Estudo da Oxfam revela: eles formam um oligopólio global que abocanha grande parte do valor da venda de alimentos e deixa aos agricultores salários de fome
Por Inês Castilho
Depois da campanha Por Trás das Marcas, de 2013, em que a Oxfam (uma
confederação de 20 organizações que lutam contra a desigualdade em mais
de 90 países) analisou a forma como operam as dez maiores empresas de
alimentos e bebidas, ela agora analisa o elo seguinte da cadeia: os
supermercados.
O objetivo é conscientizar consumidores e investidores sobre o que se
esconde por trás dos alimentos que ingerimos cotidianamente, num
sistema comercial que oferece produtos baratos e de qualidade aos países
do Norte – União Europeia e Estados Unidos – e elites no Sul, com
lucros enormes para as empresas que os vendem, enquanto os pequenos
produtores e trabalhadores rurais, homens e mulheres que os produzem e
beneficiam, passam fome nos países em desenvolvimento.
“A gente não está falando de um problema novo, mas ele está piorando,
pela tendência de consolidação dos supermercados – que concentram poder
e fragilizam a cadeia produtiva”, observa Gustavo Ferroni, assessor de
políticas da Oxfam Brasil. “Os supermercados ficam com a maior fatia do
preço pago pelos consumidores, enquanto os trabalhadores e pequenos
agricultores recebem menos de 13% do total”.
A campanha da Oxfam tem como base uma nova pesquisa: Hora de Mudar – Desigualdade e sofrimento humano nas cadeias de fornecedores dos supermercados,
conduzida pelo Bureau para a Avaliação de Impactos Sociais para
Informação dos Cidadãos (Basic, na sigla em inglês). O estudo analisou a
trajetória de 12 produtos comumente fornecidos às redes de
supermercados do Norte global, a partir de países produtores nos
continentes asiático, africano e latino-americano, em produção de
pequena e grande escala. Em nenhum deles a renda média dos pequenos
agricultores ou trabalhadores é suficiente para que tenham um padrão de
vida decente.
Foram analisadas as cadeias produtivas do café (Colômbia), chá
(Índia), cacau (Costa do Marfim), suco de laranja (Brasil), banana
(Equador), uva (África do Sul), vagem (Quênia), tomate (Marrocos),
abacate (Peru), arroz (Tailândia), camarão (Indonésia, Tailândia e
Vietnã) e atum (Indonésia, Tailândia e Vietnã).
Do trabalho forçado em navios de pesca no Sudeste Asiático, aos
salários miseráveis nas plantações de chá indianas e a fome enfrentada
por trabalhadores das fazendas de uva na África do Sul, é flagrante o
desrespeito aos direitos humanos e trabalhistas nas cadeias de
fornecimento alimentar. Para produtos como o chá indiano e o feijão
verde do Quênia, a renda média dos pequenos agricultores ou
trabalhadores foi inferior a 50% do valor necessário a um padrão de vida
minimamente decente para eles e suas famílias.
As mulheres carregam o fardo maior: o estudo revela que o sistema
alimentar moderno é construído principalmente sobre a exploração do seu
trabalho. Estereótipos de gênero profundamente arraigados fazem com que
seja maior o impacto entre as mulheres, tanto em pequenas propriedades
de agricultura familiar como entre trabalhadoras. Elas não têm direito
de possuir terras, têm menos filiação sindical, assumem a maioria dos
trabalhos de cuidado não remunerado, recebem ainda menos que os homens,
têm barrada sua participação em posições de poder – e ainda são vítimas
de assédio e violência sexual.
NO BRASIL
A concentração do setor de supermercados é grande por aqui: juntos,
Pão de Açucar e Walmart detêm 46% do mercado. O país é responsável por
um dos casos mais gritantes de diferença entre o ganho dos supermercados
e o dos trabalhadores. Um em cada quatro copos de laranja consumidos
nos países do Norte global vêm do Brasil, e o preço do produto aumentou
mais de 50% nos supermercados norte-americanos e europeus desde a década
de 1990. No entanto, o valor pago a pequenos produtores e trabalhadores
rurais no Brasil chega a apenas 4% do valor de venda final, enquanto os
supermercador ficam com 35%. Cerca de 40% dos homens e mulheres que
trabalham na colheita da laranja no Brasil vivem abaixo da linha da
pobreza.
