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segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Nova direita, esquerda e o capitalismo democrático, por Marcus Ianoni.

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Um dos resultados políticos do processo de estabilização monetária do Plano Real, em 1994, foi a convergência do espectro ideológico do sistema partidário para o centro, oscilando, no entanto, nas eleições presidenciais, entre a centro-direita, capitaneada pelo PSDB, e a centro-esquerda, liderada pelo PT, esta mais claramente configurada, enquanto programa eleitoral e de governo, a partir das eleições de 2002 e, principalmente, 2006. Esse bipartidarismo estruturador das eleições para o Executivo Federal caracterizou todos os pleitos presidenciais durante seis disputas presidenciais consecutivas, a última em 2014.
Em tal enquadramento, a opção de coalizão eleitoral ou de governo das forças partidárias do centro político-ideológico, nucleado pelo PMDB, era fundamental. Porém, por um lado, a emergência da chamada nova direita, na mídia e nas ruas, nos desdobramentos da conjuntura dos protestos de junho de 2013 e ao longo da crise política que desaguou no impeachment, e, por outro, o substantivo enfraquecimento do PT, evidenciado nas eleições municipais de 2016, resultaram em uma direitização do sistema político, com impacto no quadro partidário, nas políticas públicas, que se tornaram ultraliberais, nas relações entre Estado e sociedade – reformatadas à imagem e semelhança de uma concepção mininalista de democracia e permeadas de ideias-força como a negação da política (até por candidatos às eleições), a retórica da meritocracia, a valorização do trabalho ininterrupto (para tentar facilitar a reforma da Previdência), a crítica ao populismo e também, em vários casos, às pautas comportamentais progressistas –, na cultura da intolerância e mesmo do ódio (veja-se o caso da chacina em Campinas, por exemplo) e assim por diante.
Essa virada na conjuntura, com a emergência de novos atores e lideranças, nas instituições públicas (Judiciário, PGR, MPs estaduais, PF, TCU) e privadas, apoiados em valores liberal-conservadores, alguns deles com indumentária autoritária, representa um imenso desafio para os setores sociais e políticos que, até 2014, vinham se empenhando na construção de um capitalismo democrático, pela via das tendências, ações e decisões social-desenvolvimentistas ensejadas pela relação de forças vigente no contexto das sucessivas vitórias eleitorais do PT e de um ambiente latino-americano e internacional mais favorável ou bem menos desfavorável. Mas parece ser um grande equívoco a esquerda pensar que a alternativa ao direitismo seja o esquerdismo, caminho do isolacionismo infrutífero e da derrota do movimento de transformação do atual status quo elitista. Veja-se, por exemplo, a derrota das esquerdas em geral no último pleito eleitoral. Por mais que o PT tenha cometido erros, atribuir a ele toda a culpa – ignorando o novo perfil da sociedade brasileira, inserida na globalização, o individualismo estimulado pelo conjunto das relações sociais, a emergência dos evangélicos, a precarização das relações de trabalho, enfim, o banho estrutural de capitalismo e credo liberais que, na onda atual, pós-impeachment, tornou-se um tsunami – pode ser um grande equívoco.
A mudança de governo, em 2016, considerando como as coisas ocorreram, passando pelo rearranjo das alianças entre forças dos campos civil e político-institucional e pela redefinição liberal-radical do programa de políticas públicas visto como caminho de solução da crise, não significou o retorno da centro-direita ao controle do Executivo e do Legislativo, mas uma direitização do centro. Não voltamos ao campo ideológico que, em 1994, no plano institucional, era representado pela coalizão PSDB-PFL-PTB, em uma situação na qual havia, na oposição, um campo democrático-popular liderado pelo PT, então com reputação ilibada. As quatro vitórias consecutivas do PT e o envolvimento desse partido em esquemas ilegais de financiamento político, mesmo que em nada diferentes dos utilizados pelas outras duas principais agremiações partidárias ora no governo, estimularam uma reação oposicionista de grande porte, gestada na disputa política balizada por uma série de variáveis contextuais e estruturais, entre elas a existência de uma mídia oligopolizada e da Operação Lava Jato.
