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quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Tensão entre Nação e Globalização aumenta, por Marcus Ianoni.



O posicionamento da nação diante dos passivos da globalização para os cidadãos é a clivagem-chave por trás das vitórias do Brexit e de Trump. Ambas as decisões resultaram de processos democráticos disputadíssimos, que dividiram os respectivos países, com vencedores e vencidos tendo ficado muito próximos do empate na contagem de votos. Aliás, nos EUA, pelo sufrágio direto, Hillary Clinton venceu, mas não nos votos no colégio eleitoral. No Reino Unido, a saída da UE ganhou por 52% a 48%.

   As posições ganhadoras nesses dois países membros do seleto G7 (grupo das principais democracias industrializadas) foram lideradas por políticos comprometidos com uma ideologia conservadora, nacionalista de direita, xenófoba, de apelo populista e componentes racistas. Além disso, antes de vencer, Trump chegou a pôr em dúvida o tradicional respeito ao compromisso democrático com o resultado do pleito, se não lhe fosse favorável. Na liderança do polo vencido, estava o espectro ideológico globalista, sob hegemonia das finanças, encarnado, nos EUA, na candidatura de Hillary Clinton e, no Reino Unido, na ala mais de centro do Partido Conservador, representada pelo ex-primeiro-ministro David Cameron, defensor, sem êxito, da permanência do país na mais avançada instituição de integração regional do mundo, à qual opuseram-se seus correligionários mais extremados, como Boris Johnson, que se coalizou a Nigel Farage, líder de extrema-direita do minúsculo, mas estridente Partido da Independência do Reino Unido, que chega a questionar a ocorrência do Holocausto. Ou seja, do interior das duas tradicionais agremiações políticas de direita dessas duas potências capitalistas com sistemas bipartidários emergiu uma extrema-direita nacionalista, ou algo próximo disso, com respaldo eleitoral majoritário.

   Tanto nos EUA como no Reino Unido, entre os principais passivos da globalização, que tem na integração regional uma de suas características, estão a imigração, a perda de postos de trabalho na indústria nas áreas chamadas, nos EUA, de “rust belt” (cinturão de ferrugem) e os déficits comerciais e de conta corrente. Veja-se, por exemplo, o documentário “Roger e Eu”, de Michael Moore, lançado em 1989. Alguns setores da indústria inglesa também enfrentam, há tempo, tendências de declínio. Esses fatores vêm pressionando, nas décadas recentes, a favor do aumento da desigualdade e da decadência econômica de algumas regiões. A capacidade de o Estado fomentar o pleno emprego e o bem-estar é posta em xeque. O populismo da direita xenófoba explora essas fraquezas, colocando-se como alternativa ao globalismo dos centros financeiros de Wall Street e da City of London.

   Nas pátrias-mães dos mercados livres e da estabilidade político-institucional, metade ou mais dos cidadãos que foram às urnas das eleições presidenciais nos EUA ou do referendo britânico, insatisfeitos com os resultados das políticas neoliberais sobre suas condições de vida, passaram por cima das lideranças partidárias tradicionais e se coalizaram com políticos “não políticos”, caso de Trump, um outsider que venceu as primárias do Partido Republicano, ou com líderes menos graduados na hierarquia partidária, como Boris Johnson, do Partido Conservador, que, no entanto, tal qual o bilionário norte-americano, também teve importante atuação nos meios de comunicação antes de ingressar na carreira política e tornar-se prefeito de Londres. Além da tensão entre nação e globalização, há outra entre partidos e eleitores, responsável pela crise da democracia representativa, que se expressa no absenteísmo eleitoral, na desconfiança em relação às instituições políticas, no populismo de extrema-direita etc.

   Embora Trump seja uma incógnita, por ser especialista em mudar o que diz, entre as suas propostas de campanha estão a construção de um muro na imensa fronteira com o México e uma agressiva política comercial, que inclui a adoção de tarifas protecionistas e a renegociação de áreas de livre-comércio, caso do Nafta, e de acordos bilaterais. Em sua mensagem de congratulação à vitória de Donald Trump, a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, deu um recado claro ao futuro presidente dos EUA: as relações entre os dois países dependem da continuidade dos valores democráticos e liberais que têm prevalecido na cooperação bilateral entre ambos, ou seja, não caberão preconceitos contra estrangeiros, grupos religiosos, de gênero, de orientação sexual e assim por diante.

   Por outro lado, no Reino Unido, a indefinição sobre como vai ser efetivamente negociada a saída do país da União Europeia deixa as coisas em suspenso. Recentemente, a Nissan decidiu adiar novos investimentos em sua planta em Sunderland, especificamente por se preocupar com as tarifas que serão adotadas. Ou seja, a crise das políticas neoliberais não facilita os caminhos de saída da direita xenófoba em nenhuma área de política. Há um temor da tríade formada pelo FMI, o Banco Mundial e o Banco Central Europeu sobre as consequências do Brexit para as transações financeiras, particularmente para a internacionalização bancária.

   Enquanto duas das principais potências do G7 ensaiam uma alternativa desglobalizada ao neoliberalismo, preocupante pelo teor xenófobo e o viés autoritário de suas lideranças, o Brasil aposta no extremo oposto, na continuidade do espírito neocolonial de abertura dos portos às nações amigas, no aprofundamento da dependência nacional, da inserção passiva na globalização, cuja maior expressão é a alteração da lei do pré-sal, para facilitar a exploração desse recurso natural abundante pelo capital estrangeiro. Lá e cá a questão nacional, questão-chave para a soberania, o desenvolvimento e o bem-estar das nações está na ordem do dia. O que há de comum nas soluções de Trump, do Brexit e de Temer é a inexistência, hoje, de uma consistente alternativa política democrática, universalmente inclusiva, pela via do mercado e dos direitos de cidadania, que possa se apresentar ao conjunto da nação, sem excluir os estrangeiros legalmente residentes, como portadora de uma concepção de interesse nacional fundada na esperança, na equidade e na solidariedade. 

* Marcus Ianoni é cientista político, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador das relações entre Política e Economia.

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