Em contraste à desigualdade, estagnação e ataque aos direitos
sociais no Ocidente, Pequim apresenta seu projeto para integrar a
Eurásia e desafiar poder de Washington
Por Pepe Escobar
Ministros de Comércio do G20 já concordaram com determinar nove
princípios centrais para o investimento global. Na reunião, a China
pressionou para que os mercados emergentes tenham voz mais ativa no
sistema de Bretton Woods. Mas acima de tudo e principalmente, a China
buscará maior apoio do G20 para as suas Novas Rotas da Seda, bem como
para o Novo Banco Asiático de Infraestrutura e Investimento.
Assim sendo, no coração do G20 tivemos os dois projetos que
competem, na linha de frente, para modelar geopoliticamente o jovem
século 21.
A China traz as Novas Rotas da Seda, um espetacular quadro de
conectividade paneurasiana, projetado para configurar uma enorme área de
comércio que será, no mínimo, dezvezes maior que o mercado
norte-americano, no prazo de duas décadas.
A hiperpotência EUA – não o Ocidente Atlanticista, porque a Europa está afogada em estagnação e medo – “propõe” o status quo neoconservador/neoliberal
atual; as velhas táticas de Dividir para Governar (e um governo
golpista e horrorosamente incompetente, mal educado, mal formado, mal
instruído e mal informado, como o governo golpista que a CIA
acaba de implantar no Brasil); e o primado do medo, consagrado na longa
lista de “ameaças” que o Pentágono vive a repetir que têm de ser
combatidas, de Rússia e China ao Irã.
O rugido geopolítico que se ouve nos bastidores da selva high-tech tem a ver com “conter” os dois principais membros do G20, Rússia e China.
Não é preciso ser oráculo para adivinhar qual dos dois projetos mais
intriga – e em vários sentidos atrai perigosamente – o sul global, além
de várias outras nações que integram o G20.
Naquele frenesi de conectividade que funde o Ocidente e a Ásia, vê-se em qualquer bom mapa
e em quase incontáveis formas, o contraste flagrante entre a paralisia e
a paranoia, de um lado e, de outro, um projeto imensamente ambicioso de
US$ 1,4 trilhões que conecta potencialmente 64 países, nada menos de
4,4 bilhões de pessoas e cerca de 40% da economia global, e que, dentre
outros feitos, cria horizontes comerciais “inovadores, revigorados,
interconectados e inclusivos” e, pode-se dizer, instala uma era
geopolítica de ganha-ganha.
Um conjunto de mecanismos financeiros já está implantado. O Banco de
Integração Asiática, que começa com fundo de US$100 bilhões e avançará
muito além disso); o Fundo da Rota da Seda (US$ 40 bilhões já
integralizados); o Novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS (NBD),
inicialmente com US$100 bilhões; mais vários atores dentre os quais o
Banco de Desenvolvimento da China e o China Merchants Holdings
International, com sede em Hong Kong.
As empresas e fundos estatais chineses estão incansavelmente
comprando portos e empresas de tecnologia na Europa Ocidental – da
Grécia ao Reino Unido. Trens de carga viajam agora de Zhejiang a Teerã
em 14 dias, através do Cazaquistão e do Turcomenistão. Em breve, tudo
isso será integrado a uma ferrovia trans-eurasiana de trens de alta
velocidade, incluindo uma Transiberiana de alta velocidade.
O Corredor Econômico China-Paquistão [ing. China-Pakistan Economic Corridor, CPEC],
de US$ 46 bilhões, tem potencial para desbloquear vastas áreas do Sul
da Ásia, com Gwadar, operado pela empresa de portos chineses no ultramar
(China Overseas Port Holdings), destinado a tornar-se entroncamento
naval chave para as Novas Rotas da Seda.
Portos de águas profundas serão construídos em Kyaukphyu em Myanmar;
na ilha Sonadia em Bangladesh; em Hambantota no Sri Lanka.
Acrescentem-se a esses portos o Parque Industrial China-Belarus e 33
acordos no Cazaquistão, que cobrem tudo, de mineração e engenharia a
petróleo e gás. Em fevereiro passado, PricewaterhouseCoopers já
detalhava US$ 250 bilhões em projetos das Novas Rotas da Seda (OBOR)
já construídos, recentemente iniciados ou já com contratos assinados.
Vasta rede de projetos das Novas Rotas da Seda já alinhavam firmemente
entre elas várias áreas da Eurásia, com corredores tecidos em rede entre
Oriente e Ocidente e norte e sul, que ligam várias zonas econômicas; há
um frenesi de expansão da infraestrutura e de interconectividade entre
Rússia, China, Índia, Paquistão, Irã, Ásia do Sul e Central.
