O império contra-ataca na guerra semiótica: Globo faz a Cinderela de esquerda no BBB18
terça-feira, abril 24, 2018
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Dentro da atual guerra semiótica, a Globo foi rápida após acusar o
golpe da invasão tática do “tríplex do Lula” no Guarujá pelo MTST e Frente Povo
Sem Medo. Três dias depois, a emissora simplesmente promoveu uma militante
petista (Gleici Damasceno, a jovem acreana “feminista e militante”, como
descreveu o programa) a nova milionária do BBB18. E de quebra, como vice, um
refugiado sírio. Resposta semiótica
direta e incisiva: entrou no “controle de danos” após a prisão de Lula
(compulsivamente a Globo tenta aparentar agora imparcialidade). Ao mesmo tempo
em que utilizou a arma ideológica tão antiga quanto a própria televisão
brasileira: narrativas da “Rainha por um Dia” e “Boa Noite Cinderela” do velho
Silvio Santos desde décadas atrás – reciclar miseráveis (e agora também
militantes de esquerda) em exemplos de imparcialidade e evidências do outro
lado da moeda da meritocracia: a sorte e oportunidade. E a esquerda tenta pegar
carona em Gleici: “Quando é no voto, a gente sempre ganha”, “Gleici campeã, deu
PT” etc. Parece que a vitória da ocupação do triplex não ensinou nada...
Se na
segunda-feira da semana passada a esquerda ganhou pontos na guerra semiótica
com a ocupação do triplex do Guarujá (uma ação rápida que pegou de surpresa a
grande mídia que sentiu o golpe através da guinada gramatical feita às pressas
fez em sua narrativa – clique aqui), já na quinta à noite a
poderosa Globo deu a resposta: a vitória da acreana “feminista e militante
política” Gleici Damasceno no BBB 18.
E de
quebra, o vice para um refugiado da guerra síria, morador da cidade de Curitiba
(irônico e sincrônico!)...
Dentro
do quadro atual no qual a Globo tenta lavar as mãos da lama psíquica que teve
que remexer até o impeachment de 2016 (deu visibilidade aos discursos de ódio e
intolerância para criar a atmosfera de crise política para desfechar o golpe),
a vitória de Gleici, foi até previsível por dois simples motivos:
(a) Controle de
danos: após a conquista do grande troféu cobiçado desde a crise do mensalão (a
prisão de Lula), agora a mídia corporativa às pressas procura reverter sua
explícita parcialidade com a narrativa da isenção e de que “a lei é para todos”
– Aécio foi largado na estrada (capa da Veja em um tenebroso fundo negro).
Principalmente a Globo (entre 2013-16 mandou às favas até os interesses
comerciais no bombardeio semiótico contra a opinião pública) deu uma guinada na
pauta do jornalismo e entretenimento: como um rolo compressor, o “politicamente
correto” de repente invadiu o conteúdo dos programas – igualdade racial e de
gênero, cidadania, tolerância, etc.
Depois de açodada
pela emissora a sair da toca para ir às ruas, a direita sentiu-se traída e
passou a acusar a emissora de “petista”...
Ocupação do triplex e Gleici no BBB18: ação e reação |
A
grande mídia tenta minimizar os danos após a prisão de Lula. Danos
representados principalmente pelos protestos diante várias afiliadas da TV
Globo pelo Brasil.
(b) Guerra
Semiótica: era necessária uma reposta simbolicamente à altura da bem-sucedida
invasão do triplex: colocar uma militante do PT acreana (que exibe fotos no seu
perfil nas redes sociais posando ao lado de Lula e Dilma), mulher, negra,
vivendo um conto de cinderela no moedor de carne que é o reality show da Globo.
Carona com Gleici
Também como era de esperar (dada a
inacreditável ingenuidade semiótica) muitos blogs de esquerda (com os devidos
“entretantos” e “poréns”) comemoraram a vitória como um alento ou algum tipo de
vitória simbólica ou moral (“a esquerda ganha eleição até no BBB”, ironizaram)
diante da derrota da prisão de Lula – será isso algum tipo de “síndrome de
Estocolmo”?
Por
exemplo, Eduardo Suplicy postou em rede social desabafo de como a vitória da
militante petista lhe deixou feliz e com uma boa noite de sono após tantas
tristezas com o infortúnio de Lula...
Big
Brother Brasil é um moedor de gente, seja no aspecto físico (chegando até a
escândalos de supostos estupros sob os edredons), como ideológico – vender o
conto de Cinderela do qual viveu Silvio Santos (do velho quadro “Boa Noite
Cinderela” ao “Topa Tudo por Dinheiro”)e na atualidade Luciano Huck (quadro
“Lata Velha”) como o outro lado da moeda da meritocracia: além do mérito,
também na vida é necessário ter sorte! Gente que vive seu sonho de uma noite de
verão no topo da sociedade, onde as pessoas estão lá supostamente por mérito...
e alguns pela sorte.
Como
um beijo roubado, os poucos segundos em que a jovem gritou “Lula Livre” na
comemoração com a família já fora da casa do BBB foram festejados pela esquerda
– talvez carente por tão parcas vitórias nos últimos anos.
Mas o
que a Globo faturou simbolicamente em cima da vencedora superou em muito o
indefectível wishiful thinking da esquerda. Principalmente nos
posteriores programas de entretenimento. Até chegar ao ápice do massacre
ideológico no Fantástico.
