Direitos que você tem hoje, como aposentadoria, férias, 13o salário, limite de jornada de trabalho, descanso aos finais de semana, piso de remuneração, proibição do trabalho infantil, licença maternidade não foram concessões vindas do céu. Mas custaram o suor e o sangue de muita gente através de diálogos e debates, demandas e reivindicações, paralisações e greves, não só no Brasil, mas em todo o mundo.
É função de empregadores e políticos fazerem parecer que foram eles que, generosamente, ofereceram direitos. E função da História contada pelos vencedores registrar isso como fato inquestionável, retirando do povo, a massa muitas vezes amorfa e sem rosto, o registro dessas vitórias.
Desde que as Reformas da Previdência e Trabalhista foram apresentadas, o governo federal teve que ceder em alguns pontos devido à pressão social. Foram poucos, sem dúvida. Mas isso beneficiou desde o trabalhador assalariado que vê a vida passar do sofá da sala, chamando de ''comunistas'' todos que reclamam das reformas, até aqueles que resolvem ir à luta. Sim, ironicamente muita gente se beneficia do resultado obtido por aqueles que costumava xingar.
Não é de hoje que, na tentativa de menosprezar uma reivindicação de trabalhadores, nega-se a eles exatamente essa identificação. Afirma-se que quem entra em greve não é trabalhador porque, naquele momento, não está trabalhando. Aplicando essa lógica absurda a outros exemplos, quem viajar para fora do Brasil deixaria de ser brasileiro.
Ou seja, nessa lógica, o trabalhador só merece ser tratado como produtivo à sociedade se estiver sempre trabalhando. Caso exerça seu direito, previsto na Constituição, de parar para protestar, torna-se o oposto – que, numa concepção distorcida significa preguiça e indolência.
Ele tem todo o direito a ter sua opinião e a expressa-la quando quiser. Mas também temos a liberdade de lembrar que, durante muito tempo, a polícia exigiu a carteira de trabalho para definir se alguém era ''uma pessoa de bem'' por aqui.
A caracterização como ''vagabundos'' daqueles que resolvem cruzar os braços e protestar por direitos não é nova e nem foi inventada por políticos brasileiros.
Quem visita a cidade de Chicago, nos Estados Unidos, encontra uma frase gravada em um monumento: ''Chegará o dia em que o nosso silêncio será mais poderoso do que as vozes que vocês estrangularam hoje''. Ele foi erguido em memória de uma greve que começou no dia Primeiro de Maio de 1886, exigindo a redução da jornada de trabalho para oito horas por dia, tocada por trabalhadores que foram chamados de vagabundos. Resultado: a polícia abriu fogo contra a multidão, mas a data foi escolhida para ser um dia de luta em todo o mundo por condições melhores de vida. Menos nos Estados Unidos, em que o Labor Day é na primeira segunda de setembro.
Só o trabalho gera riqueza. E o silêncio de trabalhadores, que se reconhecem como tais, percebem a injustiça que, muitas vezes, recai sobre eles e resolvem cruzar os braços, não apenas aumentou salários ou criou aposentadorias, mas já ajudou a derrubar regimes, a democratizar países, a mudar o rumo da história.
Mahatma Gandhi pediu para que trabalhadores cruzassem os braços e entrassem em greve, não por melhores salários, mas pela independência da Índia junto ao Reino Unido. Martin Luther King fez o mesmo pelo direitos civis de mulheres e homens negros diante do racismo institucionalizado nos EUA. É dele a frase: ''a greve, no fundo, é a linguagem dos que não são ouvidos''.
Nelson Mandela foi chamado de vagabundo por querer que a África do Sul parasse contra o apartheid. A paralisação das operárias russas contra a fome e contra a participação do país na Primeira Guerra precipitou os acontecimentos que desencadearam a queda do regime imperial em 1917. Esse povo não protestou apenas em finais de semana e feriados, ou seja, em seu ''tempo livre''.
Quero comparar essas figuras citadas com nossos líderes nacionais? Nunca, seria um crime histórico. O que discute-se aqui é até que ponto somos capazes de furar a programação que nos foi incutida, de criminalizar quem cruza os braços. Você pode discordar da greve. Mas não julgue alguém que concorda sem subsídios para tanto.
