A cláusula de barreira é inquestionável como resposta à proliferação de partidos políticos e alta fragmentação do Congresso. Mas, uma vez superado esse problema, o ideal é que a cláusula deixe de existir e regras mais duras para a criação de partidos sejam adotadas
Jornal GGN – No último dia 18, o chefe da Procuradoria Regional Eleitoral de São Paulo, Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, recebeu o GGN. Na ocasião, avaliou os principais pontos da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 36/2016, uma reforma política patrocinada pelo governo do interino Michel Temer (PMDB) para tornar o Congresso menos indomável no futuro do que foi Dilma Rousseff (PT), afastada pelo processo de impeachment.
A proposta, encampada pelos senadores Aécio Neves e Ricardo Ferraço (PSDB), com apoio de petistas, democratas e benção do ministro Gilmar Mendes, do Tribunal Superior Eleitoral, trata de dois pontos centrais: o fim das coligações em eleições para o Legislativo e a criação de uma cláusula de barreira como resposta à proliferação de legendas no Brasil. Hoje, há 35 partidos registrados, sendo que 28 conseguiram eleger deputados em 2014.
Nos anos 1990, o Congresso aprovou uma cláusula de barreira, também conhecida como cláusula de desempenho ou de exclusão, que prejudicava partidos políticos que não atingissem o mínimo de 5% dos votos válidos a partir de 2006. A regra não chegou a ser aplicada, pois naquele ano o Supremo Tribunal Federal, por provocação, decidiu que ela era inconstitucional, porque feria a representação das minorias e a liberdade de criação de partidos.
É difícil fazer um “exame retroativo” sobre a decisão do Supremo, diz o procurador Luiz Carlos Gonçalves ao GGN. “Na época, a decisão pareceu acertada. Não parecia razoável inibir a criação de partidos políticos. Mas examinando à luz da realidade de mais de 30 partidos, hoje a decisão se mostrou ruim.”
Os dedos do Supremo
Quando derrubou a cláusula de barreira, o Supremo não chegou a prever os desdobramentos de um regra criada pela Justiça Eleitoral no ano seguinte, a lei da fidelidade partidária.
“Muitos desses partidos [de hoje] foram criados quando a Justiça eleitoral criou regras para infidelidade partidária. A Justiça Eleitoral determinou que se [um político eleito] migrar para outro partido sem justa causa, corre risco de perder o mandato. Mas a hipótese de justa causa é a criação de um partido novo. Logo, isso incentivou a criação de novos partidos. Então, a decisão [do STF sobre a cláusula de barreira] era boa, mas com a decisão ruim da Justiça Federal, hoje me parece que a cláusula de barreira é inarredável. Realmente precisamos de uma", avalia o procurador.
Da atual composição do Supremo, os ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandoski e Luís Roberto Barroso, além de Gilmar, já manifestaram apoio a uma mudança na legislação para frear a criação de partidos, que muitas vezes servem aos interesses de quem quer viver de recursos do fundo partidário sem nenhuma preocupação com a representação política.
Nova cláusula de barreira
A PEC 36/2016 propõe, sobre cláusula de barreira:
- que os partidos que não tiverem o mínimo de 2% dos votos válidos apurados nacionalmente, e 2% dos votos válidos em pelo menos 14 estados, a partir de 2018, não terão direito ao funcionamento parlamentar. Esse índice subirá para 3% a partir da eleição de 2022
- que terá o mandato assegurado o político eleito mesmo que seu partido não tenha chegado ao patamar exigido pela cláusula de barreira para ter direito ao funcionamento parlamentar. Este político poderá, se quiser, trocar de sigla sem ser enquadrado na lei de infidelidade partidária, mas a nova legenda não poderá usá-lo para solicitar mais recursos do fundo partidário ou tempo de propaganda gratuita em rádio e TV.
- que funcionamento parlamentar é ter direito de acionar o Supremo Tribunal Federal com ações de controle de constitucionalidade; estrutura própria e funcional nas casas legislativas; participação nos recursos do fundo partidário; acesso gratuito ao rádio e TV.
O projeto, portanto, afasta a possibilidade de que um parlamentar disputa a eleição e perca o mandato porque o partido, na soma final, não atingiu o percentual de votos exigidos para ter funcionamento parlamentar. Esse ponto era visto como “problemático” para o procurador ouvido pelo GGN.
