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segunda-feira, 3 de setembro de 2018

Dada a largada eleitoral, a mídia reafirma sua posição, por João Feres Jr.

Dada a largada eleitoral, a mídia reafirma sua posição
por João Feres Jr.
Pretendo aqui examinar a reação da grande mídia brasileira ao registro da candidatura de Lula pelo PT. Tal cobertura se deu no dia 16 de agosto, dia imediatamente posterior ao prazo final de registro das candidaturas no TSE e também primeiro dia oficial da campanha eleitoral. Vou me restringir aos três jornais grandes de maior circulação, Folha de S.Paulo, O Globo e Estado de S.Paulo.
Comecemos por uma questão central de agendamento, que é a função desempenhada pelos de jornal ao filtrar algumas notícias e descartar outras. Foi fato que o PT colocou entre 10 e 50 mil pessoas em frente do TSE em Brasília para o registro da candidatura de Lula e Haddad na tarde do dia 15. Pois bem, as coberturas de Estado e Globo ignoraram solenemente a multidão de apoiadores de Lula, a não ser de maneira muito passageira e pejorativa, como é o caso da reportagem em O Globo de Carolina Brígido, André de Souza e Bruno Goes, que se referem aos manifestantes como “10 mil sem-terra”. O foco da matéria é o pedido de impugnação da candidatura do petista feito pela PGR Raquel Dodge. No Estado, há também somente menção de passagem à multidão ao final de uma reportagem que descreve o registro dos candidatos do PT: “10 mil pessoas participam da mobilização pró-Lula”. Não houve tentativa de desqualificar os manifestantes, como no jornal carioca, mas o título gigante da matéria é bastante negativo: “PT registra Lula e omite sua condenação criminal”. Ademais, é importante notar que ambos os jornais preferiram adotar a estimativa bastante conservadora da Secretaria da Segurança Pública do Distrito Federal no tocante ao número de almas da multidão: 10 mil.
O Folha se comportou de modo ligeiramente diverso ao de seus pares. Estampou na capa uma foto da multidão de petistas em frente ao tribunal. Contudo, a manchete que adorna a mesma capa, em letras garrafais, anuncia: “PT registra Lula, condenado em 2ª. instância por corrupção”.
No que toca o enquadramento, isto é, a maneira como a notícia é dada, os três jornais são bastante similares. A preocupação central é obviamente a candidatura de Lula, que é apresentada sempre associando o petista ao epíteto “condenado em 2ª instância por corrupção”, como diz a manchete da Folha, e chamando atenção para o fato da PGR estar se movendo para cassá-la. A manchetes dos três jornais dão enorme destaque à Dodge. O Estado a coloca no mesmo plano do registro da candidatura: “PT registra Lula e MPE pede impugnação da candidatura”. A Folha, além de anunciar Lula como condenado na manchete, cita PGR no subtítulo logo abaixo. E O Globo prefere dar protagonismo à Dodge: “PGR pede ao TSE que seja rejeitada a candidatura Lula”.
O posicionamento dos jornais está bastante explícito nas capas e ele se confirma nos editoriais. O Estado aqui é exceção, pois não trouxe editorial sobre o assunto na edição do dia 16, mas publicou reportagens bastante negativas em relação ao registro da candidatura de Lula e colunas de opinião em tom agressivo, como a de William Waack, intitulada “Candidatura fake”. O ex-jornalista da Globo se dedica a enxovalhar Lula de impropérios, chamando-o de farsante, charlatão, mentiroso e enganador, e o acusa de banalizar as instituições e a própria Presidência da República. Diz ainda que o PT teve “papel central no alargamento da corrupção endêmica do País” e chega a empregar a palavra “lulopetismo” -- marca registrada dos publicistas misopetistas na nossa mídia.
O tom do editorial de O Globo, intitulado “A vitimização de Lula na manobra da candidatura”, não é muito diferente. Ele começa com a seguinte passagem: “não se nega ao PT a competência em torcer fatos e repetir à exaustão sua versão, para conseguir dar a volta por cima nos próprios maus momentos, e fazer valer seu discurso”. Em seguida chama Lula de “liderança política caudilhesca, com ares de divindade”. Diz que os “seguidores fiéis” do petista se recusam a ver a realidade. Reafirma que o triplex do Guarujá é de Lula e que ele foi pago com a abertura das portas da Petrobrás à OAS. Em seguida, o texto declara sua fé no STF e no TSE para repelir a “manobra lulopetista” – novamente essa expressão. Ao final, o ataque é contra o PT, que é acusado de repetir o mesmo truque: “Militantes nas ruas, versões distorcidas espalhadas nas redes e artigos na imprensa estrangeira servem para criar a falsa ideia de um mártir do povo, um injustiçado”.
O editorial da Folha de S. Paulo é, contudo, ainda mais virulento. O título é curto, “A farsa da fraude”, e o subtítulo longo “PT insiste de modo perigoso em bravatas contra a Justiça e o processo eleitoral, mesmo pronto para participar da disputa pelo Planalto sem Lula”. O texto todo é dedicado a pintar o PT e Lula como uma ameaça à democracia, particularmente por sua “constante pressão para deslegitimar o sistema judicial”. Diz que o risco é que ganhem as eleições e passem a, além de libertar os condenados da Lava Jato, “solapar a autonomia das instituições de controle do exercício do poder”. E o texto termina com a seguinte ameaça: “A pantomima petista com Lula seria apenas mais uma recaída do partido no infantilismo, não despertasse temores sobre como pode terminar essa brincadeira”.
O rápido sumário da cobertura que os três jornais fizeram do registro da candidatura do PT revela as tendências de posicionamento da mídia nas eleições desse ano e para além delas. O misopetismo extremamente virulento de O Globo e Estado não é novidade. Seus editoriais e textos de opinião tratam Lula e o PT a base de impropérios, como inimigos a serem obliterados. Vale a pena, em futuro próximo, fazer uma análise comparada da cobertura jornalística nas eleições da Nova República. Minha hipótese é que o nível de virulência e politização dos textos de opinião e editoriais aumentou sensivelmente a partir de 2014, a despeito de o misopetismo ser tão antigo quanto a própria Nova República, como inúmeros trabalhos acadêmicos já mostraram. E isso depois de que o PT ter se revelado no poder como partido bastante centrista e respeitador das instituições.
Em um momento que o partido se torna mais uma vez eleitoralmente viável, isto é, capaz de vencer o pleito de 2018, os três jornais saem em defesa do judiciário e do MP, não somente de sua institucionalidade, mas das ações de Dodge, Barroso, Moro e dos procuradores de Curitiba, todos fartamente noticiados em sua oposição pública à candidatura de Lula. É impressionante não haver manifestação qualquer de preocupação por parte dos editorialistas, e de seus comentaristas contratados, com o fato desses operadores do sistema de justiça estarem intervindo diretamente no processo eleitoral, para muito além das prerrogativas normais do TSE, que já são bastante amplas.
Mas é o editorial da Folha o texto mais preocupante. Em seu tom que faz lembrar a retórica anticomunista daqueles que apoiaram por tantos anos a Ditadura Militar, o texto diz que se ganhar a eleição, o PT pode se tornar uma ameaça à democracia. A Folha não somente coloca Lula e o PT como inimigos a serem obliterados de maneira genérica, como fazem seus pares, ela acusa a campanha petista de ser em si uma ameaça à democracia. 
A partir das eleições de 2014 mergulhamos em um processo de crise política e institucional que somente se intensificou com o impeachment de Dilma Rousseff. Aqueles que prezam o governo democrático, a despeito de suas preferências partidárias, projetam sobre a pleito de 2018 esperanças de que o banho de legitimidade eleitoral estabilize o sistema e restitua o mínimo de normalidade democrática. Infelizmente, a grande mídia nesse momento parece apostar na continuidade da crise, da exceção, e na intensificação da politização do judiciário. Dessa maneira reafirmam seu poder frente às instituições políticas da democracia brasileira, infelizmente, para o prejuízo dessas mesmas instituições.



