Por Urariano Mota
Quando este artigo se publicar, Aquarius terá recebido uma consagração mundial até hoje não alcançada por filme pernambucano. Na quarta-feira em que escrevo, não sei se ele terá o prêmio máximo em Cannes. Mas a esta altura já é conhecido o sucesso da crítica de cinema e política, a partir do protesto da equipe do Aquarius contra o golpe no Brasil. Foi lindo ver a capa de jornais da Europa aos Estados Unidos com a cara dos nossos artistas. Antes, no tempo da Rádio Jornal dos anos 50 e 60, era Pernambuco que falava para o mundo. Agora, não, com Kleber Mendonça é o Brasil que fala para a sensibilidade e denúncia onde houver gente. Perdoem o tom ufanista, típico de recifense, mas não encontro outro.
No entanto, mesmo agora não posso esquecer as resistências que eu possuía em relação ao chamado “cinema pernambucano”. Em dois parágrafos tentarei explicar a razão.
Eu sempre quis e esperei que entre nós houvesse um cinema de Nelson Pereira dos Santos, de Vidas Secas e Memórias do Cárcere, por exemplo, ou Cidade de Deus, ou daquela obra genial Deus e o Diabo na Terra do Sol, ou de imagens próximas a O Pagador de Promessas. ”Faz tempo”, sei que estão dizendo. Respondo que o passado fecundante não passa. O meu erro era de outra natureza. É que para mim o grande cinema tinha a ver com a literatura, com o desejo que o filme devia ter com a humanidade total da obra literária. Mas estamos falando de cinema, de imagens, “de outra linguagem”, poderia ser dito. Ainda assim resistia aquela ambição de querer para nós a profundidade do cinema argentino, por exemplo, cujos diretores mantêm boa vizinhança com os seus escritores.
Daí a minha implicância, peitica, com o cinema de Pernambuco. Para mim, em sua franca maioria ele era iletrado. Quero dizer, ele não sabia nada do mundo fundamental da literatura. Os seus roteiros eram precários, com personagens mal realizados (mas “estamos falando de cinema”). A sua realidade era lúmpen, a pretexto de mostrar o real popular.
O que dizer disso? Talvez o meu conceito de esperança e ambição não batesse com a realidade. E quando isso acontece, o conceito tem sinais de um preconceito, ou de uma inadequação à moda, movimento e movie. Uma rejeição ao movie árido de poesia nas telas. Então a política me acordou. Quando vejo a direita no Brasil cair em campo contra o filme Aquarius numa repetição, pois a direita é um longo replay, do que fizeram contra Dom Helder Câmara para que ele não fosse premiado com o Nobel da Paz, quando leio a repetição dos golpes conservadores, acordo e vejo. O filme Aquarius está consagrado. Em uma coletiva de imprensa concorrida, repleta de jornalistas estrangeiros, o diretor Kleber Mendonça Filho nos mandou este recado:
"Essa divisão no Brasil está trazendo o pior dos dois lados, especialmente da direita, com atitudes fascistas. Há deputados que dizem no Congresso que uma mulher não deve trabalhar porque engravida. Aquarius é um filme de resistência e um pouco filme de sobrevivência, mas mais filme sobre a energia que é necessário para existir. Cansa, mas dá mais energia para continuar a lutar”.
Talvez Aquarius não seja o filme que a minha equivocada ambição sonhou. Talvez todo o cinema de Pernambuco ainda não fale para o mundo, como se anunciava na voz do locutor da Rádio Jornal do Comércio: “Pernambuco falando para o mundo”. Mas Aquarius na voz do cinema fala. A sua repercussão nos jornais do planeta é prova, e nos presenteia com a melhor notícia da semana. Tanto que a gente estava precisando de uma boa-nova. Este é um filme que não vimos e já gostamos.
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