Marcadores

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Nem todo eleitor de Bolsonaro é fascista. Mas o que isso significa? por Wilson Gomes.

Nem todo eleitor de Bolsonaro é fascista. Mas o que isso significa?
O que levaria um não fascista a votar em um candidato fascista? (Arte Revista CULT)

Nem só de fascistas se faz o bolsonarismo
Diante de uma crítica a aspectos fascistas das ideias e práticas de Bolsonaro, um amigo (nem sei mais) reagiu indignado: “Nem todo eleitor de Bolsonaro é fascista”. Na hora, a única coisa que me ocorreu foi dizer que, sim, era bem possível que nem todo bolsonarista seja fascista, mas cabia a ele explicar por que, não sendo tal, votava em um candidato com muitas ideias nitidamente fascistas. O que levaria um não fascista a votar em um candidato fascista?
Refletindo um pouco mais, acho que o meu amigo expressou uma posição mais complexa do que eu consegui enxergar em um primeiro instante. Claro que há eleitores que votam em Bolsonaro por convergência ideológica com os pontos de vistas, que aqui estamos sintetizando e simplificando no fascismo. No fundo, tratam-se de juízos sobre ditadura e Estado de direito, homossexuais, violência policial, mulheres, negros, índios, quilombolas e outras minorias políticas que são absolutamente incompatíveis com premissas liberais, humanistas e/ou democráticas sobre respeito, tolerância, igualdade, liberdades civis e compaixão. Tendemos a fazer uma analogia com o fascismo e o nazismo por tratar-se de dois episódios históricos em que houve adesão massiva (quer dizer, popular) a ideias e práticas baseadas em intolerância, desrespeito a minorias, afirmação da superioridade de uns sobre os outros, supressão de direitos, garantias e liberdades, militarismo, forte sentimento antipolítica e antissistema e vínculo forte da massa popular ao líder carismático.
Ora, muitos bolsonaristas votam em Bolsonaro por causa da sua defesa dessas ideias. Portanto, por afinidade de valores. E, neste caso, me incomoda menos Bolsonaro que o bolsonarismo. Bolsonaro é só o poste do antipetismo e dos ultraconservadores. É ele, mas podia ser outro. Para o bolsonarismo tanto faz se o eleito for Bolsonaro, Mourão, Moro ou Mourinho, desde que o PT seja surrado e a agenda ultraconservadora, que chamamos de fascista por justificada analogia, seja a vencedora.
Mas o que meu amigo quis dizer é que há também um grande número eleitores de Bolsonaro que não compartilha de tais premissas (ou não as compartilha plenamente) e que, não obstante, não tem a menor hesitação sobre em quem votará este ano. E já no primeiro turno. Este mesmo amigo não se conforma que as filhas sequer cogitem votar no seu candidato e fica escandalizado com as “fake news” que elas compartilham dizendo que o deputado incentiva o estupro.
Nenhuma candidatura é monolítica
Como isso pode ser possível? Meu amigo tem uma resposta na ponta da língua, que ele considera definitiva, lacradora: Se nem todo mundo que vota no PT é corrupto, nem todo mundo que vota em Bolsonaro é fascista. O que ele está sugerindo é que as pessoas são capazes de sopesar, na escolha de um candidato, entre as razões de voto e as razões para não votar e, uma vez que decide que há razões suficientes para votar, isola e ignora as razões para não votar. É verdade que, por anos, o voto no PT na disputa presidencial veio de muita gente que não apreciava a baixíssima convicção republicana do partido, ou a sua paixão pelo clientelismo e pelo patrimonialismo. E isso tudo antes mesmo de se tornar pública e notória a dimensão da sua entrega à corrupção. Votaram no PT por causa das suas políticas públicas e pelo seu alinhamento com princípios progressistas e democráticos, mas também para evitar que prosperassem as alternativas que se apresentaram na disputa eleitoral. Mas nem por isso tais eleitores relutantes do PT foram às urnas para referendar os maus costumes dos petistas no poder, para sufragar os enormes esquemas de clientelismo e corrupção que eles geriam ou de que se beneficiavam. Como sugeri muitas vezes durante uma década, tapava-se o nariz e se votava no PT.
O que está sugerido aqui é que você pode ser petista e isolar-se da corrupção, assim como pode ser bolsonarista e isolar-se do fascismo. Assim, na sua representação da política, o bolsonarista pode não ser fascista, assim como o petista pode não ser corrupto, se votar no seu candidato ignorando a dimensão dele que não aprova. A analogia é astuta e não pensem que não funcione, retoricamente, para atenuar a consciência moral do bolsonarista. Sim, ele sabe que Bolsonaro pensa e diz (provavelmente, diz sem pensar, segundo ele) coisas fascistoides, mas ao votar no deputado ele não precisa endossar tais ideias, uma vez que esta não é a sua principal razão de voto. Vota em Bolsonaro porque ele é antipetista e votaria sem hesitação no diabo que fosse para evitar uma vitória do PT. É simples assim.
Falsas simetrias
