Cientista político especializado em assuntos latino-americanos da Universidade Estatal de São Petersburgo elenca as diferenças entre Jair Bolsonaro e Donald Trump

Ekaterina Nenakhova, Opera Mundi
O candidato do PSL, Jair Bolsonaro, e o candidato do PT, Fernando Haddad, irão disputar o segundo turno das eleições presidenciais no Brasil. Após apuração dos votos no 1º turno, a Sputnik conversou com um cientista político russo sobre os paralelos que o pleito traça com as eleições de 2016 nos EUA e acredita que o deputado representa um perigo maior às instituições democráticas do que o presidente norte-americano, Donald Trump.
De acordo com o cientista político especializado em assuntos latino-americanos da Universidade Estatal de São Petersburgo, Viktor Jeifets,
há efetivamente vários fatores que decidiram esse contraste entre as
pesquisas e a realidade, em que Bolsonaro quase vencia sem segundo turno
na 1ª apuração, com 49% dos votos.
“Primeiro, alguns eleitores indecisos acabaram
votando nele. Segundo, provavelmente uma parte daqueles que pretendiam
colocar seu voto nele dizia mentira para sociólogos, pois sentiam
vergonha de declarar seu voto por esse candidato“, opina.
Para Jeifets, a popularidade do ex-capitão da reserva não é de fato sua própria popularidade, mas a rejeição dos outros. “Tem
que perceber que o voto em Bolsonaro, bem como em Haddad, a propósito, é
um voto contra. Ou seja, aqueles que votaram em Haddad, acima de tudo
não queriam que Bolsonaro ganhasse, enquanto o eleitorado de Bolsonaro
rechaçou categoricamente uma vitória petista“, diz.
Em uma situação em que o eleitor se depara com dois
projetos antagonistas em confronto, cada um dos quais trará
evidentemente certa perturbação social ao país, o especialista acredita
que a vitória do deputado de qualquer maneira seria pior para o Brasil.
“A meu ver, é absolutamente evidente que
Bolsonaro seria uma versão menos favorável, até porque é um candidato
que despreza completamente uma parte significante do seu país. Eu não
avaliaria a possível eficácia das suas propostas econômicas, porque
elas, propriamente ditas, podem ser bastante boas. Mas um candidato que
de fato se manifesta abertamente como um divisionista não pode ser bom
[…] Aliás, teria uma política externa absolutamente imprevisível“, afirma.
Sobre a retórica de Bolsonaro ser apenas uma estratégia para chamar atenção à sua figura, como aconteceu no caso de Donald Trump nas eleições de 2016 nos EUA, Jeifets acredita que este “não é o primeiro dia na política” para o candidato do PSL, que inclusive tem feito declarações da mesma espécie durante seus sete mandatos como deputado.
‘Trumpismo’ no Brasil?
Jair Bolsonaro é um político que muitas vezes é comparado a Donald Trump, que inesperadamente para todo o mundo derrotou a democrata Hillary Clinton nas eleições presidenciais norte-americanas de 8 de novembro em 2016.
Segundo Jeifets, obviamente há semelhanças entre os dois políticos, embora haja diferenças decisivas também.
“Aqui se pode traçar paralelos em que [Bolsonaro] é, com certeza, um candidato antissistema“, diz, citando como exemplo as declarações tendenciosas em relação às mulheres, à população negra, como foi no caso dos quilombolas, às minorias sexuais e o “saudosismo” pela época da ditadura militar.
“Em meio à crise e ao desenfreio maciço da
criminalidade, isso, a propósito, funciona, muitos estão dispostos [a
votar nessa candidatura]. Além disso, ele se manifesta a favor da
economia liberal de mercado, o que significa que grande parte dos
investidores o veem como ameaça menor que um potencial governo de
Haddad. É por isso também que grande parte dos veículos de comunicação
brasileiros ficaram do lado de Bolsonaro“, explica.
Entretanto, o cientista político acredita que
existe uma distinção crítica entre os casos norte-americano e brasileiro
— o chamado sistema interno de “pesos e contrapesos“.
“Há uma distinção muito séria de Trump —
consiste em que as instituições políticas norte-americanas são muito
mais sólidas que as brasileiras, e nesse sentido a vitória de Trump foi
um terremoto político, sim, mas a meu ver ela não colocou em risco o
sistema democrático dos EUA. Enquanto no caso de uma possível vitória de
Bolsonaro, não se pode fazer este prognóstico com toda a certeza, pois
as instituições democráticas brasileiras são muito menos sólidas“, diz.
Derrota do ‘Centrão’
Outro resultado sintomático do primeiro turno, que
nem todos prognosticavam nessas proporções, foi o colapso de fato dos
candidatos do centro.
“É uma derrota absoluta de todos os partidos do
centro, seus candidatos de fato não obtiveram nada. Se trata do
descrédito das atuais elites políticas que não conseguiram lidar com a
crise econômica, que não conseguiram tratar dos problemas de corrupção e
se atolaram neles. Nesse contexto, Bolsonaro, sendo um candidato
antissistema, conseguiu aglutinar da melhor forma esses sentimentos“, afirma.
Já Haddad, acredita o especialista, não conseguiu “se isolar da sombra de Lula”
e mostrar que é um candidato independente, o que lhe custou alguns
votos. Para reverter a situação, diz Jeifets, o petista precisa
demonstrar nestas três semanas antes da eleição que é “independente“, o que, porém, não seria uma tarefa fácil, pois ele não pode “se mover muito ao centro” e “perder os votos do Nordeste“.
“Seu objetivo é convencer aqueles que não votaram, ou aqueles que votaram contra ambos, ou votaram branco. Essa é a reserva dele“.
Ao explicar porque os antipetistas decidiram votar em Bolsonaro, e não
em qualquer outro candidato dos demais onze, Jeifets afirma que “ele [Bolsonaro] demonstrou da melhor forma que está fora do sistema“.
“Nenhum dos outros candidatos podia dizer que é
contra o sistema, porque eles todos fazem parte dele. E nesse sentido é
muito sintomática a derrota de Alckmin, que anteriormente já foi
candidato e perdeu para Lula. Ele deveria ter ganho até 10%, mas obteve
4%, porque muitos foram votar de acordo com o princípio de ‘voto útil’
sem esperar pelo segundo turno“, conclui.
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