Essa ofensiva da oposição aos governos encabeçados pelo PT resultou, entre outros, na metamorfose conservadora de importantes lideranças do PMDB (quando esse partido desembarcava do apoio a Dilma) e na direitização do PSDB, que avançava desde a década passada, transformações essas que interagiram com a nova direita da mídia e das ruas e com o protagonismo de elites da burocracia pública na área jurídico-policial. Há hoje no Brasil, país com abissal concentração de renda, uma compressão da igualdade democrática e da democracia procedimental pela avalanche do bloco liberal-conservador, hegemonizado pelas finanças, visando retomar, com intensidade maior, as transformações orientadas para o mercado iniciadas nos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, no sentido do Estado mínimo, da desregulamentação dos mercados, das privatizações, da desnacionalização do sistema produtivo e da desindustrialização.
Nesse contexto, cabe à esquerda reerguer-se, com racionalidade e perseverança, construindo um programa para a nação, um programa nucleado por um projeto econômico, centrado no desenvolvimento com justiça social, que dialogue com um leque amplo de potenciais aliados, com setores do capital produtivo, com pequenos produtores da cidade e do campo, com os trabalhadores, não só os do setor formal e organizado da economia, mas também os precarizados, com os excluídos, com os microempreendedores, com as classes médias, intelectuais, juventude, mulheres, negros e assim por diante. Política e aliança são inseparáveis. Governar o capitalismo sem os capitalistas está fora de cogitação. Também está fora de cogitação conquistar o governo para suprimir as relações de dominação fundadas na propriedade privada. A disputa é entre modelos de capitalismo e, no exato momento, as elites governantes e econômicas se lançaram na perspectiva oposta à do capitalismo democrático, uma perspectiva fortemente orientada para o mercado, visando atrair investimentos externos (conforme, por exemplo, a postura de Temer nas reuniões internacionais em que tem participado ao viajar para fora do país). A pauta comportamental progressista, dos direitos e liberdades civis, também é necessária para a esquerda, mas não suficiente. Outro ponto-chave é o comprometimento com um Estado republicano, capacitado, a serviço da cidadania, e não da pirataria de grupos organizados.
Há contradições entre interesses nacionais e estrangeiros (pense-se no Brexit e em Trump, por exemplo), assim como há contradições entre interesses produtivos e rentistas. Por mais que o empresariado produtivo tenha apoiado o impeachment, vários deles são críticos da macroeconomia liberal, mesmo que essa contradição dê nó na cabeça. Recentemente, até o liberal André Lara Resende criticou a elevada taxa básica de juro implementada no Brasil desde 1994, devido ao seu impacto negativo sobre o equilíbrio fiscal e na própria expectativa de inflação.
O capitalismo é cíclico, as crises são inerentes a ele. Sem a virtù de um programa nacional amplo, a esquerda não estará à altura de aproveitar uma maré positiva que possa surgir. As eleições de 2018 se aproximam. O país precisa de uma esquerda forte, democrática e competitiva, enraizada em amplas bases, para contrabalançar a nova direita ultraliberal e defender, com competência, estratégias políticas que maximizem a possibilidade de equacionamento entre lucro, investimento e redistribuição. O esquerdismo não é a alternativa para a reconstrução de uma esquerda que fale para a nação. Por outro lado, essa perspectiva nacional da esquerda de maneira nenhuma significa que as organizações dos trabalhadores não defendam seus interesses nas relações com os setores privado e público. A defesa dos interesses é a regra do jogo na economia de mercado e na democracia, por mais que esta última esteja ferida pelos últimos acontecimentos. 
* Marcus Ianoni é cientista político, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador das relações entre Política e Economia.

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