Marcadores

quarta-feira, 6 de junho de 2018

A aposta desenvolvimentista de Ciro Gomes, por Carlos Drummond.

 — publicado 05/06/2018 00h20, última modificação 05/06/2018 17h09
Pré-candidato do PDT convoca o empresário Steinbruch para vice e aumenta a chance de as eleições não serem um passeio para o neoliberalismo
Cynthia Vanzella
18423136_1887424514832676_1519909861750734590_o.jpg
Ciro Gomes em uma das escalas do seu périplo por universidades europeias e dos Estados Unidos

A revelação da pesquisa CNT/MDA divulgada na segunda-feira 14 de que Ciro Gomes, do PDT, teria força para disputar o segundo turno da próxima eleição presidencial fez o dólar subir 0,77%, para 3,62. No patamar dos 9% das intenções de voto, o pré-candidato está agora em empate técnico com Marina Silva, da Rede.
Uma conclusão possível é que, mesmo com o candidato campeão das pesquisas, Lula, encarcerado, a disputa talvez não seja um passeio para os candidatos neoliberais, queridinhos do sistema financeiro. Isso, cabe destacar, antes de o petista anunciar sua recomendação de voto, caso opte por esse caminho.
No plano econômico, significa que a alternativa desenvolvimentista conta ao menos com um espaço inicial de competição diante dos proponentes de mais cortes de gastos, mais privatizações, mais desnacionalizações, portanto mais desemprego.
Haveria uma chance, no entanto, para uma tentativa de alguma harmonização entre o capital e o trabalho do tipo proposto pelos Pactos de la Moncloa, firmados em 1977, na Espanha, no governo Adolfo Suárez. 
Entre os empresários, é preciso diferenciar a grande massa de empreendedores de uma parcela mais esclarecida. O primeiro grupo finge estar convencido de que a situação econômica do País é mesmo aquela quase sempre rósea mostrada pela mídia, jamais a dura realidade do seu dia a dia de vendas difíceis, capacidade ociosa e financiamentos impossíveis de obter ou de pagar.
Já os mais lúcidos, porque mais bem informados, percebem a dissonância crônica entre o que a mídia diz e aquilo que de fato é. O apoio a Ciro em ambos os segmentos tende a aumentar, presume-se, com a sua intenção declarada na quarta-feira 9 de buscar um candidato a vice no setor produtivo, no caso o presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, Benjamin Steinbruch.
“Quero um vice de produção ligado ao Sudeste do País”, disse aos jornais, replicando a fórmula vencedora do também nordestino Lula na dobradinha de 2002 com o empresário José Alencar, ex-presidente da Coteminas morto em 2011.
O atual presidente da companhia, Josué Gomes da Silva, filho de Zé Alencar, seria outra alternativa, admite o pré-candidato. Contribuinte histórico das campanhas de Ciro e seu amigo há 30 anos, Steinbruch contratou-o em 2015 para presidir a Ferrovia Transnordestina Logística, controlada pela CSN.  
As articulações da candidatura no meio econômico vão além da busca da adesão de Steinbruch. No mês passado, Ciro e o coordenador do seu programa econômico, Nelson Marconi, da FGV, o mentor acadêmico deste, Luiz Carlos Bresser-Pereira, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad e o economista José Márcio Camargo reuniram-se no escritório do ex-ministro Delfim Netto, colunista de CartaCapital.
A pauta contemplou, segundo Haddad, “aspectos econômicos de um programa de governo de centro-esquerda”. Um dos efeitos da inclusão do centro ou de parte dele num acordo é o aumento da probabilidade de realização do próximo pleito presidencial, hipótese posta seriamente em dúvida desde o início do cerco político-judicial a Lula.
Marconi cumpre agenda própria e manteve debates recentes na FGV com Roberto Gianetti, que colaborou na elaboração do programa econômico de Geraldo Alkmin, e na Casa do Saber com Paulo Guedes, principal economista da campanha de Jair Bolsonaro.
No plano internacional, Ciro cumpre programação intensa. Na quarta-feira 16 falou a empresários, acadêmicos e políticos na Câmara de Comércio Brasileira de Estocolmo, na Suécia, e dali retornaria ao Brasil, encerrando um ciclo iniciado em 2017, que incluiu palestras no mês passado na Brazil Conference at Harvard & MIT, em Boston, e debates, em março, na Esade Business School de Barcelona, na Espanha, e ainda nas universidades de Montpellier, na cidade francesa do mesmo nome, de Sussex, na Inglaterra, e na Sorbonne, em Paris. 
A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo deu indícios de que pretende facilitar a desvinculação de Steinbruch, o primeiro dos três vice-presidentes da entidade na linha sucessória, de acordo com o estatuto, e que teria de assumir a presidência quando Paulo Skaf se licenciar para disputar a eleição estadual, o que deverá ocorrer até junho.
Uma assembleia realizada na terça-feira 15 modificou as regras, de modo a permitir que o presidente possa escolher qualquer um dos três vices para comandar a entidade no caso de se afastar temporariamente ou renunciar. A mudança de regras libera Steinbruch para integrar a chapa de Ciro, mas não significa que o fará, embora sinalize também que, ao menos por ora, aparentemente ainda não descartou essa possibilidade.  
Contar com Steinbruch na chapa talvez funcione para mostrar ao grande público um suposto apoio do empresariado, mas obter de fato esse suporte em escala expressiva é outra história. O ideário expresso na sua coluna publicada pela Folha de S.Paulo, por exemplo, é avançado em relação ao da maioria dos seus pares.

