Espera-se para esse
ano o lançamento de dois filmes nacionais que aproveitam a atmosfera da atual
crise política. O thriller judiciário “Polícia Federal: A Lei é Para Todos” e
um “thriller econômico” - “Real: O Plano por Trás da História”, sobre o Plano Real
e a derrota da hiperinflação. “Esculhambação da Polícia Federal e do
Judiciário” (pelo fato da PF ter cedido equipamentos, gravações de vídeos e
informações sigilosas para uma produção privada sobre uma investigação ainda em
andamento) e “propaganda tucana” foram algumas reações das esquerdas. Qual é a
surpresa? Como em toda a História, os conquistadores chegam ao poder
determinados a exterminar os vencidos. Desde o nazi-fascismo esse extermínio
tornou-se simbólico por meio da “Guerra Total”: a conquista de corações e
mentes através do cinema e audiovisual. Assim como o Governo dos EUA fornece
armas, aviões e soldados reais para as produções patrióticas hollywoodianas, a
PF transforma sua sede de Curitiba em “laboratório de interpretação” para os
atores. Dentro do espectro político, quanto mais nos dirigimos à direita vemos
uma aplicação mais eficiente das armas da comunicação. Como demonstrou Donald
Trump na semana passada em suas incursões pela Internet e redes sociais nas
madrugadas.
Desde as grandes manifestações de 2013-14, os
movimentos que resultaram no impeachment e a posse do desinterino Michel Temer
funcionaram com a precisão de um relógio suíço ou como fosse uma tacada certeira
num jogo de sinuca – uma bolinha bate na outra até todas caírem nas caçapas.
Começou com ondas de choque na opinião pública por
meio de bombas semióticas detonadas pela grande mídia (sobre o conceito de
bombas semióticas clique aqui), a crise econômica autorrealizável, o
impeachment de Dilma, o “tic-tac” preciso das decisões do STF, a desconstrução
do sistema partidário pela Operação Lava Jato deixando o poder vago para ser
ocupado pela Polícia Federal, as reformas trabalhistas e previdenciárias a
fórceps e o desmonte dos setores estratégicos do País como a engenharia,
petróleo e energia nuclear.
Esse grande arco golpista
político-jurídico-midiático não está para brincadeira, cuja ação se assemelha a
uma blitzkrieg planejada aqui e fora do País com tempos de antecedência
– sobre isso clique
aqui.
Tanto é verdade que o próximo passo é o da própria
legitimação através da narrativa ficcional cinematográfica. Tática com um claro
ardil: toda narrativa ficcional é caracterizada pela suspensão da descrença,
tornando irrelevante para roteiristas e espectadores saber se a história contada
é real ou não.
O que torna o filme uma perfeita peça de propaganda
pela possibilidade de esconder por trás da ficção intenções políticas ou
mercadológicas.
Cinema e percepção pública
É esperado para junho e julho desse ano duas
produções nacionais, claramente ferramentas muito mais do que de engenharia de
opinião pública, mas de percepção pública – reforçar predisposições
anteriormente criadas pelas sucessivas ondas de choque no contínuo midiático dos
últimos anos.
A primeira
produção é sobre investigações ainda em andamento pela Polícia e Justiça Federal
no âmbito da Operação Lava Jato: Polícia Federal: a Lei é para Todos do
diretor Marcelo Antunez; e a segunda, chamada Real: O Plano por trás da
História, filme com o propósito de inventar, por assim dizer, uma
“cosmogênese” - o marco inicial da história brasileira recente a partir da
derrota da hiperinflação pelo Plano Real nos anos 1990, perpetrado pelos
economistas da mesma banca financeira que atualmente é a eminência parda do
golpe político.