A conectividade hoje, mais que geografia, é destino. Não é acaso que
parte tão significativa da movimentação aconteça entre estados-membros
ou observadores da Organização de Cooperação de Xangai (OCX). As Novas
Rotas da Seda têm tudo a ver com reprogramar a OCX para convertê-la num
guarda-chuva de cooperação econômica e de segurança. Paralelamente, a
Rússia, com a progressiva coordenação entre a União Econômica Eurasiana
(UEA) e as Novas Rotas da Seda, projeta a parceria estratégica
Rússia-China para além da conectividade estratégica, diretamente para a
Europa.
Daí que aqueles Códigos para Encontros não Planejados no Mar [ing. Code for Unplanned Encounters at Sea (CUES)]
CUES – para a Rota da Seda Marítima – sejam nó crucial no Novo Jogo da
Conectividade na Eurásia. O que nos traz de volta à alegada ilegalidade
do que a China entende que seja direito seu dentro do círculo dos “nove
traços”, área sobre a qual os chineses reclamam a soberania. EUA e
Filipinas têm tratado de defesa mútua desde 1951, pelo qual “territórios
de ilhas sob a jurisdição [de Manila] devem também ser defendidos.
Washington, numa potencial presidência de Hillary Clinton –, com Kurt
Campbell, que inventou o conceito de “pivô para a Ásia”, como possível
secretário de Estado – pode ser tentada a declarar que aquele tratado
aplica-se a ilhas de alto mar, atóis, “rochedos” e até ‘afloramentos’ de
pedras como Scarborough Shoal.
Pequim não esperará para ser apanhado nessa possível armadilha. Em
recente reunião realizada no interior da Mongólia, China e a Asean
decidiram criam uma linha diplomática de contato rápido e eventualmente
adotar um Código para Encontros não Planejados no Mar [ing. CUES].
A ASEAN e potências do leste da Ásia, enquanto isso, continuam a avaliar as vantagens da Parceria Econômica Regional Ampla [ing.Regional Comprehensive Economic Partnership (RCEP)]
– 16 nações, 29% do comércio global – como alternativa à Parceria
Trans-Pacífico inventada e empurrada por empresas norte-americanas, uma
espécie de ‘OTAN comercial’ que exclui a China.
A China está hiperativa em todos os fronts. Estimulará que se aproveite o know how
de Cingapura, para fazer avançar projetos das Novas Rotas da Seda.
Cingapura, com 75% da população constituída de chineses étnicos, é o
maior investidor externo com que a China conta, e grande entreposto fora
da China para comércio em yuans. Mais de 20% do PIB de Cingapura é
ligado à China.
Ao mesmo tempo, planejando para uma Síria pós-guerra, Pequim está
comprometida com fazer avançar a cooperação comercial e econômica com
Damasco, outro importante entreposto do projeto Novas Rotas da Seda. E
ok se a parceria com Damasco seja também uma espécie de resposta
assimétrica à interferência do Pentágono no Mar do Sul da China e à
instalação do sistema THAAD na Coreia do Sul. Pequim deixou claro que o Mar do Sul da China não seria discutido no G20.
E o presidente filipino Rodrigo Duterte por sua vez insistiu que “Não
estamos correndo para guerra alguma, só temos pressa para começar a
conversar”.
O xis da questão no Mar do Sul da China conectado aos projetos das
Novas Rotas da Seda não é soberania sobre “rochedos” nem reservas não
exploradas de petróleo e gás. As coisas ali só têm a ver com a
capacidade da marinha chinesa para controlar e, sendo o caso, negar
“acesso” ao Pentágono e à Marinha dos EUA.
Certo é que a marinha dos EUA não economizará e não deixará
testemunhas vivas, para impedir que a China alcance domínio estratégico
no Pacífico Ocidental; e Washington fará o mesmo, na luta para conseguir
que alguma Parceria Trans-Pacífico o mesmo Pacífico Asiático. O
ensinamento de Deng Xiaoping – “não assuma a liderança, não revele sua
real força, não superdistenda suas próprias capacidades” – agora é
passado.
No G20, a China mais uma vez está anunciando que, sim, está assumindo
a liderança. E não só assumindo a liderança – como, além disso, já
planejando superdistender as próprias habilidades, para fazer funcionar
seu super ambicioso plano máster de “Um Cinturão, Uma Estrada”. Podem
ver como exercício-monstro de Relações Públicas, ou jogada ganha-ganha
de soft power.
Tudo que o Sul Global – e o G20, para falar dele – têm de não
esquecer é que o imperialismo humanitário incorporado no Pentágono
considera a China uma “grave ameaça”.
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