Enviado por Andre Araujo ter, 24/04/2018 - 12:43
O Mahadi e a tragédia histórica das cruzadas salvacionistas
por André Araújo
Mohamad Ahmad foi um líder político e religioso do Sudão no Século
XIX. Um pregador de notável capacidade oratória, se apresentava como o
“salvador” do povo sudanês, naquela época um domínio britânico
controlado pelo “Sirdar”, o comandante do exército anglo-egípcio com
base no Cairo e capital politica em Khartoum, cidade as margens do Nilo e
que era a capital do vasto território conhecido como “Kordofhan”,
correspondente ao centro do Sudão.
O “Mahdi” foi magistralmente representado no cinema pelo maior ator
inglês do Século XX, Sir Lawrence Olivier no filme “Khartoum”, que é a
epopeia sobre a trajetória do “Mahadi” no tempo histórico real, um
personagem que representa com precisão o movimento das cruzadas
“salvacionistas” com soluções simples e erradas para países em crise. De
matiz religioso o movimento mahadista era também politico e se apossou
do Estado sudanês.
Mohamad Ahmad tomou o poder em Khartoum, cidadela do Exército
britânico e centro do poder no Kordofhan em 1884, matando o General
Charles Gordon, Governador Geral do Sudão, expulsou os ingleses do vasto
território, o “mahadismo” governando o País por 8 anos deixando no seu
no seu rastro a fome, o desgoverno, o desmonte de todas as estruturas
institucionais, a expulsão de suas elites políticas, fazendo o País
retornar ao tempo das cavernas. A solução “salvacionista” vinda para
expulsar toda a corrupção resultou numa implosão de todo o sistema
organizado de Governo, com repercussão histórica que fez o Sudão
retroagir séculos e cujos efeitos devastadores repercutem até hoje na
configuração de um território convulsionado e desorganizado,
recentemente repartido em dois Países.
O território dominado pelo “mahadismoo” foi recuperado por uma grande
expedição militar chefiada pelo célebre General Herbert Kitchener,
depois Ministro da Defesa britânico na Primeira Guerra Mundial e dessa
expedição participou como oficial de cavalaria o jovem Winston
Churchill, que descreveu a batalha de reconquista do Sudão, a Batalha de
Omdurman, em seu primeiro livro de memórias, “MINHA MOCIDADE”,
traduzido para o português por Carlos Lacerda, republicado dezenas de
vezes no Brasil, com reedição recente.
Uma expedição anterior (1882) de soldados egípcios, com 7.700 homens e
comando de oficiais britânicos foi facilmente vencida pelo
“mahadistas”, tendo a expedição perdido na derrota milhares de rifles
que armaram agora os rebeldes, antes apenas com lanças.
A expedição Kitchener (1892) foi muito maior, 26.000 soldados, sendo
8.600 ingleses, cavalaria acompanhada por artilharia e barcos artilhados
seguindo em flotilha pelo Nilo, venceu em horas os “mahadistas” com a
morte de 11.500 de seus fiéis, recuperando o controle do Kordofhan e
enterrado o movimento “mahadista” que se espalhara pelo Sudão.
A CRUZADA SALVACIONISTA
Onde se aplica a lição do Mahadi no Brasil de hoje? O Mahadi tinha
como bandeira combater a corrupção e o pecado, iria “salvar” o Sudão de
suas mazelas porque ele era o único “puro”, isento do pecado, um “ficha
limpa”. Essa era sua mensagem que cativou os sudaneses, conquistou
adeptos fanáticos e fiéis à sua pregação, assumiu o poder, matou dezenas
de milhares de “impuros”, entre os quais incluía toda a estrutura
governamental, acabou com a agricultura porque os fazendeiros eram para
ele também “impuros”, deixou um legado de miséria, morte e destruição do
qual o Sudão não se recuperou até hoje, o preço da salvação foi como
sempre muito alto, o “salvador” cobra caro pelos seus serviços.
O “salvador” promete milagres e tem uma excepcional capacidade de
convencimento. É um perigo para qualquer Democracia porque é bom para
ganhar a eleição, mas não tem a mínima capacidade de governar, não tem
educação, preparo, experiência, conexões, equipe e não tem como entregar
o que promete. Para se manter no poder que conquistou com sua
capacidade de convencimento precisa encontrar adversários fáceis que ele
combate, unificando o povo e identificando um inimigo de simples
caracterização contra o qual centra sua campanha, um inimigo que eleva
no imaginário como “ o mal” a vencer.
A existência de “inimigos do povo” para um combate continuo é
essencial para o “salvador” usar sua retórica e se manter no comando do
País que conquistou com promessas falsas. O “processo salvacionista” é
um acidente histórico fatal e provoca como resultado a destruição de um
País no caminho da luta do “salvador” para se manter no Poder.