Manifestações que questionam a desigualdade e a injustiça social, mais do que a política em si, tendem a ser reprimidas pela força pública. São vistas como subversivas. As ''ordeiras'', que não mexem com a estrutura econômica e social do país, não. Têm direito até a catracas de metrô liberadas.
Tudo isso acaba por criar uma ''nova língua''. Paulo Mathias, prefeito regional de Pinheiros, município de São Paulo, gravou um vídeo mostrando que trabalhadores iriam dormir nas dependências do prédio para trabalharem nesta sexta de greve geral. Nele, diante de trabalhadores visivelmente constrangidos, afirmou: ''Sou a favor do direito à greve, mas não em dia de trabalho.'' Foi parabenizado pelo chefe.
O que ele disse é equivalente a pedir X-burguer sem queijo ou um cachorro-quente sem salsicha.
Temos diversas formas de silêncio. O poder não está no silêncio das bocas fechadas que aceitam as coisas como elas são porque acreditam que nada pode mudar e que ficam felizes se ganharam uma TV do sindicato pelego no feriado.
Mas dos braços parados que se negam a produzir riqueza sem que um diálogo aberto e franco com os empregadores seja estabelecido. Trabalhadores são fortes. Pena que se esquecem disso.
Vinte especialistas em economia, matemática, engenharia e computação analisaram a metodologia que o governo usou para justificar a Reforma da Previdência. Eis a conclusão: os números fornecidos não apenas contrariam as políticas econômicas traçadas pelo próprio Ministério da Fazenda – como a PEC do Teto de Gastos e a Lei da Terceirização – como também se chocam com princípios básicos de matemática financeira e de estatística.
Em uma audiência pública da Comissão Especial da Reforma da Previdência, no dia 15 de março, representantes do Ministério da Fazenda entregaram aos deputados um CD com explicações sobre os cálculos do famoso “rombo da previdência”. O disco continha três avisos ministeriais em formato PDF (que você pode ler clicando aqui, aqui e aqui) e um arquivo em formato Excel com 423 planilhas. O material foi repassado a especialistas da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), que trabalharam em colaboração com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e com o Sindicato Nacional dos Servidores Públicos Federais na Área de Ciência e Tecnologia do Setor Aeroespacial (SindCT).
Manifestantes tentam entrar na Câmara em protesto contra reforma da Previdência, no dia 18 de abril de 2017.
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Eles desenvolveram um software para rodar os dados e checar as informações. Em nota técnica enviada aos deputados da Comissão, a que The Intercept Brasil teve acesso, os analistas afirmam que as informações fornecidas foram insuficientes e não permitem estimar nem minimamente os impactos da reforma proposta pelo governo:
“Continuam sem respostas as questões que se referem a como foram realizadas as projeções atuariais da proposta de reforma previdenciária e quais os seus impactos em termos de número de pessoas afetadas.”
Erros levam “rombo da previdência” a ser superestimado
Segundo a nota entregue aos deputados, as estimativas do governo “superestimam a população de idosos e subestimam a população de jovens”. Isso acontece porque a base de dados populacionais utilizada é a PNAD e não as projeções e estimativas da população, ambas feitas pelo IBGE. Para se ter uma idéia da diferença, em 2014 — ano usado como base de cálculo para a maioria das previsões da Previdência — as duas pesquisas davam estimativas divergentes para a população acima de 50 anos prevista para 2060, com uma diferença de 7 milhões de pessoas entre elas.
Policiais protestam contra a PEC da reforma da Previdência em frente ao Congresso Nacional no dia 18 de abril de 2017.
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
O economista Claudio Puty, professor da Universidade Federal do Pará e um dos autores da análise, critica a pretensa precisão acerca do futuro. Ele explica que, quando se tratam de previsões a longo prazo, caso da proposta de Reforma da Previdência, o comum é que analistas façam pelo menos três “possíveis cenários”, considerando as variáveis socioeconômicas (por exemplo, saída da crise econômica a longo, médio ou curto prazo). Não é esse o método adotado pelo governo, que usa um tom determinista com apenas um cenário possível:
“Se eles dissessem que estão sendo conservadores para ter um cuidado maior, mas não é o caso. O problema é que você não publica intervalos de confiança, a famosa margem de erro. Você pode imaginar, com uma previsão visando 2060, que a variação de confiança é muito ampla. Mas eles tratam com uma certeza pseudo-científica.”
