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dom, 15/04/2018 - 16:18
Atualizado em 15/04/2018 - 16:50
Sugerido por Ana Arrigoni
Ótima entrevista de José Luís Fiori
Por Eleonora de Lucena e Rodolfo Lucena
Do Tutaméia
O filme da direita e dos ultraliberais acabou e foi muito ruim. Eles
perderam o discurso, não têm nada a propor ao Brasil e vão se dividir
cada vez mais. A crise econômica seguirá com efeitos mais dolorosos. A
libertação de Lula é a grande causa que unirá as forças progressistas do
Brasil e da América do Sul. É preciso fazer avançar a ideia de uma
frente pela democracia.
As ideias são do sociólogo e cientista político José Luís Fiori,
professor de economia política internacional da Universidade Federal do
Rio de Janeiro. A Eleonora de Lucena, diretora do TUTAMÉIA, ele afirma:
“Nesse momento, o ponto de partida necessário e inevitável das forças
progressistas só pode ser a luta pela libertação de Lula. Não
necessariamente para que ele seja candidato, mas porque hoje a sua
libertação significa simbolicamente o primeiro passo para a restituição
da democracia e da justiça nos seus devidos lugares”.
E analisa: “A direita e os seus juízes conseguiram transformar o
ex-presidente num mito e numa força política que acompanhará a sociedade
e política brasileira por muitos e muitos anos”.
Para Fiori, não adianta pensar agora em candidaturas alternativas que
não vão ganhar ou não vão governar nesse quadro atual. “Ou se muda esse
quadro e se junta um conjunto de forças poderosas, ou não haverá
governo progressista viável de nenhum tipo, seja quem for o indivíduo ou
candidato. A menos as forças progressistas queiram repetir a
candidatura simbólica do dr. Ulysses Guimarães em 1974”, declara.
Autor, entre outros, de “O Poder Global” (Boitempo, 2007) e de
“História, Estratégia e Desenvolvimento” (Boitempo, 2014), Fiori
organizou obras essenciais para uma reflexão do mundo contemporâneo,
como “Pode e Dinheiro” (com Maria da Conceição Tavares, Vozes, 1997) e
“O Poder Americano” (Vozes, 2004).
Na sua avaliação, a crise desencadeada pelo golpe de 2016 e a divisão
na sociedade brasileira vão continuar por muito tempo e exigirão enorme
paciência estratégica. “Não adianta achar que vai se virar a mesa na
próxima meia hora”, defende.
Nesta entrevista por correio eletrônico ao TUTAMÉIA,
Fiori trata das diversas forças políticas em embate e lança uma
hipótese sobre a dissolução do núcleo intelectual e ideológico do golpe
de 2016: a derrota de Hillary deixou sem apoio os seus operadores
internos –o que fez o governo golpista cair nas mãos de um grupo da
“segunda divisão”–já quase todo na cadeia, que estava inteiramente
despreparado para governar o Brasil”.
A seguir, a íntegra:
TUTAMÉIA — Qual o impacto político da prisão de Lula?
JOSÉ LUÍS FIORI — Muito grande, acho mesmo que a história política do Brasil terá um antes e um depois dessa prisão.
TUTAMÉIA — Ele sairá “maior, mais forte e mais verdadeiro”, como ele disse no discurso do dia 7, em São Bernardo?
JOSÉ LUÍS FIORI –Tenho impressão que sim. E acho que
a explicação disso se encontra no próprio discurso do ex-presidente,
quando ele diz que já deixou de ser uma pessoa física e se transformou
numa ideia, num movimento social e político, num verdadeiro mito. E
todos sabemos que as ideias e os mitos não conseguem ser presos nem
destruídos. Na verdade, Lula foi sempre um grande negociador e um
reformista, e sua genialidade foi demonstrar que, em certos momentos da
história, o reformismo é absolutamente revolucionário. Trata-se de um
líder absolutamente fora do comum e acima de seus contemporâneos, graças
à sua inventividade e à sua intuição estratégica, que é absolutamente
extraordinária.
TUTAMÉIA — É possível fazer comparações ou traçar algum paralelo com outras situações históricas vividas no passado?