O ‘HOMEM PURO” NO COMBATE À CORRUPÇÃO
O combate à corrupção, aí entendida a corrupção de todos os tipos
dentro do Estado e fora dele, é central no caminho do “salvador”. Ele se
apresenta como um “puro” e a partir desse pedestal pode combater os
impuros. No geral, mesmo essa pretensão é falsa porque o “salvador” uma
vez no poder deixa de ser “puro” e passa a exercer a corrupção de forma
mais violenta do que aquela que pretendeu combater, o que ocorreu no
Sudão, onde os fazendeiros foram extorquidos com “contribuições” para
manter o movimento salvacionista, uma corrupção maior e mais violenta
daquela que ele partiu para combater.
UM POUCO DE HISTORIA
Mahamad Ahmad nasceu em 1844 e morreu por doença 1885 bem antes da
redenção do Sudão pelas tropas de Kitchener. Após a morte do “Mhadi” o
movimento caiu em mão de seus sucessores ainda piores que o líder, como
pode acontecer na história dos salvacionismos.
A Batalha de Omdurman (1892) que derrotou o “mahadismo” foi a ultima
do Século XIX combatida com lanceiros a cavalo, entre os quais estava o
jovem oficial Winston Churchill, o guerreiro que em uma só vida passou
da lança para a Era Nuclear, do combate a cavalo para o avião a jato, do
Mahadi como inimigo para a luta contra Adolf Hitler.
AS CRUZADAS SALVACIONISTAS COMO INSTRUMENTOS DA POLITICA
Através da História o combate a corrupção se transforma por si só em
uma arma para alcançar o Poder. O lutador contra a corrupção capitaliza
seu combate e se lança como pretendente ao poder em nome desse combate.
Essa foi a base conceitual do Papado contra o Império por toda a Idade
Média, o Papado representando a Virtude a Pureza contra a corrupção do
poder político terreno. Uma exacerbação desse conflito foi a Santa
Inquisição, forma violenta de combate que em certo momento se assumiu
como poder politico desafiando o próprio Estado. A Inquisição Ibérica
representava a pureza em combate mortal contra os impuros e os hereges e
pelo caminho confiscava bens de suas vítimas e se fortalecia. Em
Portugal coube ao Estado representado pelo Marques de Pombal (Sebastião
Jose de Carvalho e Melo) enquadrar a Inquisição e cassar seu poder
politico para defender o poder do Estado.
No Brasil um politico que chegou a Presidência da Republica fez toda
sua carreira no combate à corrupção, Jânio Quadros percorreu todo a
trajetória do ciclo, chegou a Presidência sem ter as condições politicas
para tal cargo, caindo no abismo de suas próprias fraquezas.
Como todo salvacionista, a pureza era apenas de aparência, Jânio
nunca foi tão santo como seus eleitores pensavam, legando vasta fortuna
para seus descendentes.
A cruzada janista tinha como alvo final o grande sistema de poder da
Era Vargas, representada em São Paulo por Adhemar de Barros,
interventor, governador e prefeito nos anos varguistas.
Já o Presidente da República por um longo período histórico,
identificado pelos conservadores como líder de um sistema corrupto,
Getúlio Vargas, não deixou herança aos descendentes após décadas de
poder. Sua corrupção era uma fantasia criada pelos udenistas de então.
Vargas foi acossado como corrupto, assim como Juscelino Kubtschek, os
udenistas antecessores dos moralistas que hoje pontificam no Brasil
praticando o mesmo processo de purificação punitiva que então a UDN de
Carlos Lacerda propunha realizar. Raramente o moralista NA POLITICA é
sério, ele apenas ataca a corrupção do outro para elevar seu capital
politico e ocupar a cadeira daquele que aponta como corrupto. Por
ironias da História o “moralista de ataque” é geralmente mais corrupto
que seu adversário que ele aponta como corrupto, todo um grande jogo de
cena para a troca do grupo no Poder.
Na essência, os movimentos anti-sistema se justificam pelo combate à
corrupção e na sua trajetória não poucas vezes se transformam em outro
sistema igualmente ou mais corrupto que aqueles que visavam combater. O
combate à corrupção como gazua para entrar no palácio, é um enredo
repetido incontáveis vezes pela História conhecida da humanidade.
O registro histórico mostra que o caminho mais racional é a evolução
lenta e gradual no aperto dos sistemas de controle sem destruir suas
bases e não a cruzada salvacionista que, a pretexto de combater o mal,
implode a engrenagem de governo que por si só é também um capital
valioso de cada Estado e da estrutura econômica da cada País. Ao
combater a corrupção como cruzada salvacionista é possível a destruição
de capital, de empresas, de setores inteiros, o que ao fim tem um valor
muitas vezes superior à própria corrupção alegada.
O DESASTRE ANUNCIADO DO SALVACIONISMO
O salvacionismo tem como alvo o Poder. Uma vez lá chegado não sabe
governar e cai no abismo, fazendo o País retroceder décadas. O episódio
do Mahadi no Sudão é apenas uma moldura que se repetirá provavelmente em
um vasto território conhecido como Brasil.
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