A bomba semiótica da Globo
(a) Mulheres e Guerra Híbrida
Assim
como Marielle foi a executada mais conveniente (vítima escolhida a dedo por ser
mulher, negra, homossexual, militante e esquerdista) também a jovem foi a
vencedora mais esperada: mulher (sempre as mulheres! As táticas semióticas da
guerra híbrida adoram personagens femininos, seja como vítimas ou militantes
(da vítima iraniana Neda Agha-Soltan, da ativista blogueira cubana Yoani
Sanchéz até às mulheres que salvaram cãezinhos de um laboratório em Cotia – clique aqui),
admiradora de Lula, negra e militante de esquerda. Mulheres dão um ótimo
rendimento simbólico nessa estratégia de redução de danos da emissora;
Mulheres: iscas perfeitas na Guerra Híbrida |
(b) A arma da iconificação
logicamente
a Globo não permitiria imagens da chegada da vencedora em Rio Branco, no Acre,
trajando uma camiseta estampada “Lula Livre”. Como era até esperado depois de
gritar a reivindicação ao vivo no BBB. Símbolos são mais perigosos do que
ícones. Então, as imagens do Fantástico mostraram a jovem chegando com a
bandeira do Acre e uma camiseta com a rosto de Frida Khalo estilizado.
Uma
camiseta “Lula Livre” seria muito partidarizado (até mesmo para a obsessiva
preocupação da emissora parecer isenta). Ponha-se no lugar um ícone do
feminismo genérico: Frida Khalo, iconificada como um personagem pop. Ao lado
das lutas contra a intolerância, ódio e racismo, discursos genéricos, agendas
positivas contra a qual ninguém pode ser contra – apenas com a exceção da
extrema direita que consegue enxergar uma Globo de esquerda.
Iconificação
é uma arma semiótica poderosa para esvaziar simbolismos políticos. Veja o
exemplo do destino de Che Guevara. De símbolo comunista virou ícone genérico do
herói que morreu por ideais. Herói tão genérico que é possível ver sua foto
estilizada em capas de estepes de caríssimas SUVs ou em baús de motoqueiros
alheios a qualquer tema da política.
(c) Atual Modus operandis da Globo
Mostrar
como seus apresentadores são humanos, e não máquinas de dar péssimas notícias.
Principalmente para a esquerda. Depois do áudio “vazado” do Chico Pinheiro
demonstrar sua consternação com a prisão de Lula e na bancada do JN aparentar
“voz embargada”, agora foi a vez de Tiago Leifert.
Pois
não é que, no programa Vídeo Show, o
apresentador do BBB supostamente não conseguiu segurar as lágrimas ao ver o
vídeo da vitória de Gleici Damasceno?
(d) Café da manhã com a musa do Golpe
O tour forçado de Gleici Damasceno para
abençoar a nova “imparcialidade” da Globo não poderia terminar sem visitar,
nada mais e nada menos, do que uma das musas do malsucedido movimento “Cansei!”
de 2007 (ao lado de Beatriz Segall, Luana Piovani, Irene Ravachi, Regina Duarte
et caterva...), ação proto-golpista
articulada por João Dória Jr.
Ana
Maria Braga, inesquecível protagonista do colar de tomates na campanha da Globo
para provar que o País do governo Dilma vivia sob uma incontrolável inflação,
recebeu a vencedora do BBB18 no seu
programa matinal.
Afinal,
lá também foi imolada a própria presidenta Dilma Rousseff em um café da manhã
na qual ensinaria a fazer uma inocente omelete de queijo em 2011. A omelete
politicamente mais cara da História.
Toque
de cruel ironia: a cinderela de esquerda com incontida alegria, num
descontraído café da manhã, no programa de uma das protagonistas da guerra
semiótica vitoriosa da emissora.
Cruel ironia |
(e) Meritocracia, Sorte e Oportunidade
A piece de resistance da ideologia
meritocrática que a TV Globo empurra diariamente na sua programação: a sorte. O
outro lado da moeda do mérito – na competição generalizada que deve ser a
sociedade (Darwinismo Social) sorte e oportunidade são a contraparte da
meritocracia.
O Fantástico apresentou dados acachapantes
sobre Gleici: servidora pública, deveria trabalhar até os 119 anos para poder
juntar o que ganhou em alguns meses no BBB18: R$ 1,5 milhão. Ela era a única
fonte de renda em uma família na qual todos estão desempregados.
Gleici chega a Rio Branco com visual repaginado e com um príncipe da corte do BBB – o
ex-Big Brother Wagner Santiago.
É
inacreditável que desde as duas seminais pesquisas de Sérgio Miceli e Muniz
Sodré em 1972 (respectivamente, “A Noite da Madrinha” e “A Comunicação do
Grotesco”), estudos pioneiros da sociologia da Indústria cultural brasileira,
nada tenha mudado no cenário da comunicação de massas até hoje.
Nada mudou... |
Para
Muniz Sodré, a televisão brasileira da época promovia um “desfile de
miseráveis” como em “Rainha por um Dia” de Sílvio Santos ou com Dercy Gonçalves
e Raul Longras que exploravam a infelicidade humana, seja para o humor ou para
o drama.
Nada
mudou. Talvez a única diferença esteja nos objetivos: lá nos anos 1970, para
transformar a miséria em show e esconder os horrores da ditadura militar. Aqui
no século XXI, para reciclar os pobres do Brasil Profundo com BBBs e Latas
Velhas do Huck em exemplos de sorte e mérito. Para ajudar os desempregados a
engolir mais facilmente o discurso do empreendedorismo.
Além
de tentar livrar a cara da Globo do seu protagonismo na atual guerra híbrida e
do seu passado de ostensivo apoio à ditadura militar brasileira.
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