Ferrovias.
Energia. Resistência à pressão militar dos EUA. Substituição gradual do
dólar. Fórum de Vladivostok consolida parceria estratégica entre China e
Rússia, no instante em que Ocidente permanece em crise
Por Pepe Escobar, no Asian Times
Xi Jinping e Vladimir Putin foram vistos numa joint venture culinária. Panquecas com caviar (blin, em russo), empurrados com um shot de
vodca. Aconteceu há dias, no Fórum Econômico Oriental em Vladivostok. É
metáfora desenhada (e comestível) para selar a sempre crescente
‘parceria estratégica abrangente russo-chinesa’. Assista:
Já há alguns anos, o Fórum de Vladivostok vem oferecendo um mapa
inigualável do caminho, a quem se interesse por rastrear o progresso da
integração da Eurásia.
Ano passado,
às margens do Fórum, Moscou e Seul fizeram o lançamento bombástico de
uma plataforma comercial trilateral, a qual, crucialmente, integrou
Pyongyang, girando em torno de um corredor de conectividade de toda a
península coreana com o Extremo Oriente da Rússia.
Tópicos de discussão em mesa redonda, esse ano, incluíram a
integração do Extremo Oriente da Rússia em conexões logísticas; mais uma
vez, a conexão entre Rússia e as Coreias – com o objetivo de construir
uma Ferrovia Trans-Coreana conectada à Trans-Siberiana e um ramo do
“Oleogasodutostão” que se conecta com a Coreia do Sul via China. Outros
tópicos foram a parceria Rússia-Japão em termos de aumentar o trânsito
eurasiano, centrado na conexão da Trans-Siberiana com a Linha Principal
[ing. Baikal-Amur Mainline (BAM)], já ampliado para uma ferrovia projetada até a ilha de Sakhalin, e dali direto até a ilha de Hokkaido.
O futuro: de Tóquio a Londres, direto, por trem.
E há também a integração de Rússia e Associação de Nações do Sudeste Asiático, ANSA [ing. ASEAN]
– ampliando projetos atuais de infraestrutura, agrícolas e de
construção de navios, para energia, setor agroindustrial e de florestas,
como delineado por Ivan Polyakov, presidente do Conselho de Negócios
Rússia-ANSA.
Essencialmente aí se trata de construir simultaneamente um eixo
crescente Oriente-Ocidente e também um eixo Norte-Sul. Rússia, China,
Japão, as Coreias e o Vietnã, avançam, lentamente, mas com firmeza, rumo
a sólida integração geoeconômica.
A mesa de discussão talvez mais fascinante em Vladivostok foi Crossroads on the Silk Road
[Cruzamentos na Rota da Seda], que reuniu, dentre outros, Sergey
Gorkov, vice-ministro de Desenvolvimento Econômico da Rússia; Wang
Yilin, presidente da gigante chinesa do petróleoCNPC, e Zhou Xiaochun, vice-presidente do grupo de diretores do essencial Boao Forum.
O ímpeto de Moscou é unir as Novas Rotas da Seda, ou Iniciativa
Cinturão e Estrada (ICE) com a União Econômica Eurasiana (UEE). Mas o
objetivo geoeconômico final é ainda mais ambicioso: uma “parceria
Eurasiana Expandida”, na qual a ICE converge na direção da UEE, da
Organização de Cooperação de Xangai, OCX, e ANSA. No coração desse
gigante está a parceria estratégica Rússia-China.
O mapa do caminho adiante, é claro, envolve tocar as cordas certas de
um acorde complexo de equilíbrio entre interesses políticos e práticas
gerenciais em múltiplos projetos Oriente-Ocidente. A simbiose cultural
tem de entrar nesse quadro. A parceria Rússia-China tende cada vez mais a
pensar em termos de Go (weiqi, o jogo), visão partilhada, baseada em princípios estratégicos universais.
Outra mesa de discussão chave em Vladivostok reuniu Fyodor Lukyanov,
diretor de pesquisa no sempre essencial Clube de Discussão Valdai, e
Lanxin Xiang, diretor do Centro de Estudos de Um Cinturão, Uma Estrada,
no Instituto Nacional Chinês para Colaboração Internacional da OCX. A
discussão aí se centrou na interação geopolítica asiática, envolvendo
Rússia, China e Índia, países-chaves dos (B)RICS, e em como a Rússia
pode capitalizar sobre essa interação, ao mesmo tempo em que navega pelo
pântano da guerra comercial de sanções cada vez mais violentas.
Toda a energia vem da Sibéria
Tudo volta sempre ao básico e à parceria estratégica Rússia-China
sempre em evolução. Xi e Putin autoenvolveram-se nela até o âmago. Xi
define a parceria como o melhor mecanismo para que “se neutralizem
conjuntamente os riscos e desafios externos”. Para Putin, “nossas
relações são cruciais, não só para nossos países, mas também para o
mundo.” É a primeira vez que um líder chinês participa nas discussões de
Vladivostok.
