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quarta-feira, 17 de abril de 2019

KARMA (CONTO - PARTE VIII), POR ALEXANDRE MEIRA


Azulejo Frida Kahlo Cordel  de Ana Ruizna #colab55. Tags: ilustração, folhas, desenho, flor, pintura, frida, mexicana, nordeste, méxico, kahlo, espinhos, cordel, ana ruiz, sobrancelha
Descalço João caminha. Já é noite. Esaú a frente grita:
- Vamos Joãozinho!!!
O menino para. Está com medo.
- Vamos!! O Jacó já tá lá na frente!!
João intimidado não segue. Atrás de Esaú surge a imagem sinistra da mulher no alto. Bem na copa das árvore. Ela não tem rosto.  Flutua lutuosamente. João estático força o grito mas som algum lhe sai. Ele tenta em vão. Esaú olha-o com estranhamento.
- Que foi?? Fala!!!
João em um relance olha para as próprias mãos. Elas tem muito sangue. Um grito alarmante explode a frente. A voz era de Jacó. João olha novamente, a imagem ainda está no alto, sombria. Esaú vira-se e corre atrás de Jacó para socorrê-lo. Some da vista do garoto. João fica só.
Ele e ela frente a frente. O garoto parece tremer com toda sua alma. Não tira os olhos francos da entidade a sua frente. Um rosnado de cão selvagem e um hálito quente parecem estar colados ao seu ouvido. O coração dispara. João sente uma mão roçar-lhe o rosto. Ele grita!
- Calma João.
João ergueu o corpo em um solavanco. Não havia mais nada. Apenas imagens desconexas. Aos poucos reconheceu sua tia Mercedes. Em algum quarto iluminado da pensão João está deitado em uma cama entre lençóis. O menino boquiaberto recosta aos poucos a cabeça e fecha os olhos entregando-se ao cansaço. Sua tia acariciava seu rosto carinhosamente. João olhou mais uma vez para o rosto da tia: Uma pele morena jambo em um rosto arredondado, olhos levemente amendoados, cabelos encaracolados e macios, castanhos que pareciam quase avermelhar. Um rosto familiar. O menino acalmou-se. Sentiu falta do sorriso largo da tia. A única pessoa que sorria para ele naquela casa. O padrasto talvez. Mas pouco. Os primos sim. Os primos...
João escuta ao fundo muitos gritos. Uma voz de mulher descontroladamente brada:
- Demônio!! Demônio!! Esse demônio matou meus filhos!! Meus dois filhos!! Ahh Meu Deus!!
Uma multidão gritava junto com ela e tentava a conter. Assim poderia estar acontecendo no andar de baixo.
João segurou a mão da tia que acarinhava seu rosto e se contraiu. Mercedes apertou o menino. Beijou-lhe a cabeça. Os gritos ressoavam com múltiplas vozes. Muitas vozes. Cada vez mais alto. Os gritos e choro eram de sua tia Mirtes, seguramente. João voltou a sentir medo. Seu cansaço, porém o impedia de perguntar algo. Ouviu algo do tipo... “Maldição!” ou “Maldito”.
O menino virou o corpo na cama aconchegando-se, sob os carinhos da tia. Quando estava com o rosto colado ao travesseiro enxergou a cama do outro lado do cômodo. Sobre ela uma mulher está sentada. Prostrada com as mãos abertas ao lado do quadril. Olha para ele fixamente com o rosto debulhado de lágrimas. Apenas olha. Quase sem piscar e com o queixo trêmulo. Era sua mãe. Ela olha para o filho com uma dor que fez o menino ficar com os olhos totalmente marejados. Sem mais conseguir se manter consciente, João dormiu.

***

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