29 Out 2018
(atualizado 29/Out 21h49)
José Miguel Vivanco, diretor para as Américas da ONG internacional de direitos humanos Human Rights Watch, compara Bolsonaro a Chávez e diz que Brasil se converteu numa das prioridades da organização
José Miguel Vivanco foi expulso da Venezuela em 2009 por denunciar
violações aos direitos humanos cometidas pelo então presidente Hugo
Chávez. O diretor para as Américas da Human Rights Watch, uma das
maiores e mais influentes organizações de direitos humanos do mundo, já
previa então que o país se tornaria uma ditadura.
Nesta segunda-feira (29), um dia depois da eleição de Jair Bolsonaro (PSL) para presidente, Vivanco disse ao Nexo,
de Washington, por telefone, que teme que o Brasil siga caminho
semelhante, em alguns aspectos, não apenas ao da Venezuela, mas também
ao de países como Filipinas, Rússia, Turquia e outros, que passaram a
ser governados por populistas autoritários de diferentes matizes.
A
vitória de Bolsonaro “faz soar um alarme que é muito, muito sério”,
disse Vivanco. O professor de direito nas universidades Georgetown e
John Hopkins, ambas nos EUA, alertou ainda: “Muitos pensam que é preciso
estar preocupado com o que um político faz, não com o que ele diz.
Nossa experiência mostra que o discurso contrário aos direitos humanos
tem que ser sempre identificado a tempo. Do contrário, pode ser tarde
demais”.
Ele avisou que pretende “mobilizar a opinião pública
mundial e todos os mecanismos disponíveis, tanto na Organização das
Nações Unidas quanto na Organização dos Estados Americanos, além dos
governos democráticos e amigos que se importam com os direitos humanos,
seja na América Latina, na Europa ou na América do Norte, para defender a
vigência dos direitos fundamentais no Brasil”.
Qual é sua preocupação com o Brasil a partir do resultado da eleição presidencial?
José Miguel Vivanco Penso
que esta é a primeira vez na história moderna da América Latina que por
votação popular, numa decisão democrática, alguém cuja plataforma
política e cujas promessas de campanha são, na maioria, contrárias a
valores e princípios básicos em matéria de direitos humanos, se
consagra.
Que um candidato populista como este, com um discurso
demagogo desses, chegue ao poder, não é propriamente uma surpresa. Há
muitos políticos populistas demagogos eleitos, começando por Donald
Trump, nos EUA. Mas a eleição de um candidato que faz apologia à
ditadura militar brasileira, que defende o uso da tortura, que promove o
fácil acesso às armas por parte dos cidadãos, e que promete que, no
futuro, policiais que matem delinquentes sejam premiados, condecorados
ou promovidos, implicando numa licença para matar sem prestar contas,
alguém que trata os meios de comunicação como fake news, que abertamente
adere a posições racistas e discriminatórias contra as mulheres, contra
os negros, contra aqueles que têm uma orientação sexual diferente, que
ameaça as instituições, incluindo as instituições judiciais, e que,
nesta condição, é eleito com o apoio de uma ampla maioria dos eleitores,
implica não somente numa ameaça muito séria ao sistema democrático
brasileiro e à vigência dos direitos humanos de caráter universal, pelo
tamanho do país, pelo fato de o Brasil ser um gigante na América Latina,
mas representa também um perigo, um risco muito, muito grave para a
defesa dos direitos mais básicos em toda a América.
O que a sua organização pretende fazer em relação a isso?
José Miguel Vivanco Nossa
organização tem o mandato de investigar e mostrar a fotografia mais
nítida possível do comportamento dos Estados em relação aos direitos
humanos no mundo todo. Para nós, a chegada de alguém como Bolsonaro,
eleito democraticamente no Brasil, converte o país numa das principais
prioridades da organização.
Nossa experiência indica que os
discursos e as promessas de campanha, a retórica, especialmente quando
se trata de uma retórica tão negativa, tão provocadora, mais que
provocadora, tão anti-direitos humanos, como é a dele, é um alarme. Isso
faz soar um alarme que é muito, muito sério. É um alarme igual ao que
temos hoje em relação a Rodrigo Duterte, [presidente] nas Filipinas.
