A Petrobras se preparou para implementar ousado projeto de
expansão da produção de petróleo, no qual as exigências de conteúdo
nacional levariam à formação de nova geração de empreendedores
industriais brasileiros. O projeto, contudo, foi negado por ação de
interesses norte-americanos e da elite financeira brasileira
Conteúdo especial do projeto do Brasil Debate e SindipetroNF Diálogo Petroleiro
A aritmética do petróleo é bem simples e fácil de entender. Em 1995, o
Brasil estava fora do clube dos grandes produtores. A Petrobras era
estritamente empresa com investimentos em P&D em águas profundas.
Uma espécie de NASA brasileira, com aumento histórico de reservas
proporcional à profundidade alcançada nas explorações off-shore.
Porque a tecnologia, majoritariamente nacional, avança gradualmente, o
ritmo de incremento na produção não vinha sendo historicamente
explosivo. Por isso, a empresa (e o país) não participavam, nos anos
1990, dos jogos de poder do topo do sistema mundo.
O objetivo do presente artigo é rever muito brevemente as estratégias
adotadas pelos países que protagonizam os jogos de poder sobre o
tabuleiro do petróleo e avaliar as virtudes e os perigos da inserção
brasileira desconectada de um projeto para o país.
1.Quanto às reservas de hidrocarbonetos
A descoberta de petróleo no pré-sal foi anunciada em 2006. Desde
então, as reservas estimadas variam entre 50 e 100 bilhões de barris, o
que situa o Brasil entre os 10 maiores em reservas. Na Tabela 1
encontram-se dados sobre aumentos de reservas por país entre os últimos
vinte anos (1995-2015).
O crescimento de reservas no Brasil nos últimos 20 nos foi sem
precedentes, bastante acima de Venezuela (Bacia do Orinoco), Cazaquistão
e Angola, que aproximadamente quadruplicaram o patrimônio físico no
período. O Brasil multiplicou a riqueza em “ouro negro” por cerca de 12
vezes em vinte anos.
Enquanto o aumento no consumo próprio significa maior vigor
industrial, indica igualmente evolução no bem-estar social, na forma de
consumo mais intensivo de energia. Portanto, o crescimento no consumo
próprio de hidrocarbonetos é totalmente compatível com projeto de
universalização no consumo com inovação (resíduos e poluentes etc.).
Se o crescimento no consumo de hidrocarbonetos pelo Brasil for
gradual, ainda que possa ser acelerado, torna-se viável a formação de
nova geração de empreendedores industriais-tecnológicos no país com
competências para atender ao esforço de aumento na oferta.
O aumento acelerado nas exportações, ao contrário, imporá ao país a
necessidade de importação de sistemas, máquinas e equipamentos, o que
diminuirá os excedentes líquidos exportados. Ao mesmo tempo em que
inibirá a formação de burguesia industrial-tecnológica nacional, o
aumento de importância dos garimpeiros estrangeiros na formação do pacto
político brasileiro tenderá a aumentar com o tamanho da produção.
Neste sentido, somando-se aumento mais que proporcional da presença
chinesa no Brasil nos últimos 10 anos, é possível antecipar-se longo
período de instabilidade política. Esta instabilidade tem como causa
aumento esperado na rivalidade entre os EUA e a China no tabuleiro
internacional. Nesta perspectiva, o Golpe de 2016 apenas reflete
historicamente uma reação norte-americana a um projeto de país que viu
na China e na Rússia aliados na geopolítica internacional do petróleo.
Por estas razões, cada país apresenta estratégia distinta quanto a relação entre reservas e produção. Cumpre-se conhecê-las.
2.Quanto ao ritmo de produção (consumo próprio e exportações)
Os EUA são os principais consumidores (21 MM b/d) e fazem uso de
expressivas reservas (55 Bi barris 2015) para atender à demanda. Apesar
de elevado volume de produção (cerca de 12,7 MM b/d), os EUA importam
quase 40% das necessidades (cerca de 8 MM b/d).
As reservas no território norte-americano durariam somente oito anos
se cortado o suprimento externo, já incluso incremento de 20 bilhões de
barris disponíveis na camada de Xisto. Se consideradas as reservas do
Canadá, as reservas estratégicas norte-americanas durariam cerca de 30
anos sem qualquer suprimento externo.
A importação maciça de óleo cru, contudo, é complementada mediante
importações de derivados (refino16 MM b/d). Em síntese, para os EUA, é
crucial a manutenção de influência política sobre os territórios que lhe
garantem fornecimento, ainda que as flutuações de preços alterem a
pulsação, o ritmo de acumulação das firmas industriais-petrolíferas
norte-americanas. Perdas de curto prazo são mais que compensadas pelos
ganhos de longo prazo.