As estimativas do governo também subestimam o potencial de contribuição a ser arrecadado. O número de desempregados cresceu 9,3% em 2014, segundo a PNAD. Usar estes dados como base de cálculo afeta negativamente o número estimado de contribuintes, puxando para baixo a previsão de receita previdenciária. Além disso, ao usar dados de 2014, a conta ignora possíveis consequência das ações do próprio governo, como a Reforma Trabalhista e a terceirização.
Michel Temer toma café da manhã com deputados e senadores da base aliada sobre Reforma da Previdência, no dia 18 de abril de 2017.
Foto: Marcos Corrêa/PR/Agência Brasil
O cálculo do salário mínimo também apresenta erros. O crescimento anual previsto nos documentos está na média constante de 6%, enquanto a inflação e o PIB caem. Como os dois índices servem de base de cálculo para o reajuste do mínimo, a não ser que fórmula do salário mínimo mude, a conta não fecha.
“Ao manter esse padrão de correção do salário mínimo, as estimativas do modelo atuarial são contraditórias com as mudanças legislativas promovidas pelo próprio governo, como é o caso daquelas oriundas da aprovação da PEC do Teto dos Gastos” criticam os analistas.
O que está faltando nos dados apresentados?
Segundo os analistas, o governo não apresentou as fontes de muitos dos números utilizados, nem explicou quais os cálculos e fórmulas matemáticas foram utilizados para se chegar às previsões catastróficas que justificariam os cortes drásticos na Previdência Social.
Quando se clica no botão “fonte” para saber de onde vieram os números da planilha apresentada pelo governo, a informação não aparece em em muitas das tabelas.
O governo não apresentou as fontes de muitos dos números utilizados
Solon de Carvalho é pesquisador titular do Laboratório Associado de Computação e Matemática Aplicada no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e participou da avaliação dos arquivos entregues pelo governo. Ele conta que o formato e a qualidade dos arquivos dificultaram a avaliação dos dados:
“Os três avisos foram escaneados de forma torta e pouco legível. Trabalhamos para analisar na melhor maneira. O arquivo de Excel continha 423 planilhas onde colaram apenas os valores, excluindo as fórmulas que levaram a esses números. Por isso, se tornou um quebra-cabeças matemático.”
Fragmento de um dos avisos ministeriais enviados à Comissão; a tabela reproduzida no documento é ilegível.
Carvalho explica que, nos cálculos do governo, é como se os índices do mercado de trabalho estivessem congelados. O matemático critica duramente essa metodologia, afirmando que ela compromete a credibilidade dos resultados:
“Como é que pode alguém se basear em previsões que têm erros como o congelamento de todas as variáveis econômicas? E por que eles estão usando especificamente os dados de 2014? Henrique Meirelles [ministro da Fazenda] disse recentemente que, se nada for feito, em 2060 as despesas da Previdência subirão para 17,2% do PIB. É o quarto ou quinto número a que eles chegam em poucos meses. Como eles chegam a esses números? E, ainda por cima, na precisão de décimos… O problema não é a previsão, é o determinismo. Então todo mundo sabe de tudo que vai acontecer até 2060? Mas, isso, ninguém explica.”
Aviso ministerial entregue à Comissão em março dizia que as despesas com a Previdência custariam 16,7% do PIB até 2060 mas, um mês depois, ministro Meirelles falava em 17,2%.
Ausência de dados impede cálculos dos efeitos
Os economistas também sentiram falta de uma simulação que mostre os impactos da reforma – para além dos impactos fiscais – caso ela seja efetivada. Eles se dizem incapacitados de fazer esse cálculo porque faltam números no material entregue. Para isso, seria necessário que as planilhas digitais apresentassem um conjunto de informações mais detalhadas.
Relatório ministerial entregue em março à Comissão, não entra em detalhes sobre os impactos socioeconômicos da reforma, com gráficos simples e focados apenas nos resultados fiscais.