"Real: O Plano por Trás da História": super-heróis da banca financeira |
E ainda é esperado para o ano que vem uma série
Netflix sobre a Operação Lava Jato cujo diretor brasileiro José Padilha (Tropa
de Elite e o seriado Narcos) já antecipa em entrevistas seu
posicionamento: "Temer
e Dilma foram eleitos com dinheiro de caixa dois e de corrupção, aportado na
sua campanha por uma quadrilha que achacou o estado. Desde sempre estiveram
ilegais na Presidência da República. Todos nós sabemos disso”.
Pelo menos Padilha é sincero e não simula isenção e apartidarismo como os
diretores das produções que serão lançadas nesse ano.
“Esculhambação”
As esquerdas vêm denunciando as circunstâncias das produções desses filmes
como uma grave amostra da “esculhambação” em que se tornou a Polícia Federal e
o Judiciário: como pode ser lançado um filme sobre investigações ainda em
andamento no qual certamente a narrativa tomará partido? Como a Polícia Federal
cede imagens gravadas sobre a condução coercitiva de Lula para a produção do
filme Polícia Federal? E mais: como o
juiz Sérgio Moro permite o livre acesso de atores e produtores aos cárceres de
Curitiba e ainda entregando dados sigilosos do inquérito de Lula?
Segundo o ator Ary Fontoura (que interpretará Lula), tudo aconteceu “para
que pudesse trabalhar melhor o personagem”. Atores fazendo “laboratório de
interpretação” nas carceragens e tendo acesso a processos supostamente
sigilosos? Confraternizações entre produtores e atores com delegados da Polícia
Federal e procuradores?
Ary Fontoura: fazendo "laboratório" na PF |
Qual a surpresa?!?! Esse é mais um movimento calculado de uma estratégia
sistemática que, parece, só o PT e os governos lulopetistas foram pegos de
surpresa, resultado de anos de displicência em relação às políticas de
comunicação social.
Se, como falam, o juiz Sérgio Moro é o “homem das camisas pretas”, numa
referência às camisas pretas dos fascistas italianos e à inspiração de Moro na
Operação Mãos Limpas italiana, deveriam saber que esse passo cinematográfico do
golpe em andamento é uma histórica e conhecida tática de propaganda iniciada
com o nazi-fascismo na Segunda Guerra Mundial.
O consórcio formado pela mídia, judiciário, política e banca financeira
(para ficar apenas dentro do Brasil) chegou ao Estado. E agora, procurará se
legitimar por meio de uma narrativa audiovisual que o coloque em alguma lugar
na História.
O gênio do nazi-fascismo no cinema
No passado os povos conquistadores sempre dominavam os vencidos seja
através puro extermínio, pela “limpeza étnica” (estupros ou rapto de mulheres),
pela escravização ou o domínio das almas através da sistemática destruição de
todo traço cultural ou histórico – monumentos, arte, roubo de fortunas ou a
apropriação de simbolismos religiosos ou pagãos.
O gênio do nazi-fascismo foi substituir tudo isso pela conquista de
corações e mentes não só por meio das armas, mas também pelo cinema – a
essência da noção de blitzkrieg ou
“guerra total”. A guerra não é só travada no campo de batalha mas
principalmente no campo do imaginário e da estetização da política.
Hitler e Mussolini: obcecados pelo cinema |
Tanto Hitler como Mussolini eram obcecados por cinema. Depois de
nazistas e fascistas promoverem e financiarem ativamente filmes americanos que
promoviam valores arianos e fascistas como Capitain
Courageous (1937) ou The Eternal City
(1922, no qual o próprio Mussolini tinha participação) lançado no mesmo ano da
Grande Marcha dos fascistas (com camisas pretas) sobre Roma, tanto Alemanha como
Itália investiram nas produções
próprias.
Benito Mussolini inaugurando a versão hollywoodiana italiana, a
Cinecittà – Mussolini afirmou na inauguração e lançamento do filme Camicia Nera (Camisa Negra) que “o
cinema é a arma mais forte do regime fascista”; e Hitler estimulando
financeiramente a produtora UFA (Universum Film Aktien Gesellschaft), com
produção de filmes com temas nacionalistas, exaltação ao herói ariano,
militarismo e anticomunismo.
Como mostrou o filme Bastardos
Inglórios (2009) de Tarantino, após cada invasão relâmpago nazista em
países como a França, junto com os oficiais seguiam rolos de filmes alemães
para serem assistidos compulsoriamente pelos vencidos.
Da Cinecittà a Hollywood
A mundialização das produções hollywoodianas no pós-guerra foi a
continuidade da estratégia nazifascista. Apenas que agora não temos mais
oficiais levam rolos de filme para o front, mas empresas distribuidoras –
apesar de ações no campo de batalha como ocorreu na cidade de Cabul ao ser
invadida pelas tropas norte-americanas na guerra do Afeganistão pós-9/11:
carros com autofalantes circulavam na cidade tocando músicas de FMs dos EUA.
Calloni: mais um "laboratório" na PF |
Enquanto as esquerdas ficaram atreladas ao
economicismo e a tese de que a consciência de classe evoluiria juntamente com
as “condições objetivas da História” (ou de que as políticas
neodesenvolvimentistas dos governos petistas, fazendo as massas ascenderem ao
mercado de consumo, criariam inclusão e cidadania), a extrema-direita e
governos conservadores mantiveram o
agudo apreço pela comunicação – compreenderam a essência da propaganda
nazifascista.
Trump e o Twitter
Um exemplo foi dado na semana passada pelo
presidente norte-americano Donald Trump. No seu perfil do Twitter, em algum
momento depois da meia-noite, aparentemente Trump navegava pela Internet até
cair em um blog que é uma das referencias cinematográficas do Cinegnose: o 366 Weird
Movies, um blog especializado em “filmes estranhos”, cult e surrealistas.
Tuitou a seguinte mensagem:
“me deparei hoje com o @366 weird movies. É nisso que os liberais estão perdendo seu tempo. Triste”.
Por que Trump gastava seu tempo e indignação com um
blog de tão baixo tráfego devotado a filmes que certamente ele tem interesse
zero? Logo depois, temos a resposta:
“Por que o 'Labirinto do Fauno' está na lista e não 'Ghosts Can’t Do It'? Que perdedores! Eles não sabem mesmo o que é estranho”.
O presidente estava se referindo ao filme Fantasmas
Não Transam (1989) com Bo Derek e Anthonny Quinn, no qual ele tem uma
participação interpretando a si mesmo. Ficou indignado porque “seu” filme
estava fora da lista dos “filmes estranhos” do blog - veja abaixo cena com Donald Trump no filme.
Esse episódio não foi mera idiossincrasia de um
folclórico Trump, mas parte de uma planejada ação em redes sociais. Como
sempre, Trump demonstra seu interesse estratégico em mídia, seja atacando-a,
seja se aproveitando dela.
“A história real é mais entediante”
A atual estratégia de legitimação do golpe por meio
do cinema e audiovisual (afinal, depor uma presidenta eleita para impor uma
agenda de reformas radicais que jamais venceria uma eleição é uma ação séria e
de longo prazo) através de uma bateria de filmes e séries (segundo os
produtores do filme Polícia Federal, a intenção é transformá-lo
posteriormente em série) é uma manobra difícil.
Afinal, um thriller judiciário e outro econômico
não é exatamente uma temática fácil e popular para diretores cuja experiência
foi dirigir comédias de apelo popular como Até Que a Sorte Nos Separe ou
Qualquer Gato Vira-lata. Como disse o diretor Marcelo Antunez, “a
história real da Lava Jato é muito entediante”, para explicar seu desafio em
transformá-la em thriller.
Porém, como evidencia essa safra de lançamentos de
filmes e séries de eventos que ainda estão em desdobramento, o atual golpe
político brasileiro tem natureza e gênese muito mais ampla, estratégica e calculada
do que se possa imaginar.
Uma aposta golpista tão séria que é difícil pensar
que permitirão que as eleições de 2018 desfaçam tudo que foi tão astutamente
planejado.
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