A sociedade brasileira é mais equilibrada e moderna do que aparece na superfície das águas agitadas pelos ódios radicais de frentes opostas
Os resultados da última pesquisa do Datafolha
sobre as eleições presidenciais, realizada depois da prisão de Lula,
permitem várias leituras importantes. Uma delas é a revelação de que a
sociedade brasileira, como eu havia escrito em uma de minhas últimas colunas, é mais equilibrada e moderna do que aparece na superfície das águas agitadas pelos ódios radicais de frentes opostas.
Observando o movimento das intenções de voto dos brasileiros se
verifica que o Brasil, ainda em meio à tempestade político-judicial que o
sacode, não aposta nos extremos. Para sintetizar isso basta observar
que o fenômeno Bolsonaro,
da extrema direita, dá mostras de cansaço. Hoje, o ex-militar que está
há meses fazendo barulho, e às vezes até dá medo de que se vá ter um
novo Trump, brasileiro, perderia em um segundo turno, por exemplo, de
Marina Silva, a silenciosa e moderada ambientalista. Bolsonaro não
cresceu nem com a prisão de Lula.
Ao mesmo tempo, tampouco a extrema esquerda, por exemplo, de Boulos — ungido por Lula em seu rito de despedida
em que lhe profetizou um grande futuro —, não tem tido eco entre os
brasileiros, que só lhe deram um punhado de votos. Passou despercebido
na sondagem. E se Lula, estando na prisão, mantém 30% dos votos, isso
demonstra que o líder popular é visto não como um extremista, mas como o
político moderado e pragmático que sempre foi e que se definia como
“nem de direita nem de esquerda, só sindicalista”.
É significativo que os analistas políticos tenham ressaltado que as
novidades da pesquisa depois da prisão de Lula são as candidaturas de
Joaquim Barbosa, que nem sequer é pré-candidato, e da quase desaparecida
Marina Silva, que renasce de seu silêncio e de sua pouca vontade de polemizar e menos ainda de guerrear com alguém.
Ambas as candidaturas em ascensão podem ser a demonstração de que o
Brasil, cansado de tantos extremismos de uma parte e de outra, se
inclina na designação de seu futuro presidente por personagens que se
colocam mais em uma centro-esquerda, que é a posição que mais bem
reflete as necessidades da sociedade. Uma política vacinada contra os
dois extremos e ao mesmo tempo progressista, nova, não poluída pela
velha política nem com o vírus da corrupção, e com os olhos abertos para
as carências de um país ainda terrivelmente classista e racista, com
gigantescas desigualdades sociais, que não quer perder o que já
conquistou e que exige um futuro melhor para seus filhos.
Os extremos, por mais estranho que isso possa parecer a muita gente,
só produzem pobreza e ameaçam a democracia, ao mesmo tempo que põem em
risco a estabilidade de um país. As candidaturas de Barbosa e Marina,
sem dúvida moderadas e também progressistas, distantes de aventuras de
extrema direita e extrema esquerda, são reveladoras de que a sociedade
brasileira continua apostando na estabilidade e nas batalhas que hoje
travam os países mais modernos e justos do planeta.
Em um Brasil em que os negros continuam sofrendo discriminação e
carregam o fardo da escravidão com todas as suas consequências de atraso
econômico e cultural, a aposta por dois candidatos como Barbosa e
Marina é uma promessa de esperança e de equilíbrio democrático. Ambos
negros, saídos da pobreza, exemplo de superação, que trabalharam para
poder estudar, empenhados em sua biografia na justiça social e nas
conquistas progressistas da sociedade moderna, como as questões de
gênero e do meio ambiente, os direitos da mulher e a defesa das
minorias, são garantia de estabilidade democrática.
O filósofo francês Charles Pépin surpreendeu com sua obra recente, As Virtudes do Fracasso,
na qual defende que “uma sociedade que não reconhece seus erros é uma
sociedade doente” e que “o acerto é um fracasso corrigido”. Assim como
na pesquisa científica também na política se acerta errando e corrigindo
os erros.
Se isso é certo, o Brasil poderia estar saindo do túnel de seus
fracassos passados mais rico e mais livre, mais justo e mais purificado.
Talvez, sem conhecer a moderna filosofia do fracasso, esta sociedade
esteja intuitivamente compreendendo que da rejeição dos extremismos pode
renascer uma sociedade não só pacificada, mas engrandecida e mais feliz
do que parece ser hoje.
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