A segurança político-militar norte-americana mobilizada no Oriente
Médio faz com que o petróleo na região tenha custos ocultos acrescidos.
Portanto, considerando-se a influência norte-americana desde a
proclamação da República brasileira, pode-se concluir que as reservas no
Atlântico Sul encontram-se entre as mais seguras (e mais baratas) para
os “irmãos do norte”.
A China seguiu, até o presente momento, estratégia de busca de
autossuficiência. Apesar de detentora de reservas comparativamente
elevadas (cerca de 20 bilhões de barris), o elevado crescimento no
consumo próprio (1,8x entre 2005/15) tem mobilizado os chineses a
buscarem fontes de suprimento no exterior, o que coloca o Brasil como
uma das poucas áreas de expansão com perspectivas de longo prazo.
Em 2015, a produção, o refino e o consumo atingiram patamar de cerca
de 12 milhões de b/d na China. No entanto, a estratégia de
autossuficiência não poderá ser mantida durante muito tempo face ao
esgotamento de reservas próprias, esperadas para antes de meados do
século.
A Rússia dispõe de reservas de cerca de 100 bilhões de barris, o que
confere ao vizinho chinês recursos mais que suficientes para barganha de
alianças de longo prazo na Ásia. Tradicionalmente supridora de energia
para a Europa, a Rússia tem sofrido pressões e embargos no mercado
europeu, o que também motiva alinhamento com a China.
A Rússia possui parque de refino (~5,8 MM b/d) inferior à produção
(~11,0 MM b/d), contudo maior que o consumo (~ 3,1 MM b/d). A Rússia
recebe hidrocarbonetos do Cazaquistão em condições historicamente
favoráveis e adiciona valor industrial com a finalidade de exportação.
Complementar à Rússia, o Cazaquistão possui reservas relativamente
modestas, sendo que boa parte foi descoberta nos últimos 10 anos (5 para
30 bilhões de barris). A produção alcançou em 2015 cerca de 1,7 milhão
de b/d, porém com consumo dez vezes menor. Ou seja, com população de
cerca de 17 milhões de habitantes, metade dos quais de origem eslava, e
com um “presidente vitalício” apoiado por Moscou, na prática o
Cazaquistão é sócio minerador na cadeia produtiva de combustíveis e
derivados russos.
A Venezuela está entre os países com maior aumento de reservas nos
últimos 10 anos, com as descobertas na Bacia do Orinoco (80 para 300
bilhões de barris). A produção (2,7 MM b/d) encontra-se em patamar
bastante superior ao consumo (0,68 MM b/d), o que mostra que a Venezuela
desempenha, frente aos EUA, papel comparável ao do Cazaquistão frente à
Rússia. Ambos são funcionalmente supridores das necessidades dos
dominadores externos.
3.Quanto ao futuro do Brasil
A urgência na extração de riqueza do pré-sal não é apenas da
sociedade brasileira, mas também dos fabricantes internacionais e dos
países importadores de petróleo: EUA, China, UE e Japão. Os dois
últimos, praticamente sem produção e diante de dificuldades para
crescer, não disputam espaços apertados no tabuleiro do petróleo
internacional.
Desde 2011, os preços em dólares do barril de petróleo têm caído
dramaticamente, o que não contribui como incentivo para aumentos na
produção. A única exceção tem sido os EUA, que investem pesadamente em
ampliação da produção nos últimos cinco anos. Entende-se que os EUA
antecipam novo ciclo de aumento nos preços de óleo e derivados, fruto
possivelmente de conflitos militares antecipados no Oriente Médio para o
próximo ciclo político (2017-2021).
Não obstante quase todos os países, com exceção dos EUA, terem adiado
projetos de expansão da produção desde 2011, a Petrobras brasileira se
preparou para a implementação de ousado projeto de expansão da produção,
no qual as exigências de conteúdo nacional (SETE Brasil etc.) levariam à
formação de nova geração de empreendedores industriais brasileiros.
Mesmo na contramão dos “mercados”, que indicam excesso de oferta de
petróleo após 2008, o Brasil apostou fichas junto com os EUA no aumento
dos preços futuros. Caso implementado, o projeto brasileiro permitiria
ao país inserção superior na cadeia produtiva do “ouro negro”.
O projeto dos brasileiros foi, contudo, negado pela ação coordenada
entre interesses norte-americanos e um grupo de representantes políticos
da estreita elite financeira brasileira, conforme a história pouco a
pouco se incumbe de mostrar.
Marco Aurélio Cabral Pinto - É professor da Escola de
Engenharia da Universidade Federal Fluminense, mestre em administração
de empresas pelo COPPEAD/UFRJ, doutor em economia pelo IE/UFRJ.
Engenheiro no BNDES e Conselheiro na central sindical CNTU
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