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terça-feira, 21 de junho de 2016

O ateísmo de Jesus na vida política brasileira, por Eder Casagrande.





o ateísmo de jesus na vida política brasileira
Por Eder Casagrande, colunista de religião do Cafezinho
É próprio do discurso conservador recorrer a Deus com o intuito de validar suas ideias diante do eleitorado. Supostamente contra o poder celestial sobra pouco espaço pra contestação, e é aí que mora a artimanha. Essa tentativa de sugestionar ao eleitor a que se aceite propostas de ordem duvidosa sem nenhum questionamento, às vezes claramente insanas na perspectiva de quem olha de fora, muito se aproxima da técnica usada por pastores neopentecostais quando querem “ofertas” gordas, no dinheiro ou no cartão!
Os pastores e suas coletas. Os políticos e seus votos. Os pastores-políticos e seus dinheiros e poderes.
Lideranças evangélicas agem com carisma nas comunidades onde pastoreiam, o que viabiliza a construção de relacionamentos baseados no afeto e confiança e que são sedimentados através das ações sociais para com os mais pobres. Adicione a essa receita o conforto psicológico e emocional proporcionado pelo acolhimento e pela noção de pertencimento que uma organização (religiosa ou não) é capaz de promover. Também, é claro, o alívio espiritual para os gemidos da existência, renovado a cada culto. E pra coroar esse processo de construção psicossocial, há o reconhecimento da figura do pastor como uma referência ética ante os diferentes aspectos da vida.
Acontece que o tipo de subjetividade que esse arranjo constrói pode acomodar perfeitamente o discurso conservador. Não apenas pelos elementos citados, mas sobretudo pela disseminação do medo – respaldado pela ignorância – na mentalidade dos fiéis e seu uso frequente como moeda de troca, numa relação de poder que o induz a barganhar os favores de Deus abrindo mão de sua identidade e dinheiro. Quanto maior o medo, maior a submissão. Quanto mais submissão, maior aceitação a figuras que se colocam como paladinos da moral e dos bons costumes. Um dos motivos que explicam a simpatia por malafaias e bolsonaros. Não à toa se assemelharem na forma odiosa, taxativa, retrógrada e preconceituosa em seus discursos.
Por outro lado, basta adotar uma postura crítica em relação ao arranjo conservador pra ser taxado de “satanista devorador de criancinhas”, “petralha”, “comunista”, “bolivariano”, “esquerdista”, e ter seu pensamento deslegitimado imediatamente. Rótulo nem um pouco sofisticado, mas que se mostrou vivificado desde que a direita soltou a franga.
Vale dizer, que do ponto de vista da conscientização política visando transformação social, as ações sociais das organizações evangélicas têm muitas limitações, mas se mostram inteiramente capazes de disputar o coração e mente do eleitor-fiel diante da assistência oferecida pelo Estado ou aquela feita pela esquerda organizada. Resta à Dona Maria, com sua solidão e velhice, recorrer a quem está perto pra atender suas necessidades corriqueiras, seja a cesta básica do mês ou a companhia pra ir ao médico. O Estado e os movimentos sociais parecem não conhecê-la pelo nome, assim como não são conhecidos, mas o pastor sim.
Assim, a simbiose entre eleitor-fiel e seu líder espiritual aspirante a sumo sacerdote, e o acúmulo de capital proveniente do dízimo e da isenção fiscal das igrejas, além do financiamento empresarial de campanha, vigente até as eleições passadas, chocou o ovo da serpente. A numerosa bancada evangélica, escancaradamente conservadora, é autora de propostas como o Estatuto da Família (PL 6.583/2013) que define como família apenas “entidade familiar como o núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou união estável, ou ainda por comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”, em outras palavras, implica na proibição da união estável entre pessoas do mesmo sexo e os direitos adquiridos daí, como a adoção, por exemplo. São contra a legalização do aborto (mesmo nos casos de estupro comprovado), a favor da redução da maioridade penal e contra a regulação da mídia. E a lista segue...
As inclinações dos evangélicos na política brasileira estão bem claras. Ninguém desconfia de seu amor por dinheiro, controle e poder. Mas eles são cínicos. Em nome de “deus” e da “família tradicional brasileira”, 93% da bancada votaram a favor do impeachment. O circo da votação na Câmara foi acompanhado de referências bíblicas como “feliz é a nação cujo deus é o senhor”, “ao reino de Israel”, e a que mais sintetiza o momento, “que deus tenha misericórdia dessa nação”, dita por Eduardo Cunha. Todas acompanhadas de um efusivo SIM favorável ao impedimento.
Para esse deus-mercado, em que a Frente Parlamentar Evangélica ergue altares nas igrejas e no congresso, o Jesus dos Evangelhos – aquele que chicoteou mercadores no templo e que criticou duramente às elites políticas do Estado teocrático israelense – é completamente ateu!

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