Rezaram a missa sem o corpo presente
por Fernando Horta
“A explosão de vontade popular que o Partido dos Trabalhadores
prometia ficou apenas na vontade. (...) Lula ficou muito aquém da
expectativa. Esse malogro relativo complica bastante o futuro dessa
legenda; se todo o carisma do líder metalúrgico não lhe trouxe o suporte
que se esperava em São Paulo, como será a organização nos demais
estados, onde não há Lulas disponíveis?”
O texto acima foi veiculado na Folha de São Paulo no dia 16 de
novembro de 1982. Lula ficou em terceiro colocado, com pouco mais de 10%
para o governo do estado. O PT fez 8 deputados federais e 12 estaduais
no Brasil inteiro. Nenhum governador, nenhum senador. Os comentaristas
políticos afirmavam que seria uma legenda “natimorta”. Se em dois anos
que teve para se organizar o PT não tinha colhido bons frutos, a verdade
é que nada ali indicava – segundo a mídia – que o partido “vingaria”.
Em 1989, Lula recebeu quase 12 milhões de votos para a presidência,
fazendo pouco mais de 17% do total. Em 1994, Lula recebia 17 milhões de
votos (27% do total) e em 1998 – antes de FHC liberar a crise do real –
Lula recebia 21,5 milhões de votos perfazendo quase 32% do total do
eleitorado. O PT, que havia recebido 3,1 milhão de votos para governador
em 1986, recebeu 5,3 milhões em 1990 (elegendo seu primeiro senador) e
em 1994 recebia 6,7 milhões de votos para governador, elegendo os dois
primeiro governadores da sigla.
Para um partido que tinha “o futuro bastante complicado” sem “Lulas
disponíveis” pelo país, o crescimento era homogêneo, tanto Lula quanto
do PT amalhavam votos de forma semelhante. Em 1994, a bancada federal do
PT era composta de 5 senadores (um eleito em 1990 e 4 em 1994) e
cincoenta deputados federais. Nas eleições de 1998, dominadas pela
polêmica emenda da reeleição, o partido faria apenas 59 deputados
federais, três senadores e três governadores. O modelo do partido
“amador”, na terminologia de André Singer, parecia esgotado. Em 1997,
José Dirceu era eleito de forma indireta para a presidência do PT, e com
ele surge o chamado “partido profissional”.
Nas eleições de 2002, o partido faria 91 deputados federais,
crescendo mais de 70% e Lula seria eleito presidente com 39,5 milhões de
votos no primeiro turno e 52,7 no segundo. Em 2001, o PT tinha cerca de
quinhentos mil filiados. Qualquer análise séria destes números deve
levar em conta a nova gestão feita por Dirceu, mas também o absoluto
fracasso do segundo governo de FHC e seu receituário neoliberal. O PT
havia crescido suas bases até o máximo que o convencimento oral e a
manutenção do “partido-raiz” conseguiram até 1998. O salto dado em 2002 é
certamente maior do que o PT. A classe média, cansada e empobrecida,
não comprou mais o discurso engomado do PSDB. Lula por seu turno, deixou
de usar camisa polo vermelha e figurar como um líder sindical, para
vestir terno e gravata. O famoso “lulinha paz e amor”.
De 2002 a 2014, entretanto, durante o momento mais alto da Era Lula e
depois o primeiro governo Dilma, o número de deputados federais que o
PT elegeu caiu constantemente. Foram 83 em 2006, 73 em 2010 e apenas 70
em 2014. O PMDB mantinha-se como a maior bancada no plano Federal. Já
nos municípios, o PT ameaçava seriamente o controle do PMDB. Em 2012 o
PT governava 37 milhões de pessoas em termos municipais, batendo pela
primeira vez na história da República pós-64 o PMDB, embora fosse apenas
o terceiro partido em número de prefeituras. Para um partido que nunca
havia feito mais do 5% dos votos totais nas eleições municipais este era
um indício perigoso para o fisiologismo do PMDB.
Em 2006, em função do mensalão muitos declararam o Partido dos
Trabalhadores “morto”. Inclusive há versões sobre análises internas da
oposição à Lula, de que seria melhor evitar o impeachment e deixa-lo
“sangrar”. Em 2006, após o primeiro ataque midiático-jurídico ao PT Lula
se reelegia com 46,5 milhões de votos no primeiro turno (mais do que na
eleição anterior) e 52,2 milhões no segundo turno. O aumento do número
de votos supera o crescimento do número total de votantes, mostrando que
Lula e o PT ganhavam votos em meio à crise. Ainda, o partido passava de
411 prefeitos eleitos em 2004 para 564 eleitos em 2008 e atingiria o
auge de 635 em 2012.
A pergunta que se deve fazer é, este aumento do PT durante o período
de crise é efetivamente “PT”? Penso que não. O tamanho de um partido de
matriz rígida ideológica é sempre pequeno. O PSOL padece deste problema.
Para crescer e amealhar espaços efetivos no sistema federal é preciso
aumentar o conjunto de pressupostos ideológicos aceitos como válidos.