A China está progressivamente se interconectando com o Extremo
Oriente da Rússia. Corredores internacionais de transporte – Primorye 1 e
Primorye 2 – darão novo impulso ao trânsito de cargas entre Vladivostok
e o nordeste da China. A empresa Gazprom está próxima de completar o
trecho russo do gigantesco gasoduto “Energia [poder] da Sibéria” até a
China, em parceria com a CNPC. Mais de 2 mil quilômetros de dutos já
foram instalados de Yakutia até a fronteira russo-chinesa. O gasoduto
Energia [poder] da Sibéria começará a operar em dezembro de 2019.
Segundo o Fundo Russo de Investimento Direto, FRID [ing. Russian Direct Investment Fund (RDIF)],
a parceria está avaliando 73 projetos de investimento no valor total de
mais de $100 bilhões. A Comissão Comercial Russo-Chinesa de
Aconselhamento faz a supervisão, incluindo mais de 150 executivos das
maiores empresas russas e chinesas. O CEO do FRID, Kirill
Dmitriev, está convencido de que “haverá transações particularmente
promissoras nos acordos bilaterais que serão resultado do relacionamento
produtivo entre Rússia e China.”
Em Vladivostok, Putin e Xi mais uma vez concordaram em manter
crescente comércio bilateral em yuan e rublos, deixando de lado o
EUA-dólar – já efeito da decisão tomada por ambos em junho, de aumentar o
número de contratos denominados em yuan-rublo. Paralelamente, o
ministro do Desenvolvimento Econômico Maksim Oreshkin aconselhou os
russos a vender EUA-dólares e comprar rublos.
Moscou espera apreciação do rublo para cerca de 64 por EUA-dólar, no
próximo ano. Atualmente é comercializado em cerca de 70 rublos /dólar,
puxado para baixo pelas sanções EUA e pelo estrago que o
dólar-arma-política está causando no Brasil, Índia e África do Sul, e
também em estados aspirantes a ser (B)RICS, chamados “BRICS Plus“, como Turquia e Indonésia.
Putin e Xi mais uma vez reafirmaram que continuarão a trabalhar
coordenadamente em seu mapa do caminho intercoreano baseado em um “duplo
esfriamento” – a Coreia do Norte suspende os testes nucleares e
lançamentos de mísseis balísticos, e os EUA suspendem os exercícios
militares com Seul.
Mas o que parece estar realmente capturando a imaginação das duas
Coreias é a ferrovia Transcoreana. Kim Chang-sik, presidente do
desenvolvimento de ferrovias em Pyongyang disse: “Desenvolveremos ainda
mais esse projeto a partir de negociações entre Rússia, Coreia do Norte e
Coreia do Sul, de modo que os proprietários do projeto serão os países
da Península Coreana.”
Isso se conecta ao que disse o presidente
sul-coreano Moon Jae-in há apenas três meses: “Tão logo a linha
principal Trans-Coreana esteja construída, poderá ser conectada à
Ferrovia Trans-Siberiana. Com isso, será possível entregar produtos da
Coreia do Sul à Europa, o que será economicamente benéfico não só para
as Coreias, do Sul e do Norte, mas também para a Rússia.”
Compreenda a matryoshka
Ao contrário do que reza a histeria ocidental mal informada ou
manipulada, os jogos de guerra em Vostok, na Trans-Baikal do Extremo
Oriente da Rússia, incluindo 3 mil soldados chineses, são apenas uma
parte da muito mais profunda complexa parceria estratégica Rússia-China.
É feito uma matryoshka: o jogo de guerra é uma boneca dentro do jogo geoeconômico.
Em ‘China and Rússia: The New Rapprochement’ [China
e Rússia: a nova reaproximação], Alexander Lukin, da Escola Superior de
Economia da Universidade Nacional em Moscou, expõe em detalhes todo o
mapa do caminho; a ampla parceria ainda em construção para toda a
Eurásia, é parte de um conceito muito mais amplo e abrangente de
“Eurásia Expandida” [ing. “Greater Eurasia”]. Esse é o âmago da entente Rússia-China,
levando a o que o cientista político Sergey Karaganov chamou de “um
espaço comum para cooperação econômica, logística e de informação, paz e
segurança, de Xangai a Lisboa e de Nova Delhi a Murmansk.”
Sem compreender o Grande Quadro que envolve debates como a reunião
anual em Vladivostok, é impossível compreender o modo como a integração
progressiva de ICE, UEE, OCX, ANSA, (B)RICS e (B)RICS Plus está orientada para mudar irreversivelmente o atual sistema-mundo.
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