Queremos informar ao mundo tudo o que possa começar a ocorrer no Brasil a
partir de 1º de janeiro de 2019.
Estaremos atentos para registrar
como vão se dando os acontecimentos, quais são as políticas específicas
que Bolsonaro tentará implementar na hora de cumprir suas promessas de
campanha.
Muitos pensam que é preciso estar preocupado com o que
um político faz, não com o que ele diz. Nossa experiência mostra que o
discurso contrário aos direitos humanos tem que ser sempre identificado a
tempo. Do contrário, pode ser tarde demais.
Nós fomos talvez a
primeira organização mundial de direitos humanos a fazer soar o alarme
em relação a Hugo Chávez na Venezuela. Estou falando de 2003, 2004,
quando Chávez começou a abertamente atacar os meios de comunicação, a
falar em censura à imprensa, a retirar arbitrariamente a concessão de
funcionamento do principal canal de televisão do país, a RCTV, e a impor
controles aos meios de comunicação audiovisual, assim como quando
Chávez começou a criticar o Poder Judiciário, a falar contra os
mecanismos de controle do Estado.
Quando alertávamos sobre isso,
muitos nos diziam: “deixe-o tranquilo, isso é parte de um debate
político muito polarizado. Não se deve dar atenção a esse tipo de
declaração, porque são provocações. Espere para ver se ele vai fazer o
que diz”. Eu acho que todos os que baixaram a guarda finalmente
lamentaram, depois, terem chegado tarde demais para defender as
liberdades públicas e os direitos básicos.
Bolsonaro desenhou
claramente um plano de ação. E, nisso, ele foi muito claro. Ele foi
muito claro a respeito de suas posições contra os direitos humanos. Isso
é mais do que suficiente para nos obrigar a estarmos muito atentos a
tudo o que aconteça, para mobilizar a opinião pública mundial e todos os
mecanismos disponíveis, tanto na Organização das Nações Unidas quanto
na Organização dos Estados Americanos, além dos governos democráticos e
amigos que se importam com os direitos humanos. Seja na América Latina,
na Europa ou na América do Norte, estaremos muito atentos para mobilizar
esses governos, para defender a vigência dos direitos fundamentais no
Brasil.
A Venezuela foi um assunto muito recorrente nas mensagens de campanha de Bolsonaro, como uma ameaça de que o Brasil, pelas mãos do PT, seria convertido numa nova Venezuela. Mas o sr. menciona a Venezuela agora como um risco de destino ao qual o Brasil poderia chegar pelas mãos do próprio Bolsonaro. Como esses extremos, à direita e à esquerda, chegam ao mesmo lugar em relação aos direitos humanos?
José Miguel Vivanco A
única diferença entre o discurso de extrema direita e o discurso de
extrema esquerda é a ideologia. Mas ambos estão unidos por um discurso
messiânico, fundamentalista e populista, um discurso que ignora ou
desconhece as instituições democráticas.
São políticos que surgem
prometendo o paraíso na Terra, quando nossos povos estão passando por
etapas difíceis, quando há um grande desprestígio da classe política,
quando há medo e há incerteza em relação ao futuro, quando a
credibilidade do jogo democrático está em jogo — esse é exatamente o
caldo de cultura no qual aparecem esses falsos profetas, esses messias
que exploram os temores das pessoas e que oferecem soluções demagogas,
simplistas, como a mão dura, a força bruta. Eles dizem que as pessoas
devem depositar uma fé cega neles, com a promessa de que, com isso, as
coisas mudam. Mas toda a história, toda a nossa experiência demonstra
que, com a ausência de controles institucionais, há mais abusos, mais
violência. Quando as pessoas têm acesso fácil às armas, há
inevitavelmente mais violência. Quando os policiais recebem autorização
para matar antes de perguntar, também há como consequência mais
violência, mais milícias, mais grupos de extermínio e mais injustiça,
mais abusos.