JOSÉ LUÍS FIORI — Veja bem, se eu me mantiver
apenas no campo da minha experiência pessoal, devo te dizer que ainda
criança me tocou assistir ao golpe de Estado de 1954, junto com o
suicídio e a Carta Testamento de Getúlio Vargas. Depois, vivi o golpe de
1964 e escutei o discurso do presidente João Goulart, na Central do
Brasil, que acabou sendo também uma espécie de discurso de despedida.
Alguns anos depois, assisti ao vivo e em cores o violento e traumático
golpe militar do Chile, tendo escutado pelo rádio o último discurso de
Salvador Allende, no dia 11 de setembro de 1973. Foram todos momentos
decisivos ou mesmo heroicos da história.
Mas o discurso de Lula do dia 7 de abril, na cidade de São Bernardo,
teve uma grande diferença com relação aos outros, porque foi o discurso
de um homem que decidiu sobreviver e lutar. De um político que decidiu
enfrentar os seus acusadores acusando-os de peito aberto e sem medo das
represálias. De um pacifista que conseguiu manter e defender sua posição
sem oferecer a outra face. De um líder carismático que conseguiu fazer
–sob a máxima pressão pessoal– uma belíssima homenagem às utopias
humanas, ao mesmo tempo em que traçava as linhas básicas do seu futuro
governo. Isso realmente não tem precedente que eu saiba.
Por outro lado, eu não havia nascido e não assisti quando Juan
Domingo Perón foi preso e depois libertado pela população para logo em
seguida ser eleito presidente da Argentina, em 1946. Mas assisti a
transmissão ao vivo, pela televisão, da libertação de Nelson Mandela,
aclamado pelo povo e imediatamente eleito presidente da África do Sul. E
tenho uma impressão muito forte, como analista político, que mais cedo
ou mais tarde isto também acontecerá no Brasil, com o ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, por mais que isso cause engulhos às forças
conservadoras e direitistas do nosso país.
TUTAMÉIA — No imediato, o que que o senhor espera que possa acontecer?
JOSÉ LUÍS FIORI — Uma grande mobilização no Brasil e
pelo mundo afora contra a prisão e a favor da libertação do
ex-presidente. Mas acho que, no imediato, as pessoas próximas e que
gostam pessoalmente do ex-presidente deveriam estar muito atentas com
relação à sua integridade física. Sobretudo se tiverem em conta o
fanatismo, o rancor, a crueldade e o ressentimento dos que o
encarceraram.
TUTAMÉIA — Qual será o futuro político das pessoas que o julgaram e encarceraram?
JOSÉ LUÍS FIORI — O mais provável é que venham a ter
o mesmo destino de todos os “savonarolas” que já existiram através da
história. Apesar de que, no caso brasileiro, essas pessoas não têm o
menor fôlego pessoal e intelectual para se transformarem em lideranças
carismáticas. São figuras menores, já cumpriram o papel que lhes foi
encomendado e devem voltar para o anonimato de onde vieram.
TUTAMÉIA — E qual o impacto mais geral sobre a sociedade brasileira?
JOSÉ LUÍS FIORI — Essa grande encenação –e,
sobretudo, esse final patrocinado pelo STF –consolidou uma divisão e uma
polarização da sociedade brasileira que que deverá durar por muitos e
muitos anos. Vai ser muito difícil de reverter isso. Também vai ser
muito difícil sair desse buraco imediato, porque o Estado, as
autoridades públicas e a sociedade brasileira aparecem divididos de cima
abaixo. Os golpistas estão completamente divididos. O Congresso está
quase rachado e desmoralizado. O STF está partido ao meio, perdeu a sua
aura de neutralidade e sua credibilidade foi rebaixada por suas brigas
internas e por suas sessões infindáveis, marcadas pelo exibicionismo dos
seus juízes com seu palavreado gongórico e quase sempre inócuo. Para
não falar finalmente da divisão interna da própria Igreja católica.
Aliás, dos que se esconderam atrás do silêncio para não se posicionarem
frente à prisão do ex-presidente, quem mais me impressionou foi a CNBB. A
ausência cúmplice ou envergonhada de algumas de suas principais
lideranças no Brasil foi lamentável. Fez lembrar sua participação no
golpe de 1964, quando as senhoras conservadoras sacudiam seus terços no
lugar de bater panelas.
