Somente a pressão dos eleitores pode conter e reverter a pressão dos financiadores
A Proposta de Emenda Constitucional 287 de 2016, que dispõe sobre as
regras para aposentadoria e propõe alterações na seguridade social,
revela a face absolutamente pró-mercado e antissocial dos seus
artífices, no Executivo e no Legislativo.
Os números e os critérios que o Governo do presidente Michel Temer
utiliza para apoiar a versão do déficit são de uma fragilidade
constrangedora — para não dizer de uma falsidade escandalosa — seja
porque desconsideram as variadas fontes de financiamento do Sistema de
Seguridade Social previstas na Constituição Federal, seja porque ocultam
os efeitos da agressiva e, muitas vezes, irresponsável política de
renúncia fiscal, seja porque cristalizam a condescendência estatal com a
criminosa sonegação fiscal, ou porque sacralizaram o mecanismo da
Desvinculação das Receitas da União (DRU), ou seja, por fim, porque
fazem da base de cálculo atuarial uma peça tão catastrófica quanto
obscura.
À medida em que perde terreno no debate público, o Governo acentua a
narrativa do caos e o recurso da chantagem, como se viu na recente
declaração do presidente Temer de que o Brasil vai parar se a reforma
não for aprovada. Ademais da chantagem, o Governo aumenta a pressão
sobre a sua base parlamentar, em resposta à cobrança que vem sofrendo
daqueles que o sustentam: os agentes do mercado, em especial o
financeiro, que rondam os potenciais clientes, como um carcará ronda a
frágil presa.
A PEC 287/2016 expõe com muita nitidez os dois lados desse embate: de
um lado, o mercado, os financiadores da maioria política, os predadores
dos direitos mais elementares da cidadania, os vorazes sugadores do
orçamento público, via, por exemplo, sonegação tributária, renúncias
fiscais e privatizações; e do outro, os contribuintes de fato, os
eleitores, os que vivem de salário, os que dependem dos serviços
públicos e da assistência do Estado.
É nesse mar turvo, refratário ao diálogo e à transparência, que se
ergue uma onda de conscientização da sociedade frente aos seus direitos.
Refiro-me à crescente mobilização popular — multifacetada e
multicolor — em defesa da Previdência Pública e, por óbvio, contra ao
que propõe o texto da PEC 287.
Recente pesquisa encomendada pela Federação Nacional do Fisco
Estadual e Distrital (Fenafisco) — realizada pelo site jornalístico
Congresso em Foco, em parceria com o Instituto Brasileiro de Pesquisa e
Análise de Dados (IBPAD) — buscou a opinião de líderes e presidentes de
partidos, presidentes de comissões permanentes e de inquéritos para
aferir as tendências predominantes nas duas casas legislativas quanto ao
relacionamento com o Governo Federal e às políticas públicas, bem como a
influência de grupos organizados e instituições na pauta parlamentar.
Os resultados apontam evidências animadoras e indicam que a sociedade
pode virar o jogo em defesa de seus direitos e na contracorrente do que
pretende o governo.
Realizada a partir de entrevista estratificada com 44 parlamentares —
senadores (15% dos entrevistados) e deputados (85% dos entrevistados),
entre líderes influentes, sendo quase três quartos (74%) de
parlamentares da base do Governo atual, a pesquisa revela que o Governo
não conta com uma maioria tão sólida quanto desejava e quanto necessária
para a imediata aprovação da PEC da Reforma da Previdência.
Perguntados sobre se "As contas da Previdência Social informadas pelo
governo estão corretas", 31% dos entrevistados responderam que
"Concordam Plenamente" e 23% que "Concordam Parcialmente", enquanto 31%
responderam que "Discordam Plenamente" e outros 9% responderam que
"Discordam Parcialmente". Trocando em miúdos, menos de 1/3 dos
entrevistados confia totalmente na versão oficial sobre o rombo da
Previdência. Em um universo em que 74% dos entrevistados fazem parte da
base do Governo, esse resultado é, no mínimo, desolador para as
pretensões do presidente Temer.
Frente aos caminhos e questionamentos que se abrem, um Governo de
viés democrático não apenas se permitiria escutar a voz da sociedade,
como abrir-se-ia para corrigir rumos. Não é o caso do atual que, diante
do clamor popular, ignora as dúvidas e angústias daqueles que criticam e
alertam, reagindo com desdém e soberba.
Não será fácil resolver tal dilema. E é importante que não o seja.
Afinal, o caixa da Previdência Social no Brasil precisa de fato ser
aberto e exaustivamente discutido. O Governo tentará impor o que deseja a
passos largos e rápidos, sob pesados custos. Mas os eleitores emitem
sinais claros aos eleitos de que não aceitarão pagar mais essa conta.
O que nos anima e ao mesmo tempo perturba os financiadores é que a sociedade resolveu entrar no jogo com disposição de ganhar.
Se é legítimo que os donos do dinheiro pressionem os políticos para
aprovarem a Reforma da Previdência conforme os seus interesses, é ainda
mais legítimo que nós — os donos dos votos — pressionemos os políticos a
votarem conforme os nossos interesses. Afinal, o fundamento que dá
sentido a um país que se declara e pretende democrático, segundo o qual
"Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes
eleitos ou diretamente..." (CF, Art. 1o, Parágrafo único), não pode
seguir sendo mera figura de retórica constitucional.
Mais do que nos darmos por satisfeitos com a opinião de 74% dos
líderes políticos que consideram que a PEC 287 precisa de mudanças
substanciais para ser aprovada, é preciso intensificar a luta popular
para que o texto em discussão na Câmara dos Deputados seja rejeitado
pela maioria do Congresso Nacional.
Somente a pressão dos eleitores pode conter e reverter a pressão dos financiadores.
Esse foi o recado dado aos políticos. Quem não quiser entender, que pague para ver.
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