Insisto: a diferença é essencialmente ideológica, mas
o populismo é o mesmo. A irresponsabilidade é a mesma. A aposta no
caudilhismo é a mesma. E digo mais: muitas vezes, um dos principais
obstáculos para os que promovem a vigência dos direitos humanos são os
setores que se deixam levar pela ideologia de maneira tal que começam a
aplicar um duplo padrão, que é um padrão de fazer vista grossa para
fatos atrozes, sob a justificativa de possuir uma afinidade ideológica
em relação a um determinado governo.
Quando essas pessoas se
deixam levar por afinidades ideológicas — que são perfeitamente
legítimas — é preciso parar, distinguir e dizer: “eu me sinto
ideologicamente simpatizante deste modelo, mas rechaço categoricamente
as violações aos direitos humanos, as perseguições contra minorias e os
abusos contra as liberdades de expressão que este mesmo governo promove.
Mesmo estando próximo ideologicamente deste governo, sou capaz de
identificar, de reconhecer, que este modelo, neste país, está cometendo
ou vai cometer violações de direitos humanos, porque o líder é
autoritário, reivindica a ditadura e diz que o pior erro da ditadura foi
ter torturado sem ter matado as vítimas da repressão”.
Com esse
tipo de proposta, são claríssimos os problemas que Bolsonaro representa
para os direitos humanos, e é clarríssimo identificar onde estão as
semelhanças entre esse discurso autoritário e o discurso que Nicolás
Maduro promove na Venezuela.
Líderes populistas e nacionalistas de extrema direita acusam organizações como a sua, assim como a imprensa, de tentar limitar ou controlar governos autônomos, que foram eleitos democraticamente justamente para executar o plano que foi apresentado ao longo de uma campanha. Como o sr. vê essa acusação de intromissão?
José Miguel Vivanco Isso
faz parte do repertório dessas pessoas. Foi o que fez Alberto Fujimori
no Peru. Ele foi eleito democraticamente. Derrotou [o escritor peruano,
prêmio Nobel de Literatura e candidato presidencial na eleição de 1990,
Mario Vargas] Llosa, num contexto muito difícil que o Peru então
atravessava, e, um ano depois de tomar posse, deu um autogolpe e começou
a governar diretamente como um ditador. Ele perseguiu a sociedade
civil, os meios de comunicação e o Poder Judiciário. Há muitos exemplos
como esse.
São governantes que acreditam que são eleitos com
poderes para fazer e para desfazer. Acham que basta a legitimidade de
origem: se é eleito democraticamente, tem liberdade para governar e para
fazer o que quiser, pois tem o mandato dado pela maioria. Eles não
entendem que os valores democráticos implicam, primeiro, serem eleito em
eleições limpas, competitivas e sem fraudes. Mas, depois, é preciso
governar democraticamente. E o governo democrático se define pelo
respeito às minorias, não às maiorias. E pelo respeito às instituições
do Judiciário, à liberdade dos meios de comunicação, para que possam
promover sempre um debate público aberto e sem censura, e à sociedade
civil.
Há exemplos à esquerda e à direita de caudilhos populistas
que atacam principalmente e primeiramente a sociedade civil, os meios de
comunicação e os juízes. Aí está centrada toda a artilharia. Foi o que
fez Fujimori, foi o que fez Álvaro Uribe [presidente da Colômbia de 2002
a 2010], foi o que fez Rafael Correa [presidente do Equador de 2007 a
2017], foi o que fez Hugo Chávez [presidente da Venezuela de 1999 a
2013] e Nicolás Maduro [sucessor de Chávez, desde 2013 até hoje], assim
está fazendo Donald Trump nos EUA, assim faz Viktor Orban
[primeiro-ministro da Hungria desde 2010], Recep Erdogan [presidente da
Turquia desde 2014] e Vladimir Putin [presidente da Rússia desde 2012].
Há
inúmeros exemplos de líderes que assumiram em eleições democráticas, ou
não tão democráticas assim, mas que, logo, passaram a governar como
autocratas. Para eles, o primeiro alvo da artilharia são as vozes
independentes, são os mecanismos de controle, os especialistas que falam
sobre mudanças climáticas, os especialistas que podem converter-se numa
pedra no sapato para o governante autoritário. Por isso, nós estaremos
extremamente atentos ao trabalho dos juízes, dos meios de comunicação
independentes e, com certeza, da sociedade civil brasileira.
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