TUTAMÉIA — Como deveriam agir daqui para frente as forças progressistas?
JOSÉ LUÍS FIORI — Os caminhos estratégicos vão sendo
construídos no caminhar e devem sempre tomar em conta os objetivos e as
iniciativas dos adversários. Mas, nesse momento, o ponto de partida
necessário e inevitável das forças progressistas só pode ser a luta pela
libertação de Lula. Não necessariamente para que ele seja candidato,
mas porque hoje a sua libertação significa simbolicamente o primeiro
passo para a restituição da democracia e da justiça nos seus devidos
lugares.
TUTAMÉIA — A ideia de uma frente pela democracia, contra o fascismo e pela soberania pode avançar?
JOSÉ LUÍS FIORI — Mais do que nunca. A direita e os
ultraliberais já implementaram todas suas ideias e reformas através do
golpe e dos seus executores. Depois da destituição da presidenta Dilma
Rousseff e da prisão do ex-presidente Lula já não lhes resta mais
nenhuma “causa” nem “ideia”. Seu filme acabou e foi muito ruim. A crise
econômica seguirá e seus efeitos se farão cada vez mais dolorosos. A
direita ultraliberal já não tem mais nada para dizer ou propor para o
Brasil, que não seja a tal da “reforma da previdência que não
conseguiram fazer e a privatização da Petrobras, duas propostas
extremamente impopulares.
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Povo no acampamento Lula Livre, em Curitiba (foto Ricardo Stuckert, como a da abertura)
TUTAMÉIA — Até onde o PT deve esticar a corda e manter a candidatura Lula?
JOSÉ LUÍS FIORI — Como já disse, do meu ponto de
vista, o ex-presidente Lula já não é mais apenas uma candidatura. Ele é
uma causa e é a grande causa que unirá daqui para frente as forças
progressistas do Brasil e da América do Sul. Não adianta pensar, no
momento, em candidaturas “alternativas” que não vão ganhar ou
simplesmente não vão governar nesse quadro que aí está. Ou se muda esse
quadro e se junta um conjunto de forças poderosas, ou não haverá
governo progressista viável de nenhum tipo, seja quem for o indivíduo ou
candidato. A menos que as forças progressistas queiram repetir a
candidatura simbólica do dr. Ulysses Guimarães em 1974.
É bom que as pessoas entendam que essa crise aberta pelo golpe de
Estado e essa divisão da sociedade brasileira –promovida ativamente pela
imprensa conservadora– devem continuar ainda por muito tempo e exigirão
uma enorme paciência estratégica. Não adianta achar que vai se virar a
mesa na próxima meia hora.
TUTAMÉIA — Quem poderia ser o maior beneficiado da saída definitiva de Lula da corrida eleitoral?
JOSÉ LUÍS FIORI — Em primeiro lugar, ele já não
sairá mais nem da corrida eleitoral nem da história política futura.
Como já dissemos, a direita e os seus juízes conseguiram transformar o
ex-presidente num mito e numa força política que acompanhará a sociedade
e política brasileira por muitos e muitos anos.
TUTAMÉIA — Qual o impacto da prisão de Lula dentro do PT? Alguns esperam esvaziamento do partido. É correto pensar assim?
JOSÉ LUÍS FIORI — Acho que não. Pelo contrário,
creio que o PT deve crescer daqui para frente. Mas não sou do PT e não
conheço nem sei avaliar corretamente a sua dinâmica interna. Mas com
certeza os seus adversários e a imprensa conservadora deverão inventar
ou incentivar, daqui para frente, divisões e lutas internas, jogando uns
contra os outros de forma a esvaziar a causa unitária do PT, pela
libertação e absolvição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
TUTAMÉIA — Qual o impacto da prisão na parcela da população que apoiou o golpe de Estado?
JOSÉ LUÍS FIORI — Num primeiro momento, devem tomar
champanhe ou cerveja, dependendo da classe social de cada um. Mas,
atenção, porque o efeito emocional dessa prisão se esgota em si mesmo. A
grande massa dos que estão comemorando nesse momento muito brevemente
se dará conta de que a prisão de Lula não modificará nada em suas vidas.