A analogia com o voto no PT é sugestiva, mas é realmente sustentável? Primeiro, quem votou no PT tinha, de fato, alguma agenda positiva para escolher, mesmo quando não aprovava os seus maus costumes no atinente à condução da coisa pública. E havia sobejas evidências de que o PT entregava efetivamente alguma coisa substantiva à sociedade, como se viu nas duas administrações de Lula e em parte da primeira administração de Dilma Rousseff. Quem votou no PT pode fazer escolhas materiais e consistentes por um projeto e uma agenda. Foi quem preferia as políticas públicas do PT que o elegeu, uma eleição após outra, e não um presumível sentimento antitucano, um discurso de ódio ao PSDB ou a louca vontade de destruir o seu grande adversário de duas décadas de política nacional. Quem vota em Bolsonaro, mas não compartilha as suas ideias fascistas, por sua vez, não vota por qualquer razão material ou substantiva, não está preferindo qualquer política pública construtiva e que faça sentido. Aliás, fora as bravatas, o oportunismo do Posto Ipiranga e a pauta moral fascista, em que consistiria a alternativa bolsonarista, em termos de política pública, para o país? Nada. Absolutamente nada. Se você não é fascista, Bolsonaro nada tem para lhe oferecer. Bolsonaro é um vazio político, um oco recoberto por retórica e empacotado por promessas de ações ultraconservadoras.
Resta, então, que a pessoa o está escolhendo pelo “não”. Você não quer B, C, D ou E. Quer simplesmente o Não-A. Bolsonaro é só o não-PT e a única esperança eleitoral real de que o PT pode ser derrotado. O que vem depois do “não”, não importa a este ponto. Se não for o PT, então tem que ser melhor que o PT. O raciocínio é simples e é potencialmente louco, mas é mais eficiente do que pode imaginar a nossa vã Lógica e, a este ponto, inútil Filosofia.
Em segundo lugar, quem votou no PT não apenas tinha algo substantivo para escolher, mesmo em face dos defeitos do partido, como também não tinha conhecimento do nível de comprometimento do partido com a corrupção. Quem vota em Bolsonaro, e não é ou não se acredita fascista, não apenas não está escolhendo substância política alguma, como tem pleno conhecimento de quem é Bolsonaro, do que ele pensa, de quem são as pessoas com quem anda e que o apoiam. Não há segredo. Além disso, Bolsonaro sequer tem experiência administrativa para mostrar, sequer tem êxito legislativo ou político para colocar no seu portfólio, não tem absolutamente nada, então, para despistar a sua falta de substância ou para nos distrair da nitidez fascista das suas ideias. Tudo o que Bolsonaro é são as suas ideias, a sua retórica e os traços da sua personalidade. Quem disser que está buscando alguma coisa além disso, estará mentindo (e na verdade isto é exatamente o que procura) ou está alucinado, de tal maneira envenenado pela obsessão antipetista que não se importa com valores ou com consequências.
O dilema faustiano
Mas, enfim, aí é que está o problema do meu amigo. Ele pode não ser fascista ou não se achar fascista, mas está, faustianamente, endossando o fascismo para conseguir saciar a sua obsessão antipetista. O preço é muito alto – para ele, para o país, para as filhas que tanto ama -, mas ele não se importa de pagar. E, pelo ânimo furioso com que tem se comportado, depreende-se que mais ainda pagaria se necessário fosse, desde que o PT não ganhe esta eleição.
Temos, então, um pai apaixonado por suas filhas que é capaz de eleger um candidato que despreza mulheres, que será um obstáculo confesso na reivindicação delas por igualdade e por respeito (tenham em mente o que o candidato pensa sobre estupro), e que faz tudo isso por estar obcecado pelo propósito de evitar a vitória do petismo, de tal modo que nada mais importa. Nem entregar um país que responda mais adequadamente aos interesses das suas filhas.
Se o meu amigo bolsonarista não fascista não considera no seu voto a responsabilidade de entregar um mundo mais justo com e mais respeitoso para as suas meninas, não se incomodará tampouco com o que acontecerá com negros, homossexuais e outras minorias em um eventual governo de Bolsonaro. Para você é aterrorizante a ideia de entregar o país a um sujeito que defende a tortura como método policial, que sustenta que os militares que torturaram e mataram quem desafiava o regime de 1964 deveriam ser recompensados e não punidos, que dedica um voto público no plenário da Câmara dos Deputados ao primeiro militar reconhecido pela Justiça brasileira como torturador durante a ditadura, que admite em entrevista a uma rede de televisão que o seu livro de cabeceira foi escrito pelo comandante do principal órgão de repressão política durante os anos de chumbo? Bem, você não está sozinho. Apenas uma dessas afirmações deveria ser capaz de liquidar uma candidatura na quase totalidade do mundo civilizado.
Pois o meu amigo bolsonarista não fascista ojeriza mesmo ele tem é do Partido dos Trabalhadores e se o preço para isso for eleger um sujeito que sustente tais ideias monstruosas, ele não hesitará em pagá-lo. O meu amigo não fascista não se importa com ideias, nem com as ideias do seu candidato e em como ideias devem se materializar em comportamentos e em políticas. Nem com o fato de que a malta bolsonarista que tomaria posse com o seu eleito tornaria o Brasil ainda mais perigoso para minorias (inclusive para as suas filhas), para quem defende direitos humanos e até para a divergência política. Tudo isso é para ele “hipótese subjetiva”; o que ele sabe com certeza é que o PT estragou o país e tem que pagar por isso.
Meu amigo bolsonarista que jura não ser fascista está assinando um contrato com Mefistófeles: desde que receba o que tanto deseja, a derrota do PT na corrida presidencial de 2018, assinará qualquer contrato não importa com qual contrapartida. Afinal, a recompensa seria recebida imediatamente e desfrutada com enorme prazer. Quanto ao preço a pagar, bem, isso se verá depois, diz Fausto, não vamos pensar nisso agora.

> Acompanhe a coluna de Wilson Gomes, todas as sextas, no site da CULT

Nenhum comentário:

Postar um comentário