“E seus inimigos não dizem que apesar de todos os pesares, das
agressões de fora e das arbitrariedades de dentro, essa ilha sofrida mas
obstinadamente alegre gerou a sociedade latino-americana menos injusta”
Tradução: Eric Nepomuceno
Seus inimigos dizem que foi rei sem coroa e que confundia a unidade com a unanimidade.
E nisso seus inimigos têm razão.
E nisso seus inimigos têm razão.
Seus inimigos dizem que, se Napoleão tivesse tido um jornal como o Granma, nenhum francês ficaria sabendo do desastre de Waterloo.
E nisso seus inimigos têm razão.
E nisso seus inimigos têm razão.
Seus inimigos dizem que exerceu o poder falando muito e escutando pouco, porque estava mais acostumado aos ecos que às vozes.
E nisso seus inimigos têm razão.
E nisso seus inimigos têm razão.
Mas seus inimigos não dizem que não foi para posar para a História
que abriu o peito para as balas quando veio a invasão, que enfrentou os
furacões de igual pra igual, de furacão a furacão, que sobreviveu a 637
atentados, que sua contagiosa energia foi decisiva para transformar uma
colônia em pátria e que não foi nem por feitiço de mandinga nem por
milagre de Deus que essa nova pátria conseguiu sobreviver a dez
presidentes dos Estados Unidos, que já estavam com o guardanapo no
pescoço para almoçá-la de faca e garfo.
E seus inimigos não dizem que Cuba é um raro país que não compete na Copa Mundial do Capacho.
E não dizem que essa revolução, crescida no castigo, é o que pôde
ser e não o quis ser. Nem dizem que em grande medida o muro entre o
desejo e a realidade foi se fazendo mais alto e mais largo graças ao
bloqueio imperial, que afogou o desenvolvimento da democracia a la
cubana, obrigou a militarização da sociedade e outorgou à burocracia,
que para cada solução tem um problema, os argumentos que necessitava
para se justificar e perpetuar.
E não dizem que apesar de todos os pesares, apesar das agressões de
fora e das arbitrariedades de dentro, essa ilha sofrida mas
obstinadamente alegre gerou a sociedade latino-americana menos injusta.
E seus inimigos não dizem que essa façanha foi obra do sacrifício de
seu povo, mas também foi obra da pertinaz vontade e do antiquado sentido
de honra desse cavalheiro que sempre se bateu pelos perdedores, como um
certo Dom Quixote, seu famoso colega dos campos de batalha.
(Do livro “Espelhos, uma história quase universal”)
(Do livro “Espelhos, uma história quase universal”)
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