Alguns dirão que o PT “aumentou demais” o seu conjunto, mas penso que
aqui jogou ainda o papel da classe média, embalada pelo crescimento da
economia. Em 2010, Dilma faria 47,6 milhões de votos no primeiro turno
(mais que Lula em 2006) e 55,7 milhões no segundo turno. No início de
2013, Dilma atingia 79% de aprovação, em 19/3, segundo o IBOPE. O índice
era maior que Lula e FHC em seus primeiros mandatos.
Em 2013, começa o ataque ao PT e ao governo Dilma. Primeiro as
chamadas “Jornadas de Junho” e, em seguida a campanha presidencial do
PSDB coloca em movimento as ferramentas das redes sociais. A economia já
dava sinais de retração, seja pelo custo da crise internacional e o
recuo das demandas de China e União Européia (nossos dois maiores
compradores), seja pela fim do “superciclo” das commodities, o que se vê
é que o orçamento brasileiro passa a diminuir. Logo em seguida, em
2014, temos a criação dos grupos protofascistas no Brasil (MBL e
assemelhados), hoje se sabe que com financiamento internacional e de
partidos como PSDB e PMDB. E recrudesce a Lava a Jato com a tática de
Sérgio Moro dos vazamentos para “ganhar o apoio da população”, como ele
indicaria em artigo escrito em 2004.
Mesmo com forte ataque midiático, jurídico e social (com os
movimentos de internet direcionados pela histeria comunista) o PT faria
nas eleições de 2014 seu maior número de governadores, cinco. O número
de filiados em 2015 crescia mais de 80% em relação a 2014 e era o maior
registrado entre os partidos no Brasil. O partido que tinha cerca de 840
mil filiados em 2005, vai atingir quase 1 milhão e seiscentos mil em
2014, aumentando ainda mais este número nos anos seguintes.
No ano de 2014 ocorre um fato que é cabal para o impeachment e o
acirramento da campanha de criminalização do PT. Ao mesmo tempo que se
discutia no judiciário a proibição do financiamento de campanha por meio
de empresas, José Dirceu, José Genuíno e outros políticos do PT
conseguiam levantar imensas somas em doações espontâneas e individuais
para fazer frente às multas impostas pela justiça. Gilmar Mendes, o
representante da oposição no STF naquele momento, perde a compostura
diversas vezes, pois via que o PT teria como financiar suas campanhas
sem as empresas (o “partido amador”, lembram?), já a elite não. O
desespero toma conta de Gilmar, que não só vota contra o fim do
financiamento como pede “vistas” ao processo para que a lei não valesse
para as eleições de 2016.
Diante de toda a crise política, da lava a jato, da crise econômica,
das traições do PMDB e do custo midiático do constante ataque, nas
eleições de 2016 o PT ganha apenas 255 prefeitos e faz 2812 vereadores,
pouco mais da metade do que fez em 2012 (5181). Parte dos analistas
políticos, da mídia e dos intelectuais “ex-esquerda” vestiram preto e
sorriam felizes no velório do PT. Vociferavam o fim do partido com
felicidade semelhante ao espanto com que receberam a notícia desta
semana, de que o PT era o partido mais preferido pela população e que
crescia o número de simpatizantes. Vários intelectuais postaram-se a
fazer verdadeiras ginásticas retóricas que envolviam desde “compra de
apoio por cargos” até a velha “falta de memória do povo”. Tristes
pessoas.
A verdade é que a campanha colocada em prática desde 2013 fez
desembarcar do projeto nacional petista a classe média que o tinha
alçado à presidência em 2002. Mas o custo desta campanha é imenso, seja
para o Brasil seja o custo individual, e esta classe média já percebe
que a economia do projeto neoliberal vai lhe colocar de novo em 1998.
Ainda, estão evidentes os abusos contra Lula (e também contra Vaccari,
condenado por Moro a 15 anos, preso por quase dois e depois absolvido no
segundo grau!). Isto tudo ajuda na recuperação dos índices do PT, mas o
principal ponto é sua militância.
Em toda a turbulência, o militante do PT tem se mantido fiel. Não
precisou trocar de candidato nem apagar fotos correndo, conforme provas
robustas iam sendo apresentadas na mídia contra PSDB e PMDB. Lula é sem
dúvida o grande nome para 2018, mas não subestimem o maior partido de
massas de esquerda da América Latina. Tampouco imaginem que a classe
média é completamente manipulável. Quando começa a faltar comida na mesa
não adianta vídeo no youtube, pastor entregando panfleto anticomunista
ou palestra motivacional de “empreendedorismo”. A verdade é que alguns
fizeram um velório sem corpo. Riram antes da hora e agora não sabem
explicar o motivo do crescimento do PT. Desconfio, pela ética dos
comentaristas, que vai acabar terminando no “povo”. Vão voltar a dizer
que o povo é “burro” e “sem memória”. Tudo fazem para conseguir uma
“democracia sem povo”, uma democracia “mais limpinha e cheirosa”. As
máscaras caem mais rápido do que eles conseguem recoloca-las.
Nenhum comentário:
Postar um comentário