Pré-candidato do PDT convoca o empresário Steinbruch para vice e aumenta
a chance de as eleições não serem um passeio para o neoliberalismo
Cynthia Vanzella
Ciro Gomes em uma das escalas do seu périplo por universidades europeias e dos Estados Unidos
A revelação da pesquisa CNT/MDA divulgada na segunda-feira 14 de que Ciro Gomes,
do PDT, teria força para disputar o segundo turno da próxima eleição
presidencial fez o dólar subir 0,77%, para 3,62. No patamar dos 9% das
intenções de voto, o pré-candidato está agora em empate técnico com Marina Silva, da Rede.
Uma conclusão possível é que, mesmo com o candidato
campeão das pesquisas, Lula, encarcerado, a disputa talvez não seja um
passeio para os candidatos neoliberais,
queridinhos do sistema financeiro. Isso, cabe destacar, antes de o
petista anunciar sua recomendação de voto, caso opte por esse caminho.
No plano econômico, significa que a alternativa
desenvolvimentista conta ao menos com um espaço inicial de competição
diante dos proponentes de mais cortes de gastos, mais privatizações,
mais desnacionalizações, portanto mais desemprego.
Haveria uma chance, no entanto, para uma tentativa de
alguma harmonização entre o capital e o trabalho do tipo proposto pelos
Pactos de la Moncloa, firmados em 1977, na Espanha, no governo Adolfo
Suárez.
Entre os empresários, é preciso diferenciar a grande massa
de empreendedores de uma parcela mais esclarecida. O primeiro grupo
finge estar convencido de que a situação econômica do País é mesmo
aquela quase sempre rósea mostrada pela mídia, jamais a dura realidade
do seu dia a dia de vendas difíceis, capacidade ociosa e financiamentos
impossíveis de obter ou de pagar.
Já os mais lúcidos, porque mais bem informados, percebem a
dissonância crônica entre o que a mídia diz e aquilo que de fato é. O
apoio a Ciro em ambos os segmentos tende a aumentar, presume-se, com a
sua intenção declarada na quarta-feira 9 de buscar um candidato a vice
no setor produtivo, no caso o presidente da Companhia Siderúrgica
Nacional, Benjamin Steinbruch.
“Quero um vice de produção ligado ao Sudeste do País”,
disse aos jornais, replicando a fórmula vencedora do também nordestino
Lula na dobradinha de 2002 com o empresário José Alencar, ex-presidente
da Coteminas morto em 2011.
O atual presidente da companhia, Josué Gomes da Silva, filho de Zé Alencar, seria outra alternativa, admite o pré-candidato.
Contribuinte histórico das campanhas de Ciro e seu amigo há 30 anos,
Steinbruch contratou-o em 2015 para presidir a Ferrovia Transnordestina
Logística, controlada pela CSN.
As articulações da candidatura no meio econômico vão além
da busca da adesão de Steinbruch. No mês passado, Ciro e o coordenador
do seu programa econômico, Nelson Marconi, da FGV, o mentor acadêmico
deste, Luiz Carlos Bresser-Pereira, o ex-prefeito de São Paulo Fernando
Haddad e o economista José Márcio Camargo reuniram-se no escritório do
ex-ministro Delfim Netto, colunista de CartaCapital.
A pauta contemplou,
segundo Haddad, “aspectos econômicos de um programa de governo de
centro-esquerda”. Um dos efeitos da inclusão do centro ou de parte dele
num acordo é o aumento da probabilidade de realização do próximo pleito
presidencial, hipótese posta seriamente em dúvida desde o início do
cerco político-judicial a Lula.
Marconi cumpre agenda própria e manteve debates recentes
na FGV com Roberto Gianetti, que colaborou na elaboração do programa
econômico de Geraldo Alkmin, e na Casa do Saber com Paulo Guedes,
principal economista da campanha de Jair Bolsonaro.
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No plano internacional, Ciro cumpre programação
intensa. Na quarta-feira 16 falou a empresários, acadêmicos e políticos
na Câmara de Comércio Brasileira de Estocolmo, na Suécia, e dali
retornaria ao Brasil, encerrando um ciclo iniciado em 2017, que incluiu
palestras no mês passado na Brazil Conference at Harvard & MIT, em
Boston, e debates, em março, na Esade Business School de Barcelona, na
Espanha, e ainda nas universidades de Montpellier, na cidade francesa do
mesmo nome, de Sussex, na Inglaterra, e na Sorbonne, em Paris.
A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo deu indícios de que pretende facilitar a desvinculação de Steinbruch, o primeiro dos três vice-presidentes da entidade
na linha sucessória, de acordo com o estatuto, e que teria de assumir a
presidência quando Paulo Skaf se licenciar para disputar a eleição
estadual, o que deverá ocorrer até junho.
Uma assembleia realizada na terça-feira 15 modificou as
regras, de modo a permitir que o presidente possa escolher qualquer um
dos três vices para comandar a entidade no caso de se afastar
temporariamente ou renunciar. A mudança de regras libera Steinbruch para
integrar a chapa de Ciro, mas não significa que o fará, embora sinalize
também que, ao menos por ora, aparentemente ainda não descartou essa
possibilidade.