“Esse é o caso da laranja, mas vale para alimentos como melão,
melancia, uva, aves e frango, carne bovina. Boa parte das cadeias de
alimentos passa pelo Brasil, considerado uma potência agrícola, então a
situação dos produtores e trabalhadores rurais está relacionada aos
atores daqui, mas também do Norte”, diz Gustavo.
O valor pago pela colheita de laranja caiu 70% nos últimos 20 anos
(1996-2016), reduzindo ainda mais a remuneração aos pequenos
agricultores. A consequência disso é que os pequenos produtores
abandonam o campo e vão para as periferias das cidades. Ou então
permanecem no campo trabalhando para as grandes fazendas, que têm
condições de atender às exigências dos supermercados em relação a preço e
qualidade.
“Três empresas dominam o mercado da laranja brasileira por meio de
práticas injustas, e elas receberam a maior multa já aplicada por cartel
pelo CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica)”, explica
Gustavo. “Mas há supermercados que são cúmplices delas. As processadoras
de suco têm papel importante, mas mesmo com todo esse poder o maior
valor ainda fica com eles.”
CAMPANHA
A partir dos resultados do estudo, a Oxfam está lançando uma campanha
com diversos tipos de ações, durante os próximos três anos.
“É uma campanha multifacetada, on line e off line, em que a gente
mobiliza cidadãos preocupados no Norte e no Sul, e trabalha com
organizações de produtores e consumidores ampliando sua voz nessa
demanda. Entramos em contato direto com os supermercados, fazendo
pressão, e sempre que preciso atuamos também junto ao governo pela
regulação do setor”, explica Gustavo.
Ele afirma que as ações no Brasil começam já no segundo semestre –
mas não pode antecipar quais são. Os parceiros da Oxfam Brasil nesse
projeto são a Repórter Brasil, a Contag e o Dieese.
CAPITAL E TRABALHO
Não por coincidência, o aumento do poder dos supermercados
corresponde ao poder cada vez menor de pequenos agricultores e
trabalhadores. Uma razão é a liberalização do comércio adotada por
governos de muitos países, com a desregulamentação dos mercados
agrícolas e da mão de obra – o que resulta na fragilização do poder de
negociação de pequenos agricultores e trabalhadores.
Pesquisa com quase 1500 empresas em cadeias de fornecimento globais
mostrou que menos de um quarto delas tem a presença de sindicatos, que a
negociação coletiva está em declínio, que reduziram-se orçamentos
governamentais para serviços de extensão, pesquisa e desenvolvimento
voltados a pequenos agricultores. Mesmo onde a legislação garante
salários mínimos, eles estão quase sempre muito abaixo do que é
reivindicado pelos sindicatos e insuficientes para o sustento de um
trabalhador e sua família (o chamado “salário digno”).
A Oxfam acredita que é possível reverter esse cenário. “Sabemos que o
caminho não é fácil de percorrer, mas este relatório mostra que todos
nós – governos, empresas e cidadãos – podemos fazer muito mais no
sentido de tornar essa visão uma realidade para quem produz os nossos
alimentos”, afirma o relatório. Para isso, é preciso que:
> Os consumidores passem a considerar inaceitável a venda de alimentos produzidos com sofrimento humano.
> Os governos restabeleçam e garantam o cumprimento de proteção a pequenos agricultores e trabalhadores, e contenham o abuso de poder por parte de supermercados e seus fornecedores.
> Pequenos agricultores e trabalhadores sejam empoderados para negociar condições mais justas com seus compradores ou empregadores e, entre eles, a posição das mulheres se consolide na mesa de negociações, com seus direitos respeitados.
> Os supermercados e seus fornecedores alterem esse modelo de negócio para compartilhar mais poder e distribuir mais receitas às mulheres e aos homens que os abastecem.
> Os governos restabeleçam e garantam o cumprimento de proteção a pequenos agricultores e trabalhadores, e contenham o abuso de poder por parte de supermercados e seus fornecedores.
> Pequenos agricultores e trabalhadores sejam empoderados para negociar condições mais justas com seus compradores ou empregadores e, entre eles, a posição das mulheres se consolide na mesa de negociações, com seus direitos respeitados.
> Os supermercados e seus fornecedores alterem esse modelo de negócio para compartilhar mais poder e distribuir mais receitas às mulheres e aos homens que os abastecem.