Cinzas do Museu Nacional são metáfora do desprezo neoliberal pela memória
por Tiago Barbosa
A crônica diária de destruição do Brasil tem nos obrigado a perceber tudo como extensão simbólica da nossa falência enquanto nação.

A tragédia do incêndio no Museu Nacional no Rio de Janeiro é a bola da vez para a consternação coletiva em torno de uma história rotineiramente reduzida a pó.

Tudo nela fede aos nossos tempos sombrios.

O esqueleto de fogo exibido ao vivo pelas TVs deu forma física ao tradicional desprezo do país por memória, cultura e educação – traço exacerbardo pela agenda neoliberal recente de cortes excessivos no orçamento e de menosprezo a pautas de relevância social.
O sumiço sob chamas do maior e mais importante acervo científico do país ocorre em meio ao congelamento, por vinte anos, dos recursos destinados à ciência, tecnologia, saúde, cultura e educação – medida endossada por uma elite cinicamente abalada, hoje, com o ocaso do museu.

O equipamento público bicentenário agonizava com verba minúscula em 2018 e problemas estruturais no edifício denunciados há poucos meses. Chegou a suspender a visitação por falta de dinheiro.

Mas a indiferença governamental torrou um patrimônio com mais de 20 milhões de itens catalogados – de Luzia, fóssil mais antigo das Américas, a coleções paleontológicas de valor inestimável para o conhecimento.

A cremação pública do passado também metaforiza a tentativa contemporânea no Brasil neoliberal de enfraquecer instituições voltadas à construção e compreensão da nossa identidade.

O governo atual tentou fundir as pastas da Cultura e da Educação para “economizar”, e um dos candidados a presidente de extrema-direita defende a extinção do Ministério da Cultura.

Isso sem falar na crimininalização constante das políticas públicas adotadas para financiar manifestações identitárias – tidas como prática perdulária na cartilha da austeridade – e na tentativa repulsiva da linguagem neofascista de dar novo significado histórico e normalizar traumas como a ditadura militar.

O incêndio no museu é mais um alerta à reflexão sobre o tratamento dado à nossa história. Ou abrimos os olhos de vez para o nosso passado ou seremos reduzidos a cinzas em um futuro próximo.

Literal ou simbolicamente.


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