Benjamin Steinbruch.jpg

A empresa nacional representada pela CSN presidida por Steinbruch tem assento reservado na composição imaginada por Bresser-Pereira, Haddad e Marconi em reunião com Ciro
Esse distanciamento fica claro, por exemplo, no artigo da edição de fevereiro, a propósito da intervenção federal no Rio de Janeiro comandada pelo general Walter Braga Netto, intitulado “O país precisa de crescimento e isso não é tarefa para generais”.
Em março, denunciou a essência financista do regime econômico verde-amarelo e a desinformação da sociedade a esse respeito: “Vivemos em um regime de ‘jurocracia’ e não nos escandalizamos com isso”. No mesmo mês, indicou um rumo: “O Brasil precisa retomar a vocação de crescimento que ostentava no século 20”.
A chamada da edição da quarta-feira 16 está pronta para ser pronunciada em um palanque eleitoral: “Vamos construir moradias decentes para o brasileiro e, ao mesmo tempo, criar empregos”. 
Manifestações de Steinbruch em outras áreas, a começar por aquela da sua competência específica, não parecem, entretanto, sintonizadas com o pensamento expresso na sua coluna. Entrevistado, em 2014, pelo jornalista Fernando Rodrigues, sugeriu a redução do horário de almoço dos trabalhadores de uma hora para 15 minutos, pois, “nos Estados Unidos, você vê o cara almoçando, comendo o sanduíche com a mão esquerda e operando a máquina com a direita. Tem 15 minutos para o almoço, entendeu? (…) Por que a lei obriga que tenha de ter esse tempo?” A proposição não parece muito contemporânea, mas poucos duvidariam do seu acolhimento por uma ampla maioria do empresariado nativo.
Conclusão: Steinbruch, enquanto colunista, fala a um punhado de empresários mais esclarecidos, mas, no papel de entrevistado, ao menos no caso apontado acima, tem maior empatia com a massa de empreendedores controlada pelo pensamento econômico único imposto pela mídia favorável, por exemplo, à eliminação de direitos trabalhistas básicos. 
De Alkmin a Bolsonaro, os candidatos neoliberais defendem uma privatização desbragada e desde já prometem colocar no balcão Petrobras, Banco do Brasil e Caixa, para começar. A privatização e a abertura comercial irrestrita, como aquela proposta em estudo recente da Secretaria de Estudos Estratégicos da Presidência da República, não são, portanto, exclusividades desse espectro político.
Ministro da Fazenda por quatro meses no governo Itamar Franco, Ciro implantou uma abertura radical do País às importações, revista depois pelo presidente tucano, e encerrou sua gestão com a intervenção federal no Banespa e no Banerj, os maiores bancos públicos depois do Banco do Brasil e da Caixa.
A abertura indignou empresários nacionais por forçá-los a uma competição desigual com concorrentes estrangeiros muito mais bem aparelhados, mas a privatização foi aplaudida pelas grandes instituições financeiras privadas, as nacionais e as estrangeiras, ambas de olho naqueles ativos excelentes arrematados no final por preços de liquidação. 
Apesar de contraditório, o discurso de Ciro é consideravelmente avançado em relação ao da maior parte dos seus concorrentes, tanto que ele próprio não se ilude: “Se eu vencer, o real sofrerá um ataque especulativo”, disse a um analista financeiro.
Incontáveis desafios acumulam-se no horizonte do candidato, sugere esta observação de André Perfeito, economista-chefe da Spinelli Investimentos, a propósito de especulações com o real, entre as moedas mais desvalorizadas diante do dólar em ascensão: “Ciro não precisa esperar o amém do mercado, que talvez faça de graça para ele o que ele quer, a alta do dólar. Mas, passado esse momento, imagine-se que depois o dólar volte a cair; o que ele vai fazer?”
O mercado, diz, vê no candidato do PDT alguém experimentado, com capacidade de articulação política e que entende os problemas do País, mas pretende levar a economia brasileira para outro ponto. Aí enfrentará resistências, por exemplo, se taxar lucros e dividendos, como tem dito que fará.
“Nosso programa econômico ainda está em construção no partido, mas colocará o rentismo em questão. O Brasil não pode ter 80% do crédito concentrado em cinco bancos nem aceitar o volume de juros da dívida pago por ano, tampouco ter investimentos congelados por duas décadas. Não queremos criar pandemônio no mercado, mas não seremos reféns do mercado”, avisa o deputado André Figueiredo, líder do PDT na Câmara.
Um petista do alto escalão aplaudiu a tentativa de fazer de Steinbruch candidato a vice: “É uma jogada inteligente de Ciro, pois se trata de um empresário nacionalista, do setor produtivo e da comunidade judaica, que é importante. E nós não podemos reclamar, o sonho de Lula é ter Josué Gomes da Silva como vice”. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário