade que visitei algumas vezes.
Os americanos, como a minha família, tinham se mudado em massa para loteamentos distantes, tipo Alphaville.
A indústria de base tinha abandonado o país em busca de salários mais baixos em outros lugares do mundo.
Sem a grana dos impostos, as áreas metropolitanas tinham entrado em decadência profunda: prédios abandonados, crime, tráfico de drogas.
É óbvio que você, que prega o Estado Mínimo, defenderia para este caso uma solução tocada pela mão invisível do mercado.
Se você condena o BNDES, bote um isordil sob a língua para encarar o que vou te contar.
Os governos americanos enfrentaram o problema despejando bilhões de dólares na recuperação dos centros urbanos, em dinheiro vivo ou deixando de cobrar impostos.
Funcionou mais ou menos assim: os governos reduziram os impostos para empresas que se instalassem em áreas degradadas.
Em alguns casos, exigiram que as empresas contratassem moradores locais.
Com salário garantido, os moradores financiavam apartamentos em prédios reformados com dinheiro público, tipo Minha Casa Minha Vida.
Que horror! Puro dirigismo estatal.
Baltimore ganhou um lindo shopping center bem na marina. Cleveland, Detroit… aconteceu o mesmo num grande número de cidades dos Estados Unidos.
Mais tarde, foi assim no Harlem e no Times Square, em Nova York.
Quando conheci o Harlem, em 1985, parecia um bairro recém bombardeado. Hoje você pode até ir àquela missa gospel recomendada pelos reaças do Manhattan Connection, também defensores do Estado Mínimo (para os outros).
E você que pensou que o intervencionismo estatal nos Estados Unidos fosse coisa da crise de 2008, quando o Obama salvou os bancos e a General Motors!
Portanto, quando você fizer o próximo selfie diante daquele teatro da rua 42, escreva na legenda: “Mamando nas tetas do Estado americano”.
O Lion King só passa lá por conta do intervencionismo estatal com dinheiro público.
MANIPULAÇÃO DO LIVRE MERCADO COM AJUDA BILIONÁRIA AOS MAIS RICOS
Chegamos ao último capítulo: manipulação do “livre mercado”, aquele pelo qual você tem uma admiração quase religiosa.
Sabemos que você abomina o Bolsa Família: distorce a livre competição por mão de obra no mercado de trabalho.
Note, no entanto, que este não é um “problema” exclusivamente brasileiro.
Na tão admirada América — é assim que você chama os Estados Unidos — o número de usuários da versão local do Bolsa Família, os Food Stamps, está próximo de 45 milhões de pessoas.
Sabe por que os Food Stamps sobrevivem na América? Não é apenas por causa da compaixão dos conservadores.
O programa é defendido pela indústria da alimentação! Há restrições ao que pode ser comprado com o cartão, que foca nos produtos da indústria local de alimentos processados. Assim, ela fatura uma enormidade com os pobres.
Portanto, quando o Lula falava que o Bolsa Família fazia girar o comércio e a indústria locais, não é que ele tinha razão?
Mas, na terra do suposto Estado Mínimo, os Food Stamps são um exemplo menor de como o dinheiro público ajuda os mais ricos.
Nem sempre beneficiando os mais pobres.
Você já pensou o que representam para a indústria farmacêutica as compras governamentais dos Estados Unidos?
Elas são tão importantes para os lucros das companhias que o Congresso, cedendo ao lobby das farmacêuticas, proibiu — em alguns casos — o governo de negociar diretamente com as empresas para baixar o preço das drogas oferecidas nos programas públicos.
O Estado Mínimo paga o Preço Máximo!
É uma baita distorção do Livre Mercado, que vai parar direto no bolso de companhia farmacêuticas trilionárias.
Como exemplo final, os subsídios da agricultura. Você sabia que a América gasta U$ 45 bi anuais para bancar o plantio de trigo, algodão, milho, soja e arroz?
Sabia que a grana fica principalmente com as grandes empresas do agribusiness, em vez de ajudar os agricultores mais pobres?
Você, que sempre protesta contra os subsídios da Lei Rouanet, deveria protestar contra o David Rockefeller: o bilionário levou meio milhão de dólares em subsídios agrícolas do Estado Mínimo!
Sabe as consequências do Bolsa Fazendeiro?
Mais pobreza na África e na América Latina, cujo potencial exportador fica comprometido pelo derrame de dólares em larga escala na produção agrícola da América — os europeus, aliás, fazem igualzinho.
Portanto, em sua próxima viagem a Miami, não esqueça de reservar um dia para protestar. Junte os amigos pelo Facebook.
Sugestão de faixas, direto do Google Translator: “Food Stamps is a factory of floaters”, “Rockefeller suckle the government teats”, “Military intervention already”.

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