Carvalho cita um exemplo: a única análise de renda feita é a diferenciação entre quem ganha um salário mínimo e quem ganha mais do que um salário mínimo. O matemático lembra que o Brasil é muito mais plural que isso. Também explica que uma análise detalhada das demais faixas de renda demonstrá perda significativa do poder de compra da aposentadoria de quem ganha entre dois a dez mínimos.
“Esses dados existem, é claro, porque existe um cadastro da Previdência. Mas eles não dão.”
Outra projeção que faltou foi a do impacto da exigência de idade mínima sobre a contribuição. Algumas pessoas poderiam se sentir desestimuladas a contribuir – uma vez que só poderão se aposentar, no mínimo, aos 65 anos – e passar a investir somente em pacotes de previdência privada.
Michel Temer discute Reforma da Previdência durante café da manhã com deputados e senadores da base aliada, no dia 18 de abril de 2017.
Foto: Marcos Corrêa/PR/Agência Brasil
Os números de novos planos de previdência privada já registraram um crescimento de 26%. Esse percentual é referente apenas ao último mês de novembro, segundo levantamento feito pela Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (FenaPrevi). Apenas em novos planos abertos naquele mês, foram acumulados R$ 11,26 bilhões. A FenaPrevi não divulgou novos dados desde então.
Para calcular o impacto da mudança na idade mínima no volume de contribuição seria necessário ter informações detalhadas sobre o tempo e o volume de contribuição por faixa etária, algo que não consta na base de dados. Puty questiona os motivos da ausência de dados e acusa: “Esses dados existem, é claro, porque existe um cadastro da Previdência. Mas eles não dão”.
Foto do topo: Policiais protestam contra a PEC da Reforma da Previdência em frente ao Congresso Nacional no dia 18 de abril de 2017
Nas imagens da CNN estranhamente a câmera parece dar a deixa para as ações na Champs Élysées: quando veem a câmera bombeiros e paramédicos começam a correr não se sabe para onde, enquanto cruza a cena policiais antimotim com escudos, capacetes fortemente armados em fila – para onde estão indo se a área foi isolada e o atirador já está morto? Inúmeras anomalias marcaram mais um não-acontecimento às vésperas das eleições presidenciais na França. E como sempre (Londres, Berlim, Nice, Bataclan, Charlie Hebdo etc.) mais recorrências e sincronismos. Enquanto a Ciência tenta compreender a realidade a partir de fenômenos recorrentes e eventos sincrônicos, o Jornalismo ainda crê em acidentes, no acaso e nas fatalidades. Para a grande mídia, fora desse mundo no qual Deus parece jogar dados com os acontecimentos, estão à espera os paranoicos teóricos da conspiração. Mas dessa vez a “coincidência” entre os tiros no boulevard mais famoso do mundo e o debate eleitoral num estúdio de TV foi além da conta...
A busca por recorrências (regularidades mensuráveis e exteriores ao sujeito) é uma das abordagens do método científico. Procura por redundâncias que possam indicar padrões. Importante por apontar possíveis funções e interações até então desconhecidas. Tão importante que para a Teoria da Informação é o próprio fenômeno informacional: redundâncias são a base dos modelos matemáticos que permitem a codificação de uma informação.
Saindo das ciências exatas, existem também as denominadas “coincidências significativas”, que o psicanalista Carl G. Jung definiu como “sincronicidades” – acontecimentos que se relacionam não por relação causal, mas por relação de significado.
Porém, quando entramos no Jornalismo tudo muda de figura: se alguém procurar sentido em recorrências ou sincronismos será pejorativamente chamado de “teórico da conspiração”.
Por que toda semana ocorrem incêndios em favelas na cidade de São Paulo? Um repórter investigativo que abandonasse o “como” e procurasse o “porquê” nesse caso, seria no mínimo considerado um paranoico com viés esquerdista. Ora, incêndios acontecem. Ainda mais com tantos “gatos” com fios desencapados na rede elétrica desses lugares... Não importa se é um fenômeno eminentemente paulistano. Buscar conexões em recorrências pode “queimar” (desculpe o trocadilho) a carreira de um repórter.
O pior é que no jornalismo e nos fatos que a mídia cobre, além de recorrências e sincronismos ignorados, existem ainda anomalias – fatos que se assemelham a falhas narrativas, ou, como dizia o escritor Norman Mailer, “espasmos da realidade”.
