Desde o início
da Operação Lava Jato, nenhuma das denúncias oferecidas pelo
procurador-geral da República, Rodrigo Janot, recebeu tanta atenção
pública e midiática quanto a peça de 60 páginas
em que acusa o atual presidente da República, Michel Temer, de ter
praticado o crime de corrupção passiva durante o exercício de seu
mandato.
Temer e seus aliados, em grande parte tão enrolados em outras acusações quanto o próprio presidente, reagem desqualificando a denúncia, os argumentos e as evidências apresentadas ao Supremo Tribunal Federal por Janot e sua equipe de procuradores.
A denúncia contra o presidente descreve acontecimentos, diálogos,
entregas de maços de dinheiro escondidos em malas, com direito a fotos e
áudios de conversas entre o presidente, um dos maiores empresários do
país e um deputado federal.
The Intercept Brasil analisou outras quatro denúncias oferecidas nos
últimos meses pelo procurador-geral da República contra figuras notórias
da política brasileira, também acusadas de corrupção: Aécio Neves, Eduardo Cunha, Lula e Renan Calheiros. Nenhuma delas é tão farta de provas quanto a que Janot agora apresenta contra Michel Temer, escorado em índices cada vez mais ínfimos de popularidade, mas ainda com alguma capacidade de manejar um Congresso cheio de rabos presos.
Em resumo, o que Janot afirma é que Michel Temer recebeu meio milhão de reais, por meio de Rodrigo Rocha Loures,
seu homem de confiança e indicado dessa maneira diretamente pelo
presidente a um empresário que buscava ajudas do governo, numa reunião
secreta, tarde da noite, em sua residência oficial de mandatário do
país.
O dinheiro, afirma a denúncia, “foi viabilizado e repassado, após
aceitação, pelo próprio Rodrigo Loures, com vontade livre e consciente,
unidade de desígnios e comunhão de ações com Michel Temer, de uma oferta
de valores que poderiam chegar ao patamar de R$ 38 milhões ao longo de
aproximadamente 9 (nove) meses, [conforme] prometido por Joesley
Batista, por intermédio de Ricardo Saud”.
O ponto central de defesa de Temer é que o dinheiro recebido por
Loures, de fato, nunca chegou às mãos de Temer e que, portanto, Janot se
apoia em “ilações” para fazer essa associação direta.
A denúncia, entretanto, mostra, com base em diferentes gravações, que
Loures sempre atuou com respaldo direto de Temer e com a ciência do
presidente de que atos ilícitos estavam sendo praticados, a partir do
momento em que houve acerto de pagamentos de um percentual sobre valores
que a JBS passaria a faturar mediante ações que a administração Temer
poderia tomar. Janot argumenta que Rodrigo Rocha Loures, então assessor
especial de Temer, não tinha poderes para resolver a questão sozinho e
nem poderia lidar com valores tão altos sem que houvesse um aval do
presidente.
Renan
O caso do senador Renan Calheiros, um veterano na arte de habitar o
imaginário popular da corrupção, é emblemático das diferenças. Na Lava
Jato, o senador é alvo de oito inquéritos diferentes sobre supostas
práticas do crime. Até aqui, Rodrigo Janot somente conseguiu finalizar
uma denúncia contra ele.
Nela, o procurador-geral acusa o peemedebista de receber R$ 800 mil da
empreiteira Serveng, em 2010, como contrapartida a um contrato
bilionário que a empresa conseguiu com a Petrobras para a construção de
uma refinaria de petróleo no Maranhão.
Aqui, Janot também constrói sua denúncia com base na associação entre
Renan e um emissário – no caso, o deputado federal Aníbal Gomes
(PMDB-CE). A denúncia parte de declarações dadas em acordo de delação
premiada pelo ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa. Segundo
Costa, ele participou de reuniões chamadas por Aníbal na casa de Renan
ou no gabinete do senador no Congresso, o que levou o então diretor “a
confirmar que Aníbal era emissário de Renan, agindo e atuando em
comunhão de desígnios em benefício desse último”. Mas não há qualquer
evidência do teor do que foi discutido nessas reuniões.