Todos serão obrigados a voltar a viver as suas angústias e seus medos
de cada dia –para não falar nos que terão que voltar a conviver com sua
própria mediocridade pessoal.
TUTAMÉIA — Então, qual o caminho das forças golpistas?
JOSÉ LUÍS FIORI — Deverão se dividir cada vez mais.
Deverão entrar numa luta à morte, depois que perderam o seu grande
denominador comum, que era o golpe e a prisão do ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva. Será uma guerra sem quartel, e presumo que não
sobrará pedra sobre pedra. E essa mesma divisão das forças de direita
acabará impedindo qualquer tentativa de suspensão das eleições de
outubro de 2018. Eles não têm mais unidade para nada e terão que se
enfrentar entre si. O PMDB já foi literalmente descabeçado, com a prisão
de algumas de suas principais lideranças nacionais e de quase todas as
suas lideranças golpistas que hoje estão na cadeira. E não é improvável
que esse quadro piore ainda mais depois que o sr. Temer sair do Palácio
do Planalto.
Por outro lado, o PSDB se autodestruiu, com a opção pelo golpe de
Estado do seu candidato derrotado nas eleições presidenciais de 2014,
que depois se viu envolvido em situações cada vez mais escabrosas. Seus
caciques paulistas estão todos brigados entre si, seus intelectuais
completamente desmobilizados e desmoralizados ideologicamente. E o seu
principal líder vive um momento de declínio intelectual, político e
ético, depois de ter sido o grande patrocinador da candidatura do sr.
Aécio. Mas, sobretudo, depois de ter justificado de forma bisonha e de
ter participado diretamente do golpe de Estado, antes de se afastar do
governo que ele mesmo ajudou a criar. O DEM, por sua vez, é um partido
que não tem fôlego nacional e está transformado numa quase caricatura da
antiga direita baiana e carioca. O conjunto das outras siglas que
compõem a ‘base parlamentar” do golpe de Estado não possui nenhuma
consistência ou identidade própria e estará sempre ao lado do “balcão de
negócios”.
Por fim, depois desses últimos três ou quatro anos, a Globo se
transformou numa organização político-ideológica explícita e de direita,
agressiva, insidiosa e com enorme poder de fogo. Mas perdeu
completamente a posição de “meio de informação” da sociedade brasileira,
se transformando no principal inimigo de todas as forças progressistas,
democráticas, defensoras da soberania nacional e de um choque
distributivo na sociedade brasileira.
TUTAMÉIA — É possível identificar as forças externas que atuaram no golpe de 2016?
JOSÉ LUÍS FIORI — Tenho a impressão que que as
“forças externas” que participaram desse golpe de Estado e dessa
destruição física e moral da sociedade, da economia e da política
brasileira não se preocuparam em apagar as suas impressões digitais. É
muito fácil de olhar e identificá-las.
Um aspecto menos discutido desse problema, entretanto, é a influência
que possa ter tido a eleição de Donald Trump na rápida desintegração do
bloco golpista e na perda completa de rumo dos seus líderes tucanos,
incluindo a desmontagem moral do seu candidato presidencial. Uma boa
hipótese para quem se interessa por esses assuntos é que esse golpe de
2016 foi concebido durante o período da administração Obama e contava
com a vitória certa de Hillary Clinton –integrante ilustre da ala
protetora e patrocinadora do PSDB desde sua fundação e durante toda a
administração de Bill Clinton, na década de 1990.
Isso talvez explique a surpreendente implosão e desmontagem do bloco
golpista no Brasil, com o desaparecimento completo do seu núcleo
intelectual e ideológico inicial que que estava todo no PSDB, incluindo o
seu principal líder que teria sido completamente descalçado com a
derrota dos Clinton, virando uma espécie de “biruta de aeroporto”, que
vai virando de um lado para o outro segundo a ocasião e segundo a sua
luta pela sobrevivência pessoal. Como consequência, os líderes
intelectuais do golpe teriam tido que deixar a administração do governo
nas mãos de um grupo da “segunda divisão”, de baixíssimo nível
intelectual e que já está quase todo na prisão, inteiramente
despreparado para governar o Brasil.
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