PODER DOS SUPERMERCADOS
> Na União Europeia, apenas dez supermercados respondem por mais de metade de todas as vendas de alimentos no varejo.
> No Reino Unido, quatro supermercados controlam 67% do mercado de alimentos básicos
> Na Holanda, apenas cinco controlam aproximadamente 77% do mercado.
> A maior varejista de alimentos do mundo, a Walmart, cuja propriedade majoritária é da família mais rica dos Estados Unidos, gerou em 2016 receitas equivalentes à Renda Nacional Bruta da Noruega ou da Nigéria – mais dee 485 bilhões de dólares.
> Os oito maiores supermercados de capital aberto do mundo geraram quase 22 bilhões de dólares em lucros e cerca de 1 trilhão em vendas em 2016. Eles pagaram mais de 15 bilhões de dólares aos acionistas.
> No Reino Unido, quatro supermercados controlam 67% do mercado de alimentos básicos
> Na Holanda, apenas cinco controlam aproximadamente 77% do mercado.
> A maior varejista de alimentos do mundo, a Walmart, cuja propriedade majoritária é da família mais rica dos Estados Unidos, gerou em 2016 receitas equivalentes à Renda Nacional Bruta da Noruega ou da Nigéria – mais dee 485 bilhões de dólares.
> Os oito maiores supermercados de capital aberto do mundo geraram quase 22 bilhões de dólares em lucros e cerca de 1 trilhão em vendas em 2016. Eles pagaram mais de 15 bilhões de dólares aos acionistas.
CARÊNCIA DOS TRABALHADORES
> Na Tailândia, mais de 90% dos trabalhadores entrevistados em
unidades de beneficiamento de frutos do mar relataram ter ficado sem
comida suficiente no mês anterior. Entre eles, 54% das trabalhadoras
disseram que, em várias ocasiões durante aquele período, não houve
comida de qualquer tipo em casa.
> Na África do Sul, mais de 90% das trabalhadoras entrevistadas em fazendas de uva disseram não ter tido alimento suficiente no mês anterior. Quase um terço disse que elas próprias ou um membro de suas famílias tinham ido dormir com fome pelo menos uma vez naquele período.
> Na África do Sul, mais de 90% das trabalhadoras entrevistadas em fazendas de uva disseram não ter tido alimento suficiente no mês anterior. Quase um terço disse que elas próprias ou um membro de suas famílias tinham ido dormir com fome pelo menos uma vez naquele período.
> Na Itália, 75% das mulheres entrevistadas em fazendas de frutas e legumes disseram que elas próprias ou algum membro de suas famílias reduziram o número de refeições no mês anterior porque sua família não conseguiu comprar comida suficiente.
> Em menos de 5 dias, o executivo mais bem pago de um supermercado do Reino Unido ganha o mesmo que uma mulher que colhe uvas em uma fazenda da África do Sul recebe durante toda a vida.
> Apenas 10% do dinheiro pago aos acionistas nos três maiores supermercados dos Estados Unidos – Walmart, Costco e Kroger – em 2016 seriam suficientes para pagar um salário digno a mais de 600.000 trabalhadores na indústria tailandesa de camarão.
> Na África do Sul, mais de 90% das trabalhadoras entrevistadas em fazendas de uva disseram não ter tido alimento suficiente no mês anterior. Quase um terço disse que elas próprias ou um membro de suas famílias tinham ido dormir com fome pelo menos uma vez naquele período.
> Na África do Sul, mais de 90% das trabalhadoras entrevistadas em fazendas de uva disseram não ter tido alimento suficiente no mês anterior. Quase um terço disse que elas próprias ou um membro de suas famílias tinham ido dormir com fome pelo menos uma vez naquele período.
> Na Itália, 75% das mulheres entrevistadas em fazendas de frutas e legumes disseram que elas próprias ou algum membro de suas famílias reduziram o número de refeições no mês anterior porque sua família não conseguiu comprar comida suficiente.
> Em menos de 5 dias, o executivo mais bem pago de um supermercado do Reino Unido ganha o mesmo que uma mulher que colhe uvas em uma fazenda da África do Sul recebe durante toda a vida.
> Apenas 10% do dinheiro pago aos acionistas nos três maiores supermercados dos Estados Unidos – Walmart, Costco e Kroger – em 2016 seriam suficientes para pagar um salário digno a mais de 600.000 trabalhadores na indústria tailandesa de camarão.
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