A denúncia parte de declarações dadas em acordo de delação premiada pelo ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa.
Outro detalhe é que os R$ 800 mil de que Renan teria sido
beneficiário foram pagos por meio de doação oficial de campanha em uma
conta formal do PMDB, registrada no TSE. Embora a Procuradoria esteja
adotando em diversos casos o entendimento de que existe corrupção mesmo quando a doação é oficial,
mas está atrelada a uma contrapartida do agente público no governo ou
no Congresso, é uma base muito mais frágil do que o caso Temer, em que
os R$ 500 mil entregues a Rodrigo Rocha Loures não tinham nenhuma
relação com contexto eleitoral.
Não há gravação de conversas. A PGR se apoia em uma sequência de
datas que evidenciam que a empreiteira Serveng somente conseguiu o
contrato depois de doar para a campanha de Renan. “A assinatura da
primeira autorização de serviço e a primeira doação da Serveng ao
Diretório Nacional do PMDB serem no mesmo dia corroboram todo o esquema
criminoso, deixando de ser mera coincidência de datas”, escreveu Janot
no caso Renan.
Outro dado usado pela Procuradoria para reforçar a acusação contra
Renan é que a empreiteira somente conseguiu o contrato porque foi
convidada a disputar a licitação. E, para que o convite pudesse ser
realizado, uma mudança cadastral tinha de ser feita para que a empresa
aparecesse num nível melhor de qualificação. Essa mudança, segundo as
investigações, aconteceu dentro de um intervalo de 50 dias entre duas
visitas de Aníbal Gomes a Paulo Roberto Costa, na Petrobras. Renan não
participou dessas reuniões citadas pela Procuradoria-Geral da República.
Cunha
A situação de Renan, no entanto, é bem diferente da que envolve
Eduardo Cunha na primeira de três denúncias oferecidas por Janot contra
ele, quando ele ainda era deputado e tinha o direito a foro
privilegiado. Ainda assim, o caso Cunha também não possui tantas
evidências como no caso Temer, embora o envolvimento direto do
ex-deputado esteja mais bem demonstrado.
No episódio específico denunciado pela PGR, Cunha, hoje um dos
recordistas de crimes de colarinho branco no país, foi denunciado por
corrupção passiva (2 vezes) e lavagem de dinheiro (60 vezes). No período
compreendido entre junho de 2006 e outubro de 2012, o então deputado
foi acusado de solicitar e receber propina em razão da contratação pela
Petrobras de dois navios-sonda para perfuração de águas profundas na
África e no Golfo do México.
Janot acusou Eduardo Cunha e o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró de negociarem uma propina US$ 40 milhões em troca de vantagens contratuais.
Janot acusou Eduardo Cunha e o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró
de negociarem, por meio dos lobistas Fernando Baiano e Julio Camargo,
uma propina US$ 40 milhões em troca de vantagens contratuais. Cunha
ficou com US$ 5 milhões do total, segundo a denúncia.
Esse documento, com mais de 80 páginas, é amparado em evidências mais
técnicas, que fogem à simples declaração dos envolvidos. Com análise de
metadados de sistemas internos da Câmara, por exemplo, a Polícia
Federal descobriu que Eduardo Cunha usou uma colega deputada para apresentar requerimentos oficiais de forma a pressionar, de forma velada, as empresas beneficiárias do contrato para que pagassem o suborno combinado.
A
PF obteve ainda provas cabais de que Eduardo Cunha se encontrou
pessoalmente com Julio Camargo no Rio de Janeiro, com base em dados de
torres de telefonia celular e tickets de estacionamentos. A denúncia
também usa 14 depoimentos colhidos, incluindo três delações premiadas,
para reforçar a acusação. Há ainda extratos de transferências bancárias
envolvendo os lobistas e o doleiro Alberto Youssef – mas não há nesse
caso nenhuma conta bancária associada diretamente a Cunha. A parte do
peemedebista no rateio da propina foi entregue em mãos, via Fernando
Baiano.