Mas para Gonçalves, “a realidade é que hoje é impossível governar com 35 partidos”, sem contar que “não existem 35 ideologias no mundo”. Esse volume de legendas é favorável ao “chamado balcão de negócios”. “Isso não é bom para a democracia.
Ponto inconstitucional
Um dos pontos da PEC 36/2016 é a proibição de partidos barrados pela cláusula de desempenho possam acionar o Supremo Tribunal Federal em matérias constitucionais, como punição em caso de não terem atingido o percentual de votos exigidos para ter direito ao funcionamento parlamentar.
A restrição é polêmica, uma vez que pode ferir um direito já praticado por partidos com bancadas modestas, como o PCdoB, com 10 deputados federais em exercício. Durante a fase do impeachment na Câmara, sob a gestão de Eduardo Cunha (PMDB), foi o PCdoB que levou ao STF um pedido para modular as regras do processo criadas pelo peemedebista com base no regimento interno. Pela PEC, se o PCdoB fosse pego na cláusula de barreira, iniciativas dessa importância jamais se repetirão.
“Acho [a proibição] inconstitucional, porque a Constituição assegura o acesso ao Judiciário. Nas hipóteses que o partido tem legitimação, por exemplo, nas procurações de constitucionalidade, isso não deveria ser alterado. Mesmo que partido tenha uma pequena representação parlamentar, basta um, isso ajuda a manter o bom funcionamento do sistema político, porque esse único representante pode ir ao Supremo dizer que o processo legislativo não está sendo observado. Nesse trecho, não concordo com a proposta e acho ela inconstitucional”, sustenta Gonçalvez.
Para além da cláusula de barreira
O ponto de vista de Gonçalves, para quem existe a necessidade de equacionar a liberdade de criação de partidos com condições iguais de disputa para todos, a cláusula de barreira é inquestionável como uma resposta ao problema atual de proliferação de partidos e alta fragmentação do Congresso. Mas, uma vez superado esse ponto, o ideal seria que a cláusula deixasse de existir e regras mais duras para a criação de partidos fossem adotadas.
“Hoje em dia, os critérios [para barrar partidos de aluguel] não são suficientes. Basta você obter apoiamento mínimo nos estados, e você cria um partido. Esse apoiamento é a assinatura de um eleitor, dizendo que ele concorda com a criação de um partido. É insuficiente. Já escrevi [leia aqui] e continuo defendendo que os partidos precisavam ter espécie de filiação prévia. Se fosse exigido um procedimento de efetiva filiação ao partido, antes do pedido de registro no Superior Tribunal Federal, acho que nós alcançaríamos o que se está pretendendo com essa cláusula de barreira.”
Cláusulas de barreira veladas
Gonçalves chama atenção, contudo, para a existência de “cláusulas de barreiras veladas” no atual sistema eleitoral. É o caso do acesso aos meios de comunicação em período eleitoral e da distribuição de recursos do fundo partidário.
“Se partido não tem ao menos nove deputados federais, ele não tem direito a participar de um debate na TV. Vai ficar dependendo da boa vontade dos meios de comunicação. O tempo de televisão no horário eleitoral gratuito também não é igualitário. Ele depende da bancada parlamentar que o partido tinha no ano anterior.”
No caso dos recursos do fundo partidário e do tempo de propaganda eleitoral gratuita, “só 5% são distribuídos igualitariamente, e 95% também ficam dependendo da bancada. Então, os novos [e pequenos] partidos não têm o mesmo acesso ao eleitor que os outros. E isso com recursos públicos, porque o horário eleitoral gratuito é gratuito para eles [partidos], mas a população paga isso indiretamente. Então, nós já temos na legislação um tratamento não igualitário nos partidos dependendo do desempenho deles. Isso já é uma cláusula de barreira escondida. No meu mundo ideal, eu daria iguais oportunidades a todos os partidos. O problema é dar iguais oportunidades para 35 partidos.”
Fim das coligações em eleições proporcionais
Sobre o fim das coligações em eleições proporcionais, Gonçalves se posiciona de maneira favorável. “Já tinha que ter acontecido. [A coligação] colabora para a confusão geral. Você vê partido que achava que era de esquerda se coligando a partido que você achava que era de direita, sendo que no sistema de voto proporcional, os votos dado a um candidato beneficiam mais de um candidato da coligação. As coligações proporcionais me parecem desserviço à democracia. Para cargos do executivo me parecem defensáveis, mas para cargos do legislativo disseminam despolitizações.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário