JOSEPH E. STIGLITZ - Project Syndicate
Os fracassos do Ocidente não devem minar sua determinação de trabalhar para criar estados democráticos que respeitem os direitos humanos.
NOVA
YORK - Hoje, um quarto de século depois do fim da Guerra Fria, o
Ocidente e a Rússia estão de novo em desacordo. Desta vez, porém, pelo
menos num lado, a disputa é mais claramente sobre o poder geopolítico, e
não sobre ideologia. O Ocidente tem apoiado, de várias maneiras, os
movimentos democráticos na região pós-soviética, mal escondendo seu
entusiasmo pelas várias revoluções "coloridas" que substituíram os
ditadores de longa data por líderes mais adequados- embora nem todos
tenham resultado ser os democratas convictos que eles mostravam ser.
Mas países do antigo bloco soviético permanecem sob o controle de líderes autoritários, inclusive alguns, como o presidente russo Vladimir Putin, que aprenderam a manter uma fachada de eleições mais convincente que aquelas de seus antecessores comunistas. Eles vendem seu sistema de "democracia iliberal" com base no pragmatismo, e não sob alguma teoria universal da história. Esses líderes afirmam que eles são simplesmente mais eficazes em fazer as coisas acontecerem.
Isso é certamente verdadeiro quando se trata de mexer com o sentimento nacionalista e sufocar a dissidência. Mas eles têm sido menos eficazes, no entanto, no fomento de crescimento econômico de longo prazo. Aquela que já foi uma das duas superpotências do mundo, o PIB da Rússia é agora cerca de 40% da Alemanha e pouco mais de 50% da França. A esperança de vida no nascimento está na 153ª posição no mundo, logo atrás de Honduras e Cazaquistão.
Em termos de renda per capita, a Rússia agora ocupa o 73º lugar (em termos de paridade de poder de compra), bem abaixo dos antigos satélites da União Soviética na Europa Central e Oriental. O país se desindustrializou: a grande maioria de suas exportações vem agora de recursos naturais. Ela não evoluiu para uma economia de mercado "normal", mas sim para uma forma peculiar de capitalismo clientelista.
Sim, a Rússia ainda ameaça, por cima de sua condição real em algumas áreas, como as armas nucleares. E mantém o poder de veto nas Nações Unidas. Como mostra a recente “hacking” do Partido Democrata nos Estados Unidos, ela tem capacidades cibernéticas que a tornam extremamente capaz de se intrometer em eleições ocidentais.
Há toda razão para acreditar que essas intrusões continuarão. Dado que o presidente norte-americano, Donald Trump, tem laços profundos com personagens russos inescrupolosos %u20B%u20B(eles próprios ligados a Putin), os norte-americanos estão profundamente preocupados com possíveis influências russas nos EUA - questões que podem ser esclarecidas por investigações em andamento.
Muitos tinham esperanças muito mais elevadas para a Rússia, e, de forma mais geral, para a antiga União Soviética, quando a Cortina de Ferro caiu. Depois de sete décadas de comunismo, a transição para uma economia de mercado democrática não seria fácil. Mas, dadas as óbvias vantagens do capitalismo de mercado democrático para o sistema que acabara de desmoronar, supunha-se que a economia iria florescer e os cidadãos exigiriam uma voz mais ouvida.
O que deu errado? Quem, se alguém, é para culpabilizar? Será que a transição pós-comunista da Rússia poderia ter sido melhor gerenciada?
Nunca podemos responder definitivamente a essas questões: a história não pode ser refeita. Mas acredito que o que estamos enfrentando é em parte o legado do falho Consenso de Washington que moldou a transição da Rússia. As influências desta estrutura refletiram-se na enorme ênfase que os reformadores colocaram na privatização, independentemente da forma como foi feita, em que a velocidade prevaleciao sobre tudo o resto, o que incluiria a criação da infraestrutura institucional necessária para fazer a economia de mercado funcionar.
Há quinze anos, quando escrevi “Globalização e seus descontentes”, eu argumentei que essa abordagem de "terapia de choque" para a reforma econômica resultaria num fracasso desalentador. Mas os defensores dessa doutrina aconselhavam paciência: só se poderia fazer tais avaliações sob uma perspectiva de longo prazo.
Hoje, mais de um quarto de século desde o início da transição, as preocupações anteriores foram confirmadas e aqueles que argumentaram que os direitos de propriedade privada, uma vez criados, iriam dar origem a demandas mais amplas para o Estado de direito estiveram comporvadamente errados. A Rússia e muitos outros países em transição estão se atrasando em relação às economias avançadas. O PIB em alguns desses países em transição está abaixo do seu nível no início do processo de transição.
Muitos na Rússia acreditam que o Tesouro dos EUA forçaram as políticas do Consenso de Washington para enfraquecer seu paíse. A profunda corrupção da equipe da Universidade de Harvard escolhida para "ajudar" a Rússia em sua transição, descrita em um relato detalhado publicado em 2006 pelo “Institutional Investor”, reforçou essas convicções.
Acredito, entretanto, que a explicação foi menos sinistra: idéias falhas, ainda que com as melhores intenções, podem ter sérias consequências. E as oportunidades para o interesse próprio ganancioso oferecidas pela Rússia eram simplesmente demasiado grandes para que alguns pudessem resistir. Claramente, a democratização na Rússia exigia esforços para garantir a prosperidade compartilhada, e não as políticas que levaram à criação de uma oligarquia.
Os fracassos do Ocidente, então, não devem minar sua determinação agora de trabalhar para criar estados democráticos que respeitem os direitos humanos e o direito internacional. Os EUA estão lutando para evitar o extremismo da administração Trump - seja a proibição de viagens dirigida a muçulmanos, seja as políticas ambientais que negam a ciência ou as ameaças de ignorar os compromissos comerciais internacionais - de se tornarem normalizadas. Mas as violações de outros países ao direito internacional, como as ações da Rússia na Ucrânia, também não podem ser "normalizadas".
Mas países do antigo bloco soviético permanecem sob o controle de líderes autoritários, inclusive alguns, como o presidente russo Vladimir Putin, que aprenderam a manter uma fachada de eleições mais convincente que aquelas de seus antecessores comunistas. Eles vendem seu sistema de "democracia iliberal" com base no pragmatismo, e não sob alguma teoria universal da história. Esses líderes afirmam que eles são simplesmente mais eficazes em fazer as coisas acontecerem.
Isso é certamente verdadeiro quando se trata de mexer com o sentimento nacionalista e sufocar a dissidência. Mas eles têm sido menos eficazes, no entanto, no fomento de crescimento econômico de longo prazo. Aquela que já foi uma das duas superpotências do mundo, o PIB da Rússia é agora cerca de 40% da Alemanha e pouco mais de 50% da França. A esperança de vida no nascimento está na 153ª posição no mundo, logo atrás de Honduras e Cazaquistão.
Em termos de renda per capita, a Rússia agora ocupa o 73º lugar (em termos de paridade de poder de compra), bem abaixo dos antigos satélites da União Soviética na Europa Central e Oriental. O país se desindustrializou: a grande maioria de suas exportações vem agora de recursos naturais. Ela não evoluiu para uma economia de mercado "normal", mas sim para uma forma peculiar de capitalismo clientelista.
Sim, a Rússia ainda ameaça, por cima de sua condição real em algumas áreas, como as armas nucleares. E mantém o poder de veto nas Nações Unidas. Como mostra a recente “hacking” do Partido Democrata nos Estados Unidos, ela tem capacidades cibernéticas que a tornam extremamente capaz de se intrometer em eleições ocidentais.
Há toda razão para acreditar que essas intrusões continuarão. Dado que o presidente norte-americano, Donald Trump, tem laços profundos com personagens russos inescrupolosos %u20B%u20B(eles próprios ligados a Putin), os norte-americanos estão profundamente preocupados com possíveis influências russas nos EUA - questões que podem ser esclarecidas por investigações em andamento.
Muitos tinham esperanças muito mais elevadas para a Rússia, e, de forma mais geral, para a antiga União Soviética, quando a Cortina de Ferro caiu. Depois de sete décadas de comunismo, a transição para uma economia de mercado democrática não seria fácil. Mas, dadas as óbvias vantagens do capitalismo de mercado democrático para o sistema que acabara de desmoronar, supunha-se que a economia iria florescer e os cidadãos exigiriam uma voz mais ouvida.
O que deu errado? Quem, se alguém, é para culpabilizar? Será que a transição pós-comunista da Rússia poderia ter sido melhor gerenciada?
Nunca podemos responder definitivamente a essas questões: a história não pode ser refeita. Mas acredito que o que estamos enfrentando é em parte o legado do falho Consenso de Washington que moldou a transição da Rússia. As influências desta estrutura refletiram-se na enorme ênfase que os reformadores colocaram na privatização, independentemente da forma como foi feita, em que a velocidade prevaleciao sobre tudo o resto, o que incluiria a criação da infraestrutura institucional necessária para fazer a economia de mercado funcionar.
Há quinze anos, quando escrevi “Globalização e seus descontentes”, eu argumentei que essa abordagem de "terapia de choque" para a reforma econômica resultaria num fracasso desalentador. Mas os defensores dessa doutrina aconselhavam paciência: só se poderia fazer tais avaliações sob uma perspectiva de longo prazo.
Hoje, mais de um quarto de século desde o início da transição, as preocupações anteriores foram confirmadas e aqueles que argumentaram que os direitos de propriedade privada, uma vez criados, iriam dar origem a demandas mais amplas para o Estado de direito estiveram comporvadamente errados. A Rússia e muitos outros países em transição estão se atrasando em relação às economias avançadas. O PIB em alguns desses países em transição está abaixo do seu nível no início do processo de transição.
Muitos na Rússia acreditam que o Tesouro dos EUA forçaram as políticas do Consenso de Washington para enfraquecer seu paíse. A profunda corrupção da equipe da Universidade de Harvard escolhida para "ajudar" a Rússia em sua transição, descrita em um relato detalhado publicado em 2006 pelo “Institutional Investor”, reforçou essas convicções.
Acredito, entretanto, que a explicação foi menos sinistra: idéias falhas, ainda que com as melhores intenções, podem ter sérias consequências. E as oportunidades para o interesse próprio ganancioso oferecidas pela Rússia eram simplesmente demasiado grandes para que alguns pudessem resistir. Claramente, a democratização na Rússia exigia esforços para garantir a prosperidade compartilhada, e não as políticas que levaram à criação de uma oligarquia.
Os fracassos do Ocidente, então, não devem minar sua determinação agora de trabalhar para criar estados democráticos que respeitem os direitos humanos e o direito internacional. Os EUA estão lutando para evitar o extremismo da administração Trump - seja a proibição de viagens dirigida a muçulmanos, seja as políticas ambientais que negam a ciência ou as ameaças de ignorar os compromissos comerciais internacionais - de se tornarem normalizadas. Mas as violações de outros países ao direito internacional, como as ações da Rússia na Ucrânia, também não podem ser "normalizadas".
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