Apesar da enxurrada de provas, Michel Temer sai impune do julgamento no Tribunal Superior Eleitoral e poderá continuar com sua brilhante atuação presidencial. O desfecho até que era previsível. O que se poderia esperar de sete figuras de capa preta reunidas num porão para julgar a vampiresca figura de Conde Temer?
Mas teve quem chegasse a aventar a hipótese de cassação. Às vezes parecia demais imaginar que um tribunal superior, com três juízes emprestados da corte máxima do país, daria as costas para a crescente quantidade de crimes que envolveram a campanha para eleição de Dilma Rousseff e de seu vice traidor, Michel Temer.
O relator Herman Benjamin tratou de esmiuçar tudo o que seria varrido para baixo do tapete e passou uma tarde e uma manhã lendo o voto a favor da cassação. Nele ressaltou a existência de provas de que dinheiro desviado de empreiteiras foi usado na campanha vencedora. Argumentou que isso seria mais do que suficiente para cassar a chapa, uma vez que não é preciso mostrar que o dinheiro veio de propina, caixa dois, ou outra mutreta qualquer. Basta que ele não tenha sido oficialmente declarado.
Diante das evidências, quatro dos sete ministros que compõem a Corte pareciam agir como meninos marrentos da terceira série, metendo os dedos nos ouvidos e repetindo um lálálálá para não escutar a verdade.
Mostrou também não ser necessário provar que Temer ou Dilma sabiam do crime. O fato de terem sido beneficiados, ainda que não fosse suficiente para tirar-lhes os direitos políticos, seria o bastante para privar-lhes do mandato, visto que outros candidatos foram prejudicados pelo tal abuso de poder financeiro. O relator também fez questão de rebater a suposta separação das duas campanhas. No Brasil, argumentou, não se vota em vice-presidente. Vota-se numa chapa. Os mesmos que elegeram Dilma, para desgostos eterno dos petralhas, elegeram Temer.
Diante das evidências, quatro dos sete ministros que compõem a Corte pareciam agir como meninos marrentos da terceira série, metendo os dedos nos ouvidos e repetindo um lálálálá para não escutar a verdade.
Quando falaram, nas discussões preliminares e nos apartes à fala de Benjamin, disseram que parte dos fatos apurados não estava no processo inicial aberto pelo PSDB, em 2014, portanto não poderia ser julgado. O presidente da Corte, Gilmar Mendes, que assumiu com louvor o papel de advogado de defesa, afirmou que os depoimentos relativos à Odebrecht que surgiram no curso do julgamento “não guardam relação com a causa de pedir delimitada na inicial”.
O relator usou de uma tranquilidade sobre-humana para repetir e repetir e repetir. Estava lá, na petição inicial dos tucanos, item 1.2.2.: “Financiamento de campanha mediante doações oficiais de empreiteiras contratadas pela Petrobras como parte de distribuição de propinas”.
Gilmar, claro, não foi o único a sair em defesa do Conde. Napoleão Maia disse que só se poderia analisar fatos relativos à campanha de 2014, ignorando a dinâmica de contribuição ilegal que se estende através dos anos. Admar Gonzaga defendeu que o tribunal examinasse apenas o caixa um. Em outras palavras, vamos ignorar a parte criminosa e olhar só para o que foi legal. Benjamin achou esse argumento um pouco fantasioso demais e passou o resto da tarde de quinta-feira (8) tripudiando o colega. Sempre que falava em caixa um ou caixa dois, mencionava Gonzaga como se aquela ironia fina pudesse, de alguma forma, ter valor na Corte. Não, não podia.
Já Tarcísio Vieira Neto apelou para a importância das eleições, vejam só. Menos de um ano depois de um impeachment baseado em manobras fiscais até então corriqueiras na política nacional ter deposto uma presidente eleita, argumentou que destituir um presidente não eleito enfraqueceria a democracia.
Pois é. Feio. Mas isso não é tudo. Quem acompanhou o caso, mesmo que sem muito afinco, percebeu que Gilmar Mendes simplesmente mudou de opinião ao longo do tempo. “É grande a responsabilidade desse tribunal, pois não podemos permitir que o país se transforme em um sindicato de ladrões”, dizia em agosto de 2015, quando Dilma ainda era presidente.
Quanta diferença para o Gilmar advogado do compadre Temer de agora: “É preciso moderar a sanha cassadora porque de fato você coloca em jogo outro valor, que é o valor do mandato, o valor da manifestação popular certa ou errada”, disse na quinta-feira (8).
Por fim, chegamos àquele que talvez seja o ponto mais grave da farsa toda: dois dos quatro ministros adeptos da surdez seletiva – Admar Gonzaga e Tarcísio Vieira Neto – foram recentemente indicados por Temer.
Antes mesmo de lerem seus votos, os indicados por Temer mandaram as aparências às favas.
Trata-se de um tiro fatal na credibilidade do TSE. Que derruba também a tese de que o juiz, uma vez ungido pelo manto negro do cargo, coloca-se acima dos interesses políticos. Há (ou havia) quem acredite nisso. Semana passada, ao perguntar sobre o constrangimento de um réu indicar seu julgador, ouvi a seguinte resposta do consultor em direito eleitoral da OAB Hélio Freitas da Silveira: “O ministro, para dizer que é independente, pode votar ao contrário. Justamente para dizer que não tem conflito ele julga contrariamente ao presidente”.
Certo. Só que não. Antes mesmo de lerem seus votos, os indicados por Temer mandaram as aparências às favas. Colocaram-se contra os fatos, tornaram-se cúmplices togados dos crimes que estão julgando.
Após dias ao microfone, no começo da tarde de sexta (9), o quixotesco relator Herman Benjamin finalmente terminou a leitura de seu voto. No fim, acusou a derrota de forma algo lúgubre: “Eu, como juiz, recuso o papel de coveiro de prova viva. Posso até participar do velório. Mas não carrego o caixão”, disse.
Terminado o julgamento, os reflexos de tal enterro devem ir além do TSE. Como ficará, por exemplo, a Lava Jato? Afinal, boa parte dos crimes para os quais os magistrados viraram as costas foram revelados no bojo da operação. Quer dizer então que eles não valeram? Ou só valem para uma parcela dos culpados?
E que mensagem será passada à população? Que lição chegará aos corruptos e corruptores? Ou aos supostos cidadãos de bem, adeptos do jeitinho brasileiro, sonegadores de imposto, subornadores de guarda de trânsito, tomadores de vagas de deficiente? Do subterrâneo de Brasília, os quatro magistrados que se erguem para salvar Temer parecem não se importar. Parecem continuar com os dedos metidos nos ouvidos repetindo em voz alta: lálálálálá.
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