Como, por exemplo, a estranha “gafe” de Donald Trump que em um discurso em fevereiro falou sobre um atentado na Suécia que até então não tinha ocorrido. Foi ridicularizado como um presidente “mentalmente perturbado”. Dois meses depois o mundo soube da morte de quatro pessoas atropeladas por um caminhão que invadiu uma calçada em Estocolmo. Previsão? Antecipação involuntária de agenda? Nunca vem ao caso – sobre isso clique aqui.
Recorrências, sincronismos e anomalias são desprezados pelo Jornalismo da grande mídia. São “teorias de conspirações”. Convém apenas reproduzir sempre as versões mais “críveis” das autoridades e das grandes agências de notícias internacionais.
Hipótese Fox Mulder
O próprio cinema parece reforçar esse estereótipo com personagens sempre histéricos, obsessivos e paranoicos envoltos com ideias fixas de conspirações. O que faz cair naquilo que o Cinegnose chama de “Hipótese Fox Mulder” – se o cinema transforma a busca por recorrências em ficção protagonizada por tipos sociopatas paranoicos, quando vemos no mundo real essa mesma busca imediatamente rotulamos como “coisa de cinema”, “conspirações hollywoodianas” etc. – clique aqui.
Por isso é simplesmente inacreditável como, em mais um ataque (dessa vez na icônica Champs Élysées), a grande mídia reporte a mesma cadeia de eventos, as mesmas anomalias e os mesmos sincronismos sem levantar uma simples questão: por que o mesmo modus operandi?
Enquanto era transmitido pela TV o último debate entre os candidatos à presidência, às 21 horas, em plena Champs Élysées, um Audi 80 prata parou ao lado de uma van da polícia estacionada em frente à estação de metrô Franklin Roosevelt. Um atirador (ou dois em outras versões) saiu do carro e abril fogo contra os policiais.
O que criou uma onda de pânico com pessoas correndo em todas as direções, turistas em fuga atropelando cadeiras e mesas de bares e restaurantes que apagaram as luzes para se proteger de outros possíveis disparos.
Em uma eleição acirrada na qual os candidatos (Marine Le Pen da extrema-direita, Emmanuel Macron e François Fillon da direita e centro-direita e Jean-Luc Mélènchon da esquerda) estão quase empatados, a última semana foi marcada por especulações da grande mídia sobre supostas ameaças de novos atentados.
Dois dias antes do tiroteio, autoridades policiais anunciaram prisões de suspeitos de “mais um ataque frustrado” (clique aqui).
Pois aqui começam as recorrências, anomalias e sincronismos de mais um não-acontecimento.
Recorrências
(a) Um lobo solitário
Como sempre, mais um atirador solitário. Daqueles que, apesar dos extensos esforços da polícia e inteligência e do estado de emergência decretado na França desde os atentados anteriores, consegue escapar do radar da autoridades: condenado em 2005 por atacar policiais e preso nesse ano como “possível radical islâmico”, foi solto por “falta de evidências”. São os mesmos lapsos repetidos em incidentes como os de Nice.
(b) Queima de arquivo?
O desfecho dos ataques são aborrecidos e previsíveis: o vilão sempre morre como fosse alguma queima de arquivo. Se houvesse mesmo algum esforço dos líderes do Ocidente para desbaratar células terroristas e destruir o Estado Islâmico, seria prioritário a captura de terroristas vivos para interrogá-los. Mas mortos não falam...
(c) O suspeito notório
Dias antes, o primeiro ministro da França Bernanard Cazeneuve afirmou que 50 mil policiais e gendarmes, assim como sete mil soldados, foram mobilizados para salvaguardar as eleições e proteger locais de votação do terrorismo. Mas apesar de todo estado de emergência nacional, polícia e serviços de inteligência mobilizados, foram estranhamente incapazes de monitorar os passos de um suspeito preso e liberado nesse ano.
(d) Local icônico do atentado
Charlie Hebdo, Bataclan, Nice, Parlamento Britânico e Big Ben, boate Pulse e, agora, Champs Élysées com a imagem dominante do Arco do Triunfo. As imagens das tropas nazistas atravessando o Arco na ocupação de Paris na Segunda Guerra Mundial transformaram esse monumento em um ícone do século XX.