Contar com Steinbruch na chapa talvez funcione para
mostrar ao grande público um suposto apoio do empresariado, mas obter de
fato esse suporte em escala expressiva é outra história. O ideário
expresso na sua coluna publicada pela Folha de S.Paulo, por exemplo, é avançado em relação ao da maioria dos seus pares.
Esse distanciamento fica claro, por exemplo, no artigo da
edição de fevereiro, a propósito da intervenção federal no Rio de
Janeiro comandada pelo general Walter Braga Netto, intitulado “O país precisa de crescimento e isso não é tarefa para generais”.
Em março, denunciou a essência financista do regime
econômico verde-amarelo e a desinformação da sociedade a esse respeito:
“Vivemos em um regime de ‘jurocracia’ e não nos escandalizamos com
isso”. No mesmo mês, indicou um rumo: “O Brasil precisa retomar a
vocação de crescimento que ostentava no século 20”.
A chamada da edição da quarta-feira 16 está pronta para
ser pronunciada em um palanque eleitoral: “Vamos construir moradias
decentes para o brasileiro e, ao mesmo tempo, criar empregos”.
Manifestações de Steinbruch em outras
áreas, a começar por aquela da sua competência específica, não parecem,
entretanto, sintonizadas com o pensamento expresso na sua coluna.
Entrevistado, em 2014, pelo jornalista Fernando Rodrigues, sugeriu a
redução do horário de almoço dos trabalhadores de uma hora para 15
minutos, pois, “nos Estados Unidos, você vê o cara almoçando, comendo o
sanduíche com a mão esquerda e operando a máquina com a direita. Tem 15
minutos para o almoço, entendeu? (…) Por que a lei obriga que tenha de
ter esse tempo?” A proposição não parece muito contemporânea, mas poucos
duvidariam do seu acolhimento por uma ampla maioria do empresariado
nativo.
Conclusão:
Steinbruch, enquanto colunista, fala a um punhado de empresários mais
esclarecidos, mas, no papel de entrevistado, ao menos no caso apontado
acima, tem maior empatia com a massa de empreendedores controlada pelo
pensamento econômico único imposto pela mídia favorável, por exemplo, à
eliminação de direitos trabalhistas básicos.
De Alkmin a Bolsonaro, os candidatos neoliberais defendem
uma privatização desbragada e desde já prometem colocar no balcão
Petrobras, Banco do Brasil
e Caixa, para começar. A privatização e a abertura comercial
irrestrita, como aquela proposta em estudo recente da Secretaria de
Estudos Estratégicos da Presidência da República, não são, portanto,
exclusividades desse espectro político.
Ministro da Fazenda por quatro meses no governo Itamar
Franco, Ciro implantou uma abertura radical do País às importações,
revista depois pelo presidente tucano, e encerrou sua gestão com a
intervenção federal no Banespa e no Banerj, os maiores bancos públicos
depois do Banco do Brasil e da Caixa.
A abertura indignou empresários nacionais por forçá-los
a uma competição desigual com concorrentes estrangeiros muito mais bem
aparelhados, mas a privatização foi aplaudida pelas grandes instituições
financeiras privadas, as nacionais e as estrangeiras, ambas de olho
naqueles ativos excelentes arrematados no final por preços de
liquidação.
Apesar de contraditório, o discurso de
Ciro é consideravelmente avançado em relação ao da maior parte dos seus
concorrentes, tanto que ele próprio não se ilude: “Se eu vencer, o real
sofrerá um ataque especulativo”, disse a um analista financeiro.
Incontáveis desafios acumulam-se no horizonte do
candidato, sugere esta observação de André Perfeito, economista-chefe da
Spinelli Investimentos, a propósito de especulações com o real, entre
as moedas mais desvalorizadas diante do dólar em ascensão: “Ciro não
precisa esperar o amém do mercado, que talvez faça de graça para ele o
que ele quer, a alta do dólar. Mas, passado esse momento, imagine-se que
depois o dólar volte a cair; o que ele vai fazer?”
O mercado, diz, vê no candidato do PDT
alguém experimentado, com capacidade de articulação política e que
entende os problemas do País, mas pretende levar a economia brasileira
para outro ponto. Aí enfrentará resistências, por exemplo, se taxar
lucros e dividendos, como tem dito que fará.
“Nosso programa econômico ainda está em
construção no partido, mas colocará o rentismo em questão. O Brasil não
pode ter 80% do crédito concentrado em cinco bancos nem aceitar o volume
de juros da dívida pago por ano, tampouco ter investimentos congelados
por duas décadas. Não queremos criar pandemônio no mercado, mas não
seremos reféns do mercado”, avisa o deputado André Figueiredo, líder do
PDT na Câmara.
Um petista do alto escalão aplaudiu a tentativa de fazer
de Steinbruch candidato a vice: “É uma jogada inteligente de Ciro, pois
se trata de um empresário nacionalista, do setor produtivo e da
comunidade judaica, que é importante. E nós não podemos reclamar, o
sonho de Lula é ter Josué Gomes da Silva como vice”.
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