A principal inspiração reconhecida pelo Governo de Michel Temer para sua reforma trabalhista é a aprovada há cinco anos na Espanha. A recente visita ao Brasil do primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, serviu para Temer explicar que o programa de reformas do Governo espanhol é a referência que o Planalto tem em mente.
A mudança das normas trabalhistas na Espanha foi aprovada em condições
muito parecidas com as vividas pelo Brasil agora: em meio a uma dura
crise econômica que provocou um forte aumento do desemprego e em
resposta aos pedidos tanto das grandes empresas como de organismos
internacionais – do Fundo Monetário Internacional
(FMI) ao Banco Central Europeu (BCE). Também com fortes protestos na
rua e a oposição por parte de todos os grupos de esquerda ante a
iniciativa do direitista Partido Popular (PP). Cinco anos depois, o
Governo a considera um sucesso pela queda nas taxas de desemprego. Mas
seus críticos afirmam que os novos empregos são muito precários e que a
reforma trouxe uma queda generalizada dos salários, com o consequente
aumento da desigualdade social.
Apesar dos paralelismos entre os dois países, não se devem ignorar as
suas enormes diferenças. A Espanha, um país de 46 milhões de
habitantes, ou um quarto do tamanho do Brasil, pertence à rica Europa,
tem um nível de renda maior que o brasileiro e sua riqueza está muito
mais distribuída entre o conjunto da população. Embora também enfrente,
há décadas, um problema crônico de desemprego, um desafio que pode ser
comparado, a grosso modo, como o do Brasil para combater a inflação
antes de 1994. O Governo do país festeja o fato de que a reforma
trabalhista tenha conseguido baixar o desemprego de 22,5% a 18,6%,
enquanto no Brasil soam todos os alarmes porque, após a época de quase
pleno emprego sob os Governos de Lula, hoje 13,2% da população não tem
trabalho e, segundo o IBGE, cerca de 40% dos trabalhadores não tem
carteira assinada – ou seja, estão na informalidade e não possuem
direitos trabalhistas assegurados. Além disso, a Espanha não possui
moeda própria, pertence ao euro e depende das decisões do BCE. Em
momentos de crise, quando pretende ganhar competitividade no mercado
internacional, já não dispõe do instrumento de desvalorização da moeda.
A reforma trabalhista espanhola foi aprovada em fevereiro de 2012,
durante a segunda recessão de uma longa crise que o país tenta superar
há mais de 10 anos. Seu propósito declarado era reduzir o excesso de
contratação temporária no mercado de trabalho, desestimular as demissões
em momentos de crise através de medidas de ajuste interno (redução de
jornadas ou salários) e diminuir a margem para a negociação sindical
coletiva. Além disso, embora o Governo não tenha deixado claro, a
reforma buscava a desvalorização salarial para que a Espanha recuperasse
a competitividade perdida desde a entrada em vigor do euro, em 1999.
Cinco anos depois, e com base nos dados, pode-se dizer que há mais
emprego do que na época da aprovação da reforma – só que mais precários.
É verdade que, logo após sua entrada em vigor, a destruição do emprego
foi acelerada – a taxa de desemprego chegou a cerca de 27% – com a
redução do custo das demissões dos trabalhadores com contrato
indefinido. Por outro lado, com a retomada do crescimento, a criação de
emprego também ocorreu muito antes do habitual. Nesse tempo, a reforma
recebeu aplausos de organismos internacionais como o FMI e a Organização
para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE, o grupo dos 34
países mais ricos, do qual o Brasil ainda não faz parte) e a rejeição
dos sindicatos, que convocaram duas greves gerais contra a iniciativa.
Em crises anteriores sofridas pela Espanha, um país que nos últimos
40 anos superou em três ocasiões uma taxa de desemprego de 20% durante
períodos prolongados, o emprego só começava a ser criado quando o PIB
crescia pelo menos 2% em um ano. Desta vez, com a reativação da
economia, o número de postos de trabalho começou a aumentar já no
terceiro mês de crescimento, e só foi necessário um ritmo de crescimento
de 1%, com uma velocidade de cerca de 400.000 novos empregos por ano.
Em números absolutos, a quantidade de empregos aumentou de 18,2 milhões
antes da aprovação da reforma para 18,5 milhões no final de 2016. A
pequena diferença, de apenas 300.000 postos de trabalho, se dá porque
ainda houve muita destruição de emprego antes do mercado de trabalho
voltar a se normalizar após a aprovação da nova legislação. A taxa de
desemprego caiu de 22,5% para 18,6%, cifras favorecidas pela redução da
população ativa.
O aumento do número de postos de trabalho tem relação direta com a
redução dos custos de mão de obra nas empresas. Isso ajuda a explicar
por que quase todo o crescimento econômico tenha ocasionado a criação de
emprego. Esse é o argumento do qual o Governo se orgulha, mas que
contém uma grande contradição: a produtividade quase não aumenta, porque
não foi possível dar conta da temporalidade. Para abordá-la,
facilitaram-se os incumprimentos dos convênios coletivos e foi reduzido o
custo da demissão dos trabalhadores com contrato indefinido
(facilitando o procedimento ou diminuindo as indenizações). O emprego
temporário caiu vertiginosamente com a chegada da recessão, mas
ressurgiu com força com a volta do crescimento: os trabalhadores que
possuem contrato com validade definida perfazem 26,5% do total,
porcentagem só superada na Europa pela Polônia. Além disso, outros
indicadores de precariedade também pioraram: a duração dos contratos
temporários ficou menor, e aumentou o emprego de tempo parcial,
especialmente o não desejado pelo trabalhador.
O outro objetivo que a reforma cumpriu foi a desvalorização salarial.
Ao entrar no euro, a Espanha havia perdido a possibilidade de ganhar
competitividade desvalorizando sua moeda. Assim, optou por mudar o jogo
de equilíbrios entre patronais/empresários e sindicatos/trabalhadores,
dando mais poder aos primeiros. A desvalorização salarial tinha começado
antes – o alto número de desempregados pressionava os salários –, mas a
reforma acelerou o fenômeno. Os dados oficiais mostram que, entre 2011 e
2015, a renda média dos assalariados caiu 800 euros (cerca de 2.700
reais) por ano. Ou seja: de quase 26.000 euros (90.000 reais) de salário
médio anual para pouco mais de 25.200 (86.500 reais). Mas a
desvalorização salarial não chegou apenas pelos meios legais. Também
ocorreu porque aqueles que perderam o emprego na crise voltaram a ser
contratados ganhando quantias sensivelmente mais baixas. Considerando-se
a média (um pouco enganosa devido ao peso dos salários mais altos), o
salário mais frequente entre os espanhóis, segundo os últimos dados
oficiais de 2014, era de 16.500 euros por ano (cerca de 57.000 reais), o
mais baixo entre os países grandes da UE.
Embora o Governo de Rajoy defenda a reforma como uma de suas maiores
conquistas, os dados incontestáveis de precariedade o obrigaram a
introduzir, em seu discurso, a necessidade de promover empregos de maior
qualidade. Já não fala só de criação de postos de trabalho, mas também
de sua qualidade e dos salários. A própria OCDE, um dos órgãos
internacionais que defendem a reforma, em seu recente relatório sobre a
Espanha soou o alarme sobre esse assunto, vinculando, em parte, a
precariedade ao aumento da pobreza e à desigualdade.
O FMI, que também elogia a reforma, reconheceu o problema da
precariedade do emprego e os baixos salários, embora propondo como
solução outra reforma trabalhista. Insistiu, assim, na via já tentada – e
não apenas em 2012. Desde 1980, a Espanha já fez meia centena de
modificações no seu marco trabalhista e ainda não encontrou a solução ao
desemprego crônico nem ao elevado número de trabalhadores temporários.
Nenhum comentário:
Postar um comentário