O caso Cunha teve até doação para igreja evangélica no Rio,
frequentada pelo ex-deputado. O pagamento foi feito por Julio Camargo,
embora ele mesmo nunca tenha pisado no templo. Mas, também no caso
Cunha, não há nenhuma gravação no arsenal de provas da PGR.
Aécio
Um caso em que Rodrigo Janot contou com gravações foi o de Aécio Neves, que tem pedido de prisão pendente de análise pelo Supremo Tribunal Federal. O senador afastado é acusado de corrupção passiva e obstrução de Justiça.
A denúncia parte de dois elementos: a delação de Joesley Batista, com
quem mantinha uma relação de proximidade, e monitoramentos telefônicos
feitos com autorização da Justiça.
Mas o principal elemento foi o repasse de R$ 2 milhões em propina da
JBS a um primo de Aécio, monitorado por agentes da PF em São Paulo e
Minas Gerais. A evidência é tão forte que Aécio sequer nega que houve a
entrega do e que os maços de dinheiro eram para ele. O argumento de Aécio
é que o dinheiro era parte da suposta venda de um apartamento, e que o
dinheiro “antecipado” era para custear a defesa do senador nos outros
inquéritos nos quais é investigado na Lava Jato.
O principal elemento foi o repasse de R$ 2 milhões em propina da JBS a um primo de Aécio.
O documento de 80 páginas, contudo, expõe vários pedidos de dinheiro
de Aécio a Joesley, sem relação com venda de imóvel. Janot cita como uma
das contrapartidas a liberação de créditos de R$ 12,6 milhões de ICMS
para a JBS Couros e dos créditos de R$ 11,5 milhões de ICMS da empresa
Da Grança, adquirida pela JBS na compra da Seara. Em troca, Joesley teria fornecido R$ 60 milhões para empresas indicadas pelo político na campanha de 2014 e outros R$ 17 milhões após a eleição.
No
monitoramento telefônico, Aécio ainda aparece em conversas com o
ministro do STF Gilmar Mendes, com o diretor-geral da Polícia Federal,
Leandro Daiello, e outras figuras da cena do poder em Brasília. Com base
nessas conversas, a PGR também acusa o senador afastado de atuar para
tentar bloquear as investigações contra ele. Aécio teria, segundo
apontam os elementos colhidos na investigação, tentado influenciar a
escolha de delegados da PF para assumir inquéritos da Lava Jato, em
especial o inquérito aberto em abril deste ano, após delações da
Odebrecht, que o investiga por suposta fraude e recebimento de propina
nas obras da Cidade Administrativa, quando Aécio era governador de Minas
Gerais.
Como Temer, Aécio encontra-se reservadamente com Joesley, num quarto
de hotel em São Paulo. Na gravação, Aécio pede R$ 2 milhões e indica um
emissário de confiança, o primo Frederico Pacheco de Medeiros. O
dinheiro não chega efetivamente às mãos de Aécio Neves, já que a
operação contra ele estourou antes que isso pudesse acontecer. No caso
Temer, ocorre o mesmo. O dinheiro chega ao emissário de Temer, mas a
entrega final ao presidente ou a alguma outra pessoa de confiança do
presidente não chega a acontecer.
Lula
Há
ainda uma denúncia oferecida por Rodrigo Janot contra o ex-presidente
Lula. A maioria dos casos envolvendo o petista é denunciada pela
Procuradoria da República nos Estados ou pelo Ministério Público
Estadual, já que, desde 2011, Lula não tem mais foro privilegiado. No
caso que acabou sendo denunciado por Janot, Lula é acusado de atuar para
comprar o silêncio de Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras.
Na verdade, o que Janot faz é um adendo a uma denúncia oferecida
cinco meses antes contra o ex-senador Delcídio do Amaral, Cerveró e
outros envolvidos. A inclusão de Lula no caso se dá a partir de
declarações dadas em delação premiada por Delcídio, ex-aliado do
petista. Há também registros de encontros entre Delcídio e Lula, mas sem
o teor das conversas, em datas que coincidiam com o período em que
Delcídio atuava, supostamente sob a orientação do ex-presidente, para
tentar silenciar Cerveró e, com isso, proteger o empresário José Carlos
Bumlai.
Colaboração: Luiz Leite
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