São lugares símbolos da democracia, liberdade de opinião e estilo de vida hedonista do Ocidente. Se argumentarmos que os terroristas procuram esses lugares justamente para tornar mais visíveis seus ataques como atos de propaganda, entraremos num raciocínio tautológico – acontecem para ocupar a mídia e a mídia os repercute alimentando mais atentados, resultando num fim em si mesmo.
Portanto esses ataques recorrentes abandonariam o campo do terrorismo internacional para ingressarem nos fenômenos midiáticos: os não-acontecimentos. De arma política para supostamente desestabilizar o Ocidente para uma prática diversionista midiática.
(e) Foi extremismo islâmico e não se discute!
Embora as autoridades policiais inicialmente relatassem uma tentativa de assalto, logo depois os dois lados quase simultaneamente vieram a público confirmar um atentado terrorista: em pronunciamento direto do Palácio do Eliseu, o presidente François Hollande confirmou a “ordem terrorista” e a sua “determinação para lutar contra o terrorismo” (mesmo que seja “queimando arquivos” vivos); e do outro lado, o grupo jihadista também com a rápida confirmação da Amaq, agência oficial do Estado Islâmico.
Aliás, notícia devidamente transmitida pela TV imediatamente após o debate entre os candidatos às eleições presidenciais.
(f) A “bala de prata”
Nas eleições brasileiras, sempre é disparada a chamada “bala de prata” para liquidar o adversário mais odiado pela grande mídia, no último instante, no fim da campanha eleitoral para impedir qualquer direito de resposta: a capa da revista Veja dizendo que “Lula e Dilma Sabiam”, o dossiê dos “aloprados do PT” e imagens das pilhas de dinheiro para pagá-lo etc.
Da mesma maneira os tiros na Champs Élysées foi a “bala de prata” mais previsível em uma eleição apertada na qual o tema mais explosivo era a questão dos refugiados, imigrantes e terrorismo. Cantada a bola por toda a semana pela grande mídia, a morte do policial no boulevard mais famoso do mundo a tiros foi um acontecimento oportuno a poucos dias das eleições.
(g) Pistas para facilitar a polícia
Desde os ataques do 11 de setembros nos EUA em 2001, sempre é encontrado junto ao corpo do terrorista morto, ou mesmo nas proximidade (no carro, jogado no chão, caído em um monte de lixo etc.) algo que identifique o atirador (ID, carteira de motorista etc.) ou que o caracterize como terrorista islâmico. Se essas variáveis não estiverem presentes, antes de perpetrar o massacre ou explodir a si próprio, ele simplesmente pode gritar “Allahu Akbar!” (“Deus é Grande”).
E na Champs Élysées foi encontrado perto do corpo da terrorista uma “nota que pode ter caído do corpo do atirador”: uma mensagem escrita à mão “em defesa do Estado Islâmico”. Além de massacrar, matar ou dar cabo de si mesmo, é incrível a preocupação doa terroristas em carregar alguma identificação... – clique aqui.
Anomalias
(a) A testemunha conveniente
Uma testemunha chamada Chelloug tornou-se a estrela da grande mídia. Com riqueza de detalhes descreveu o carro dos terroristas (Audi, velho, cinza...), a arma do atirador (uma russa Kalishinikov), a reação de pessoas na multidão, a reação dos turistas, o número de tiros (seis) etc. Uma riqueza de detalhes surpreendente para um ataque que pegou todos de surpresa - clique aqui para ver o depoimento pela Sky News.
Pelo detalhismo das informações, por que ao invés de dar entrevistas não foi conduzido à delegacia para contar o que viu?
(b) Onde está todo mundo?
Champs Élysées é uma das áreas com o tráfego mais pesado em Paris, para a qual convergem multidões de turistas. Aliás, a escolha do local para o atentado faria todo sentido para um terrorista: provocar pânico e mortes em massa.
Porém, como mostra o vídeo acima com os supostos atiradores, no momento do ataque aos policiais na van não há um único carro passando ou pedestres à vista. Estranhamente parece que antes de tudo acontecer o local foi fechado para que a polícia tivesse todo o controle da cena.
(c) Ambiguidades
Pela história oficial o atirador fugiu e mais tarde foi morto a tiros. Mas, segundo atestemunha-estrela, assim que o policial abriu a porta da van o terrorista caiu. Testemunhas não identificadas falaram em ter ouvido o que acharam ser de “fogos de artifício”. Outros, de imediato identificaram como tiros de uma arma.
Porém, o mais inacreditável é que o Estado Islâmico reivindicou a autoria do atentado glorificando o mártir errado: a agência Amaq alegou que o atirador era Abou Yousef al-Belgiki(Abu Yousef, o belga). No entanto, o terrorista morto a tiros identificado era Karim Cheurfi (francês e não belga). Será que os serviço de segurança terá que mudar sua história quando a grande mídia descobrir que o atirador era francês?
(d) Sorria! Você está sendo filmado
As imagens transmitidas para todo o mundo impressionam: apesar do atentado supostamente ter apenas um atirador que já estava morto, víamos nas imagens uma fila de carros de polícia antimotim ocupando a Champs Élysées.
Toda a área foi isolada e a população retirada do local para a polícia ter controle total da cena. Para então observarmos anomalias parecidas com as observadas na cena do atentado de Berlim no final do ano passado quando um caminhão invadiu uma feira de Natal atropelando pedestres: policiais sorrindo e conversando animadamente mesmo diante de uma suposta tragédia.
Mas em Champs Élysées teve algo a mais: parecia que as câmeras davam a dica para as ações e deslocamentos de policiais, paramédicos e investigadores. Por exemplo, podemos observar nas imagens da CNN o seguinte: assim que veem a câmera, bombeiros e paramédicos começam a correr – onde estava a emergência? De repente param de correr quando pensam terem saído do foco da câmera e começam a rir - assista ao vídeo acima aos 4:29 min.
No meio de tudo cruza a cena bizarra uma fila de policiais antimotim com escudos, capacetes e armas apontadas para frente como estivessem prontos para alguma ação repressiva. Onde estava o motim? Qual era a ameaça se o atirador já estava neutralizado e a área isolada?
Tudo estranhamente parece lembrar a cidade de Seaheaven no filme Show de Truman: todos os figurantes tinham seus lugares marcados nas ruas para enganar o pobre Truman e fazê-lo acreditar que aquele programa de TV era a própria realidade.
Sincronismos
(a) Confirmação ao vivo na TV
Enquanto no debate ao vivo pela TV o principal tema era o extremismo islâmico, destacando que desde 2015 jihadistas já teriam mortos 238 pessoas na França, eis que chegam notícias de mais um atentado perto dali.
E, sincronicamente, logo após a fala da candidata de extrema-direita Marine Le Pen, como fosse uma triste confirmação da veracidade do discurso xenofóbico da candidata.
Como uma espécie de profecia autorrealizável, durante a transmissão das imagens de uma Champ Élysées com uma fila imensa de viaturas policiais com as giroflex piscando compondo a atmosfera de emergência e tragédia, repórteres e analista eram uníssonos: aquele ataque pode influenciar as eleições na França!
Tal afirmação repetida como um mantra certamente produzirá o efeito autorrealizável.
(b) Quem Ganha?
O que nos leva a essa pergunta simples e direta para qualquer repórter investigativo, assim como a famosa questão “follow the money” – “siga o dinheiro”.
Ninguém na grande mídia se pergunta o porquê do timing, oportunismo e a incrível sincronização dos tiros no boulevard mais famoso do mundo no momento em que, perto dali, acontecia um debate eleitoral decisivo.
De mesma forma como ninguém se incomoda pelo sincronismo perfeito dos incêndios semanais de favelas em São Paulo e os interesses da especulação imobiliária na cidade.
Quem sempre ganha com esses “acidentes” e “atentados”? Essa é uma pergunta que parece ser formulada apenas pelos chamados “teóricos da conspiração”. Jornalistas creem em coisas mais sérias e empíricas como o acaso, o aleatório, o acidente e a fatalidade.
Talvez seja alguma profunda convicção religiosa, tão extremista como a dos radicais islâmicos: Deus joga as nossas vidas com dados. Com informações da Aangirfan, Sky News, Zero Hedge, YourNewsWire, Folha de São Paulo, Fake News Alert, Time World.